[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 25 de abril de 2009

NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra.
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal e o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!

Valete, Fratres.


Fernando Pessoa, Mensagem


[Foi escrito em dez de Dezembro de mil novecentos e vinte e oito. É o derradeiro poema de Mensagem, integrando a terceira parte, que o poeta titulou «O Encoberto» e, nesta mesma, pertence ao grupo III. – “Os Tempos”].


Em vinte e cinco de Abril de dois mil e nove, este é o país, palavra por palavra, verso a verso. Leio, releio. Até a exaltação final, a entendo hoje mais como imprecação que, sempre lúcido, o poeta ortónimo deixa ao futuro, certo que estava do implícito sarcasmo lançado a uma gente que bem conhecia.

Fica o brilho da palavra certa, colado a uma impotência de décadas e décadas, minhas e herdadas. Um horror!

Em Liberdade, o Belo, horrível...




2 comentários:

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Apenas este poema me obrigaria a resistir. Pois resistir também é a nossa alma efervescente de indignação.

Tivesse assistido àquele indigente espectáculo do içar da bandeira nos Paços do Concelho de Sintra e não sei que palavras mais adedquadas.

Mandam as regras da má educação e de inconformidade política que nada se cumpra com rigor. Mandam os sentimentos degradados que quem vive da causa pública, despreze as regras mínimas dos cargos que ocupam.

Hoje, 25 de Abril de 2009, trinta e cinco anos depois da revolução, senti-me o mais envergonhado dos portugueses, apesar de - numa primeira impressão - ter julgado que estava a sofrer de uma terrível paramnésia.

Marcada para as 10 horas, só depois das 10h e 10 minutos devem ter dado instruções para a banda musical avançar para o local.

Ficou a convicção nos assistentes, na maior parte gente com muitos anos de vida, que o atraso se deveria justificar com a espera pelo Presidente da Câmara. Mas a cerimónia acabaria por começar cerca das 10,15 notando a relevante ausência de desse político.

Inicidado o Hino Nacional, nenhuma das figuras postadas ao longo do passeio fronteiro (estava presente o Vice-Presidente) se destacou para a saudação às bandeiras que iam subindo no mastro, cada uma a seu tempo, a cargo de agentes da polícia municipal que estavam fardados com aqueles reflectores verdes, desconhecendo se é essa a farda oficial para cerimónias.

Na verdade, talvez pela pouca prática nos andamentos do Hino, a Bandeira Nacional subiu mais depressa, seguindo-se a do município que ficou a três quartos quando acabou o Hino, apreciando-se a da União Europeia a meio do mastro, como se de algum luto se tratasse.

A cerimónia, com vários hiatos entre marchas da Banda dos Aliados, durou 8m,06s e 26/100, o que é superior ao ano passado.

Apeteceu-me gritar contra tal despudor político.

Apeteceu-me gritar para que estes políticos beijassem as pedras pisadas pelos militares, porque foram eles que lhes criaram condições para procederem como procedem.

Faltou-me a voz. A vergonha que senti foi tamanha que apenas consegui soletrar a palavra "degradante".

Um abraço,

Fernando Castelo

Fernando Gomes disse...

"O tempo não se ocupa em realizar as nossas esperanças: faz o seu trabalho e voa"Eurípedes