[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Nem à Missa!...

O texto que publiquei no dia 16 do corrente, subordinado ao título Sintra, para quando um festival assim?... mereceu alguns sugestivos comentários. Vejam lá que, pelo menos dois dos leitores, tiveram a ousadia de sugerir que a organização do Festival de Sintra deveria contar com a minha colaboração!...

Aquilo que poderei interpretar como testemunho de simpatia, acabou por redundar, lamento afirmá-lo, no pior dos votos, já que tal coisa não se deseja a quem - como será o meu caso - até parece que apenas bem querem. Por considerar que vale a pena trazer, a esta primeira página, tais comentários e as minhas respostas, eis a sua transcrição:


Caro Dr. João Cachado,
Acompanho o seu blogue e as suas notas acerca do Festival de Sintra. Com os seus conhecimentos é uma pena que não o chamem para a organização. Como já percebi que vai para Bayreuth, quando voltar fico (ficamos) à espera dos seus comentários sobre as óperas que vai assistir. Infelizmente, eu só posso ver o site... Deve ser um deslumbramento. Cumprimentos, Carlos Tovar
18/07/10 17:19

João Cachado disse...

Caro Carlos Tovar,
Só depois de ler o seu comentário, me dei conta de que o último parágrafo do meu texto era susceptível de induzir interpretação análoga à que o Tovar dá conta, ou seja, de que poderia eu estar a candidatar-me a qualquer coisa...Por isso me apresso a esclarecer o que se afigura inquestionável.

Porém, primeiramente, agradeceria a confiança que deposita na minha eventual competência para a organização de um festival. Mas, meu amigo, nada de confusões. É um facto que tenho uma experiência de muitos anos de frequência dos festivais nacionais e internacionais mais interessantes. Mas, como compreenderá, isso não me confere qualquer especial capacidade organizativa de iniciativas congéneres.

Há muita gente que me ouve, que me honra muito com a consulta acerca de assuntos afins da organização de iniciativas culturais. Essa possibilidade de partilha de conhecimento e da experiência que vou acumulando em Salzburg, Bayreuth, Luzern, Lugano, Schwezinger, Schleswig, Leipzig, etc, não só me honra mas também é quanto me basta.

Há, de facto, quem esteja cada vez mais interessado em ouvir o meu testemunho, na primeira pessoa, acerca dos festivais onde tenho o privilégio de ver e ouvir o que há de melhor no domínio da música, em todas as suas vertentes, interagindo com todos os fenómenos e suportes culturais com os quais se relaciona. Escrevo-o sem presunção.

Infelizmente, tal não acontece em Sintra. E, já agora, respondo àquele seu repto sobre a hipótese de colaborar na organização do festival, com um conselho do meu querido e saudoso pai: "Há pessoas com quem nem à Santa Missa se vai..." Confesso que, para meu prejuízo, nem sempre o tive em consideração mas, com o passar dos anos e experiência acumulada, reconheço a imensa sabedoria da sentença.

Outra coisa que ele me dizia, acabava por se revelar muito afim do que acabo de recordar, indo no sentido de que todo o indivíduo deveria cuidar de vender o seu trabalho, tão somente, a quem o merecesse, a quem, pelo menos, partilhasse nível idêntico. Sabe, Caro Tovar, eu estou nessa. Sem presunção, repito, estou mesmo muito selectivo quanto às companhias...
Abraço
João Cachado
18/07/10 18:17

Ester Levi disse...
Eu fui uma das pessoas que tiveram a infelicidade de assistir à ópera que encerrou o festival de Sintra. Sei pouco de ópera mas o bastante para perceber que aquilo que vi não se apresenta a público nenhum, foi um desrespeito muito grande. Na realidade,o festival chegou a um ponto de degradação que nunca esperei.


