[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Recado de Salzburg,
a pensar em Monserrate

Como sempre, é com o maior gosto que passo a divulgar a exposição que chegou ao meu conhecimento através do bom trabalho de Maria do Céu Alcaparra, da Parques de Sintra Monte da Lua. Infelizmente, não poderei estar presente porque, como sabem, por ocasião da Mozartwoche, continuo em Salzburg. Mas, logo que regressar, não vou perder esta que se me afigura uma curiosíssima proposta.

Neste momento, eu estou muito longe. Mas os meus amigos, tão perto de Monserrate, não percam a oportunidade. Não tenho a menor dúvida de que o acolhimento será o melhor, como já nos habituou o Prof. António ressano Garcia Lamas e a sua equipa de colaboradores.

Abraço a todos,

João Cachado



Exposição de fotografia em suportes alternativos

“Camilla Watson - Mistérios de Monserrate”

- Fotografias impressas em papel de algodão- Biombo e mesa com impressão direta na madeira -

Patente de 3 de fevereiro a 25 de março
Imagens em: http://62.28.132.233/1328012709.zip
(créditos Camilla Watson)

Sintra, 31 de janeiro de 2012 –

A Parques de Sintra receberá, a partir do próximo dia 3 de fevereiro (Sexta-feira), no Palácio de Monserrate (Sintra), a exposição “Camilla Watson - Mistérios de Monserrate”, integrando fotografias captadas por Camilla Watson no Parque de Monserrate durante os últimos 8 meses.

As imagens expostas encontram-se impressas em papel de algodão, e a exposição inclui também um biombo e uma mesa com impressão de fotografias diretamente sobre madeira marítima. Este trabalho marca a diferença pelo local que retrata e também pelos métodos de impressão.

Com imagens a preto e branco, impressas sobre papel de algodão através da aplicação a pincel de uma emulsão líquida de prata, as fotografias apresentadas revelam um olhar diferente sobre a beleza e a magia de Monserrate, tratando-se do primeiro trabalho de Camilla Watson sem pessoas nas fotografias.

A fotógrafa utiliza uma emulsão fotográfica gelatinosa, rica em prata, que começa por liquidificar em banho-maria. Este líquido é aplicado a pincel, no escuro, sobre a superfície escolhida: mosaico, madeira, parede, ou simplesmente papel. Após secagem com um ampliador ou um projetor de slides (para superfícies maiores) expõe a superfície a um negativo preto e branco. O processo de câmara escura completa-se com um revelador, banho de paragem e fixador.

O trabalho desta fotógrafa distingue-se pela experimentação de novos suportes, com fotografias impressas diretamente em pedra, madeira, mosaicos e mesmo nas paredes das casas, utilizando uma câmara escura móvel que ela mesma desenhou.

Camilla explica que “não tinha uma lista do que queria fotografar, fui com a mente aberta e fotografei só as coisas que me chamavam: a água, cascatas, pedras, peixes, as raízes das árvores; voltei no inverno e atraíram-me as sombras longas e as árvores sem folhas - luminosas no sol baixo de inverno”, acrescentando ainda que espera que “as pessoas sintam a magia do parque; não acho que vão sentir a falta da cor nas fotografias do jardim a preto e branco, porque apesar de as cores terem a sua beleza, também podem ser uma distração”.

Sobre Camilla Watson

Nasceu no Reino Unido em 1967 e começou a sua carreira como fotógrafa de cena de teatro, tendo-se depois dedicado à reportagem e ao retrato. Entre 2001 e 2004 viveu em São Paulo, onde foi convidada pela ONG Meninos do Morumbi para ensinar fotografia a jovens residentes nas favelas, e de cuja experiência resultou “São Paulo - Belo Horizontes”, a sua primeira exposição em Lisboa.

Posteriormente passou por S. Tomé, Moçambique, Etiópia e África do Sul, continuando o seu percurso na área da reportagem ligada a ONG's.Em Lisboa, onde vive há 5 anos, tem desenvolvido atividades com a comunidade da Mouraria, (incluindo como sócia da associação “Renovar a Mouraria”) e a Câmara Municipal de Lisboa tem apoiado alguns dos seus projetos.

Entre estes encontram-se “Tributo” e “Dentro-Fora/Passado-Presente”, integrados na iniciativa “TODOS 2010” e "TODOS 2011", que consistiram na impressão de fotografias dos moradores diretamente nas paredes das casas, utilizando uma câmara escura móvel que a fotógrafa desenhou. Estes trabalhos foram igualmente expostos no Arquivo Municipal - Núcleo Fotográfico.

domingo, 29 de janeiro de 2012



Mozartwoche, 2012
28 de Janeiro [2]

Filarmónica de Viena, Boulez, Uchida

Antes de me reportar ao evento desta noite, não resisto a contar-vos um episódio acerca das características gigantescas do Grosses Festspielhaus de Salzburg, o auditório que, a exemplo do que acontece há dezenas de anos, acolheu hoje o primeiro de vários concertos da Orquestra Filarmónica de Viena desta edição da Mozartwoche, ao qual outros se seguirão.

Creio que haverá uma dúzia de anos, em conversa informal com Irmãos maçons, acerca das minhas vindas a Salzburg, dos concertos e das salas onde tudo se passa, naturalmente, referi o espaço mítico que, desde a década de sessenta, faz as delícias dos melómanos de todo o mundo. Como sempre faço, referi as condições acústicas, de tal ordem que, numa visita guiada, qualquer pessoa é levada à experiência de ouvir, no lugar sentado mais recôndito da sala, o som produzido pela queda de uma bolinha de papel no palco…

Seguidamente, com todos fascinados perante as histórias acerca do proverbial ouvido absoluto de Herbert von Karajan, o grande mentor do auditório, passei às dimensões. Convém dizer que a conversa ia acontecendo no interior de um automóvel em andamento cujo condutor, quando eu disse que o palco do Grosses Festspielhaus tem 100 (cem) metros de largura, já não me deixou dizer dos trinta e tal de comprimento e parou o carro.

Muito aborrecido, incomodado pelo barrete que lhe estava a enfiar, perguntava-me, muito enfaticamente, se eu sabia o que eram cem metros, exemplificando-os, grosso modo, ali mesmo, no meio da rua. Acreditem que não tive maneira de o convencer. Estou convencido de que os outros dois que, meio constrangidos, assistiam à cena, se inclinavam mais para a dúvida do que para a minha certeza. Enfim, encurtando a história, passados uns dias, pedia-me desculpa porque, efectivamente, era como eu dizia mas que compreendesse, coisa assim, era mesmo para duvidar…

Ontem, como quase sempre acontece, com a lotação esgotada dos seus dois mil e duzentos lugares, fomos assistir a momentos irrepetíveis de Arte, com os músicos daquela grande orquestra – que a maioria dos mortais apenas conhece através da transmissão televisiva do Concerto de Ano Novo, devendo ficar com a ideia de que se trata de uns tipos que tocam umas valsas muito bem – dirigidos pelo mítico maestro Pierre Boulez, na apresentação de dois concertos para piano, interpretados por Mitsuko Uchida, provavelmente, a maior mozartiana da actualidade.

Não farei como no escrito precedente, entrando em detalhes da estrutura das peças. Desta vez, apenas impressões sobre a postura da pianista. Impressionante, sempre, uma autêntica personificação da própria Música, através de uma linguagem gestual e corporal que insinua, suscita e confirma o singular diálogo que, como demiurgo, cria e recria, directamente, anti vedeta, cúmplice dos elementos da orquestra, apenas sua companheira.

Quanto a Boulez, compositor importantíssimo, investigador, filósofo, pedagogo, maestro que deixa o seu nome ligado a momentos inesquecíveis como, apenas um exemplo, o da responsabilidade conjunta com Chéreau por um Ring que ficará nos anais de Bayreuth, nos seus oitenta e seis anos, faz-me lembrar Otto Klemperer. Dirige mentalmente, económico no gesto, um caso sério…

Filarmónica de Viena, Uchida e Boulez em Concerto para Piano e Orquestra em Fá Maior, KV 459 de Mozart, Concerto para Piano e Orquestra op. 42 de Schoenberg, Acompanhamento para uma Cena Cinematográfica op. 34, também de Schönberg, e Pulcinella de Stravinsky, no assombroso privilégio daquela casa talhada para o gozo da Arte que se faz no momento, Tempo no tempo.

Finalmente, um excerto da Suite Pulcinella, dirigida por Zubin Metha.

Boa audição!

!http://youtu.be/X4KYuhfag5I
I.Stravinskij - Pulcinella Orchestral Suite - Part I/III www.youtube.com
Salzburg, 27 de Janeiro, 2012

Sasha Waltz,
Gefaltet


Ainda dia 27, às sete e meia da tarde, a iniciar o programa oficial da Mozartwoche, a proposta de um concerto coreografado por Sasha Waltz, a partir de peças de Mozart e de Marc André, jovem compositor francês contemporâneo. Pessoalmente, estava na maior expectativa já que as credenciais desta coreógrafa são de nível máximo e, em Salzburg, bem comprovadas com a óptima receptividade de Continu, estreado em Zurique em 2010 e aqui reposto no Festival do Verão passado.

Importa que entendam que, no ano passado, precisamente no dia 27 de Janeiro, quando comprei os bilhetes para este ano, foi dado a todos os interessados um programa geral, pormenorizadíssimo, com todas as informações acerca do que, agora, está a acontecer. Aliás, nestes grandes festivais, é invariavelmente assim e, de facto, só se pode trabalhar assim. Portanto, há um ano, eu sabia tudo o que devia e, naturalmente, em função das linhas de força apresentadas, conjecturei sobre a proposta de Waltz.

Contudo, de facto, o que vim encontrar ultrapassa tudo o que imaginar se possa. Gefaltet é uma análise de Mozart, com referência ao presente, articulada com a questão de saber como trabalhar com Mozart nos nossos dias. Gefaltet [=dobrado] relacionar-se-á com o processo matemático da dobragem, segundo o qual duas funções estão ligadas uma à outra dando origem a uma terceira, como se fosse uma resposta.

