[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

D. Fernando II,
o esquecido


Sintra deve-lhe tudo. E, como é natural numa terra de gente muito distraída, nenhuma comemoração oficial, cerimónia formal ou encontro mesmo informal, estão programados para o dia de hoje. Telefonei para o gabinete do Senhor Presidente da Câmara e também para a Parques de Sintra Monte da Lua, no sentido de saber se, pelo menos, no Palácio da Pena haveria alguma comemoração. Pois, tanto num como no outro lado, gentis funcionárias tiveram o cuidado de se certificarem para me poderem informar nos termos do que transmito aos leitores.

Parece impossível mas é mesmo assim. O institucional reconhecimento de Sintra a D. Fernando II concretiza-se nesta lastimável mas bem sintomática ausência. Neste caso, ignorar, não marcar a data com sinais inequívocos de gratidão e de homenagem é mesmo um crime de lesa-majestade, deixem-me usar a analogia.

Naturalmente, a pouca preparação cultural dos responsáveis autárquicos, em familiar articulação com a proverbial falta de conhecimentos ou desatenção dos técnicos dos serviços culturais acabam por resultar nestas evidências que fazem a nossa vergonha. Hoje, tenho a certeza, não sou a avis rara que se sente envergonhada pelo desrespeito institucional por quem tanto amou Sintra e a quem Sintra tudo deve. Há amigos com quem já falei que comungam deste desgosto.

Todavia, como sentir qualquer surpresa? É que, na realidade, o gabarito cultural desta gente, coitada, infelizmente muito poucochinha [mas democraticamente eleita, meu Deus, que perversidade!...] não vai muito além de iniciativas do baixíssimo nível como o da tal Sintra Romântica, campanha bacoca que promovem no desconhecimento total do que seja Sintra e movimento romântico que determinado ecletismo e sincretismo cultural suscitaram.

Esquecido? Sim, pelos videirinhos e politiqueiros cá do burgo que, embora vivendo à custa do que D. Fernando investiu, são incapazes de um gesto de mínima nobreza. Mas, aqui, no sintradoavesso, comemora-se a efeméride sem que, para o efeito, tenha de acrescentar ou subtrair seja o que for ao texto que, há três anos, escrevi e publiquei, tanto no saudoso Jornal de Sintra como neste blogue, subordinado ao título D. Fernando II, Pobre artista! Pobre rei! que me permito voltar a propor. Por facilidade de acesso, passo a transcreve-lo.

Transcrição:


D. Fernando II
Pobre artista! Pobre rei!


Há muitos anos que, para mim, o 29 de Outubro é subordinado à memória de Fernando de Sax- Coburg-Gotha (Coburg, 29.101816 - Lisboa, 15.12.1885), um dos homens que mais decisivamente marcou a segunda metade do século dezanove em Portugal, especialmente no âmbito da defesa e recuperação do património.

Muitas são as histórias e os episódios de salvaguarda de peças de valor patrimonial inestimável, in extremis resgatadas ao destino da pura e simples destruição, não fosse a sua directa intervenção. Um verdadeiro diletante, homem informado e de grande cultura, artista ele próprio, grande amante da Música, cantor, pintor de gabarito, tão impressiva foi a marca da sua atitude e actividades que ainda hoje é lembrado sob o epíteto de rei artista.

"(...) Pobre artista! Pobre rei!" É com estas exclamações que Ramalho Ortigão termina o texto subordinado ao título O Rei D. Fernando.* Estas palavras são precedidas por vinte páginas de uma homenagem que, passados que já são cento e vinte um anos sobre a sua escrita, ainda hoje continuam a funcionar como pretexto para que os portugueses melhor se reconheçam, quando lhes dá para o farisaísmo, mesquinhez, ordinarice, inveja, na acabada demonstração da incapacidade de se organizarem à volta dos seus mais autênticos interesses.

Animação da Leitura...

Quem ainda não leu aquelas estupendas linhas de As Farpas e julga conhecer a grande e a pequena História de Sintra, em especial no que se refere ao legado da Pena, não sabe o que tem andado a perder. Ramalho Ortigão escreveu-as, na sequência da morte do Senhor D. Fernando, a quente, reagindo à hipocrisia de uma data de ignorantes que, ao fim e ao cabo, ainda andam por aí. Ou ainda não terão notado? Verão a razão que me assiste quando as lerem.

Uma das maneiras para melhor comemorar a efeméride, não tenho a mínima dúvida, passa pela leitura de texto tão recomendável, que tanto proveito e gozo estético proporcionará a quem seguir o concelho deste humilde escriba que se atreve, não só ao beija-mão real, mas também à evocação de um escritor maior de oitocentos. Nos dias que correm, passe a presunção, não é façanha menor...

...da Música

Mas ainda não vos deixo sem outra recomendação que, aliás é suscitada pela leitura que recomendo: "(...) E, instalando-se num fauteuil, ao fundo da sala de música, [D.Fernando] cantou-lhe ao piano, à mais larga expressão elegíaca da sua extensa voz de baixo cantante, A Criação, de Haydn (...)"

Ouçam essa outra obra-prima. Mesmo que já conheçam a oratória A Criação, não deixem de repetir. Dêem-se ao luxo de participar naquele momento sublime da História da Música que cioincide com a fracção de Tempo em que, no Espaço do caos, a luz se fez. O grande Haydn, introduzido pelo próprio Mozart na Maçonaria, deixa nesta obra o seu mais alto contributo para o brilhante acervo artístico da Augusta Ordem. Ouçam. Repitam.

Ainda vos escreverei que, durante alguns anos de luto, pelo que estava a acontecer no Parque da Pena, especialmente sob a desastrada administração do biólogo Serra Lopes, pedia eu a Brahms que com o seu Ein Deutsches Requiem me acompanhasse na celebração da efeméride fernandina. Como sabem, trata-se de um Requiem profano, já que não segue o cânone cristão. Mas raramente, música e textos, do Antigo e Novo Testamentos, traduzidos por Lutero, tão bem encontraram um caminho comum para celebrar a Morte das coisas e

das pessoas.

...e da Arte, em geral



Mas, por favor, nada de misturas. Em primeiro lugar, leiam. Depois, escutem as músicas. Não façam como tanta e tão boa gente, que afirma precisar da Música como fundo para a concretização de outras actividades culturais, como a leitura da Literatura, por exemplo. Se querem saber, eu sou completamente contra. É que tanto a Literatura como a Música são tão exigentes de concentração, que o leitor-simultaneamente-ouvinte, mesmo de obras literárias e musicasis afins, com certeza, perderá inúmeros aspectos de uma e outra obras de Arte.

Hoje, em memória de um pobre rei, em memória de um pobre artista, saibamos conceder-nos o benefício da Arte e, muito a propósito, lembremos o horaciano carpe diem que, ao contrário do que alguns consideram bem interpretar, nada tem de aconselhamento à facilidade. E facilidade foi coisa que D. Fernando jamais promoveu embora tivesse sabido muito bem aproveitar os dias da sua passagem por aqui.

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(*)Ramalho Ortigão, José Duarte, O Rei D. Fernando, in As Farpas, Obras Completas de Ramalho Ortigão, tomo III, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1969

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sintra...quê?
[2]

Na continuação do escrito anterior e, à guisa de sumário, lembremos que a SintraQuorum não é uma república autónoma, isolada do todo que é o contexto da comunidade em que se encontra indissociavelmente inserida. Pelo contrário, nos mais diferentes domínios, aquela que ainda é empresa municipal, articula-se com Sintra através de traços de união de tal ordem estreitos que constituem razões mais do que suficientes para resultarem numa enorme preocupação com o que se passa à sua volta.

