[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 26 de setembro de 2012



[Texto publicado na edição de 21 de Setembro de 2012 do 'Jornal de Sintra']


Luta contínua


Apenas o facto de ter estado envolvido, pessoal e directamente, numa série de atitudes de denúncia de situações cujo contexto impunha uma inadiável e inquestionável intervenção cívica, impede que vá esquecendo alguns eventos que, para a maioria dos sintrenses, naturalmente, já fazem parte de um quase longínquo e esfumado passado.

Com o objectivo de ilustrar o que me ocorre partilhar hoje convosco, basta recorrer a lembranças muito vivas, por exemplo, à da luta pela preservação do património que a Volta do Duche representa para munícipes e visitantes, de altíssimo valor real e simbólico, prestes a ser totalmente desvirtuado e destruído, acabando por suscitar uma significativa movimentação cívica, cujo sucesso muito dependeu do modo sistemático como a comunicação social local e nacional cobriu o assunto em altura de campanha eleitoral autárquica.

E já lá vai uma dúzia de anos, desde o momento em que, a menos de um mês das eleições, era preciso mobilizar os cidadãos, através de uma estratégia de comunicação que, não dispondo de quaisquer meios materiais para o efeito, não só conseguiu que os media se interessassem, mas também foi ao encontro de intelectuais de todos os domínios e quadrantes, de professores universitários, de gente das de letras e das artes que, de facto, revelariam uma cumplicidade imprescindível à demonstração de que se estava na iminência de um autêntico crime de lesa cultura.

Muita gente veio para a rua demonstrar como estava contra um projecto de parque de estacionamento tão contundente. Não que não se impusesse resolver o problema do estacionamento das viaturas cujos condutores demandam o centro histórico em pleno coração da sede do concelho. Claro que sim, mas não de acordo com aquele projecto, ainda que subscrito pelo saudoso Fernando Távora, um dos mais notáveis arquitectos portugueses.

E, sem qualquer margem para dúvida, através da sua participação cívica num protesto generalizado, os munícipes demonstravam a todos e, em particular, a quem se candidatava, como era importante estar do seu lado. Eleitores e potenciais eleitos conheciam-se ou reconheceram-se através da acção, numa página de democracia vivida, que nunca será demais recordar. E, nos termos do implícito contrato que ali se jogava, os eleitos cumpriram a promessa, não levando avante um processo que até já estava em adiantada fase de compromissos.

No entanto, de sinal oposto ao deste êxito inequívoco, poderia alinhar uma série de situações em que, malgrado idêntico empenho pessoal, as coisas se passaram num ritmo muito mais lento, como no caso da Parques de Sintra Monte da Lua. Desde o início da sua instalação, quantos anos de contínuo escrutínio, apontando omissões e decisões controversas, foram necessários até à garantia da bonança trazida pela actual administração?

E o peso dos insucessos, sempre na sequência de mais ou menos longos percursos de sistemática actuação de denúncia, de casos absolutamente paradigmáticos e que jamais deveriam ter acontecido? Como a memória é curta, permitam que apenas lembre Seteais, desde o episódio do encerramento do terreiro à destruição do tanque e sua transformação em prosaica casa de máquinas e, do outro lado da estrada, na Quinta do Vale dos Anjos, como se constrói uma grande vivenda, a cota mais alta do que o edifício classificado a umas poucas dezenas de metros.

Pois é, meus amigos, perante a cupidez do individualismo à solta, nem sempre vencem o geral interesse da comunidade nem os superiores valores culturais que urge defender. Assim sendo, quem se envolve nestas lutas – sempre procurando todas as cumplicidades possíveis e desejáveis, posto que se impõe dar o braço a muita gente – também tem de contar com a força da barbárie.




Um merecido reconhecimento, por ocasião da entrega da medalha de ouro do Município de Sintra, a 28 de Setembro na Regaleira

 http://reinodeklingsor.blogspot.pt/2012/09/tributo-joao-de-oliveira-cachado.html

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