Ininterruptamente, durante duas horas certas, no palco do Landestheter, oito bailarinos e quatro óptimos músicos – quem conhece Carolin Widman, violino, Guy Bem-Ziony, viola, Nicolas Altstaedt, violoncelo e Alexander Lonquich, piano, entende o nível do conjunto a que me reporto – vivenciaram, em diferentes dimensões, o Divertimento KV 563, as Sonatas KV 310 e 304, o Adagio KV 540, a Gigue KV 574, o Rondo KV 511, o Allegro do Quateto de Cordas 478, em Sol menor* e três peças de André.

Cento e vinte minutos de ‘alta estética’, espectáculo culto, desafiador, provocatório, iconoclasta, com inusitada insistência na lenta decomposição dos movimentos, no absoluto respeito da plasticidade da própria música, tudo projectado numa dimensão outra, [Gefaltet] talvez um meta-espaço, em que movimento e música se fundem na conquista do vazio.

Bailarinos jovens, muito seguros, dão tudo o que é humanamente possível exigir. Que bom poder dizer-vos que a grande estrela é um jovem moçambicano, Edivaldo Ernesto, de inesgotáveis recursos!

Verdadeiramente avassalador o ritmo das surpresas, com frequente recurso à finíssima ironia mozartiana, sem qualquer ponta de gratuitidade, pelo contrário, tudo intencional, opera aperta, aberta a todas as leituras, desde que inteligentes. Os músicos são tão coreografados como os bailarinos. Os instrumentos, todos os instrumentos, incluindo o pesadíssimo Steinway, evoluem no espaço com inaudita elegância ou se quedam, inertes, cheios de sentido, numa quietação expectante.

Estive sentado num lugar óptimo, na quinta fila da plateia, mesmo ao centro, sem hipótese de perder o mínimo detalhe, sentado, preso, cativo da proposta de Sasha Waltz. E que bem soube aquela submissão assumida!... Quando a Arte assim acontece o único risco é o de que nos percamos na confusão das coordenadas de espaço e tempo, ou seja, de que nos passemos.

Finalmente, se querem que vos diga, não sei bem se ainda continuam os aplausos, comoventes, catárticos. Mozartwoche, 2012, que começo mais auspicioso!
É por estas e por outras que não perco. Ano após ano, não tem preço o que venho encontrar.

Aqui têm uma gravação da última das peças de Mozart constante de Gefaltet. Boa audição!

* Sol menor, tonalidade frequentemente relacionada com a ideia de grande inquietação, inclusive, de morte.



http://youtu.be/fvD0ubvQvqE
Mozart Piano Quartet 1 in g minor, k. 478 (1/3) http://www.youtube.com/



sábado, 28 de janeiro de 2012



Utopia,
Thomas More, Gilbert & Sullivan
[ou o «encontro» do santo com os maçons…]


Thomas More pisou e ultrapassou os limites da humana condição pagando com a vida a dignidade com que não transigiu perante o que não podia nem devia. Que magnífico exemplo! Como ele, também Giordano Bruno. Infelizmente, longe dele, Galileo Galilei que, para salvar a pele não hesitou em negar a absoluta e radical verdade daquilo que a Ciência lhe tinha permitido descobrir…

Sabem todos os que foram e têm sido meus alunos e formandos que, enquanto professor e de formador, jamais perco a oportunidade de apontar o grande humanista como paradigma do Homem. Este fiel servidor do Rei mas de Deus em primeiro lugar, acabou por ser canonizado pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana, em 1935.* Dessa vez, andou bem a mesma Igreja que bem pode penitenciar-se de pecados e pecadilhos em conhecidos processos de beatificação e canonização…

O autor da Utopia terá contado com o testemunho de Rafael Hetloideu – fascinante personagem histórica das descobertas e explorações portuguesas –para a concepção desta obra máxima da literatura universal, mundividência radical mas possível e lugar alcançável se e quando o Homem quiser.

A propósito, recomendaria a edição fac simil da Utopia, com uma Introdução brilhante do saudoso Prof. Doutor José Vitorino de Pina Martins, tradução e notas do Prof. Doutor Aires A. Nascimento, meu amigo e companheiro da ACLUS, publicada pela Fundação Gulbenkian em 2006, que qualquer boa biblioteca doméstica não pode dispensar.

E, porque, raramente, consigo alinhar umas frases sem as articular com o mundo da música, logo relacionei a Utopia do More com Utopia, Limited or the Flowers of Progress, engraçadíssima ópera de Gilbert & Sullivan, que levou George Bernard Shaw a afirmar que se tratava da ópera do Savoy de que mais tinha gostado. Exige recursos avultadíssimos de montagem, não será uma obra-prima mas é muitíssimo bem disposta.

Não por acaso, já que a utopia é lugar geométrico por excelência da Augusta Ordem Maçónica, eis que Sir Arthur Sullivan e Sir William Schwenck Gilbert, da famosa dupla Gilbert & Sullivan, foram conhecidos maçons. E eu, no meio destes três, cristão católico, como o primeiro e Irmão dos outros dois… Pois fiquem sabendo que não há qualquer incompatibilidade – veja-se, por exemplo, o famoso caso do Irmão Mozart que toda a gente tem na ponta da língua – e como todos coabitamos em paz e harmonia.

E agora, em face da seriedade da matéria precedente, sem cometer sacrilégio algum, vos deixo com um momento muito bem disposto da citada ópera. Ouvirão uma ária cuja letra é a única coisa que se vê no écran. Estejam atentos e reparem como se adequa aos tempos de crise por que passamos. Como sempre, crise, enfim, só para alguns…


*Aos católicos que, como eu, têm More na maior consideração, será bom lembrar que a sua festa passa a 22 de Junho.


http://youtu.be/H4euNhxbGWs UTOPIA LIMITED Mr. Goldbury's Song (Gilbert & Sullivan) www.youtube.com
Mozart,
27 de Janeiro, em Salzburg



Como há muitos anos acontece em 27 de Janeiro, estando sempre m Salzburg para assistir à Mozartwoche, passo o aniversário de Amadé cumprindo um certo ritual que compreende três momentos matinais e um vespertino. Já agora, porque não é segredo entre dois irmãos maçons, um que passou ao Oriente Eterno há duzentos e vinte anos e outro, este humilde escriba que ainda por cá andará por mais algum tempo até se lhe juntar, ficam a saber o detalhe.

Primeiramente, vou comprar dois ramos de flores, sempre aos mesmos floristas ambulantes da Praça da Universidade, junto à grande igreja da Colegiada. Depois, dirijo-me à casa-museu onde nasceu o compositor para ir colocar um dos ramos junto ao retrato de Mozart que o seu cunhado Joseph Lang deixou inacabado. Finalmente, avanço para o Mozarteum onde entrego o outro ramo à Prof. Geneviève Geffray que, até Maio do ano passado, foi a Directora da célebre Biblioteca Mozartiana e principal guardiã dos tesouros dos Mozart.

Esta grande senhora é minha amiga de longa data. Jamais teria a minha vida tão facilitada em Salzburg não fora a sua interferência. Ela é uma verdadeira instituição. O mundo mozartiano deve-lhe imenso. Tem tido alguns reconhecimentos nacionais como a Legião de Honra da França, nomeadamente por ter sido ela a primeira grande investigadora a fazer a tradução para o Francês de todas as cartas da família Mozart. E, aqui, na Áustria, a concessão do título de Prof, análogo ao que, entre nós, é o doutoramento honoris causa.


Hoje mesmo nos fartámos de brincar a propósito de uma piada que ela própria assume a respeito da sua relação de trabalho com Amadé, ou seja, a relação de uma vida inteira dedicada à nobilíssima tarefa de o dar a conhecer em múltiplos aspectos e de preservar a sua herança. Assume a minha amiga a dupla condição de «Frau Mozart» e de «Mozats Witwe» ou seja, de Senhora Mozart e de viúva de Mozart…


Temos cumplicidades várias e, inclusive, o facto de tal como a minha mulher, ter atravessado um difícil problema de saúde, felizmente, ultrapassado com o maior sucesso, já lá vão treze anos. Com o seu exemplo, foi uma fonte de motivação e ânimo em minha casa.


É uma senhora queridíssima com quem, na minha dupla condição de membro do Mozarteum e também de maçon, tudo tinha combinado mas não consegui levar a cabo no sentido de, no Museu do Grande Oriente Lusitano, expor peças originais de Mozart e falar acerca desse espólio. A nossa obediência afirmava não dispor de verba para o efeito e, apesar dos meus esforços e dos do Venerável da minha Loja, não conseguimos fazer vencer o argumento de que a própria exposição constituiria uma séria fonte de receita. E ainda dizem que os maçons são terríveis para o negócio…


Continuemos, então, com o meu ritual, na sua componente vespertina. A coisa acontece na igreja de São Pedro onde se sabe que Mozart passou alguns momentos muito agradáveis. É curioso que, tanto para mim como para a minha amiga G. Geffray, este templo recatado, na maior parte do tempo até bastante sombrio, tem uma especiaslíssima carga do nosso Amadé. Não, não é coisa que se explique mas anda no ar…


É ali que vou ouvir uma gravação da Missa em Dó menor, KV 427 que lá mesmo foi cantada pela primeira vez em 26 de Outubro de 1783, tendo Constanze como intérprete de uma das partes de soprano. Se me perguntarem como faço, nenhum problema terei em dizer-vos que, praticamente, é em versão artesanal, com um CD player portátil. Pois, sim senhor, tenho um desses aparelhos mais recentes MP qualquer coisa mas não me entendo. E estou tão habituado ao outro que o esforço de adaptação não vale a pena. E assim faço a minha celebração, convindo lembrar que celebrações oficiais não há.


Então, a cerimónia

Não é frequente que a Mozartwoche se inicie no dia de aniversário do compositor, como este ano acontece. Hoje, 27 de Janeiro, nos duzentos e cinquenta e seis anos do nascimento de Amadé – já ontem vo-lo tinha anunciado – começa o Festival de Inverno mais famoso do mundo, com uma abertura solene, de acesso por convite e reservada aos membros do Mozarteum, entre os quais tenho a honra de me incluir.