O caos do estacionamento nas ruas perto do Centro Cultural Olga Cadaval é coisa que, como a água, a empresa não pode sacudir do capote. De facto, em termos da responsabilidade pela situação, a SintraQuorum é apenas conivente, uma dentre as entidades que, ao longo de anos e anos, nada fizeram contra a ausência de medidas afins de um estacionamento, sem qualquer problema, absolutamente legal, a escassos trezentos metros do auditório. Causa escândalo como, tão facilmente, poderiam os condutores, devida e civilizadamente orientados, não ser induzidos à prevaricação…

Saudoso Festival

Completamente diferente se manifesta o caso da quebra de qualidade do Festival de Sintra. Como é inegável, as culpas no cartório só têm um destinatário, ou seja, nem mais nem menos do que a própria empresa municipal. E tudo isto é tanto mais evidente quanto os seus directores artísticos, na vertente musical o Dr. Luís Pereira Leal e, na dança, Mestre Vasco Wellenkamp, são personalidades do mais alto gabarito que, apesar das restrições orçamentais, foram capazes de propor alternativas de inequívoca qualidade.

Como tenho tido oportunidade de largamente demonstrar, responsável pelo descalabro foi a introdução dos designados contrapontos [que, preciso é sublinhar, nada têm a ver com o figurino do Maestro Cláudio Abbado que, há uns anos, sugeri fosse adoptado (não adaptado, e, muito menos, desta maneira...) a partir dos Kontrapunkte do Festival da Páscoa de Salzburg]. Através de tão descabelada componente, a SintraQuorum transformou a programação do Festival de Sintra num saco de gatos à bulha onde, sem ponta de lógica, sem a mínima coerência nem consistência, tudo passou a caber.

Os leitores deste blogue – e, nomeadamente, aqueles que, antes do advento dos tais contrapontos, estavam habituados a uma superior qualidade-padrão das propostas do Festival de Sintra – têm contribuído, muito generosamente, com uma enorme quantidade de comentários acerca deste assunto. Vale a pena introduzir as palavras ‘Festival de Sintra’ no rectângulo superior esquerdo do painel para consultar o arquivo e verificar o bom nível das críticas ali registadas.

Quem pretender ficar ainda mais esclarecido há-de predispor-se a um exercício que, certo é, nem a todos será acessível. Refiro-me à comparação dos programas do festival, não só de antes e depois dos contrapontos mas também de antes e depois de a iniciativa deixar de ser da responsabilidade da Câmara Municipal de Sintra para passar à da empresa municipal. Muito interessante, ler nas linhas e entrelinhas das respectivas equipas técnicas, perceber quem é quem, quem deixou de ser, que créditos de competência têm sido malbaratados e a favor ou contra quem…

De facto, só assim, e, com maior propriedade, poderá concluir-se pela adequação, também a este caso, de tudo quanto aqui tenho escrito sobre a necessidade de extinção das empresas municipais. De facto, no que em especial se refere ao notável e saudoso Festival de Sintra, nada se ganhou e tudo está prestes a perder-se irremediavelmente.

Se há coisa com a qual não pode brincar-se é a reputação de um festival. É algo de muito precioso, custa imenso a conquistar. E toda a minha mágoa reside na circunstância de que o Festival de Sintra tinha uma reputação absolutamente irrepreensível que uma certa gentinha da novel empresa municipal deitou a perder. Sem que, até hoje, apesar das queixas, tivesse agido quem poderia e deveria obviar tal estado de coisas.

É imperdoável! Tenham paciência, não posso nem devo calar-me enquanto a situação se mantiver, para prejuízo da Cultura em geral e da Cultura em Sintra, em particular. Relaciono-me ou sou mesmo amigo de certas pessoas – algumas bem conhecidas no meio musical, outras ligadas à própria realização do Festival durante muitos anos – que, estando em silêncio, partilham totalmente desta minha indignação.

Mesmo antes da extinção da empresa municipal importa acudir ao festival. E, para já, se o figurino é assim tão bom, privatizem-no! Os seus mentores que vão com ele para outro lado. E, se pretenderem manter o actual modelo, com a inclusão dos contrapontos, sigam a estratégia que aplicaram àquela coisa que aconteceu há quinze dias, ao apropriarem-se do adjectivo inglês misty.

Ao actual descalabro chamem mix. Mix qualquer coisa, ou qualquer coisa mix. Talvez counterpoints mix, que aquelas cabecinhas pequeninas, para fugirem aos pontapés na gramática do português, devem ser incapazes de sobreviver sem uma coisita em inglês. Mas, por favor, sem referência ao nome da nossa querida Sintra. É que, para o efeito da ofensa à terra, até temos uma provinciana e bacoca campanha Sintra Romântica que já pede meças à noção de disparate…

Basta de ofensas! E, em especial, de ofensas à inteligência dos munícipes. Para que fique bem claro, repito que me permito subscrever estas considerações na medida em que tudo isto se passa no contexto de uma empresa que vive e sobrevive à custa de dinheiros públicos. Directa e indirectamente, nesta e, a nível nacional, noutras 343 (é verdade, trezentas e quarenta e três!) quejandas empresas municipais, o dinheiro que circula é proveniente de impostos e de derramas que liquidamos na presunção de que o destino de tais verbas é o melhor possível…

Manifestamente, não é isto que se passa!



terça-feira, 26 de outubro de 2010

Porque toda a carne é como a erva, e toda a glória do homem como a flor da erva.
A erva seca e a flor cai.

1. São Pedro 1, 24



Pedro Maria,
meu neto e pretexto


Hoje, dia em que faz seis anos, o Pedro Maria ainda não compreende estas que são palavras sábias e perenes. De algum modo, no entanto, por via dos valores e princípios que, à sua volta, vão sendo observados, tanto pela família mais próxima como alargada, sempre tem ele vivido e, espero bem, pela vida fora, continuará a viver no respaldo e ao abrigo daquelas ideias-chave, em epígrafe.

A transitoriedade e o carácter efémero da vida constituem matizes de um mesmo quadro de referência, nos termos do qual o apelo ao lúcido e inevitável despojamento da matéria é coisa absolutamente decisiva, para ser atendida e posta em prática em todos os tempos, de tal modo que prevaleça o espírito e que, liberto este das amarras dos bens tangíveis, possa aceder à Arte, à Beleza, ao Conhecimento, como sublimes atributos da própria ideia da divindade.

No aniversário de um menino que me é tão querido, em dia de celebrar o futuro, penso nos meninos que, aqui perto e em todas as latitudes, também hoje, vivem e morrem a anos luz destas preocupações. E, de facto, assim é porque nos vamos esquecendo de que “(…) a glória do homem é como a flor da erva (…)” O santo homónimo do meu neto bem deixou este pensamento à posteridade mas os tempos não vão propícios à sua assunção…

A propósito, sim

Por uma série de afinidades e conotações, não consigo deixar de relacionar a reflexão que convosco partilho com uma peça fundamental do romantismo alemão musical tardio. Trata-se de Ein deutsches Requiem, op. 45 de Johannes Brahms (Hamburg, 1833-Wien, 1897) obra datada de 1868 que, apesar do título, não reveste a forma da canónica missa que, muito naturalmente, se associa ao conceito de requiem.

Neste caso, Brahms procedeu a uma tão livre como criteriosa selecção de estratos da Bíblia, traduzidos para alemão, que, nada tendo a ver com o latino ordinário da missa de defuntos, nos remetem para uma visão despojada, necessariamente mais serena da existência humana, talvez mais próxima da mundividência cristã protestante, ainda que o compositor não fosse crente.

Hoje, dia especial de celebração da Vida – que, com a minha marca, apesar de mim, continua no Pedro Maria – em mim, o são convívio com a Morte, outra face da dicotomia. O homem crente que sou, conjuga-as no trilho de uma síntese triádica, em que ambas se articulam com a Música, a Arte que me é mais próxima e que, como toda a Arte, mais me aproxima do sublime.

