[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 20 de março de 2014



19 de Março
Efeméride Mozartiana
Viena, 1788


Tal como hoje, era quarta-feira, aquele dia 19 de Março de 1788 durante o qual Mozart registou no seu catálogo pessoal a seguinte entrada: "A 19, um Adagio para o piano solo, em Si menor". Mais tarde, Köchel, o famoso Cavaleiro Ludwig von Köchel, atribuiria à composição, a referência KV. 540. Em função das características da peça, marcada por evidentes sinais de pessimismo, angústia e nostalgia, bom será que tenham uma noção rel
ativamente aproximada do período em que é escrito este Adagio.

Para o compositor, o ano de 1788 é crucial e cheio de dificuldades. Ainda hoje se desconhece que preocupantes acontecimentos o terão levado a mergulhar num período de tão grande turbulência interior. Certo é que sabemos dos seus problemas de falta de dinheiro. Mas também sabemos que, senhor de rendimentos muito razoáveis, na realidade, gastava muito mais do que os proventos auferidos.

A verdade é que, ao pedir dinheiro emprestado, por exemplo, através da célebre carta a Puchberg, seu Irmão Maçon, se verga a um tal ponto que confessa estaria prestes a perder a honra. Tudo leva a crer que o atormentavam enormes dívidas de jogo. Já depois da sua morte, por outro lado, a irmã Maria Anna (Nannerl) daria a entender como Wolfgang era pessoa inábil em questões relacionadas com o vil metal.

Ao certo nunca se saberá o que estava a montante de tanta perturbação. Tenhamos em consideração que será durante escassos dois meses do Verão seguinte, que ele escreve a fabulosa tríade das derradeiras sinfonias, a penúltima das quais, em Sol menor, KV. 550, cuja simbologia remete para contextos trágicos relacionados com a morte, obra inquietante, misteriosa, a tal que levou Nikolaus Harnoncourt a mudar o curso da sua vida.

Ao longo dos anos, tenho ouvido este Adagio tocado pelos maiores pianistas vivos e também por alguns que já não estão entre nós. É importante lembrar que, no quadro geral da obra de Mozart, estamos em presença da única peça independente conhecida em Si menor, que Hutchings coloca nos píncaros.

Em Salzburg, no círculo dos meus amigos e conhecidos mais próximos, não há quem se atreva a pôr em dúvida quem, actualmente, melhor lê e interpreta esta obra, de acordo com os cânones mozartianos mais exigentes. É nesse enquadramento do máximo gabarito que, para o serviço ao «divino» Mozart – epíteto com que tantas vezes é invocado pelo MQI José Manuel Anes – convoco a melhor das intérpretes.

Como poderão verificar, desde a concentração inicial até aos mais ínfimos detalhes, Mitsuko Uchida, é a ela que recorro, parece não ter senão a matéria essencial à relação com o teclado. Como tantas vezes lhe tenho assinalado, já não é deste mundo a carga de espiritualidade etérea que afecta à interpretação o que não significa que algo fique fora do controlo físico e racional da pianista.

Finalmente vos afirmo que, sim meus senhores, tereis agora do melhor Mozart que conheço. Obra singular, a KV. 540 é verdadeira, comovente preciosidade. Apropriem-se dela na justa medida em que tal é possível. Saibam merecê-la.

Boa audição!
http://youtu.be/IPW_w68fTHA
 
 

Sem comentários: