[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 29 de janeiro de 2012



Mozartwoche, 2012
28 de Janeiro [2]

Filarmónica de Viena, Boulez, Uchida

Antes de me reportar ao evento desta noite, não resisto a contar-vos um episódio acerca das características gigantescas do Grosses Festspielhaus de Salzburg, o auditório que, a exemplo do que acontece há dezenas de anos, acolheu hoje o primeiro de vários concertos da Orquestra Filarmónica de Viena desta edição da Mozartwoche, ao qual outros se seguirão.

Creio que haverá uma dúzia de anos, em conversa informal com Irmãos maçons, acerca das minhas vindas a Salzburg, dos concertos e das salas onde tudo se passa, naturalmente, referi o espaço mítico que, desde a década de sessenta, faz as delícias dos melómanos de todo o mundo. Como sempre faço, referi as condições acústicas, de tal ordem que, numa visita guiada, qualquer pessoa é levada à experiência de ouvir, no lugar sentado mais recôndito da sala, o som produzido pela queda de uma bolinha de papel no palco…

Seguidamente, com todos fascinados perante as histórias acerca do proverbial ouvido absoluto de Herbert von Karajan, o grande mentor do auditório, passei às dimensões. Convém dizer que a conversa ia acontecendo no interior de um automóvel em andamento cujo condutor, quando eu disse que o palco do Grosses Festspielhaus tem 100 (cem) metros de largura, já não me deixou dizer dos trinta e tal de comprimento e parou o carro.

Muito aborrecido, incomodado pelo barrete que lhe estava a enfiar, perguntava-me, muito enfaticamente, se eu sabia o que eram cem metros, exemplificando-os, grosso modo, ali mesmo, no meio da rua. Acreditem que não tive maneira de o convencer. Estou convencido de que os outros dois que, meio constrangidos, assistiam à cena, se inclinavam mais para a dúvida do que para a minha certeza. Enfim, encurtando a história, passados uns dias, pedia-me desculpa porque, efectivamente, era como eu dizia mas que compreendesse, coisa assim, era mesmo para duvidar…

Ontem, como quase sempre acontece, com a lotação esgotada dos seus dois mil e duzentos lugares, fomos assistir a momentos irrepetíveis de Arte, com os músicos daquela grande orquestra – que a maioria dos mortais apenas conhece através da transmissão televisiva do Concerto de Ano Novo, devendo ficar com a ideia de que se trata de uns tipos que tocam umas valsas muito bem – dirigidos pelo mítico maestro Pierre Boulez, na apresentação de dois concertos para piano, interpretados por Mitsuko Uchida, provavelmente, a maior mozartiana da actualidade.

Não farei como no escrito precedente, entrando em detalhes da estrutura das peças. Desta vez, apenas impressões sobre a postura da pianista. Impressionante, sempre, uma autêntica personificação da própria Música, através de uma linguagem gestual e corporal que insinua, suscita e confirma o singular diálogo que, como demiurgo, cria e recria, directamente, anti vedeta, cúmplice dos elementos da orquestra, apenas sua companheira.

Quanto a Boulez, compositor importantíssimo, investigador, filósofo, pedagogo, maestro que deixa o seu nome ligado a momentos inesquecíveis como, apenas um exemplo, o da responsabilidade conjunta com Chéreau por um Ring que ficará nos anais de Bayreuth, nos seus oitenta e seis anos, faz-me lembrar Otto Klemperer. Dirige mentalmente, económico no gesto, um caso sério…

Filarmónica de Viena, Uchida e Boulez em Concerto para Piano e Orquestra em Fá Maior, KV 459 de Mozart, Concerto para Piano e Orquestra op. 42 de Schoenberg, Acompanhamento para uma Cena Cinematográfica op. 34, também de Schönberg, e Pulcinella de Stravinsky, no assombroso privilégio daquela casa talhada para o gozo da Arte que se faz no momento, Tempo no tempo.

Finalmente, um excerto da Suite Pulcinella, dirigida por Zubin Metha.

Boa audição!

!http://youtu.be/X4KYuhfag5I
I.Stravinskij - Pulcinella Orchestral Suite - Part I/III www.youtube.com

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