Se puderem, acompanhem-me numa audição de Ein deutsches Requiem. Pode não ser hoje mas não deixem de o fazer. Hão-de compreender, estou certo, a razão de vo-lo aconselhar, como mais uma peça do puzzle que muitos de nós vamos jogando ao longo da vida, na tentativa de nos libertarmos do acessório. Se conseguirem chegar onde é possível, também estarão o Pedro Maria e todos os principezinhos deste mundo e do outro…

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Sintra… quê?
[1]

Continuo o assunto que, nestas páginas, tem dominado as últimas intervenções. E, de acordo com o compromisso anterior, aqui trago uma questão relativa a outra empresa municipal. Infelizmente, o facto de, nos últimos dez anos, já a ter abordado vezes sem conta, tanto neste blogue como no saudoso Jornal de Sintra, não contribuiu para a sua resolução. É relativa à SintraQuorum e não tenho a mínima dúvida em afirmar ser um seríssimo problema de estacionamento, dos mais graves da sede do concelho.

A partir de um imóvel a vários títulos degradado e vítima de incêndio, cujas estruturas e proposta estética geral inicial tinham a dignidade de um projecto assinado por Norte Júnior, um dos mais prestigiados arquitectos portugueses do século vinte, o executivo municipal liderado por Edite Estrela, dotou Sintra de um complexo de instalações que, muito justamente, constituem um dos seus orgulhos, ou seja, o Centro Cultural Olga Cadaval, em honra da mecenas que não poderia ter sido escolhida com maior justeza e inequívoca pertinência.

De cine teatro de âmbito local, onde, durante décadas, se acedeu sem quaisquer problemas, fosse a pé, em transporte público ou em viatura própria, passou-se à dimensão de algo cuja polivalência residual permite a realização de congressos, seminários ou simpósios bem como, naturalmente, a promoção das mais diversas iniciativas de índole performativa.

No entanto, aquele que se transformou num edifício que até poderíamos considerar interessante – não fora a atrocidade do pórtico desconforme, adossado à fachada da construção primitiva – acabaria por se revelar uma inequívoca fonte de problemas de solução nada fácil no domínio do estacionamento.

Afinal, tudo resulta da sua implantação em malha urbana sem que, oportuna e tão naturalmente quanto o exigem as normas de segurança de pessoas e bens em latitudes civilizadas, se tivesse pensado na resolução das várias questões relativas ao parqueamento das centenas de viaturas dos interessados que demandam o local e as imediações em dias e noites de eventos.

Deixo a questão do encravamento do edifício, praticamente sem capacidade de manobra nas traseiras, sem uma adequada plataforma de encosto ao nível do estrado dos camions, que permita a expedita saída e entrada de mercadorias, circunstância que, de uma penada, acabou por inviabilizar uma vertente da rentabilização financeira.

De facto, assim acontecendo, é impraticável a recepção de produções de espectáculos que circulam pela Europa a bons preços. Não há espaço para os grandes TIR acederem, encostarem, etc. Parece impossível mas é verdade. Quando a obra ainda decorria e me apercebi do que iria acontecer, alertei para o facto. Mas ninguém me ouviu, acabando por ficar prejudicada a própria vocação do edifício.

O caso do dia

Por fim, o que mais me interessa focar é, pois claro, o problema do estacionamento que, escandalosamente, desde a inauguração há dez anos, continua por resolver. Não há que ter receio das palavras. É inadmissível! Tendo nascido para agilizar a gestão, face aos constrangimentos provocados pelos circuitos da administração pública, causa revolta que, tanto tempo passado, ainda não tenha sido possível concretizar a solução alternativa ao caos que, habitualmente, ali se instala.

Actualmente, a coisa suscita maior perplexidade já que o Presidente do Conselho de Administração da SintraQuorum é o próprio Presidente da Câmara Municipal de Sintra, alguém que não poderia estar mais bem colocado no sentido de promover a actuação integrada das forças da ordem em articulação com a SintraQuorum e Emes. É incrível como não tem sido possível concretizar algo que não é particularmente sofisticado.

A propósito, convém-me recorrer a alguns parágrafos do texto aqui publicado no passado dia 18 do corrente que passo a transcrever:

“(…) Como tenho tido oportunidade de demonstrar, neste específico caso das imediações do CCOC, transformadas em terreno de intervenção prioritária quando há espectáculos, até há alternativa. Pressupõe a intervenção articulada das forças de segurança, Câmara Municipal de Sintra e empresas municipais Emes e SintraQuorum. Por favor, entendam-se!

A propósito, não posso deixar de recordar que tenho uma carta em meu poder, assinada pelo Chefe do Gabinete do Senhor Presidente da CMS em 14 de Março de 2006, através da qual fui informado de que o Senhor Vereador Luís Duque tinha sido incumbido desta missão de coordenação afim da solução constante do parágrafo seguinte. Sublinho, em 14 de Março de 2006.

De facto, o parque de estacionamento adjacente ao Departamento de Urbanismo, fica a escassos três minutos a pé. Para o efeito da sua sistemática e imperiosa utilização, basta informar devidamente – por exemplo, também através de indicações nos próprios bilhetes, avisos na comunicação social, placares de sinalização, etc – e encaminhar os condutores para o local onde, civilizadamente, poderão deixar as suas viaturas. Esperemos que, desta vez, o
Senhor Vereador seja mais lesto para que o resultado não demore outros quatro anos...

Estão em jogo princípios de gestão que se perspectivam sistemicamente, num quadro de actuação tão caro ao Senhor Presidente da Câmara. Estamos em presença de valores tão evidentes como a segurança de pessoas e de bens e a qualidade de vida de munícipes que, directa e indirectamente, fazem chegar aos cofres municipais os recursos bastantes que proporcionem a resolução do assunto. Continuar o statu quo, fazendo ouvidos moucos à razão, constitui manifesta declaração de incompetência pessoal e institucional de todos os envolvidos.

Tem-se olhado para este como se fosse um caso de somenos. De modo algum o é! A propósito do acesso à Regaleira, também já o escrevi, e repito, que o próprio modo como se acede ao local onde é suposto assistir a uma qualquer oferta cultural, já é, em si, um acto cultural. Dificilmente se aceita que, não entendendo este princípio, se possa dirigir, administrar ou gerir equipamentos culturais como os que estão em presença.

Enfim, ele há gente para tudo e até para conviver com um quadro de referência que, tão degradantemente, se lhe cola à pele. Mais uma vez, espero que haja a decência de resolver a contento. Independentemente da prova de estar esgotado o estatuto de empresa municipal e do piedoso dever se lhe rezar por alma, impõe-se que, no caso vertente, as duas ainda EM e as restantes entidades não nos envergonhem por mais tempo.

[SintraQuorum continua]




terça-feira, 19 de outubro de 2010

HP... o quê?

Não são poucos os textos que, nos últimos anos, aqui tenho publicado acerca da necessidade de extinguir as empresas municipais. Para o efeito, tenho-me louvado das muitas razões que assistem à minha posição e que, à discrição de quem se der ao trabalho de as compulsar, circulam em diferentes instâncias que, com maior crédito público, nas esferas da economia e finanças ou da justiça, se têm dedicado à avaliação da pertinência deste modelo.

Mais frequentemente, tanto se põe em causa a sua adequação ao Direito Público - a exemplo do Dr. Fernando Seara, em 1 de Março de 2002, na tomada de posse dos conselhos de administração das EM - como a consequente duplicação de serviços, ou o nepotismo que desencadearam, bem como o alegado despesismo que suscitam e, ainda, acrescento eu, a possibilidade que as EM oferecem aos autarcas de se escudarem na cadeia de sucessivas plataformas de intermediação, furtando-se ao directo escrutínio dos munícipes.

Todavia, pelo menos tão pertinentes como estes, se evidencia o argumento da real quebra de qualidade dos serviços prestados à comunidade por tais empresas, cuja declarada origem radica na pretensa necessidade de agilizarem os circuitos administrativos da Administração Pública, acabando, isso sim, por se subtraírem aos seus mecanismos de controlo.

Em Sintra, à excepção dos próprios envolvidos e interessados, não haverá munícipe que possa afirmar ter a sua qualidade de vida melhorado com o advento e manutenção das empresas municipais. Faça-se o esforço que se fizer, sem quaisquer preconceitos, e, provavelmente, não se encontrará caso algum que sustente a continuidade da operação de tais entidades. A propósito, não deixarei de lembrar que, há uns anos, eu próprio me convenci da possibilidade de subsistência de uma ou outra das empresas municipais de Sintra. Contudo, o tempo se encarregou de me retirar a razão.