Sem entrar em grandes detalhes, dir-vos-ei que estava apinhada a Wiener Saal do Mozarteum onde decorreu a cerimónia, singela mas tão sofisticada, como só aqui sabem fazer quando pretendem honrar a Música e os Músicos. Começou, com o Adagio do Quinteto KV 593 que, também ontem, já vos dei a ouvir. Continuou com discursos mais ou menos de circunstância, aqui e ali salpicados de genuína emoção, sempre quando se referiam ao homenageado.


Falaram o Presidente da Fundação, o Bürgermeister (Presidente da Câmara) de Salzburg, o presidente da Região, o representante da Ministra da Cultura, o Director artístico da Mozartwoche que fez a laudatio de András Schif. Foi concedida a medalha e, então, falou o pianista. Lentamente, muito emocionado, comovida e empenhadamente envolvido com os difíceis momentos que se vivem na sua Hungria natal, disse o que deve a Salzburg e ao Mozarteum e, principalmente, ao próprio Mozart.

Sublinhou aquilo que, tantas vezes, eu tenho dito e repetido – algo que me faz vir a Salzburg todos os anos, em especial, durante a Mozartwoche – isto é, como está grato por a Fundação continuar a proporcionar programas contra a lógica comercial, do marketing das grandes companhias discográficas. Falou de si, naturalmente, para se apoucar perante a notoriedade excepcional de quem o precedeu nesta excepcional distinção, tais como Karl Böhm, Bruno Walter, Paumgartner, Nikolaus Harnoncourt…

Naturalmente, aplaudindo vibrantemente e de pé, todos o saudámos com a maior sinceridade e emoção, gratos por tantos e excelentes momentos musicais de serviço a Mozart. Seguidamente, o mesmo conjunto de músicos – entre os quais se incluía a violinita Yuuko Shiokawa, mulher de András Schiff, também presença constante enquanto membro da Cappella Andrea Barca – interpretou o Menuett da mesma e já referida peça.


Só para que tenham uma pequena ideia do savoire faire desta boa gente, pois fiquem sabendo que a cerimónia de Abertura da Mozartwoche que começou cerca das cinco da tarde, teve aqueles discursos todos, mais dois momentos musicais do mais alto gabarito, seguindo-se um beberete estupendo e quando faltava um quarto para as sete já toda a gente saía. É verdade, hora e meia é quanto basta e ninguém se maça.


Até porque não podia ser de outra maneira já que, às sete e meia, no Landestheter, a cerca de cinquenta metros, seria apresentado o primeiro espectáculo do programa oficial da Mozartwoche sobre o qual, mais logo, vos apresentarei outro texto.


E, a finalizar, a peça completa, da qual a Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg seleccionou o Adagio e o Minuetto para audição na cerimónia de lançamento do Festival. Não deixem de reparar nos intérpretes desta gravação.



Boa audição!


v_qXHMzCXzs Mozart -

String Quintet No. 5 in D major, K. 593 http://www.youtube.com/

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012



Mozartwoche, 2012
primeiro evento

Esta será a primeira peça que se escutará amanhã, durante uma cerimónia de Abertura da Mozartwoche e de atribuição da Medalha de Ouro da Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg ao pianista András Sciff, para a qual fui convidado na qualidade de membro da instituição.

Tocarão alguns dos elementos dos naipes de cordas da Cappella Andrea Barca. Já agora explicarei que esta famosa e estupenda orquestra, que András Schiff constituiu com músicos provenientes de outras grandes orquestras, deve o seu nome ao próprio András Schiff. Reparem: András=Andrea e Schiff=Barca portanto, a tradução para Italiano, também para Português, do substantivo alemão das Schiff, barco.

András Schiff que, na passada temporada da Gulbenkian, foi interpretar as Variações Goldberg de J.S. Bach, numa estupenda e entusiasmante leitura, é figura sacramental em todas as Mozartwoche de há uns bons anos a esta parte. Ainda pairam na memória de todos os mozartianos, indefectíveis da Mozartwoche, as suas versões dos concertos e das sonatas de Amadé.

Como poderão verificar, a minha explicação acerca da designação da orquestra também o remete para o bom lugar dos cultores da fina ironia. Pois, ele já sabia que o nome originaria celeuma. Então não é que houve uns sabichões afirmando patranhas acerca da inexistente biografia de Andrea Barca?...

Gente desta há por todo o lado e todos devem ter frequentado a mesma escola de música onde o Pedro Santana Lopes aprendeu que o bom do Chopin tinha composto concertos de violino... Enfim, voltemos a coisas sérias. Ouçam este andamento, um Adagio lindíssimo, do Quinteto em Ré Maior KV 593. A interpretação é muito correcta.

Boa audição!

!http://youtu.be/qQhr8bv05Qg
W. A. Mozart - String Quintet in D, K593; 2) Adagio


Uchida,
mozartiana inspiração...


Eu assisti a esta maravilha. Foi ha seis anos, aqui em salzburg, na Grosse Saal do Mozarteum. Uchida, acerca de quem vos tenho escrito. Há quem afirme ser ela uma encarnação do próprio Mozart... Eu adoro-a. E vou ter o privilégio de voltar a estar com a pianista dentro de dias, em várias oportunidades. Desses momentos vos darei conta, estejam descansados. Agora, deixem-me partilhar convosco estes momentos tão especiais.

Boa audição!

http://youtu.be/iARNzSLxK0c
MITSUKO UCHIDA MOZART PIANO CONCERTO No.20 http://www.youtube.com/

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012



Wagner e a Maçonaria (II)
(concl)


Já em Salzburg, até parece que estou em Bayreuth, preocupado com a segunda parte do meu artigo "Richard Wagner e a Maçonaria". A verdade é que me atrasei, com uma série de questões pendentes que, felizmente, consegui resolver antes de viajar para aqui. E, como compreenderão, preocupado que estava com o Wagner, não podia começar a debitar sobre Mozart e Salzburg antes de despachar o assunto. Depois de me ter situado, já posso deixar esta pequena introdução para retomar a matéria.


Continuando a vasculhar a biografia de Richard Wagner, provou-se que, efectivamente, o pai do compositor foi maçon e que, depois da sua morte, os seus Irmãos Pedreiros-Livres de Dresden passaram a proteger a família, assumindo as despesas da escolarização de um dos irmãos de Richard que frequentaria uma escola patrocinada pela Maçonaria local.

Mais tarde, num dia 10 de Janeiro de 1835, data em que Richard Wagner ainda não tinha feito vinte e dois anos – o aniversário é a 22 de Maio – dirigiu a Abertura da sua ópera “Die Feen”, no âmbito de um concerto organizado por um tal senhor Lafont, promovido pela Loja Maçónica “Ferdinand zur Glückseligkeit” de Magdeburg, cidade onde o jovem Wagner manteve um posto de trabalho. Já que entrei neste pormenor, então ainda faltará acrescentar que, três dias passados, lá foi tocada a Abertura que Wagner compusera para uma peça de Wilhelm Schmale, escrita para assinalar o Novo Ano.

Cumpre ainda referir que Ludwig Geyer, padrasto de RW (que alguns biógrafos consideram poder ser, afinal, o verdadeiro pai do grande mestre…), tinha sido iniciado, em 1804, na acima referida Loja que, juntamente com outra oficina maçónica, a “Harpokrates”, desempenhavam destacado papel na vida musical daquela cidade.Já depois de conquistada a notoriedade, conhecem-se-lhe várias tentativas no sentido de se aproximar da Maçonaria tentando que aceitassem a sua Iniciação.

Às impressões da infância e juventude ter-se-ão juntado as influências dos mais notáveis artistas contemporâneos, entre os quais o seu próprio sogro, Franz Liszt, e outros altamente colocados na hierarquia maçónica.Remonta a 1841 – curiosamente, pouco tempo antes da sua vinda a Portugal – a admissão e Iniciação de Liszt na Loja “Zur Einigkeit” de Frankfurt, ainda que tenha sido posteriormente, em Berlin, que ascendeu aos graus de Companheiro e Mestre, na Loja “Zur Eintracht”.

Aliás, é à luz da verdadeira fraternidade maçónica que deve ser entendida a sua protecção a vários artistas, entre os quais Wagner, que foi um dos principais beneficiados. Prosseguindo, veremos que, ao tempo, um dos mais conhecidos maçons alemães, o professor Oswald Marbach, casou com Rosalie, nem mais nem menos do que irmã de Wagner. Durante trinta anos foi Venerável da Loja “Balduin zur Linde” em Leipzig, tendo sido distinguido como membro de honra por mais de cinquenta Lojas.

A partir de certa altura, Wagner aproximou-se mesmo bastante do cunhado.Um outro contacto pessoal da maior relevância foi com o banqueiro Friedrich Feustel, alguém que se revelou perfeitamente imprescindível para a concretização do projecto do Festival de Bayreuth. Este maçon, figura das mais importantes da Maçonaria alemã, pertencia à Loja “Eleusis, zur Verschwiegenheit” de Bayreuth na qual Richard Wagner pretendeu ser admitido.

Ora bem, tamanho desafio, ao contrário de todos os outros aos quais o compositor se lançou – alguns dos quais, como sabemos, bem megalómanos… – acabou por não ser concretizado. A vida amorosa de Wagner era complicada, algo escandalosa, como o escabroso episódio da ligação com Cosima Liszt, mulher do seu amigo, o maestro Hans von Bülow.

O mínimo que poderá afirmar-se é que tais evidências não são nada compagináveis com os bons costumes que a moralidade maçónica exige a quem pretenda candidatar-se à condição de membro. Por outro lado, igualmente, muito terão pesado os ataques que Wagner sofreu pela influência que exercia sobre o Rei Luís II que conduziram a gastos, na altura, considerados gigantescos e incomportáveis para o erário do reino da Baviera.

Nestas circunstâncias, Friedrich Feustel tudo fez para que não se concretizasse o intento e, de acordo com testemunhos consultados, Richard Wagner mais não teve do que conformar-se com a indisponibilidade da Maçonaria para o convidar a ingressar no seu seio. Será interessante lembrar ter sido este mesmo Feustel que, junto ao caixão do compositor, proferiu as seguintes palavras: “A posteridade há-de entender mal como foi possível tornar tão difícil a concretização dos seus objectivos a um homem de tamanha grandeza”.

