[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Festival de Bayreuth 2008,
o Ring
e uma saída pela porta grande


Como tinha anunciado antes de interromper a normal publicação de textos neste blogue, durante a segunda quinzena de Agosto, estive em Bayreuth, donde acabo de regressar, depois de ter assistido a mais uma produção de O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner, obra que, entre iniciados, habitualmente se designa como Ring, já que o título original é Der Ring des Nibelungen.

Muitas vezes se continua a referir como Tetralogia este monumento artístico, obra máxima, não só da música de todos os tempos mas também da cultura universal, designação que, para todos os efeitos, abrange as quatro óperas, O Ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses. No entanto, mais se trata de uma trilogia, já que a primeira funciona como prólogo às subsequentes três jornadas.

O meu primeiro Ring, em Bayreuth, aconteceu em 1971. Basta fazer as contas para chegar à conclusão que já lá vão quase quarenta anos. Nesta história, o pormenor pessoal da passagem do tempo apenas interessa porque, naquela altura, reparem bem, já havia vinte anos que era director do Festival de Bayreuth o homem que, só há uns dias, deixou de o ser…

Wolfgang Wagner, pois é acerca dele que escrevo, neto de Richard Wagner e de Franz Liszt, tem quase noventa anos e esteve à frente da casa durante cinquenta e sete anos… Portanto, tudo o que se fez em Bayreuth, praticamente após a Segunda Guerra Mundial, tem a marca omnipresente, constante e obsessiva de Wolfgang Wagner, um produtor de Arte perante quem a humanidade tem uma dívida incalculável.

Bem pode dizer-se que, em relação às produções das óperas da autoria do avô, as suas decisões, umas vezes mais ortodoxas, outras altamente polémicas, durante tão longo período, condicionaram e, em parte, contribuíram para a definição dos contornos da vida cultural mundial e da História da Música das seis últimas décadas.

Desconheço o que decidiram fazer os jornais nacionais a propósito do afastamento de Wolfgang Wagner da direcção do Festival de Bayreuth que, para todos os efeitos, foi um acontecimento de repercussão mundial. Desconfio que, na maioria dos casos, pura e simplesmente, nem se terão referido ao assunto.

Todavia, no último domingo, o Público, que se reclama de um estatuto de referência, nada escreveu sobre aquele passado que constitui um património absolutamente fascinante, limitando-se a veicular o que, acerca do assunto, propagaram as agências noticiosas internacionais para todos os tablóides ávidos de fait divers, ou seja, apenas os rápidos traços de uma pseudo guerra de sucessão, mais ou menos dinástica, à laia das séries televisivas americanas como Dallas ou Falcon Crest.

Que indigência!...

Wolfgang Wagner fez muitas leituras do Ring. A história dessas leituras constitui o percurso de uma longa vida ao serviço da Arte, que vale a pena conhecer na medida em que melhor se compreenderá o fabuloso novelo que é o próprio Ring. Na essência, permanece tão imutável quanto Richard Wagner o propôs, pela primeira vez, em 1876 no Teatro do Festival de Bayreuth que, para o efeito, expressamente construiu.

É uma obra que escapa às baias do tempo, servindo-se generosamente de todos os cambiantes das emoções e sentimentos humanos. Contudo, é tão plástica, tão aberta e, na interminável variedade dos temas, tão actual que, ali, a Arte se confronta com a luta pelo poder, com o vil metal e a mais selvagem ambição, à mistura com a baixa e alta política, a ecologia, a beleza e a justiça, enfim, em resumo, ainda com todas as perplexidades do Homem face à hipótese de viver ou recusar o amor e de aceder à felicidade.

Tudo isto está no Ring, servido pela Música mais sublime e por um texto espantoso, libreto e música compostos por Richard Wagner, ao longo de vinte e seis anos – filtrando influências de filósofos seus contemporâneos, como do amigo/inimigo Friedrich Nietzsche, de Ludwig Feuerbach ou ainda, entre outros, de Arthur Schopenhauer – obra que as melhores vozes do planeta se esforçam por nos devolver. Sempre melhor.

PS:

A propósito, três notas.

1.
Se Bayreuth é o santuário, tal não significa que, por exemplo, em Lisboa, não possamos já ter assistido a récitas espantosas das quatro óperas. Aliás, São Carlos tem um palmarés impressionante e, mesmo actualmente, será possível assistir à terceira jornada, Siegfried, programada a partir de 30 de Setembro e até 18 de Outubro, numa produção de Graham Vick, iniciada na temporada de 2005/06 – no tempo da saudosa direcção de Paolo Pinamonte – que está a dar brado. Não percam!

2.
Deixaria um conselho muito, muito oportuno, a todos os adeptos e prosélitos wagnerianos a quem, eventualmente, tenha escapado a oportunidade que passo a dar conta. Recentemente, a Decca lançou no mercado uma edição (atenção, escandalosamente barata…) composta por 33 CDs, das mais conhecidas óperas de Richard Wagner, nomeadamente, Der Ring des Nibelungen, / Der Fliegende Holländer, / Tannhäuser, / Lohengrin, / Tristan und Isolde, / Die Meistersinger von Nürnberg e Parsifal, todas gravadas ao vivo no Festival de Bayreuth, dirigidas por Karl Böhm, Wolfgang Sawallish e James Levine, contando com a participação de cantores tão fenomenais como Birgit Nilsson, Wolfgang Windgassen, Gustav Neidlinger, Theo Adam, Anja Silja, Jess Thomas e Karl Ridderbusch.
A não perder!

3.
Quem pretenda entender toda a especificidade dos temas wagnerianos de O Anel do Nibelungo, portanto, toda a estrutura dos Leitmotiv, poderá aceder a uma gravação muito bem concebida, em 2 CDs, sob o título Wagner´s Ring Motifs, an Audio Guide, da autoria de Sven Friedrich e Gerhard K. Englert, com uma impecável narração de Sir John Tomlinson. Eis as referências da edição: Aurícula GmbH, Berlin, Germany. Nº de catálogo: A-201-2, ISBN 3-936196-05-2. Trata-se da versão, num impecável Inglês, de um original alemão cujas coordenadas também poderei fornecer aos interessados.
E, naturalmente, também a não perder.

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