O caso do dia

Infelizmente, não é difícil documentar como a referida falta de qualidade se manifesta, com cópia de casos, por toda a comunidade. Tentando não me dispersar, só na sede do concelho, assinalarei alguns factos contra os quais não há argumentos. As fotos que se seguem ao texto testemunham situações concretas da manifesta falta de qualidade do serviço prestado pela HPEM, a empresa que, além do lindo trabalho que as cenas documentam, ainda se permite brindar os residentes e visitantes com outros desacatos.

No bairro da Estefânea, a lindíssima calçada à portuguesa da Correnteza acumula trampa e gordura que as varredelas não conseguem remover. Como o pavimento nunca é lavado, basta haver alguma humidade para se tornar extremamente escorregadio e mesmo perigoso. Trata-se de uma zona espectacular, de nítida vocação para o lazer, onde as famílias cuidadosas evitam levar as crianças a brincar pela inconveniência da falta de higiene.

Ainda neste contexto de periculosidade do pavimento, por manifesta falta de lavagem, idêntica situação se verifica na Volta do Duche, sempre que a humidade marca presença e, em especial, pela fresca matinal. Não exagero. Nem isto escrevo porque me contaram. Na realidade, todos os dias circulo por estes caminhos e, por isso mesmo, o testemunho é não só directo e inequívoco mas também de enorme desgosto.

Outros casos poderia ainda trazer à colação. No entanto, circunscrevendo-me apenas às freguesias da sede do concelho, não resisto a contar o que aconteceu, há precisamente um mês, no dia 20 de Setembro, cerca das onze da manhã, junto à Quinta da Regaleira, em consequência do funcionamento de um veículo que ia na sua faina de aspirador da sujidade acumulada nas bermas do caminho.

Além da poluição sonora que ia causando, o ar ficou irrespirável, afugentando uma série de forasteiros, tal como eu incomodados pelo despautério, defendendo olhos, nariz e boca das agressões. Claro que, ao operador do equipamento, faltaria formação adequada. Mas o que dizer dos senhores administrador da HP e Vereador responsável? O que lhes faltará? Não faço acusações torpes, não me move a animosidade de qualquer processo de intenção. Perplexo e inconformado apenas questiono, civicamente interessado no melhor quadro de serviço à comunidade.

Concluindo…

Ontem à noite, durante o programa Prós e Contras do canal um da RTP, falando acerca do dificílimo momento que atravessam as finanças nacionais e locais, e da consequente necessidade de cortes na despesa pública a todos os níveis, o Presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha dizia, alto e bom som, da necessidade de acabar com as empresas municipais.

Por todo o país há aliados desta causa a favor da extinção das EM. Basta estar atento aos debates que a comunicação social vai proporcionando para constatar que, entre eles, estão autarcas dos vários partidos com representação parlamentar. Renderam-se! Eles próprios concordam em acabar com algo que, ao fim e ao cabo, lhes saiu como o tiro pela culatra. A todos,munícipes
contribuintes, nos sai do bolso.

Se nos insurgimos, razões não faltam. Temos todo o direito porque se trata não de entidades privadas mas de empresas em que cada centavo gasto sai dos impostos que liquidamos com enorme sacrifício. Em tempo de tanta míngua de recursos podemos dar-nos ao luxo de autorizar a continuidade de uma situação tão controversa?

Haja decência e resolva-se o que não pode deixar de ser! Entretanto, irei trazendo ao sintradoavesso outros casos do dia relacionados com outras empresas municipais. Como sabem e calculam, matéria é coisa que não falta... Por agora, fiquem-se com estas imagens.






















18.10.2010, 16,00 horas, São Pedro,
a caminho do Ramalhão































18.10.2010, 15,50 horas, Largo de São Pedro































18.10.2010, 15,40 horas, perto da Casa dos
Avellares, Santa Maria
































18.10.2010, 15,30, igreja de São Martinho
































18.10.2010, 15,20, Rua Dr. Alfredo da Costa















15.10.2010, 14,30, Av. Heliodoro Salgado




segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Saudação à PM de Sintra


“(…) A ocupação indevida e abusiva do estacionamento dificulta directamente a mobilidade do nosso concelho. A partir do próximo mês de Outubro, será missão da EMES e da Polícia Municipal não só a verificação do cumprimento nas zonas tarifadas, como também o cumprimento das regras de estacionamento, com a possibilidade de bloqueamento e remoção dos veículos indevida ou abusivamente estacionados. (…)”


É assim – e, naturalmente, muito bem! – num folheto profusamente distribuído e colocado nos pára-brisas dos automóveis, que a Polícia Municipal e a Emes anunciaram os gerais objectivos da operação articulada nos termos da qual vão tomar as medidas que se impõem para acabar com o descalabro do estacionamento em locais onde é manifestamente proibido.

Neste domínio do estacionamento, habituado a assistir ao quotidiano desrespeito da Lei em toda a sede do concelho – e, em particular, na zona da Estefânea, junto ao Centro Cultural Olga Cadaval, onde o problema é muito grave – já quase não tinha esperança na reposição da legalidade. Pois bem, a surpresa desta iniciativa devolveu-me argumentos para não desistir da denúncia da situação.

Portanto, aqui o dever de assinalar tão significativa mudança de atitude, contra a cultura do desleixo, contra a perniciosa prática da famigerada tolerância que sempre atropela os direitos da maioria. Neste e noutros contextos, é tempo de não vingar a tese segundo a qual, não havendo alternativa,* a polícia deve transigir… Isto não vai ser fácil mas impõe-se a luta contra a falta de civismo.

Como se verifica pelo teor do texto transcrito, trata-se de actuação conjunta de duas entidades, uma das quais é empresa municipal. Independentemente da opinião que tenho manifestado quanto à necessidade de dispensar tal tipo de empresas, limito-me a esperar que, no desempenho das tarefas ainda de sua atribuição, a Emes assegure a articulação em apreço.

Porém, como soe dizer-se, em relação à PM, a coisa fia mais fino… Na realidade, não é frequente um discurso tão inequívoco afim do exercício da autoridade que assiste à Polícia para defesa dos interesses dos cidadãos. Assim sendo, na pessoa da Sra. Comissária Neri Correia, dirijo ao Comando da força a saudação mais expressiva, com votos do maior êxito.

Uma vez que já se entrou na segunda quinzena de Outubro, é com a maior expectativa que aguardo a impossibilidade de voltar a registar os vergonhosos quadros da mais flagrante ilegalidade, análogos aos deste último fim de semana, em que houve uns espectáculos aqui no CCOC. Não estava muita gente mas foi o suficiente para armar o sarrabulho que a PM pretende combater.

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Como tenho tido oportunidade de demonstrar, neste específico caso das imediações do CCOC, transformadas em terreno de intervenção prioritária quando há espectáculos, até há alternativa. Pressupõe a intervenção articulada das forças de segurança, Câmara Municipal de Sintra e empresas municipais Emes e SintraQuorum. Por favor, entendam-se!

A propósito, não posso deixar de recordar que tenho uma carta em meu poder, assinada pelo Chefe do Gabinete do Senhor Presidente da CMS em 14 de Março de 2006, através da qual fui informado de que o Senhor Vereador Luís Duque tinha sido incumbido desta missão de coordenação afim da solução constante do parágrafo seguinte. Sublinho, em 14 de Março de 2006.

De facto, o parque de estacionamento adjacente ao Departamento de Urbanismo, fica a escassos três minutos a pé. Para o efeito da sua sistemática e imperiosa utilização, basta informar devidamente – por exemplo, também através de indicações nos próprios bilhetes, avisos na comunicação social, placares de sinalização, etc – e encaminhar os condutores para o local onde, civilizadamente, poderão deixar as suas viaturas. Esperemos que, desta vez, o Senhor Vereador seja mais lesto para que o resultado não demore outros quatro anos...




quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Eu, devedor, me confesso…

Segundo fontes usadas para papaguear desgraças, devo a incertos qualquer coisa como 14.000 euros, valor que não pára de crescer. Para sossegar, dizem que mais uns largos milhões de portugueses são vítimas da mesma maquinação.