João de Freitas Branco, no artigo já citado, pergunta se o orador estaria a pensar num ‘Richard-Parsifal’ sem acesso à Loja-castelo do Graal, por vingança de algum Klingsor* ou se, antes, se trataria duma seita de Beckmessers...**

Julgo que me acompanharão na conclusão de que não poderia ter escolhido melhor remate para estas considerações. Ah, como fazem falta o João de Freitas Branco e homens da sua geração, cultos, lúcidos, empenhados, tais como o Joly Braga Santos, Nuno Barreiros, Maria Helena de Freitas, João Paes de Freitas Branco e o meu próprio pai, que pertencia ao mesmo grupo, a quem tudo deve a minha melomania na procura de ser o mais possível esclarecida.

Lembrar-se-ão de que, no artigo anterior, referi uma passagem de Fidelio. Resolvi hoje proporcionar-vos o visionamento de uma boa proposta do MET de Nova Iorque, sob a direcção de James Levine, que, além de um excelente elenco (em que, no papel de Pizarro está Falk Struckmann, há dias presente numa versão concertante de Tannhäuser na Gulbenkian) tem a vantagem de apresentar legendas em Inglês. Portanto, toca a descobrir onde se encontra a tal citação. Bom visionamento! Boa audição!

http://youtu.be/T7QXkNILErg
Beethoven - Fidelio (Levine).
http://www.youtube.com/

* personagem de Parsifal
**personagem de Os Mestres Cantores de Nuremberga



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Gustav Leonahrdt
(1928-2012)


Morreu anteontem aquele que, sem dúvida alguma, foi o grande mestre cravista dos últimos sessenta anos. Este holandês austero, perfeita anti vedeta, veio tocar a Portugal várias vezes pelo que, se bem consigo lembrar-me, pude beneficiar da sua arte em Lisboa, na Gulbenkian, na igreja convento da Graça, em Mateus e em Póvoa de Varzim.

O que devemos a Leonhardt é, não só a interpretação fidedigna de um repertório barroco que ajudou a estabelecer, mas também uma actividade pedagógica que marcou gerações de músicos e que, em definitivo, devido a múltiplas gravações e estudos em que esteve envolvido, há-de continuar a constituir um marco de absoluta referência.

A sua gravação das Variações Goldberg, datada de 1978, acompanha-me para todo o lado. Ouço-a e tenho dificuldade em dela descolar para ouvir outras fabulosas interpretações. Padronizou e nada mais há a fazer que altere a minha capacidade de percepção. Constantemente «encostado» a J.S. Bach, também ficará para a História da Música o seu estudo A Arte da Fuga de J.S. Bach onde tudo ficou dito sobre o assunto.

Quem não dispensar essa coisa efémera que é a física imagem de alguém, pois que veja ou reveja o filme de Jean Marie Straub Crónica de Anna Magdalena Bach, datado de 1967 que, em Gustav Leonhardt, tem um assumido protagonista do grande compositor do período barroco. Deixo-vos essa oportunidade. Bom visionamento.

http://youtu.be/8Au2_df1n4A

Anna Magdalena Bach-en Kronikea.avi http://www.youtube.com/

Richard Wagner e a Maçonaria
[1ª parte]



É em Parsifal, sua derradeira ópera, que Richard Wagner evidencia sinais de reaproximação do misticismo cristão e, em particular de formas rituais do catolicismo que, por exemplo, aflorara em Tannhäuser. E, curiosamente, também naquela ópera, não é difícil reconhecer a influência de certas soluções que designaríamos como maçónicas, de algum modo, articuláveis com tentativas do compositor no sentido de ser iniciado na Augusta Ordem.

Quando se entra neste fascinante território em que Música e Maçonaria se cruzam em diferentes plataformas, é fatal que logo ocorra o nome de Wolfgang Amadeus Mozart. No entanto, em abono da verdade, outros grandes e ilustres criadores musicais como Haydn, Liszt ou Beethoven também foram membros ou estiveram muito próximos da Maçonaria.

A propósito, por uns instantes, detenhamo-nos no caso de Beethoven, que Wagner admirava acima de qualquer outro músico compositor, para lembrar que deixou testemunhos inequívocos de proposições maçónicas, como no verso «Alle Menschen werden Brüder» , da Ode à Alegria, o poema de Friedrich Schiller que é suporte do último Andamento da sua 9ª Sinfonia, ou à passagem «Es sucht der Bruder seine Brüder» na ópera Fidelio, com libreto de Ferdinand Sonnleithner.

Entrando na matéria mais específica e afim do objectivo deste escrito, cumpre lembrar que tanto em Lohengrin como no Parsifal subjaz uma noção de templo de virtudes cujo acesso só é possível uma vez vencidas várias provas. Aliás, no caso da última referida, não tão flagrante como acontece em Die Zauberflöte, este «caminho» é análogo ao da ópera de Mozart.

No artigo Unbekanntes von Richard Wagner. Wie der berühmte Komponist Freimaurer werden wollte, incluído na sua obra Die wiener Oper, Max Graf considera que “(…) Parsifal, o puro idiota introduzido no templo do Graal pelo velho e sábio Gurnmanz, é um segundo Tamino, para quem Sarastro se torna um esclarecido condutor. O mesmo Gurnmanz é uma grandiosa amplificação da figura de Sarastro (…)”.

Sempre apoiados em Max Graf, que tem o cuidado de lembrar não estarem os símbolos maçónicos apenas presentes no libreto mas também na própria música de Die Zauberflöte, pois o mesmo se poderá considerar acerca do ritmo da música que leva Gurnmanz e Parsifal na subida de ambos em direcção ao castelo. E, se assim é, então o ágape do I Acto e as exéquias do III pressupõem uma morfologia maçónica.

Aliás, como muito bem recorda o saudoso João de Freitas Branco*, assim melhor se entende que, ao filmar Die Zauberflöte, Igmar Bergman tenha focado o intérprete da figura de Sarastro, ou seja, o baixo Hans Sotin, folheando uma partitura do Parsifal, numa cena de intervalo entre o primeiro e segundo actos. Igualmente, no início do cortejo fúnebre de Titurel, as intervenções dos cavaleiros do Graal, sob a forma alternante de perguntas e respostas, coincidem com passos do ritual maçónico.

Não deixa de ser sintomático, por outro lado, que as cerimónias acima aludidas comecem precisamente ao meio-dia, a mesma hora em que se inicia o julgamento em Lohengrin. Como é sabido, e aqui se recorda, o meio-dia é a altura em que, simbolicamente, se iniciam os trabalhos nas lojas maçónicas. Estas coincidências, longe de fortuitas, acabam por se articularem com significativos momentos da vida do próprio Richard Wagner.

(cont.)

A título de ilustração do texto cuja primeira parte acabei de publicar, proponho-vos este excerto de uma famosa produçao do Festival de Bayreuth cujas coordenadas estão bem identificadas na informação fornecida pela gravação. Boa audição!

http://youtu.be/iHbwPe5QDYg
Parsifal (ACT II) 05

terça-feira, 17 de janeiro de 2012



17 de Janeiro,
aniversário da Marquesa de Cadaval


Dona Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo (Cadaval), nasceu em Torino, aos 17 de Janeiro de 1900 e morreu em Lisboa, no dia 21 de Dezembro de 1996. Foi exemplar figura de grande senhora da Cultura Europeia, protectora da Música e de muitos músicos, através de meritória actividade mecenática que beneficiou Portugal, seu país de adopção.

É uma figura absolutamente fascinante a quem tenho dedicado muitas horas de trabalho, no contexto da realização de um filme documentário da sua riquíssima biografia, trabalho de equipa em que participam os meus queridos amigos Mário João Machado, ex Presidente do Conselho de Administração da SintraQuorum (Centro Cultural Olga Cadaval), João Pereira Bastos, ex director do Teatro São Carlos e da RDP Antena Dois, João Santa Clara, realizador de cinema e Vitor Beja, produtor.

Temos horas e horas de excepcional material recolhido em entrevistas com grandes pianistas, beneficiários directos do seu mecenato, tais como Daniel Barenboim, Martha Argerich, Nelson Freire, Olga Prats, Stephan Bishop-Kovacevitch, Nella Maisa, de amigos como os Engºs João Paes Freitas Branco ou Luís Santos Ferro, Maria Germana Tânger, etc, e com os netos. Ainda falta ir a Itália, em especial, ao seu palácio, em Veneza, no Grande Canal (era descendente directa da família Mocenigo que deu doze doges à cidade...) palácio onde «só» foi estreada a ópera de Monteverdi "Il Combattimento di Tancredi e Clorinda"... E ainda há trabalho a fazer em Florença.

Não sei quando terminaremos, embora haja um cronograma que tem sido sacrificado à medida que a crise e a austeridade avançam. Mas a nossa admiração inicial tinha de aumentar à medida que nos embrenhávamos na investigação e acabou por se transformar em paixão por esta figura tutelar da cultura europeia, que atravessa todo o século vinte.

E, como não, se podia contar, entre amigos íntimos, os grandes dos mundos cultural, político, religioso, seus íntimos, desde Marinetti, Gabriele d'Annnunzio, Graham Greene, Saul Bellow, C. Chanel, Maeterlinck, Louise de Vilmorin, Francisco José (a quem a Marquesa se referia como Il Kaiserone!), Pio XII, Frau Cosima (filha de Liszt, viúva de Wagner) a Princesa de Polignac, Kenneth Clark, Marconi, a Duse, René Huyghe... para mencionar, desordenadamente, apenas alguns dos estrangeiros e não músicos. Enfim, muita coisa há a contar acerca desta senhora que não pára de nos surpreender. Aguardem mais uns tempos que não perdem pela demora. Daremos notícias logo que possível.

