[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 22 de novembro de 2007


Festa para Dona Olga





A Senhora Marquesa de Cadaval nasceu em Turim, no dia 17 de Janeiro de 1900, significando isto que já estamos a menos de dois meses da comemoração da data. Por motivos óbvios, Sintra será o lugar de Portugal onde se impõe a preocupação com uma homenagem anual, verdadeiramente digna dessa figura de mecenas que, em nome dos mais nobres objectivos de difusão e promoção cultural, tudo deu e nada reclamou, prestando um inestimável serviço a Portugal e à cultura europeia.


Sintra tem prestado a homenagem. No entanto, repetindo o que tenho afirmado de há anos a esta parte, ainda está por acontecer uma comemoração que ultrapasse a simples organização do evento no pequeno auditório do edifício em cuja fachada está inscrito o nome de Olga Cadaval. E merece ser conhecida, verdadeiramente estimada essa figura que a maioria dos sintrenses apenas relaciona com o Centro Cultural que substituiu o Cine-Teatro Carlos Manuel.
Pura e simplesmente, o cidadão comum ignora a vida fascinante de Dona Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo, as suas origens, como chegou até nós, as actividades que promoveu, as dificuldades e lutas que venceu. Por hoje, apenas gostaria de partilhar convosco algumas das palavras que o Engº Luís Santos Ferro subscreveu para o programa do concerto comemorativo da sua data aniversária, em 17 de Janeiro de 1997:
"(...) Tão natural e oportunamente citava Pedro de Freitas Branco, amigo e referência, ou Ortega yGasset, que fora visita regular em Colares, como o Senhor Costa, José Ribeiro da Costa, professor liceal em Sintra que deu lições às filhas e que, visitante assíduo durante anos, amigo dedicado, conversava sobre matemática e literatura portuguesa, sabia tudo sobre a região, era caçador e conhecia os bichos e os climas... Ao correr das conversas - que comandava a seu bom critério -, citando circunstâncias e nomes, e só, a propósito do que queria dizer, era surpresa permanente descobrirmos as figuras históricas de parentes, sabermos que encontrara, conhecera ou privara com Bernard Berenson, Marinetti, d'Annunzio, Graham Green, Saul Bellow, C. Chanel, Maeterlinck, Louise de Vilmorin, Francisco José (Il Kaiserone!), Pio XII, a Princesa de Polignac, Henri Breuil, Kenneth Clark, Nancy Mittford, Frau Cosima (a filha de Liszt, viúva de Wagner...), Marconi, a Duse, René Huyghe... para mencionar desordenadamente apenas estrangeiros e não músicos. Entende-se que, afinal, o seu ambiente natural era a Europa na sua mais rica linhagem cultural, vivida a partir de uma Itália unificada apenas trinta anos antes do seu nascimento.

Pela ancestralidade de nações, línguas e formas que nela confluíam, pelas naturais afinidades de gosto e sesibilidade, Olga Cadaval era, genuinamente, a cidadã europeia.

Mais do que a tentadora mas imprescindível alusão a individualidades, impõe-se afirmar um seu atributo fundamental: o sentido ético com o qual esta Senhora, beneficiando das graças que em si se reuniam, sempre procurou orientar para a formação e aperfeiçoamento dos outros os bens que soube convocar. Seu pai, explicava, cedo lhe dissera da responsabilidade que lhes cabia em utilizar esses meios para proporcionar aos outros a afirmaçãodo respectivo valor. E assim veio a ser: programa cumprido com determinação pela vida adiante. Não apenas nos aspectos exteriores e visíveis, mais conhecidos, mas ainda sob forma discreta e reservada, abrangendo a beneficência, a vida espiritual e religiosa.

Segundo a mais exigente afirmação aristocrática - no conhecimento do significado de aristos e do comportamento de elite que daí decorre - sobressai a lição da Parábola dos Talentos (Mateus 25, 14-30) ensinando que os dons entregues por Deus ao homem são gratuitos mas obrigam o cristão a fazer render e frutificar os talentos recebidos. Este dever tornou-se cometimento sistemático de uma existência: Tive presentes extraordinários das pessoas que foram intelectualmente generosas comigo... Dei pouco, recebi muito... Mas não tinha possibilidade de dar tanto quanto recebi, não é? Sim, eles aqui receberam calor humano, amizade, mas o que foi isso comparado com o que me deram? Deram-lhe Rubinstein e Rostropovitch concertos memoráveis que ela por seu turno ofereceu, num Coliseu a estalar (Abril de 72) e, para o Festival de Sintra, num espectáculo vibrante (S. Carlos, Julho de 96). Analogamente, nos anos sessenta, ofereceu à Juventude Musical portuguesa recitais de Nikita Magaloff e Vladimir Ashkenazy. Deram-lhe também presentes extraordinários os muitos jovens artistas que acolheu em casa - para onde convidava um público de amigos - e que escutou em horas memoráveis, palpitantes de música. Entre eles, Barenboim, Jacqueline Du Pré, Uto Ughi, Martha Argerich, Fu-Tsong, Rafael Oroszco, Roberto Szidon... E também (...) Stephan Bishop-Kovacevitch e Nelson Freire - o Nelsonzinho que venceu, com vinte anos, o Concurso Vianna da Motta de 1964 e por quem tinha maternal afecto. (...)

Melhor é a sabedoria do que a valentia diz, numa moeda de ouro de 1724, o mote latino de um dos sete doges seus ancestrais, Alvise III Mocenigo: MELIOR EST SAPIENTIA QUAM VIRES.(...) louvemos a sapiência e a generosa simplicidade com que distribuiu os seus invulgares talentos, multiplicados e enaltecidos no transcurso de toda uma ampla vida."

Fecho a citação que não é esboço nem resumo biográfico, tão somente a evocação de traços da personalidade de Olga Cadaval, um memorandum a quem de direito no sentido de que, em 2008, possamos ter uma autêntica festa, abrangendo diversos públicos, com crianças das escolas a ouvir música no Centro Cultural a abarrotar, no grande auditório, depois de terem deposto flores junto ao busto da Senhora Marquesa.

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