Só a nível local, à nossa conta de devedores, têm viajado equipas de futebol masculinas e femininas, em vez de bibliotecas para a cultura pagaram-se relvados para futebol, e tudo isto enquanto as viaturas autárquicas servem para os mais variados fins particulares. E o que dizer das luzes, ribaltas, promoções disto e daquilo ou do compromisso de jornais e jornalistas?

Políticos mais patriotas do que eu e tantos outros cidadãos, ao aceitarem lugares em administrações e mordomias complementares, fazem-no, certamente, para minar por dentro os inimigos de classe e recorrem a carros de status, exactamente, só para os destruir...

Teremos, pois, gestores a viver num silêncio angustiante, nada dizendo sobre o inevitável fim de tais empresas, mas talvez preocupados com o seu próprio interesse partidário.

Como compreendo aquele pedaço de prosa numa frase do actual Presidente da Câmara de Sintra: “(…) hoje em dia o silêncio vale muito dinheiro (...)”.

À nossa custa, os dinheiros públicos têm servido os mais escondidos objectivos.

Na desenfreada caça a votos, pagaram-se estudos que nada resolveram mas justificaram elevados honorários, protocolos, contratos-programa, Assinaturas disto e daquilo, Promessas de ontem, que não foram cumpridas, mais não sei quantas de hoje, que vão ficar pelo caminho…Que azar o nosso? Não, que sina a nossa!!!

De calças rotas, cheios de dívidas, vemo-nos ao espelho na Quinta do Relógio e quejandas, nos mecenas de duvidoso oportunismo, no atrofiamento de uma sociedade cheia de habilidosos.

Bem reais são os milhões que, a vários títulos, têm sido distribuídos. Em contrapartida, na evolução da sociedade e do bem-estar colectivo, as estrelas que cintilam são tão virtuais que nem para a árvore de Natal servem.

A isto chegámos e piores dias se avizinham, sem que se vislumbrem quaisquer intenções de arrepiar caminho. Tanta cumplicidade escondida nos bastidores! Porque, na prática, o satisfazer a pedinchice é que está a dar…votos. Mas sempre, sempre com o nosso dinheiro!

Ao menos escutem-nos!!!

Fernando Castelo


domingo, 10 de outubro de 2010

Crise em Sintra,
austeridade e contenção


Não pode causar estranheza que, pretendendo circunstanciar o actual quadro de referência sócio-económica, seja obrigado a atribuir os mais escuros matizes ao momento que vivemos enquanto comunidade nacional e local. Sem qualquer exagero nem possibilidade de incorrer em erro, considero poder afirmar não haver, na recente história de Portugal, paralelo com um período cuja situação económico-financeira seja tão análogo ao que, nos nossos dias, implica a adopção de medidas absolutamente excepcionais para acorrer às múltiplas exigências definidoras do actual estado de carência.*

Cometemos e, em nosso nome, deixámos que uma classe política, em geral, oportunista e desqualificada tivesse cometido erros tão primários e crassos que acabaram por comprometer a própria viabilidade do país. Na realidade, só a longo prazo – nunca menos cerca de 10 anos – é previsível que, em inúmeros domínios das actividades económicas, nuns casos se recupere e noutros se adquira ou readquira, o ritmo de geração de riqueza que, em circunstâncias normais, a administração e gestão correcta dos recursos, permite assegurar.

Não vale a pena chover no molhado. Perante a flagrante míngua de meios que, infelizmente, a maioria dos cidadãos portugueses em geral e sintrenses em particular, ainda não consciencializou – tão desastrada e desconforme foi e tem sido a atitude criminosamente optimista do actual governo que, durante anos, fez um discurso desadequado da realidade nacional e internacional em que nos inscrevemos – desde já se impõe que, pelo menos a nível concelhio, enfrentemos corajosamente a situação, recusando o mínimo desperdício dos recursos que os munícipes colocam à disposição dos decisores políticos locais, a quem compete a gestão da res publica.

Que medidas?

Nestes termos, julgo ser dever de todos os cidadãos lúcidos e conscientes do momento exigir a adopção das mais exigentes e estritas medidas afins do saneamento das finanças municipais que, naturalmente, hão-de pressupor uma contenção absolutamente irrepreensível no dispêndio de cada cêntimo dos dinheiros públicos, tais como as seguintes, sem qualquer hierarquia de apresentação, mas de imediata e simultânea execução:

- extinção das empresas e fundações municipais cuja origem, tendo obedecido à aparente necessidade de obviar sinuosos circuitos burocráticos da administração pública, redundou, isso sim, na subtracção aos seus mecanismos de controlo, promovendo uma tão sui generis cultura empresarial que não admite a situação de falência e o seu subsequente saudável e definitivo desaparecimento;

- extinção de agências e de quaisquer serviços municipais cuja existência seja considerada inequivocamente supérflua por uma avaliação externa e imparcial;

- devolução das viaturas, cartões de crédito, telemóveis e outros benefícios detidos por administradores e quadros superiores de empresas e serviços municipais, injustificados em tempo de crise e de contenção;

- em relação a 2011, generalizar o corte de, pelo menos, 10% nas verbas de todas as rubricas** com que foi dotado o orçamento de 2010;

- suspensão do investimento em bens patrimoniais cuja aquisição não seja inequivocamente pertinente como é, por exemplo, o caso da Quinta do Relógio;

- suspensão de todas as despesas cuja justificação se relacione, não com o benefício geral e específico dos lugares, ruas, arruamentos e estradas de cada uma das freguesias do concelho mas apenas com a sua decoração, nomeadamente, a habitual na quadra natalícia nem que, para o efeito, se tenha de proceder a quaisquer indemnizações, sempre preferíveis ao mau exemplo que seria promovê-las.

- maior contenção com a realização e/ou do patrocínio municipal de festas, eventos e comemorações.

No âmbito das preocupações que, permanentemente, animam a minha actividade cívica de participação na vida da nossa comunidade, tenho prestado particular atenção ao quadro geral de referência em que se processa o funcionamento das empresas municipais de Sintra. Naturalmente, não foi particularmente difícil, servindo-me da informação que circula, e da que tem sido produzida por conhecidos economistas e insuspeitos observadores, chegar à conclusão de que urge acabar com o manifesto desperdício que evidencia a continuidade da sua existência e laboração.

Para além de duplicarem serviços e de afastarem os cidadãos dos últimos responsáveis pela prestação dos serviços à comunidade, estão invariavelmente falidas, constituem um fardo insuportável para as finanças municipais, arrastando consigo um criticável rol de vícios de nepotismo, compadrio e mordomias, totalmente incomportáveis e incompatíveis com a situação financeira do país.

Depois de assinalar o anterior destaque, perguntaria se não será necessário tomar outras medidas de contenção. Não tenho a menor dúvida na resposta afirmativa. Creio, no entanto, que os cidadãos em geral, os próprios trabalhadores da administração local sintrense – tão brutalmente atingidos pelas recentes, mas tardias, medidas de austeridade – não deixarão de se envolver no processo e de alvitrar as que se impuserem com o objectivo máximo em vista, ou seja, o de aliviar a despesa o mais possível.

Em suma, impõe-se uma mudança de paradigma no governo local que, ao nível de uma autarquia com o multifacetado perfil sócio-económico de Sintra, pressuporá a imediata assunção dos limitados recursos disponíveis desta comunidade que se enquadra num país pobre e empobrecido, a viver dificílimo momento da existência comum, sem alternativa à adopção das atitudes de austeridade em apreço, no contexto das quais os cidadãos eleitos devem dar um exemplo da máxima sobriedade não só institucional mas também pessoal.