Porém, outra é a matéria que, acerca da comemoração do aniversário da Senhora Marquesa de Cadaval, hoje gostaria de convosco partilhar. Para o efeito, recorro ao 'Jornal de Sintra' que, em 4 de Fevereiro de 2005, publicou o texto que subescrevi e que, já de seguida, passo a transcrever. Infelizmente, passados todos estes anos, não tenho a mínima razão para alterar uma vírgula. E não deixa de ser sintomático que, já naquela altura, eu tenha sentido a necessidade de transcrever outro texto publicado em 2003...

TRANSCRIÇÃO

"Marquesa de Cadaval,
a homenagem devida

Se há pessoas a quem Sintra muito deve, a Marquesa de Cadaval é, inequivocamente uma delas. É daquelas figuras que será recordada, pelos séculos fora, a exemplo de tantos notáveis estrangeiros que se apaixonaram por Sintra, por ter sabido acrescentar ao património concreto e espiritual do lugar, um contributo tão específico e individual como a sua própria personalidade de mecenas, de cultora da Arte, de diletante, no mais nobre sentido do termo, que soube partilhar o seu alto sentido estético com quem dela se aproximava na busca da elevação do espírito.


Por tudo isto, em geral, por outras causas, em pormenor, nada mais nos poderia ter mais alegrado do que a oportuna decisão, do anterior executivo municipal, de a ter elegido como patrona do Centro Cultural, depois das discutíveis mas sérias obras de adaptação do edifício original do Arquitecto Norte Júnior.

Pois bem, a partir de então, deixou de se ver a homenagem que é suposto acontecer por altura da data aniversária. Por isso é como se não existisse. Faz-se, é verdade, mas tão discreta, tão envergonhada, que Sintra nem dá por ela. Já em anterior oportunidade (JS,24.01.03) me referi à necessidade de promover toda uma pedagogia no sentido de que a comunidade comemore, celebre quem merece, mas sabendo porque e para que o faz.Lamentavelmente, continuam pertinentes as minhas palavras de então, razão pela qual me permito fazer a seguinte transcrição:

Homenagem em dívida

“(...) Tenho verificado, infelizmente com muita frequência, que os cidadãos em geral, crianças e jovens de Sintra, desconhecem esta personagem fascinante. Julgo não errar ao escrever e propor que a comemoração de tal efeméride, mesmo no quadro de uma atitude com muito maior e merecida visibilidade, deve constituir, em si mesma, um pretexto, i.e., terá de funcionar como um pivô para a dinamização de atitudes interdisciplinares de animação cultural.

Comemorar dignamente o aniversário da Marquesa de Cadaval, há-de contemplar, por exemplo, uma chamada de atenção às escolas dos vários níveis de ensino no sentido de integrar iniciativas nos contextos que os currículos e os programas melhor enquadrarem. Também a realização de Jornadas Culturais, com recurso a conferencistas, musicólogos, instrumentistas nacionais e estrangeiros, jornalistas e homens de Letras, cineastas, etc, que comungam este sentimento do tributo que importa continuar a prestar para que se mantenha bem viva a memória e se divulgue o exemplo.

Muitas outras iniciativas poderão articular-se como sejam a organização de exposições de artes plásticas e de fotografia, constituição de um Círculo de Estudos, promoção de uma tertúlia, programação de concertos de música, criação e dotação financeira de uma Bolsa de estudos com o seu nome.

Se bem consigo atingir o meu objectivo, com a concretização destas e de outras sugestões congéneres, pretender-se-ia envolver a população em geral para que, de futuro, as comemorações (...) marquem o calendário das actividades culturais de Sintra. Se assim não vier a acontecer, mais uma vez perderemos a oportunidade de alimentar o ego (tão falho de auto-estima...) com o exemplo de alguém acerca de quem só nos podemos orgulhar e enaltecer, justificando a comemoração que não existe sem a vertente da festa. (...)”

Em festa, público e notório

Enquanto não se souber dizer às crianças e aos jovens quem foi a Marquesa de Cadaval, enquanto não for um acto comum ir colocar uma flor junto ao seu busto, ninguém diga que há homenagem. Para começar a preparar o terreno, com a devida antecedência, a Câmara Municipal, através dos seus pelouros da Educação e da Cultura, deverá dotar a iniciativa com um orçamento minimamente condigno. Estou certo de que gente não faltará que dê o seu contributo desinteressado para uma visível e justa homenagem.

Só homenageia quem tem memória e quem preserva o património de valores do homenageado. Tal deve acontecer em termos públicos e notórios, tanto como o busto à entrada, tanto como o nome na fachada do Centro Cultural."


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012



Tannhäuser,
em Lisboa

Ontem, na Gulbenkian, assisti a uma récita de Tannhäuser, de Richard Wagner, em versão de concerto, que alcançou um nível mesmo muito apreciável. Coro e Orquestra Gulbenkian, um belo conjunto de vozes wagnerianas, as mesmas que ouço «lá», no santuário de Bayreuth, tais como Falk Struckmann, baixo (Hermann, Landgrave da Turíngia), Johan Botha, tenor (Tannhäuser), ou Melanie Diener, soprano (Elisabeth, sobrinha do Landgrave), num concerto que a direcção de Bertrand de Billy soube fazer render ainda que com alguns problemas.

Fundamentalmente, ao nível instrumental, os referidos problemas ter-se-ão devido ao facto de que a orquestra da casa não é especialmente rodada no repertório wagneriano, cujas particularidades muito sofisticadas, no domínio da acústica, exigem muita frequência de interpretação. O Coro esteve em magnífica forma. Como proposta concertante, em Lisboa, constituiu um momento deveras interessante, honrando o pequeno ciclo que a temporada da Fundação reservou ao compositor.

Esta que ainda não é uma ópera da grande maturidade de Wagner, tem segmentos inspiradíssimos. É muito impressiva a sucessão de momentos de avassalador arrebatamento que tomam conta de qualquer audiência minimamente receptiva. Gostaria de vos propor um momento do III Acto, de uma famosa produção de Bayreuth, encenada por Götz Friedrich e que, sob a batuta de Sir Colin Davis, teve em Gwineth Jones, uma lendária Elizabeth. Em Bayreuth, não assisti a esta mas a uma outra produção, também com GJ de que, infelizmente, não encontrei gravação.

A Orquestra e o Coro do Festival de Bayreuth aqui estão, evidenciando a máquina absolutamente fabulosa da sua prestação. A encenação, de uma eficácia a toda a prova. A marcação de cena, impecável. Nesta pequena amostra, como verificarão, tudo concorre para ilustrar o grande projecto do compositor que encarava a sua como uma proposta de Arte Total.

Boa audição!

http://youtu.be/05LpZe_CvlM
Tannhäuser: Act 3 chorus
http://www.youtube.com/

Monte da Lua,
soma e segue...

No contexto de exemplar estratégia de comunicação coordenada por Maria do Céu Alcaparra, a Parques de Sintra Monte da Lua acaba de informar acerca de mais uma aquisição de património cujos objectivos estão devidamente esclarecidos no texto que, seguidamente, passarei a transcrever. Antes, porém, gostaria de salientar a correcção desta atitude da empresa, dando satisfação pública do que vai realizando com os recursos materiais e humanos ao seu dispor.

Naturalmente, é com o maior regozijo que partilho a notícia com os meus leitores, certo de que, na tão restrita medida das minhas possibilidades, nada mais consigo do que saudar a PSML pelos imensos benefícios com que tem cumulado Sintra, os Sintrenses e todos os que demandam esta terra, na busca de uma particular identidade que a empresa preserva e dignificar como nenhuma outra entidade.

Eis a transcrição da notícia:

"Parques de Sintra adquire Quinta da Amizade para percurso pedestre até ao Castelo dos Mouros
-Percurso pedestre até ao Castelo facilitado pelo interior da Quinta
-Vila Sassetti, no interior, será alvo de recuperação


Sintra, 16 de Janeiro 2012 – A Parques de Sintra Monte da Lua adquiriu à Câmara Municipal de Sintra, nos finais de 2011, a Quinta da Amizade, em Sintra (propriedade do município desde 2004), que inclui a Vila Sassetti e duas casas de guarda. O objectivo é estabelecer mais um percurso pedestre desde o centro histórico da Vila de Sintra até ao Castelo dos Mouros. A Quinta é já um verdadeiro caminho, pois é uma longa e íngreme faixa de terreno, que vai desde o Largo do Victor até ao sopé rochoso do Castelo (a Vila fica situada a meio desse caminho).

Insere-se no conjunto de caminhos que a empresa vem preparando para que os visitantes dos dois mais frequentados monumentos geridos pela Parques de Sintra – o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros – os possam alcançar a pé, sem terem que conviver, sobretudo na época alta, com carros e autocarros ao longo da Rampa da Pena. Para isso, a Parques de Sintra, após trabalhos de limpeza e recuperação da Quinta da Amizade, irá abrir este espaço à passagem de peões, instalando na Vila Sassetti um local de descanso, visita e restauração.

A Vila Sassetti, construída entre 1890 e 1894, é um chalet cujo projeto, Victor Carlos Sassetti, que foi dono dos famosos Hotéis Bragança (Lisboa), e Victor (Sintra), encomendou ao seu amigo arquiteto Luigi Manini, mais tarde autor da Quinta da Regaleira e do Palácio, hoje hotel, do Buçaco. A Vila chegou a ser, mais tarde, arrendada a Calouste Gulbenkian.

Esta interessante construção, ou castelejo de estilo Lombardo encontra-se num local sobranceiro à Vila de Sintra, - um verdadeiro miradouro - de estética romântica e oferecendo a sensação intimista de refúgio para família e amigos. Será objecto de restauro, estando previsto abrir o caminho e a Vila Sassetti ao público já no próximo Verão."


Mais uma vez, como poderão verificar, a Parques de Sintra Monte da Lua continua a dar cartas. E, como o jogo é sempre excelente, quem ganha somos nós...



quinta-feira, 12 de janeiro de 2012


Helmut Schmidt,
93 anos, a voz da lucidez

À ATENÇÃO DE TODOS! ESTE DISCURSO QUE HELMUT SCHMIDT PROFERIU, HÁ CERCA DE UM MÊS, EM BERLIN, NO CONGRESSO DO SPD, É UMA DAS PEÇAS POlÍTICAS DE MAIOR ALCANCE DOS ÚLTIMOS ANOS. É LONGO. MAS, PARA BEM DE TODOS, NÃO PERCAM!

