[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 15 de abril de 2009


Amor de Perdição



Inserido no Tema da última edição do JL (8 a 21 de Abril), está um texto de Maria Alzira Seixo, "O Amor de Perdição hoje, Constantes e deslizes na cultura", cujo interesse largamente ultrapassa os limites dos domínios cultural e literário e stricto sensu.

A autora, conhecida especialista camiliana, propõe uma reflexão extremamente bem burilada sobre a actualidade do romance do genial autor de São Miguel de Ceide, através da qual somos conduzidos por um percurso inteligente, muito perspicaz e salpicado de lúcida ironia, em que, por exemplo, relembra os erros de opções estratégicas nos curricula escolares, cujos desastrosos resultados nos desafiam cada dia que passa.

Apenas uns breves excertos que, estou certo, vos aguçarão o interesse para a leitura do artigo completo:

"(....) Mas compreendo que pegar hoje no Amor de Perdição intrigue os espíritos, dado o aumento da criminalidade contemporânea institucional, que começou por banir a Literatura e outras Humanidades do ensino, e depois se espanta por «já não haver valores»... Ou dado que o que não é de hoje, e, logo, não é moderno (quando a Filosofia deixa de ser estudada, a ausência da Lógica dá silogismos deste género), vai para a reciclagem, as reescritas impressionam-nos, mas esse romance de 1861, é certo, já ninguém o lê. Apenas os eruditos. Ou aquele grupo de apaixonados da Literatura que sempre resistem, como no filme do Truffaut, Farenheit 451, e guardam no coração e na memória (saber de «cor», etimologicamente, é « saber no coração») os textos de sempre.

(...) E talvez se diga, sim, que não há condições para que hoje se leia este romance, achando que é preciso preparar as cabecinhas estudantes com rodeios, exemplos, brincadeiras, adaptações à moderna e fichas de várias espécies, e as ditas cabecinhas ficam tão bem preparadas que já nem precisam de ler, nem tempo teriam para tal, pcupado que foi todo o seu tempo na «preparação», que acaba por substituir a «ocupação».

Ora dêem mas é tempos livres aos estudantes, sem fichas, em pleno lazer - e as cabecinhas, se estão bem preparadas em raciocínio e em gosto (por alguém que também ambos possua...), surpreender-se-ão com o seu interesse, e talvez façam como algumas de dantes: surripiar o livro para o ler às escondidas, à noite debaixo dos lençóis, ou à débil luz dessas estrelas que Teresa invocou para Simão nas cartas, em testemunhos de amor. (...)"

Basta de citações. Sigam a sugestão, leiam o artigo de Maria Alzira Seixo e, a propósito, entreguem-se ao privilégio de uma nova leitura de Amor de Perdição. Entre outros benefícios, voltem a sentir como flui, esplendoroso, aquele Português de referência absoluta.

3 comentários:

Glória Casão disse...

Não costumo ler o JL mas parece que tenho de comprar porque fiquei com interesse no artigo de M. A. Seixo que não está disponível na net. Penso que é a mesma pessoa que apareceu uma vez no programa Prós e Contras em posição contra o acordo ortográfico.
Li o Amor de Perdição era garota e nunca mais esqueci. Tenho um neto no secundário que nunca leu uma linha de Camilo Castelo Branco. É uma pena ao que chegamos.
Agradeço muito o seu conselho.

G. Casão

António Lourenço disse...

Caro Dr. João Cachado

Agradou-me muito a sua chamada de atenção para o abandonado Camilo, fundamental, como diz Maria Alzira Seixo, entre outras coisas, para a educação dos «valores». Eu, na minha labuta docente, ao arrepio de todos os programas, tendências ou reformas, sempre usei e abusei de Camilo, e com bons resultados, a avaliar pelo muito que se riem os alunos, e não menos pelo que também, por vezes, choram... De que valerá uma escola que não ensine os seus filhos a chorar?

Saudações camilianas,

António Lourenço.

Sintra do avesso disse...

Caro António Lourenço,

Em primeiro lugar, não acha que devemos deixar-nos dos mútuos «dê erres»?

Que bem me souberam as suas palavras! Sabe, é a cumplicidade a funcionar, também o facto de conhecer por dentro essa boa coisa de ter alunos a quem passar um património estupendo, que tanta gente se dá ao luxo de ignorar, se não de depreciar e, até mesmo, de desprezar...

Certo que nosso é o privilégio. Mas não deixa de ser um desgosto como cada vez maior é o esquecimento e o desconhecimento do mestre de «Os Mistérios de Lisboa».
Andam muito confundidos e são muito ignorantes alguns nossos colegas que ousaram propor, a não menos confundidos e ignorantes decisores políticos, curricula e programas tão áridos, falhos de substância e a caminho do desastre.

Se, por um lado, e, ao contrário do que muita gente faz, o programa de uma disciplina não é coisa que se aceite indiscutivelmente, a verdade é que a liberdade de o entender como proposta, à volta da qual muitas janelas e portas se podem abrir, é coisa que pressupõe muito trabalho e um espírito não acomodatício que, estou mesmo a ver, também será o seu. Assim sendo, mesmo que Camilo «não venha lá» sempre será possível fazer aparecer Camilo... Contudo, como já dei a entender e o Lourenço sabe, tão bem como eu, essa não é a atitude geral.

Maria Alzira Seixo, de quem fui contemporâneo na Faculdade de Letras de Lisboa, é a autorizada voz que nos habituámos a contar e que, no artigo para o qual chamei a atenção, mais uma vez, põe o dedo numa série de feridas. Inteligente, muito arguta e lúcida, é alguém que, não raro, clama no deserto da geral incultura e pacóvio oportunismo.
No entanto, no plural, poderemos afirmar como estamos certos da sua razão.

E, consigo, António Lourenço, eu também muito confio na capacidade de a Escola promover formas de acesso à Beleza, através da Arte em geral, num trabalho integrado que envolva a comunidade educativa em que se insere. Por essa via, certamente, muitos educadores chegarão à comovente conclusão, implícita na pergunta com que rematou o seu comentário.

Autoriza que remate com um «beijo na terra», dando-lhe os parabéns pelas sugestões que tem apresentado?

Então, aceite também as saudações camilianas do

João Cachado