Este é o momento de fazer sentir aos decisores políticos sintrenses que muitos dos cidadãos de Sintra estão altamente apreensivos com a situação das finanças locais e, em particular, com o esbanjamento de recursos. É em nome de todos quantos se sentem representados por estas palavras que, com a maior humildade, proponho a concretização destas medidas.

________________

* na acepção em que o Prof. Adriano Moreira se tem pronunciado;

**à excepção daquelas que a própria situação de penúria social determinar como sendo de manter e, inclusive, de reforçar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010



Republicano exemplo


A propósito da comemoração do centenário da República, trago-vos uma genuína nota de republicana austeridade. Trata-se de um facto que, ao longo de anos, foi testemunhado pela minha avó paterna. Tendo nascido em Belém, ainda no século XIX, a avó Carolina, já senhora casada, assistiu à implantação da República. Embora católica fervorosa, era de família republicana e progressista e, ainda hoje, a sua memória é recordada pela dedicadíssima assistência que dispensava aos pobres da freguesia.

A casa da avó, na Rua Vieira Portuense, muito perto do palácio, permitia-lhe estar sempre a par do que se ia passando com tão ilustre vizinhança. Sempre com uma vibrante admiração pela veneranda figura de António José de Almeida, o médico dos pobres, contava ela que o Chefe de Estado ali chegava, todos os dias, como qualquer cidadão, no carro eléctrico da carreira normal. De eléctrico, meus senhores, aquele que ainda hoje é lembrado como símbolo dos valores da República!

Ah! Como falava a avó deste e doutros episódios por si vividos! Sabendo perfeitamente que estava a transmitir valores, contava-os quase teatralmente, certa do efeito que causava. Naqueles momentos, em que tinha plateia de netos à sua volta, a voz sublinhava, com apropriada ênfase, no uso da melhor retórica, as qualidades ou os defeitos dos protagonistas. Nenhum de nós ficava indiferente e, com certeza, manos e primos - dezasseis, só daquele ramo! - jamais esquecemos.

Naturalmente, vem o caso à baila apenas como paradigma de atitude de contenção, no respeito pelos recursos que a comunidade não autoriza sejam esbanjados. Que estupendo exemplo para os nossos conturbados tempos, em que qualquer medíocre funcionário da administração pública e afins se faz transportar em viaturas de um Estado que não faz contas!...

Ainda aproveitaria este pequeno apontamento para recordar que a tomada de posse do Dr. António José de Almeida também aconteceu num dia 5 de Outubro, mas de 1919, tendo-se mantido na Presidência, durante o inteiro mandato de quatro anos, caso único registado durante a I República.




quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Bancarrota Sócrates,
crise em Sintra: que medidas?



Conforme prometido, continuo hoje o texto iniciado no passado dia 3. Em todo o país, este é o momento por excelência em que os presidentes de câmara devem fazer a limpeza que se impõe. É agora que darão o exemplo de contenção dos limitados recursos à sua disposição, tanto mais quanto já se sabe que, em função das brutais medidas restritivas anunciadas para 2011, vai haver cortes muito sérios na transferência de verbas do Orçamento Geral do Estado para as autarquias.

Em Portugal há 343 Empresas Municipais (EM) que apenas existem para se furtarem aos mecanismos de controlo vigentes na Administração Pública. Cresceram e apareceram para agilizar os circuitos que asfixiavam os serviços municipais. Tão somente isso... [Em Sintra, numa das EM, tanta foi a agilização que redundou em desfalque e caso de polícia!...]. O que apenas queriam – tão cheias de boas intenções, coitadinhas das Câmaras Municipais!... – era servir os munícipes, com a máxima qualidade e a tempo e horas. Por isso era preciso agilizar os circuitos burocráticos administrativos e, para isso, nada melhor do que a lógica empresarial.

Então não se está mesmo a ver que o objectivo era mesmo aquele? Em partido algum se pensava nos boys que acabaram por enxamear os conselhos de administração das EM. Ninguém tinha tal propósito! Foi só um efeito colateral. Que maldosas são as pessoas! Por outro lado, basta avaliar alguns exemplos da qualidade dos serviços que as EM prestam à comunidade para verificar como se justifica – então não?! – o montante dos ordenados que auferem os seus vários gestores, com respectivas mordomias, acessórios e pertences…

Parêntesis para ilustrar a situação com um exemplo sintrense. Pensemos na qualidade(?!?) dos serviços de limpeza e higiene pública e consideremos os lugares mais emblemáticos da própria sede do concelho, em zonas tão conhecidas como a Correnteza e Volta do Duche. Em ambos os casos, no pavimento em calçada à portuguesa, chega a escorregar-se na gordura acumulada, que só é removida quando chove. E, no próprio centro histórico, os contentores junto à igreja de São Martinho, transbordando e tresandando? Bem, o melhor é ficar por aqui. Provavelmente, em raríssimas oportunidades, anteriores ao aparecimento da HPEM, tais lugares estiveram tão vergonhosamente sujos.

Como todos sabem, isto não passa de um mero exemplo da baixa qualidade dos serviços. Em geral, a diferença em relação à situação anterior é para pior, com a agravante de que os custos aumentaram exponencialmente. Todavia, eu próprio não teria opinião tão contra a permanência das EM, não fora o testemunho de alguns corajosos presidentes de câmara, manifestamente nesse sentido.

É neste contexto que, mais uma vez, lembro o caso de Macário Correia, que citei num artigo datado de 2 de Junho. Das cinco EM existentes em Tavira, só uma é viável. Naturalmente, anunciava estar a tratar do desmantelamento das que estavam a mais e, sem papas na língua, também denunciava o enquadramento dos boys que era preciso varrer ou pôr a arejar…

Porém, a propósito da movimentação de pessoal que a extinção das EM pressupõe, repito que não deve haver a mínima preocupação relativamente aos seus actuais funcionários que, anteriormente, pertenciam aos quadros de pessoal das câmaras municipais. Neste domínio, apenas me limito a reproduzir a opinião de insuspeitos sindicalistas, tanto da UGT como da CGTP, nada preocupados com a inevitabilidade do regresso do pessoal destas empresas aos seus quadros de origem.

Quanto aos outros, tão coerentemente quanto exigirão os princípios que defendem, pois terão de voltar ao enquadramento profissional da sua predilecção, isto é, o da lógica empresarial, nomeadamente, o da oferta e da procura no mercado de emprego, esperando que funcione com a agilidade que conheceram, ao tempo em que foram recrutados como funcionários das EM. Nada mais simples.

Em Sintra, será que podemos esperar uma forte expressão da vontade política para tratar da saúde das EM? À procura da resposta, tanto penso no Presidente da Câmara como nos deputados municipais da coligação governante, tendo presente que são militantes de partidos que, no Parlamento de São Bento, não se cansam de exigir ao governo a concretização de medidas que, séria e decisivamente, contribuam para os tão apregoados cortes na despesa.

Em Sintra, portanto, a nível local, serão estes dois partidos consequentes com as posições que tomam na Assembleia da República? Em suma, estarão dispostos a acabar com as EM, que não passam de sorvedouros de recursos dos munícipes ou não estarão disponíveis porque, entre outros factores, é incomportável a factura da operação de desalojar os boys e outros elementos das suas clientelas? Veremos.

Entretanto, importa ainda considerar que não basta resolver este problema das EM para que as finanças municipais possam conhecer alguma recuperação. De facto, outra vertente da questão passa por não agravar as circunstâncias, evitando pedir aos sintrenses esforços financeiros incomportáveis e comprometedores do futuro. Sem pretender ser exaustivo, tal é, por exemplo, o caso da proposta da famigerada aquisição da Quinta do Relógio que, pura e simplesmente, deve ser abandonada logo que possível.

Para terminar, gostaria de vos sugerir a leitura do artigo Sintra, empresas municipais: até quando?, aqui publicado a 13 de Junho de 2010, que tem a vantagem de acolher uma boa série de comentários muito pertinentes (acerca de uma outra peça precedente, do dia 2 daquele mês) em que vários leitores não hesitavam minimamente quanto à solução que urge concretizar de extinção das EM.









segunda-feira, 4 de outubro de 2010


Pontapé na gramática

Antes da continuação do texto ontem iniciado,* apenas um pequeno apontamento acerca da falta de qualidade do português falado e escrito que, constantemente, perturba os nossos dias.