ESTE É O DISCURSO DE UM ESTADISTA. ESTAS SÃO CONSIDERAÇÕES QUE NÃO ESTÃO AO ALCANCE DE MERKL, SARKOZY E, MUITO MENOS, DE UM AINDA MAIS MEDÍOCRE SÓCRATES. A ESTE NÍVEL, A POLÍTICA É TÃO DESAFIANTE COMO A MELHOR MÚSICA, COMO A GRANDE ARTE.

REPAREM-SE. DELICIEM-SE COM A LUCIDEZ.

[infelizmente, a tradução é pouco recomendável. Acabo de aceder ao original pelo que aconselho todos os que entendam o Alemão a fazerem o mesmo. As palavras ganham uma veemência, uma pertinência muito mais impressivas. Neste, como em muitas outras circunstâncias, bem se aplica a máxima tradutore, traditore...]


Discurso de Helmut Schmidt no Congresso do SPD, 4 de Dezembro de 2011,BerlimDiscurso «A Alemanha na e com a Europa», Helmut Schmidt, ex-chanceler, noCongresso ordinário do SPD, Berlim, 4 de Dezembro de 2011



- é válida a palavra dita –



Queridos Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores!


Deixai-me começar com uma nota pessoal. Quando o Sigmar Gabriel, o Frank-Walter Steinmeier e o meu Partido me pediram mais uma vez uma contribuição,gostei de recordar como há 65 anos eu e a Locki, de joelhos no chão, pintavamoscartazes para o SPD em Hamburgo-Neugraben. Na verdade tenho de confessardesde já: no que diz respeito a toda a política partidária, já estou para além do Bem e do Mal, por causa da minha idade.


Há muito que para mim, em primeiro e em segundo lugar, se encontram as tarefas e papel da nossa nação no indispensável âmbito união europeia.Simultaneamente estou satisfeito por poder partilhar esta tribuna como o nossovizinho norueguês Jens Stoltenberg, que no centro de uma profunda infelicidade dasua nação nos deu a nós e a todos os europeus um exemplo a seguir de direção liberal e democrática de um estado de direito.


Enquanto entretanto homem já muito velho, penso naturalmente em longosperíodos temporais – quer para trás na História, quer para a frente na direção dodesejado e pretendido futuro. Contudo, não pude dar há alguns dias uma respostaclara a uma pergunta muito simples. Wolfgang Thierse perguntara-me: «Quando será a Alemanha, finalmente, um país normal?» E eu respondi: num futuro próximo a Alemanha não será um país «normal».


Já que contra isso está a nossa cargahistórica enorme mas única. E além disso está contra isso a nossa posição centralpreponderante, demográfica e economicamente, no centro do nosso bastantepequeno continente mas organizado em múltiplos estados-nação.Com isto já estou no centro do complexo tema do meu discurso: a Alemanha naEuropa, com a Europa e pela Europa.


Razões e origens da integração europeiaApesar de em alguns poucos dos cerca de 40 Estados europeus a consciência de ser uma nação se ter desenvolvido tardiamente – assim em Itália, na Grécia e naAlemanha – sempre houve e em todo o lado guerras sangrentas. Pode-secompreender esta história europeia – observada da Europa Central – como umapura sequência de lutas entre a periferia e o centro e vice-versa. Sempre de novo ocentro se manteve o campo de batalha decisivo.


Quando os governantes, os estados ou os povos no centro da Europa foram fracos,então os vizinhos da periferia avançaram para o centro. A maior destruição e asrelativamente elevadas baixas humanas aconteceram na primeira guerra dos 30anos entre 1618 e 1648, que se desenrolou fundamentalmente em solo alemão. AAlemanha era, nessa época, simplesmente um conceito geográfico, definido deforma desfocada só pelo espaço da língua alemã. Mais tarde vieram os franceses, sob Luís XIV e de novo sob Napoleão. Os suecos não vieram uma segunda vez; mas sim diversas vezes os ingleses e os russos, a última vez com Staline.


Mas quando as dinastias ou os Estados eram foram fortes no centro da Europa – ouquando se sentiram fortes! – então atacaram a periferia. Isto já é válido para ascruzadas, que foram simultaneamente cruzadas de conquista não só na direção daÁsia Menor e Jerusalém, mas também na direção da Prússia Oriental e na de todosos três estados bálticos atuais. Na idade moderna é válido para as guerras contraNapoleão e é válido para as três guerras de Bismarck em 1864, 1866 e 1870/71.


O mesmo é válido principalmente para a segunda guerra dos 30 anos de 1914 a1945. É especialmente válido para os avanços de Hitler até ao Cabo Norte, até aoCáucaso, até à ilha grega de Creta, até ao sul da França e até mesmo a Tobruk, perto da fronteira líbio-egípcia. A catástrofe europeia, provocada pela Alemanha, incluiu a catástrofe dos judeus europeus e a catástrofe do estado nacional alemão.


Mas antes os polacos, as nações bálticas, os checos, os eslovacos, os austríacos, os húngaros, os eslovenos, os croatas tinham partilhado o destino dos alemães namedida em que todos eles, desde há séculos, tinham sofrido sob a sua posiçãogeopolítica central neste pequeno continente europeu. Ou dito de outra forma: diversas vezes, nós, alemães, fizemos sofrer os outros sob a nossa central posição de poder.


Hoje em dia, as reivindicações territoriais conflituais, os conflitos linguísticos efronteiriços, que ainda na primeira metade do século XX desempenharam um papelimportante na consciência das nações, tornaram-se de facto insignificantes, pelo menos para nós alemães.Enquanto na opinião pública e na opinião publicada nas nações europeias oconhecimento e a lembrança das guerras da Idade Média se encontramamplamente esquecidos, a lembrança de ambas as guerras do século XX e aocupação alemã desempenham todavia ainda um papel latente dominante.


Penso ser para nós alemães decisivo que quase todos os nossos vizinhos – e paraalém disso quase todos os judeus no mundo inteiro – se recordem do holocausto edas infâmias que aconteceram durante a ocupação alemã nos países da periferia.Não está suficientemente claro para nós alemães que provavelmente entre quasetodos os nossos vizinhos, ainda por muitas gerações, se mantém uma desconfiançacontra os alemães.


Também as gerações alemãs posteriores têm de viver com este peso histórico. E as atuais não devem esquecer: foi a desconfiança com um futuro desenvolvimento da Alemanha que justificou o início da integração europeia em 1950.Em 1946, Churchill, no seu grande discurso em Zurique, tinha duas razões paraapelar aos franceses para se entenderem com os alemães e construírem com ele os Estados Unidos da Europa: em primeiro lugar a defesa conjunta perante a UniãoSoviética, que parecia ameaçadora, mas em segundo a integração da Alemanha numa aliança ocidental alargada.


Porque Churchill previa perspicazmente arecuperação económica da Alemanha.Quando em 1950, quatro anos depois do discurso de Churchill, Robert Schuman e Jean Monnet apresentaram o plano Schuman para a integração da indústria pesadaeuropeia, a razão foi a mesma, a razão da integração alemã. Charles de Gaulle, que dez anos mais tarde propôs a Konrad Adenauer a reconciliação, agiu pelo mesmo motivo.


Tudo isto aconteceu na perspetiva realista de um possível desenvolvimento futurodo poder alemão. Não foi o idealismo de Victor Hugo, que em 1849 apelou à uniãoda Europa, nem nenhum idealismo esteve em 1950/52 no início da integraçãoeuropeia então limitada à Europa Ocidental. Os estadistas dessa época na Europa ena América (nomeio George Marshall, Eisenhower, também Kennedy, mas principalmente Churchill, Jean Monnet, Adenauer e de Gaulle ou também Gasperi eHenri Spaak) não agiram de forma nenhuma por idealismo europeu, mas sim apartir do conhecimento da história europeia até à data.


Agiram no juízo realista danecessidade de impedir uma continuação da luta entre a periferia e o centroalemão. Quem ainda não entendeu este motivo original da integração europeia, deque continua a ser um elemento fundamental, quem ainda não entendeu isto falta-lhe a condição indispensável para solucionar a presente crise altamente precáriada Europa.


Quanto mais, durante os anos 60, 70 e 80, a então República Federal ganhava empeso económico, militar e político, mais a integração europeia se tornava aos olhosdos governantes europeus o seguro contra a de novo possível tentação de poderalemã. A resistência inicial de Margaret Tatcher ou de Miterrand ou de Andreottiem 1989/90 contra a unificação dos dois estados alemães do pós-guerra estavaclaramente fundada na preocupação de uma Alemanha poderosa no centro deste pequeno continente europeu.Gostaria aqui de fazer um pequeno excurso pessoal. Ouvi Jean Monnet quandoparticipei no seu comité «Pour les États-Unis d’Europe». Foi em 1955.


Para mim Jean Monnet é um dos franceses mais perspicazes que eu conheci na minha vidaem questões de integração, também por causa do seu conceito de avançar passo apasso na integração europeia.Desde aí que, por compreender o interesse estratégico da nação alemã, me tornei e me mantive um partidário da integração europeia, um partidário da integração daAlemanha, não por idealismo. (Isto levou-me a uma controvérsia com Kurt Schumacher, o por mim muito respeitado presidente do meu partido, para eleinsignificante, para mim com 30 anos, regressado da guerra, muito séria.)


Levou-me a concordar, nos anos 50, com os planos do então Ministro dos NegóciosEstrangeiros polaco Rapacki. No início dos anos 60 escrevi então um livro contra aestratégia oficial ocidental da retaliação nuclear, com que a NATO, na qual ontemcomo hoje nos encontrávamos integrados, ameaçava a poderosa União Soviética.


A União Europeia é necessáriaDe Gaulle e Pompidou continuaram nos anos 60 e início dos anos 70 a integraçãoeuropeia, para integrar a Alemanha – mas também não queriam de maneiranenhuma integrar o seu próprio estado. Depois disso, o bom entendimento entreGiscard d’Estaing e mim, levou a um período de cooperação franco-alemão e à continuação da integração europeia, um período que depois da primavera de 1990continuou com êxito entre Miterrand e Kohl.