O Dr. Cachado tem toda a razão. Aquilo não tem proveito para ninguém. Estava gente ao pé de mim que nunca tinha visto uma ópera e não foi assim que aprendeu qualquer coisa. Alguém tem que fazer qualquer coisa para que coisas destas não se repitam no festival de Sintra. Sintra não é o refugo.
Ester Levi
18/07/10 22:07

Anónimo disse...
Não há dúvida que o João Cachado é das pessoas que, em Portugal, tem melhor informação acerca da organização de festivais culturais. A confirmar isso mesmo, acabo de ler na revista "Visão" a opinião do professor universitário, poeta, romancista e tradutor Frederico Lourenço acerca do festival que o João Cachado considera ter a melhor programação em Portugal.Escreve ele o seguinte:


«Coimbra em Alta.
Ainda melhor do que a primeira é a segunda edição do Festival das Artes da Fundação Inês de Castro, na Quinta das Lágrimas e noutros locais de Coimbra. Programação aliciante e variada (...)».

Esta opinião é um grande aval para o artigo do João Cachado. Ele até pode escrever que não se quer envolver com certas pessoas que têm estragado o Festival de Sintra. Entendo completamente o que deve sentir perante a ignorância que afirma com tanta reazão. Se não quer, não vá à missa com elas. Mas se as coisas mudarem, julgo que deve dar a sua colaboração se lha pedirem.FS
22/07/10 18:10


João Cachado disse...

Muito obrigado pelas suas tão simpáticas palavras. Ainda bem que o Frederico Lourenço partilha a minha opinião. Conheço-o pessoalmente, desde miúdo. Conheci o seu pai e fui colega e amigo da mãe. As Letras, especialmente no âmbito das Clássicas, já lhe devem trabalhos inestimáveis, como as suas traduções directas do grego. Como homem da Literatura, é um autor com uma voz muito singular e, para além de todos estes atributos, é um melómano respeitadíssimo e um verdadeiro artista, que toca maravilhosamente, alguém que poderia ter feito uma carreira musical de grande nível.

Já fui ler a rubrica da Visão a partir da qual FS transcreveu a opinião sobre o Festival da Quinta das Lágrimas. Aproveito a oportunidade para repetir o que afirmei, não deixando de sublinhar o alto nível cultural da proposta que não faz a mínima concessão a qualquer solução de facilidade.

Os designados contrapontos de Sintra são uma caricatura grotesca que, em relação ao que Coimbra propõe, sugere e suscita, apenas podem ocupar uma posição, ou seja, a dos antípodas, e numa moldura cultural que só gente culta e informada pode subscrever para desafios afins do enriquecimento pessoal e da comunidade.

Quanto à possibilidade da colaboração na organização do Festival de Sintra, por favor, releia a minha resposta a Carlos Tovar.Olhe, nem por sombras! Então acha que eu ia invocar um tão sábio dito do meu próprio pai, só para encher a prosa? Aquele nem à missa é mesmo para respeitar. Ou, se prefetir, jamais!!! Se tem algum apreço por mim, faça o favor de não me desejar tal envolvimento...

Muito grato,
João Cachado
23/07/10 15:04






2 comentários:

Paula Esteves disse...

O Festival do Estoril também é um sucesso. Vale a pena ir amanhã ao concerto no Museu da Música Portuguesa com o Quarteto Blanc no Monte-Estoril com um programa com obras de Mozart, Shostakovich e Webern. Em Sintra é um desgosto mas muito perto as coisas são bem mais favoráveis. Como diz o João Cachado, gente culta é outra coisa...

Paula Esteves

Celso Dantas disse...

Acabei de deixar comentário no texto de Fernando Castelo. Acerca do festival de Sintra a lógica também é dos caça-níqueis... A mesma gente, os mesmos incompetentes que degradaram o que era bom e que agora vendem gato por lebre. Faz muito bem o Dr. Cachado em não querer «ir à missa» com essa gente. Parabéns, aprendo sempre com seus textos.

C. Dantas