Vamos, então, por ordem cronológica, ao encontro de duas grossas e recentes calinadas. Em primeiro lugar, graficamente muito destacado, um parágrafo da página 5 do programa referente ao concerto promovido pela Fundação Gulbenkian dos dias 29 e 30 de Setembro:

“Dedicada ao Príncipe de Hohenzollern-Heschingen, a abertura de concerto Le Carnaval romain foi dirigida por Hector Berlioz no palácio do príncipe em Löwenberg, na Prússia, em Abril de 1863. A obra obtera já grande sucesso público, sendo apresentada com frequência nas digressões do compositor francês.”

Obtera! É verdade, numa casa com aquela responsabilidade de tão sofisticada e amplíssima oferta cultural, é inadmissível que se publique e venda um texto com erro tão grosseiro. Alguém escreveu, alguém reviu, alguém imprimiu e a ninguém pareceu estranha aquela forma verbal. O autor pretendeu usar o pretérito mais-que-perfeito do indicativo do verbo obter, desconhecendo tratar-se de um composto de ter, que, portanto, como este se conjuga, devendo escrever obtivera.

Tão imperdoável como este, eis um caso que tem apenas duas horas de ouvido. Passou-se no programa Império dos Sentidos, da Antena Dois da RTP. No âmbito de um tempo dedicado à comemoração do centenário da República, o historiador António Reis – actual Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa, professor universitário, ex-Secretário de Estado da Cultura, meu contemporâneo da Faculdade de Letras na década de sessenta – em determinado ponto da sua participação, disse 'tinha eleito' quando, inequiviocamente, deveria ter dito 'tinha elegido'.

Na realidade, eleger é um verbo que, mantendo duas formas de particípio (a regular e a irregular), ou seja, respectivamente, elegido e eleito, se conjuga nos tempos compostos, com os auxiliares ter e haver, no primeiro caso, e ser e estar, no segundo. Que um falante descuidado ou ignorante empregue o particípio irregular eleito, invariavelmente, em qualquer das circunstâncias, é algo que deve merecer imediato reparo. No caso de António Reis é inadmissível e imperdoável.

A propósito do correcto emprego de cada um dos particípios, cumpre assinalar que, além de Ana Lourenço, jornalista da SIC Notícias, é raríssimo ouvir, por exemplo, o verbo aceitar devidamente conjugado nos tempos compostos. Ela, consciente da importância da irrepreensibilidade da expressão verbal na comunicação social, costuma terminar as entrevistas “(…) muito obrigada por ter aceitado esta entrevista (…)”. Assim é que é!

Cor local

Terminaria, de sorriso amarelo, com algo que já trouxe a estas páginas. É a já proverbial, mas bem real anedota - que testemunhei pessoalmente - de um Senhor Vereador da Câmara Municipal de Sintra que, desconhecendo a conjugação pronominal do verbo pôr, na primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo, em vez de pu-lo, diz puzi-o. [Nem sei como reproduzir a asneira, por escrito, sem a transcrição fonética, pouco acessível ao leitor comum...].


Em Sintra, não haja dúvidas, também neste domínio da comunicação, os eleitos locais pretendem que nada falte aos munícipes. De facto, como se comprova, não estamos nada mal representados...


*Prossegue no próximo dia 6.

domingo, 3 de outubro de 2010


Bancarrota Sócrates

Ao contrário do que possa parecer, não são apenas José Sócrates e Teixeira dos Santos os delirantes incompetentes - na expressão de alguns comentaristas - a quem, desesperados perante tanta incapacidade de gestão das crises interna e internacional, os portugueses devem apontar o dedo. Vítimas de tantos tratos de polé, esquecem o outro vértice do triângulo que, além destes dois, define o lugar geométrico de tanta incapacidade e desleixo.

Naturalmente, refiro-me a Victor Constâncio. Depois das provas prestadas na gestão da coisa pública portuguesa, também ele – a exemplo de Guterres, farto do pântano, e de Barroso que já dera tudo o que podia ao país da tanga – tratou da vidinha, ocupando um posto de vice-presidente no Banco Central Europeu, cuja benevolente direcção se limitou a acolher um português, que estava na calha das rotações de cargos, ignorando as credenciais que os deputados da oposição ao governo de Lisboa puseram em causa no parlamento de São Bento…

Curta é a memória, de facto. Tão curta é que muitos portugueses já esqueceram a ligeireza com que o banqueiro do povo – ainda não satisfeito com aquilo que foi considerada deficiente regulação e supervisão da banca comercial portuguesa que, em última instância, lhe competia assegurar em nome do mesmo povo – se apressou a sancionar a estratégia de intervenção do Governo no BPN, avaliando em 800 milhões de Euros o valor do previsível esforço dos contribuintes na operação.

Afinal, a cerca de 4.000 milhões - quantos submarinos? - já monta o descalabro em que redundou aquilo que muitos consideram um caso de polícia… Na realidade, a sua retirada para o BCE não podia ter sido mais estratégica, evitando-lhe o imenso incómodo do desgaste da imagem pessoal, que aconteceria inevitavelmente se tivesse permanecido por cá.

Que fazer?

A evidente bancarrota Sócrates é designada como certidão de óbito e marcha fúnebre entre outros títulos congéneres da imprensa destes dias. Já não há economista que não afirme serem insuficientes as brutais medidas anunciadas uma vez que, no próximo ano, em resultado da inevitável recessão subsequente, não se conseguirá gerar a riqueza bastante, sequer para satisfazer os juros do serviço da dívida…

No entanto, fazendo ouvidos moucos à evidência da razão que estas vozes prenunciam, os delírio dos responsáveis das nossas catacumbas, continua impelindo-os na aposta de concretização das obras desmesuradas que a realidade da condição económico-financeira do país não comporta nos anos mais próximos. Para além da falta de discernimento que revelam, envergonha-nos que, tão irracional e perigosamente, ainda mais comprometam o futuro da comunidade.

Perante artistas deste calibre o que fazer? Cada vez mais, e com maior convicção, se ouve a opinião de que devemos preparar os nossos filhos e netos para abandonarem esta piolheira o mais cedo e precocemente possível, ao encontro de um quadro de vida onde possam fazer render os talentos inatos e adquiridos. Ao fim e ao cabo, tratar-se-á de continuar a engrossar o caudal daqueles que, lá fora, são tão bons como os melhores, em todos os campos de actividade.


Cá dentro, afinal, só estarão condenados à saída para outras latitudes? Será que a preocupação com uma boa educação dos jovens para a cultura humanística e tecnológica e para a vivência dos valores da liberdade, igualdade e solidariedade não é compatível, intramuros, com a prática, desta classe política, de tão baixo estrato, que despreza e agride os princípios da justiça social, limitando-se – com toda a coragem!... – ao sacrifício dos mais desprotegidos, para poupar os ricos e poderosos?

E, em Sintra, o que fazer para não agravar a situação e actuar de acordo com a estratégia que se impõe, ou seja, de cortes decisivos na despesa, que o governo afirma pretender mas não dá sinais encorajadores e, muito menos, decisivos?


(continua)

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Nos dias 25 e 30 de Abril deste ano, publiquei os dois textos seguintes, subordinados aos títulos Bancarrota? Se calhar… e Bancarrota dois que, como poderão (re)verificar, infelizmente, não perderam oportunidade porquanto, desde então para cá, a situação ainda mais se agravou pela mão dos responsáveis do costume.

Aí vai a transcrição.


A bancarrota?
Se calhar...
[25.04.2010]

Para vos dizer com toda a franqueza, apesar de me considerar pessoa interessada e informada acerca de tudo o que, a nível nacional e internacional, se vai sabendo relacionado com a lusa vidinha, não previa que, tão rapidamente, tivesse de andar neste desassossego galopante dos últimos dias, tentando adivinhar o comportamento dos principais mercados internacionais.