Ao mesmo tempo desde 1950/52 quea comunidade europeia cresceu, até 1991, passo a passo de seis para dozemembros.Graças ao amplo trabalho preparatório de Jacques Delors (na altura presidente daComissão Europeia), Miterrand e Kohl acordaram, em 1991, em Maastricht amoeda comum – o euro – que se tornou realidade dez anos mais tarde, em 2001.


De novo na sua origem a preocupação francesa de uma Alemanha demasiadopoderosa, mais exatamente de um marco demasiado poderoso.Entretanto o euro tornou-se na segunda moeda mais importante da economiamundial. Esta moeda europeia é até, quer interna, quer externamente mais estáveldo que o dólar americano e mais estável do que o marco foi nos seus últimos dezanos.


Toda a conversa sobre uma suposta «crise do euro» é conversa fiada levianados media, de jornalistas e de políticos.Mas desde Maastricht, desde 1991/92, que o mundo mudou imensamente.Assistimos à libertação das nações do leste europeu e à implosão da UniãoSoviética. Assistimos à ascensão fenomenal da China, da Índia, do Brasil e outros«estados emergentes», que antigamente chamávamos «Terceiro Mundo».


Simultaneamente, as economias reais de grande parte do mundo «globalizaram-se», em alemão: quase todos os estados no mundo dependem uns dos outros.Principalmente, os actores nos mercados financeiros globalizados apropriaram-sede um poder, por enquanto, totalmente sem controlo.Mas paralelamente, quase sem se dar por isso, a humanidade multiplicou-se deforma explosiva atingindo os 7 mil milhões.


Quando nasci eram cerca de 2 milmilhões. Todas estas enormes mudanças tiveram consequências tremendas nospovos europeus, nos seus estados, no seu bem-estar!Por outro lado, todas as nações europeias envelhecem e por todo o lado desce onúmero de cidadãos europeus. Em meados do século XXI seremos provavelmente9 mil milhões de pessoas a viver na Terra, enquanto todas as nações europeias não ultrapassarão os 7%. 7% de 9 mil milhões. Até 1950, os europeus representaram, durante mais de dois séculos, mais de 20% da população mundial.


Mas desde há 50 anos que nós europeus diminuímos – não só em números absolutos, mas principalmente em relação à Ásia, África e América Latina. Da mesma forma desce a parte dos europeus no produto social global, isto é na criação de riqueza de toda a humanidade. Até 2050 descerá até aos 10%; em 1950 ainda representava 30%.Cada uma das nações europeias, em 2050, representará já só uma parte de um 1% da população mundial. Quer dizer: se queremos ter a esperança de nós europeus termos importância no mundo, então só a teremos em conjunto.


Porque enquanto Estados separados – seja a França, Itália ou Alemanha ou Polónia, Holanda ou Dinamarca ou Grécia – só nos poderão contar em milésimos e não mais em números percentuais.Daqui resulta o interesse estratégico a longo prazo dos estados europeus na suacooperação integradora. Este interesse estratégico na integração europeiaaumentará em importância cada vez mais. Até agora ainda não está amplamente consciencializado pelas nações.
Também os respetivos governos não as consciencializam.

No caso, porém de a União Europeia no decorrer do próximo decénio nãoconseguir – mesmo que limitada – uma capacidade conjunta de atuação, não é deexcluir uma marginalização auto-provocada dos estados e da civilização europeia.Do mesmo modo não se pode excluir, num caso destes, o ressuscitar de lutasconcorrenciais e de prestígio entre os estados europeus. Numa situação destas aintegração da Alemanha não poderia funcionar. O velho jogo entre centro eperiferia podia de novo tornar-se realidade.


O processo mundial de esclarecimento, de propagação dos direitos das pessoas eda sua dignidade, o direito constitucional e a democratização não receberia maisnenhum impulso eficaz da Europa. Nesta perspetiva, a comunidade europeia torna-se uma necessidade vital para os estados nacionais do nosso velho continente. Estanecessidade ultrapassa as motivações de Churchill e de Gaulle. Também ultrapassaas motivações de Monnet e os de Adenauer. E hoje também engloba as motivaçõesde Ernst Reuter, Fitz Ehler, Willy Brandt e também Helmut Kohl.


Acrescento: certamente que também se trata ainda e sempre da integração daAlemanha. Por isso, nós alemães temos de ganhar clareza sobre a nossa tarefa, onosso papel no contexto da integração europeia. A Alemanha necessita de constância e fiabilidadeSe no final de 2011 olharmos para a Alemanha com os olhos dos nossos vizinhosmais próximos e mais distantes, desde há um decénio que a Alemanha provocainquietação – recentemente também preocupação política.


Nos últimos anossurgiram dúvidas consideráveis sobre a constância da política alemã. A confiançana garantia da política alemã está abalada.Estas dúvidas e preocupações assentam também nos erros de política externa dosnossos políticos e governos. Por outro lado baseiam-se no, para o mundoinesperado, poder económico da República Federal unificada. A nossa economiatornou-se – iniciando nos anos 70, nessa época ainda dividida – na maior daEuropa. Tecnológica, financeira e socialmente é hoje uma das economias maiseficientes do mundo.


O nosso poder económico e a nossa, em comparação muitoestável, paz social desde há decénios também provocaram inveja – tanto mais quea nossa taxa de desemprego e a nossa dívida se encontram dentro da normalidadeinternacional.No entanto, não nos é suficientemente claro que a nossa economia está, querprofundamente integrada no mercado comum europeu, quer em grande medidaglobalizada e assim dependente da conjuntura mundial. Iremos assim assistircomo, no próximo ano, as nossas exportações não aumentarão significativamente.


Mas simultaneamente desenvolveu-se um grave erro, nomeadamente os enormesexcedentes da nossa balança comercial. Desde há anos que os excedentesrepresentam 5% do nosso PIB. São comparáveis aos excedentes da China. Isto nãonos é completamente claro porque os excedentes não se contabilizam em marcos, mas em euros. Mas é necessário que os nossos políticos consciencializem estacircunstância.Porque todos os nossos excedentes são, na realidade, os défices dos outros. Asexigências que temos aos outros, são as suas dívidas. Trata-se de uma violaçãoirritante do por nós elevado a ideal legal do «equilíbrio da economia externa».


Estaviolação tem de inquietar os nossos parceiros. E quando ultimamente aparecemvozes estrangeiras, na maioria dos casos vozes americanas – entretanto vêm demuitos lados – que exigem da Alemanha um papel de condução europeia, entãoisso desperta nos nossos vizinhos mais desconfiança. E acorda más recordações.Esta evolução económica e a simultânea crise da capacidade de ação dos órgãos da união europeia empurraram de novo a Alemanha para um papel central. Achanceler aceitou solícita este papel juntamente com o presidente francês.


Mas há, e novo, em muitas capitais europeias e também em muitos media uma crescentepreocupação com o domínio alemão. Desta vez não se trata de uma potênciamilitar e política central, mas sim de um potente centro económico!Aqui é necessário uma séria, cuidadosamente equilibrada advertência aos políticosalemães, aos media e à nossa opinião pública.


Se nós alemães nos deixássemos seduzir, baseados no nosso poder económico, por reivindicar um papel político dirigente na Europa ou pelo menos desempenhar opapel de primus inter pares, então um número cada vez maior dos nossos vizinhosresistiria eficazmente. A preocupação da periferia europeia com um centro daEuropa demasiado forte regressaria rapidamente. As consequências prováveis deuma tal evolução seriam atrofiadoras para a UE. E a Alemanha cairia noisolamento.


A República Federal da Alemanha, muito grande e muito eficaz, precisa – tambémpara se defender de si própria! – de se encaixar na integração europeia. Por issodesde os tempos de Helmut Kohl, desde 1992 que o artº 23º da Constituição nosobriga a colaborar «... no desenvolvimento da União Europeia». Este artº 23ºobriga-nos a esta cooperação também no «princípio da subsidiariedade...». A crise atual da capacidade de ação dos órgãos da UE não muda em nada estes princípios.

A nossa posição geopolítica central, mais o papel infeliz no decorrer da históriaeuropeia até meados do século XX, mais a nossa capacidade produtiva atual, tudoisto exige de todos os governos alemães uma grande dose de compreensão dosinteresses dos nossos parceiros na EU. E a nossa prestabilidade é indispensável.Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução ecapacidade de produção nos últimos 6 decénios. Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências vencedoras ocidentais, sem a nossa inclusão nacomunidade europeia e na aliança atlântica, sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de leste e sem o fim da ditadura comunista.


Nós,alemães, temos razões para estarmos gratos. E simultaneamente temos aobrigação de nos mostramos dignos da solidariedade através da solidariedade comos nossos vizinhos!Pelo contrário, ambicionar um papel próprio na política mundial e ambicionarprestígio político mundial seria bastante inútil, provavelmente até prejudicial. Emtodo o caso, mantém-se indispensável a estreita cooperação com a França e aPolónia, com todos os nossos vizinhos e parceiros na Europa.É minha convicção que reside no interesse estratégico cardinal da Alemanha alongo prazo, não se isolar e não se deixar isolar.


Um isolamento no espaço doocidente seria perigoso. Um isolamento no espaço da EU ou da zona euro seriaainda mais perigoso. Para mim, este interesse da Alemanha ocupa um lugarinequivocamente mais importante do que qualquer interesse tático de todos ospartidos políticos.Os políticos e os media alemães têm, com mil demónios, a obrigação e o dever dedefender este conhecimento de forma duradoura na opinião pública.


Mas quando alguém dá a entender que hoje e no futuro falar-se-á alemão naEuropa; quando um ministro alemão dos negócios estrangeiros pensa queaparições adequadas às televisões em Tripoli, Cairo ou Cabul são mais importantesdo que contactos políticos com Lisboa, Madrid, Varsóvia ou Praga, Dublin, HaiaCopenhaga ou Helsínquia; quando um outro acha ter de se defender de uma «União de transferência» - então tudo isto é mera fanfarronice prejudicial.


