[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012




[Transcrição do artigo publicado na edição de hoje do Jornal de Sintra]

Festival de Sintra 2013

Ao contrário do que possa parecer, as considerações que pretendo propor aos leitores aparecem na altura mais certa. Olhem que não é cedo para as partilhar. Na realidade, antes do fim do ano, e, praticamente a seis meses do início da próxima edição, afigura-se-me correcto conjecturar acerca de algumas das linhas de força de um importante acontecimento que, há mais de cinquenta anos, marca o calendário cultural da nossa comunidade.

No contexto da história mais recente do Festival de Sintra, a programação para 2013 continuará a concretizar-se num quadro de sério constrangimento de ordem financeira. Naturalmente, tal circunstância não poderá deixar de afectar importantes aspectos da concepção desta iniciativa que, cumpre não esquecer, além de sofisticado produto cultural de Sintra, também ocupa destacada posição na oferta cultural nacional.

A generalizada crise que o país enfrenta tem suscitado indesejáveis consequências, tanto em relação à disponibilidade dos meios a envolver pela entidade organizadora como à dos mecenas institucionais e das grandes empresas dos sectores público e privado que, há mais ou menos tempo, patrocinam o Festival. De qualquer modo, continua a impor-se que, independentemente do aludido e tão negativo quadro restritivo, não seja posta em causa a qualidade e a dignidade das propostas constantes da programação.

Portanto, à partida, em vez de suscitar a ideia de que se pretende resolver o velho problema da quadratura do círculo, o limitativo painel de referências antes deverá desencadear respostas que articulem e conjuguem a necessidade de assegurar a permanência de uma inquestionável dignidade das iniciativas, acicatada e impulsionada por uma austeridade que só pode assumir-se como alavanca para a manutenção da sua qualidade.

Estão à prova a proverbial capacidade de adaptação, não só da Direcção Artística do Festival mas também de todos os restantes responsáveis, no sentido de que, cada vez mais e com maior acuidade, sejam apresentadas e concretizadas as propostas mais adequadas aos condicionalismos do tempo difícil que vivemos. À prova, afinal, estamos todos. Todos, de facto, nós incluídos, como público que não pode deixar de ser solicitado para atitudes de frequência e de avaliação dos eventos, também elas adequadas à natureza das propostas.

Linhas de força

Tudo leva a crer que, a exemplo de anos anteriores, ao longo de uma quinzena, incluindo dois fins de semana da estação estival mais propícia à concretização de algumas iniciativas também ao ar livre, o Festival de Sintra 2013 jamais se poderá alhear das grandes efemérides musicais do ano, o bicentenário dos nascimentos de Richard Wagner (22.05.1813-13.02.1883) e de Giuseppe Verdi (10.10.1813-27.01.1901) bem como o centenário do nascimento de Benjamin Britten (22.11.1913-4.12.1976). No entanto, é perfeitamente natural que, além de obras destes compositores, acolha outras que a programação detalhada vier a considerar pertinentes, ainda que não implícita ou explicitamente relacionáveis.

Não será necessário recorrer a capacidades divinatórias para prever que a selecção das peças daqueles três grandes mestres dos séculos dezanove e vinte há-de contemplar, necessariamente, as contingências gerais determinadas, quer pelas tradicionais características que vinculam o Festival de Sintra a um determinado figurino em que a pianística, a música de câmara instrumental e vocal são marcas indeléveis, quer pelas mencionadas restrições de ordem material.

Consequentemente, inevitável se revela que, para incluir obras de Verdi, de Wagner e de Britten, o programa deva privilegiar a componente da música de câmara e integre um considerável número de peças cuja apresentação seja possível através de reduções a piano ou a agrupamentos de câmara, já que a sua orquestração original exige meios absolutamente incomportáveis. Por outro lado, a vertente vocal, nomeadamente, árias e duetos, poderá ser confiada a vozes solistas com acompanhamento instrumental ao piano.

Ainda neste capítulo das linhas gerais, permito-me avançar com a sugestão de reintroduzir uma iniciativa que tanto sucesso alcançou no âmbito da 40ª edição, em 2005, quando a organização do Festival conseguiu a prestigiosa presença do Prof. António Damásio, que tanto público galvanizou para uma inesquecível tarde de vivência cultural em Sintra. Oxalá, mais uma vez, também no próximo ano, o Festival possa voltar a convidar alguém com perfil idêntico, a cargo de quem pudesse ser confiada uma Conferência de Abertura.

Vertente não formal e informal

A exemplo do que vem acontecendo de há uns anos a esta parte, veria como muito positiva a cada vez maior afirmação de uma vertente mais informal do festival, de acordo com a qual as propostas musicais não deixem de incluir, não só um importante pendor popular, concretizável através da presença de grupos corais e bandas filarmónicas de conhecidas associações do concelho, mas também, noutros contextos, uma preferencial articulação com a Literatura, Teatro, Cinema, Banda Desenhada e o audiovisual em geral, em atitudes de ateliê, de tertúlia, lugares para a partilha da informação, lugares de formação.

É extremamente pertinente que tudo possa ser equacionado e concretizado numa evidente perspectiva de animação cultural da comunidade, com o manifesto propósito de envolver as associações culturais do concelho cujo interesse e motivação forem detectáveis. De qualquer modo e, na estrita observância de conhecidos modelos internacionais que, infelizmente, ainda não foi possível replicar em Sintra, desta vez, com o tempo que ainda há para a respectiva preparação, talvez se consiga melhorar significativamente a vertente informal.

Aliás, no sentido de que, neste enquadramento de informalidade, tudo possa correr melhor do que em anteriores edições, basta que todas as iniciativas informais – para que, efectivamente, possam ser consideradas como «contraponto» à componente formal – se apresentem no estrito respeito das linhas de força programáticas do Festival, portanto, apenas afins e coincidentes com a comemoração das efemérides em apreço.

Considerações finais

Uma das mais-valias mais significativas e importantíssima marca identitária do Festival reside na possibilidade de realizar o maior número possível de eventos nas quintas e palácios de Sintra. Não tenho a menor dúvida de que o encanto vai manter-se com o correspondente deslumbramento. Ah, como certos espaços disponíveis são tão adequados ao acolhimento, entre outros, dos ambientes wagnerianos!...

Permita-se-me ainda mais duas notas. Primeiramente, uma particular chamada de atenção para a divulgação do Festival. A grande palavra de ordem é antecedência, a máxima antecedência possível, tentando atingir o público potencialmente interessado, em todas as oportunidades, através dos canais mais vocacionados para o efeito, não dispensando uma newsletter mensal, já a partir de Fevereiro de 2013, através da qual se vá criando a necessária expectativa em relação às propostas definitivas.

Em segundo lugar, a finalizar, uma saudação muito especial ao Dr. Luís Pereira Leal. Sem qualquer margem para dúvida, é um grande senhor das lides musicais em Portugal, que me habituei a considerar ao mais alto nível. Vão permanecer, por muitos anos, os ecos da sua actividade de direcção artística da Fundação Gulbenkian, casa de música que, a nível mundial, apresenta uma das melhores programações. A ele também deve o Festival de Sintra muitos dos sucessos de que pode orgulhar-se no seu palmarés. Para ele o maior reconhecimento, na certeza de continuarmos a beneficiar do seu saber, nestes tempos em que, não podendo convidar os galácticos que gostaria, sempre vai respeitando os pergaminhos do nosso Festival.

[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 

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