[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Tratado e o comércio livreiro

Em dia de tanta Europa, em que o regozijo dos portugueses chegou ao ponto de franquearem as portas dos museus de Lisboa, dependentes do Instituto Português dos Museus - e, ousadia das ousadias, de promoverem o transporte gratuito na deficitária Carris e no Metro, assim se associando à assinatura do Tratado de Lisboa - mal ficaria se este humilíssimo blog apenas se ativesse à restritiva e comezinha matéria sintrense.
Como imaginam, o meu conhecimento das linhas e entrelinhas do Tratado de Lisboa, deve ser igual ao vosso e ao de noventa e nove vírgula noventa e oito por cento dos cidadãos europeus. Enfim, os zero vírgula dois deve chegar para abranger todos quantos, coitados, não têm outro remédio senão dominar um pouco mais do que os grandes chavões, ou seja, mais ou menos o que está ao alcance da restante imensa maioria.
Uma vez conversados acerca do Tratado e, em função da nossa manifesta e confessada ignorância, então, para além da humilde realidade da nossa querida terra sintrense, habitual objecto das nossas preocupações nestas Notas Diárias, que mais nos resta considerar em dia de tanto júbilo paneuropeu?
Pois então lhes direi: vamos hoje considerar, nem mais nem menos, do que a próxima atitude pública da inefável Ministra da Cultura do Governo que temos. Num canal da rádio pública, foi anunciado que, ao fim da tarde, Sua Excelência abrilhantará com a sua presença, a inauguração da cibernética Livraria Biblos, lá para os lados das Amoreiras, em Lisboa, pois claro, a nossa , a do sobredito Tratado.
Se, em tão assinalável data para o futuro da Europa, a Ministra da Cultura de Portugal dá este mote cultural, então estamos realmente muito mal. Reparem que esta é precisamente a mesma governante que se permitiu estar ausente, tanto da homenagem a Miguel Torga em Coimbra, como da inauguração da exposição que homenageia Saramago em Lanzarote.
Independentemente do maior ou menor apego afectivo que possamos sentir em relação a qualquer destes dois autores, não deixa é de ser inequívoco que são nomes grandes da Literatura Portuguesa contemporânea. Sua Excelência permitiu-se não honrar aquelas iniciativas culturais, através de uma presença que mais não constituiria do que a representação dos cidadãos portugueses mas, sintomaticamente, fá-lo-á por ocasião da abertura de uma loja.
Bem sei que é uma loja de livros. Comércio mais bonito não deve haver, bem sei. E se eu gosto de livrarias, de boas livrarias, onde me perco horas esquecidas. Mas é comércio, não esqueçam. E lembrem-se também que estou a articular esta actividade de negócio com uma atitude, por omissão, em relação a criadores de Literatura, de Arte que a livraria venderá...
Não é de ficar perplexo? Então, Sua Excelência, em data tão simbólica para o futuro da Europa, dá o flanco, através deste sinal tão comercial? Vendo bem as coisas, a perplexidade não é, mesmo nada, para aqui chamada. Sua Excelência, aliás, tem-nos habituado a bem mais nefastas atitudes como, por exemplo, a de ter patrocinado o fim da Festa da Música no CCB. Mas, respondam-me com toda a franqueza se, das bandas da Ajuda, estavam à espera de algo, mais substancialmente cultural...

2 comentários:

Spirale disse...

Caro João,

Já agora permita-me esta ligeiríssima correcção:

A livraria em causa chama-se BYBLOS (com "Y").

Fica no Amoreiras Square - R. Carlos Alberto Mota Pinto, 17.

O website é: www.byblos.pt

Recolhi ainda a seguinte informação a título meramente informativo:

O fundador da Byblos é o ex-editor da ASA, Sr. Américo Amaral, que vendeu a dita a Paes do Amaral, para agora investir neste novo espaço.

A Byblos vai ser a maior livraria do país com 3.300 m2, 150.000 títulos disponíveis, 35 funcionários, 54 LCD, 34 ecrãs tácteis de pesquisa bibliográfica, uma estante robotizada, 200 km de cabos espalhados pelos dois pisos, sistema de caixas de pagamento que permite a leitura instantânea do preço de uma pilha de artigos com 80 cm de altura, cafetaria, espaço de quiosque, sala de eventos, etc... Aparentemente existem planos para suplantar esta "grandeza" em 2008, inaugurando uma ainda maior no Porto.

Esta Byblos inaugura hoje às 21:00, e abrirá ao público na sexta-feira às 10:00.

Gosto muito da FNAC e da Bertrand, mas gosto ainda mais de evitar monopólios e de ter (supostamente) mais escolha, e preços concorrenciais vantajosos.

A ver vamos...

Um abraço.

Sintra do avesso disse...

Para Spirale,

Muito recentemente, já não sei se através do suplemento Actual, do Expresso, ou do JL, tive oportunidade de aceder às informação que teve a gentileza de trazer ao blog para, deste modo, ficar disponibilizada a todos os interessados. Cllaro que é com Y, obrigado pela correcção.

Para que fique perfeitamente claro, não tenho a mínima animosidade contra o projecto Byblos. Se, das minhas palavras, alguma nota menos positiva terá transparecido em relação ao novo espaço livreiro, tal apenas se deverá à atitude da Ministra. Parece-me que deveria ter cuidado, agora mais do que nunca - depois de ausências tão significativas - com os lugares onde se desloca. Foi tão grande a asneira que, vá onde for, as pessoas lembrar-se-ão sempre e farão comparações...

No que respeita o comércio livreiro, sempre lhe direi que, sim senhor, a Bertrand (hoje afecta ao grande grupo Bertelsman-Círculo de Leitores...), a Sá da Costa, a Lello, a Ferin, a saudosa Bucholz, a Barata, a Cento e Onze (paredes meias com a galeria do mesmo proprietário), a Assírio e Alvim e outras que tais, não só em Lisboa, mais ou menos desaparecidas e com tanta patine, essas é que me enchem as medidas. E que saudades eu tenho de determinados empregados, balconistas, que faziam um trabalho de excepcional promoção do livro! Quanto à FNAC que, pois claro, também frequento, é muito operacional mas demasiado padronizada a um certo estilo de consumo que me faz alguma impressão. Mesmo com boas iniciativas de dinamização cultural em geral, que não apenas da leitura, não quadra particularmente ao tipo de cliente que sou.
E quanto a monopólios, pelo que acabo de dar a entender, fujo deles como o diabo da cruz... De qualquer modo, hoje em dia, os cruzamentos de interesses negociais são de tal modo sofisticados que uma aparentemente ingénua livraria de bairro, pode ser peça de um formidável e potente puzzle.

Um abraço,


João Cachado