Na verdade, a Alemanha foi durante longos decénios pagador líquido! Podíamosfazê-lo e fizemo-lo desde Adenauer. E naturalmente que Grécia, Portugal ou Irlandaforma sempre recebedores líquidos.Esta solidariedade talvez não seja hoje suficientemente clara para a classe políticaalemã. Mas até agora foi evidente. Também evidente – e para além disso desdeLisboa incluído no tratado – o princípio da subsidiariedade: aquilo que um estadonão pode ou não consegue resolver, tem de ser assumido pela UE.


Desde o plano Schuman que Konrad Adenauer aceitou, por instinto políticoacertado, a oferta francesa contra a resistência quer de Kurt Schumacher, quer de Ludwig Erhard. Adenauer avaliou corretamente o interesse estratégico de longoprazo da Alemanha – apesar da divisão da Alemanha! Todos os sucessores – assim também Brandt, Schmidt, Kohl e Schröder – prosseguiram a política de integraçãode Adenauer.Todas as táticas da ordem do dia, da política interna ou da política externa nunca questionaram o interesse estratégico alemão de longo prazo.


Por isso todos osnossos vizinhos e parceiros puderam confiar, durante decénios, na constância dapolítica europeia alemã – e na verdade independentemente de todas as mudançasde governo. Esta continuidade mantém-se conveniente também no futuro.A situação atual da EU exige energiaContribuições conceptuais alemãs foram sempre naturais. Também se deve manterassim no futuro. No entanto não devíamos antecipar o futuro longínquo. Mudanças no tratado, mesmo assim, só poderiam corrigir em parte erros e omissões narealidade criada há vinte anos em Maastricht.


As propostas atuais para asmudanças no Tratado de Lisboa em vigor não me parecem muito úteis para umfuturo próximo, se nos lembrarmos das dificuldades até agora com todas asdiversas ratificações nacionais, ou nos referendos com resultados negativos.Concordo por isso com Napolitano, o Presidente italiano, quando, num notáveldiscurso em Outubro exigiu que nós hoje nos temos de concentrar no que énecessário hoje fazer. E que para isso temos de esgotar as possibilidades que ostratados em vigor nos proporcionam – especialmente o reforço das regrasorçamentais e da política económica na zona Euro.


A atual crise da capacidade de ação dos órgãos da EU criados em Lisboa, não podecontinuar! Com a exceção do BCE, todos os órgãos – Parlamento Europeu, ConselhoEuropeu, Comissão Europeia e Conselho de Ministros – todos eles, desde asuperação da aguda crise dos bancos de 2008 e especialmente da consequentecrise da dívida soberana, contribuíram pouco para uma ajuda eficaz.Não há nenhuma receita para a superação da atual crise de liderança na EU.


Serão necessários vários passos, alguns simultâneos, outros consecutivos. Não serão só necessárias, capacidade de análise e energia, mas também paciência! Nisso ascontribuições concepcionais alemãs não se podem reduzir a chavões. Não devemser apresentadas na praça televisiva, mas em vez disso confidencialmente nosgrémios dos órgãos da EU. Os alemães não devem apresentar como exemplo oumedida de toda as coisas aos nossos parceiros europeus, nem a nossa ordemeconómica ou social, nem o nosso sistema federal, nem a nossa políticaconstitucional orçamental ou financeira, mas sim simplesmente enquanto exemploentre várias outras possibilidades.


Todos nós em conjunto somos responsáveis pelos efeitos futuros na Europa portudo o que hoje a Alemanha faz ou deixa de fazer. Precisamos de razoabilidadeeuropeia. Mas não precisamos só de razoabilidade, mas também de um coraçãocompreensivo com os nossos vizinhos e parceiros.Concordo num ponto importante com Jürgen Habermas, que recentemente referiuque – e cito - «...na realidade assistimos agora pela primeira vez na história da EU a uma desmontagem da Democracia!!» (fim da citação).


De facto: não só o Conselho Europeu, incluindo o seu Presidente, também a Comissão Europeia, incluindo o seuPresidente e os diversos Conselhos de Ministros e toda a burocracia de Bruxelasmarginalizaram em conjunto o princípio democrático! Eu caí no erro, na época emque introduzimos a eleição para o Parlamento europeu, de pensar que oParlamento conseguiria o seu peso próprio. Na verdade até agora não tevenenhuma influência reconhecível na superação da crise, já que as suas discussões e resoluções não têm até agora nenhum resultado público.


Por isso quero apelar a Martin Schulz: é tempo de o senhor e os seus colegasdemocratas-cristãos, socialistas, liberais e verdes, em conjunto mas de formadrástica, conseguirem ser ouvidos publicamente. Provavelmente o campo datotalmente insuficiente fiscalização sobre os bancos, bolsas e os seus instrumentosfinanceiros, desde o G20 em 2008, adequa-se na perfeição para um tallevantamento do Parlamento Europeu.


Realmente alguns milhares de brookers nos EUA e na Europa, mais algumasagências de notação tornaram reféns os governos politicamente responsáveis na Europa. Não é de esperar que Barack Obama possa vir fazer muito contra isso. Omesmo é válido para o governo britânico. Realmente, os governos do mundointeiro salvaram, na verdade, os bancos em 2008/09 com as garantias e o dinheirodos impostos dos cidadãos. Mas já em 2010, esta manada de executivosfinanceiros, altamente inteligentes e simultaneamente propensos à psicose, jogava,de novo, o seu velho jogo do lucro e das bonificações. Um jogo de azar e emprejuízo dos que não são jogadores, que eu e Marion Dönhoff já nos anos 90criticámos como muito perigoso.


Já que ninguém quer agir, então os participantes da zona Euro têm de o fazer. Paraisso o caminho pode ser o do artº 20º do Tratado de Lisboa em vigor. Aí prevê-seexpressamente, que Estados-membros sós ou em conjunto «estabeleçam entre eles uma cooperação reforçada». Em todo o caso, os Estados membros da zona euro deveriam impor uma regulação enérgica do seu mercado financeiro comum.

Desde a separação entre por um lado os normais bancos de negócios e por outro, os bancos de investimento e bancos sombra até à proibição da venda de derivados,desde que não autorizados pela fiscalização oficial da Bolsa - até à restrição eficazdos negócios das, por enquanto, não fiscalizadas agências de notação no espaço dazona euro. Não quero, minhas senhoras e meus senhores, aborrecê-los com maisdetalhes.


Naturalmente que o globalizado lobby dos banqueiros iria empregar todos osmeios contra. Já conseguiu até agora impedir toda a regulamentação eficaz.Possibilitou para si mesmo que a manada dos seus brookers tenha colocado osgovernos europeus na situação difícil de ter de inventar sempre novos «fundos deestabilização» e alargá-los através de «alavancas». É tempo de se resistir. Se oseuropeus conseguirem ter a coragem e a força para uma regulação eficaz dosmercados financeiros, então podemos no médio prazo tornarmo-nos numa zona deestabilidade.

Mas se falharmos, então o peso da Europa continuará a diminuir – e omundo evolui na direção de um Duovirato entre Washington e Pequim.Seguramente que para o futuro próximo da zona euro todos os passos anunciadose pensados até agora são necessários. Deles fazem parte os fundos de estabilização, o limite máximo de endividamento e o seu controlo, uma política económica e fiscal comum, deles fazem parte uma série de reformas nacionais na política fiscal, de despesa, na política social e na política laboral. Mas forçosamente, também uma dívida comum será inevitável. Nós, alemães, não nos devemos recusar por razõesnacionais e egoístas.


Mas de forma nenhuma devemos propagar para toda a Europa uma políticaextrema de deflação. Mais razão tem Jacques Delors quando exige, em conjuntocom o saneamento do orçamento, a introdução e financiamento de projetos quefomentem o crescimento. Sem crescimento, sem novos postos de trabalho, nenhum Estado pode sanear o seu orçamento. Quem acredita que a Europa pode, só através de poupanças orçamentais, recompor-se faça o favor de estudar o resultado fatal da política de deflação de Heinrich Brüning em 1930/32. Provocou uma depressão e um desemprego de uma tal dimensão que deu início à queda da primeira democracia alemã.


Aos meus amigosTerminemos, queridos amigos! No fundo, não é preciso pregar solidariedadeinternacional aos sociais-democratas. A social-democracia é desde há século emeio internacionalista – em muito maior medida do que gerações de liberais, deconservadores ou de nacionalistas alemães. Nós, sociais-democratas, nãoabdicámos da liberdade e da dignidade de cada ser humano. Simultaneamente nãoabdicámos da democracia representativa, da democracia parlamentar. Estesprincípios obrigam-nos hoje à solidariedade europeia.


Decerto que a Europa, também no século XXI, será constituída por estadosnacionais, cada um com a sua língua e a sua própria história. Por isso a Europa nãose tornará de certeza num Estado Federal. Mas a UE também não pode degenerarnuma mera aliança de estados. A UE tem de se manter uma aliança dinâmica, emevolução. Não há em toda a história da humanidade nenhum exemplo. Nós, social-democratas, temos de contribuir para a evolução passo a passo desta aliança.


Quanto mais envelhecemos, mais pensamos em períodos longos. Tambémenquanto homem velho me mantenho fiel aos três princípios do Programa deGodesberg: liberdade, justiça, solidariedade. Penso, a propósito, que hoje a justiçaexige antes de mais igualdade de oportunidades para as crianças, para estudantese jovens.Quando olho para trás, para 1945 ou posso olhar para 1933 – tinha acabado defazer 14 anos – o progresso que fizemos até hoje parece-me quase inacreditável.


O progresso que os europeus alcançaram desde o Plano Marshall, 1948, desde o Plano Schuman, 1950, graças a Lech Walesa e ao Solidarnosz, graças a Vaclav Havel e à Charta 77, que agradecemos àqueles alemães em Leipzig e Berlim Oriental desde a grande mudança em 1989/91.Não podíamos imaginar nem em 1918, nem em 1933, nem em 1945 que hoje umagrande parte da Europa se regozija pelos Direitos Humanos e pela paz. Por isso mesmo trabalhemos e lutemos para que a UE, historicamente única, saia firme eautoconfiante da sua presente fraqueza.


SPD 2011