Para que conste, não tenho contas em paraísos fiscais nem jamais comprei qualquer papel na bolsa. Preocupação tão estranha deve-se, pois certamente, à necessidade de perceber o verdadeiro estado da nação, em especial, no que às contas diz respeito, uma vez que é mentiroso e susceptível da maior desconfiança o discurso oficial do estado a que isto tudo chegou.

Felizmente, já há muitos anos, aprendi a descodificar os mecanismos da especulação, a montante da avidez de certas instâncias, sem rosto nem bandeira, que se perfilam na sombra dos juros agiotas das operações overnight, ou no campo de batalha monetarista, em que autênticos predadores, pretendendo abater determinada moeda, isolam do grupo o seu elo mais fraco para, tal como na caça, mais facilmente poderem matar a peça…

Não deixa de ser sintomático que, a tentativa de saber o que se passa cá dentro, deva pressupor o acesso ao que se escreve e diz lá por fora. Que ironia! No preciso dia em que comemoramos trinta e seis anos do Vinte e Cinco de Abril, dou por mim a fazer o mesmo que fazia no dia 24, ou seja, tentando sintonizar outras fontes, porque as do regime, não são credíveis...

Enfim, como assim é, logo que posso, lá estou, vorazmente, ou com o The Economist, tentando digerir, nas linhas e entrelinhas, as referências mais explícitas e implícitas ao caso português ou, por exemplo, num blogue do The New York Times, com Simon Johnson, em tempos economista-chefe do FMI, a considerar, sem escândalo nem surpresa, que a Grécia e Portugal são mais arriscados do que a Argentina em 2001.

Multiplicam-se os manifestos do descrédito internacional através do testemunho de insuspeitos especialistas. É o Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, no El Pais, advertindo quanto à possibilidade de Portugal e a Espanha sofrerem processos de falência análogos ao da Grécia. É Nouriel Roubini, o guru que previu a crise global em que estamos mergulhados, chegando ao ponto de, no seu site, escrever que Portugal e a Grécia até poderão ter de abandonar a união monetária.

Sabem o que passou a acontecer-me nas horas que precedem a reabertura dos mercados, à segunda-feira? Perante perspectivas tão alarmantes, fico num autêntico frenesim. Interrogo-me se será desta que – tal como já fizeram na Grécia, com o sucesso que se conhece – os especuladores internacionais conseguem, também neste elo mais fraco que é Portugal, manipular o Euro a seu bel-prazer, atirando-o para o desgraçado buraco que os governantes, com os habituais óculos cor de rosa, recusam ver.

Porém, aí estão os avisos, pelas mais respeitadas vozes. Quem tem a coragem de afirmar que são profetas da desgraça? Quem quer cair nesse ridículo? Pois bem, apesar dos sinais de alerta, continuamos ouvindo a insistência na concretização do aeroporto de Alcochete, nas linhas de tgv sem qualquer hipótese de rendibilidade, bem como na nova travessia do Tejo. Que falta de lucidez! Que cegueira é esta, de braço dado com as grandes construtoras?

De facto, andamos a viver acima das nossas possibilidades. Há demasiado tempo. Acho que andamos mesmo a brincar com o fogo. Até que, um dia destes, provavelmente, numa das próximas segundas feiras, alguém nos irá acordar para o pesadelo bem real da mais negra situação financeira, que nenhuma comunidade gostaria de encarar. Mas, será que temos de levar com o descarnado murro da bancarrota? Quem dera que não...


Bancarrota dois

[30.04.2010]

Retomo o artigo A Bancarrota? Se calhar..., aqui publicado no dia 25 de Abril que, como terão verificado, não poderia ter sido mais premonitório. Mesmo não sendo economista nem jamais ter investido na bolsa, houve quem me dissesse que, só por horas, não acertei na mouche.

De qualquer modo, não assumo quaisquer capacidades divinatórias nem proféticas e, neste última acepção, muito menos de profeta da desgraça. Se bem se lembram, escrevia eu que andava num desassossego desgraçado, prevendo que uma segunda-feira, mais ou menos próxima, acordaríamos para o pesadelo da iminente bancarrota. E, sem grande margem para erro, desenhei a estratégia dos habituais predadores.

Pois eles continuam por aí, por tal se entendendo não só os que estão sediados na outra margem do Atlântico mas também os seus agentes ,nas praças fortes do centro da Europa, em Frankfurt e Milão. Continuam e de que maneira! Aliás se bem se derem ao trabalho de ir acompanhando as vozes que nos vão chegando, terão reparado que já avisaram: apesar de muito sérios, os casos da Grécia e de Portugal são muito menos preocupantes do que o de Espanha...

Como se depreende, trabalho não lhes falta. As peças de caça, os famosos pigs,* quais acossados javalis, tentam escapar, pedem auxílio desesperado aos coitos do costume. Todavia, um deles – o que, precisamente, dá aquele p inicial à sigla de fama tão má – cada vez mais, se põe a jeito do definitivo golpe.

De facto, não se percebe. Ou, pelo menos, eu não consigo perceber. Como se ainda fosse necessário, demonstrou-se à evidência como é angustiante a situação financeira do país. Incapaz de produzir a riqueza bastante e, para satisfazer os compromissos decorrentes do serviço da dívida, já não tendo outro remédio senão o recurso sistemático a créditos alcavalados dos juros elevadíssimos impostos pelas impiedosas agências de rating, Portugal aí está, irremediavelmente à mercê de todos os ataques.

A exemplo dos mais desgraçados devedores, está o país a pedir emprestado para pagar o que pediu emprestado… É a incontornável, a menos desejável espiral que cerceia os horizontes e compromete o futuro das gerações que nos seguem. Pois nada disto parece impressionar os governantes que temos, incapazes de cobrarem à banca o que, cheios de fanfarronada, impõem aos cidadãos indefesos. Nada disto parece impressionar um governo incompetente, sem a mínima táctica para o enquadramento da economia paralela que, totalmente, foge ao controlo do Estado.

Com base no que afirmara o Ministro das Finanças, ainda ousámos esperar que, finalmente, se suspenderia a falsa estratégia desenvolvimentista sustentada nas desconformes obras públicas. Ou seja, as auto-estradas que ficam desertas, o aeroporto que iria substituir o da Portela que está muito longe da saturação e que pode funcionar em articulação com o Montijo (para as low cost), o tgv até Madrid, que jamais produzirá qualquer rendimento directo…

Houvesse disponibilidade financeira, e facilmente daria de mão que tais obras até poderiam ser equacionadas. Mas, a realidade é totalmente oposta. Não temos para mandar cantar o cego. Pois, ainda assim, pela boca do inefável Ministro das Obras Públicas, ficámos a saber que, afinal, o monstro de treze mil milhões de Euros irá mesmo para a frente…

Tanta estupidez! Tanta falta de lucidez! Perante a ignorância institucionalizada, ao mais alto nível, não só estamos diante da mais desentranhada e suicida estratégia mas também daquilo que designaria como bancarrota dois, o descalabro, o verdadeiro desgoverno, a cegueira irracional que os poderes constitucionais parecem incapazes de suster.

Ainda há quem se admire com a emigração dos jovens de trinta e quarenta anos, partindo de armas e bagagens, abandonando esta proverbial piolheira da cultura do desleixo. Há séculos que assim é. Partem, sempre partiram os melhores de nós. O melhor que fizemos, fizemo-lo lá por fora, surpreendendo o mundo com uma capacidade que, aqui, dentro de fronteiras, não somos capazes de impor aos medíocres.

Será este o tal luso fado? PS: Com o futuro assim comprometido, não admira as peregrinações a Fátima, em ano de visita papal, ou a Santiago de Compostela em ano Jacobeu. De facto, se não nos valem os santos da corte celeste, acabamos mesmo muito mal…

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* No sintradoavesso, referi-me aos designados pigs, pela primeira vez, em 6 de Janeiro de 2010, no texto intitulado Sócrates + Seara=desânimo ____________________