[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 13 de julho de 2013




Taxistas virtuais


 [Publicado na edição do Jornal de Sintra, 12.07.2013]

Já repararam que, com maior ou menor apuro, em especial no que se refere à manifestação de opinião sobre questões da política nacional e internacional, as redes sociais se transformaram num virtual forum de taxistas? Espero bem que os condutores de carros de praça não se susceptibilizem com a apropriação que, sendo nada pejorativa, apenas aproveita a proverbial noção de que opinam acerca de tudo, com a profundidade que se sabe, pois mais não permite o tempo das deslocações por muito engarrafado que o trânsito se apresente.

E não é que, aos tais taxistas virtuais, lhes passa pela cabeça serem indispensáveis à formação da opinião do cidadão comum? Não percebendo que, apesar de utilizarem os mesmos meios que os verdadeiros opinion makers, o alcance das suas intervenções é tão restrito que não passa do trazer por casa, assumem-se como comunicadores determinantes.

Com o facílimo acesso aos blogues, facebook, twiter e similares, não há quem não bote sentença. Homens e mulheres de todas as idades, dos mais diferentes lugares urbanos, rurais, suburbanos, desde os mais sombrios esconsos e cloacas até às grandes vivendas burguesas, palácios e palacetes, todos engrossam a fileira desses vulgaríssimos escrevinhadores de mensagens, sem noção da qualidade dos seus posts, ou seja, dos textos que, publicados em tais suportes, assim são designados na gíria.

Tantas vezes morfológica e sintacticamente intragáveis, de substância pouco mais do que duvidosa, não passam de réplicas desqualificadas do trabalho de conhecidos jornalistas, comentadores políticos, etc. Sem escola, sem respeito por princípios e valores a que os profissionais estão obrigados pela deontologia, tais autores têm a maior dificuldade em se enxergarem. Com frequência, atingem quem não devem e, raramente, focalizam os poucos argumentos de que dispõem contra aqueles que arvoram como adversários.

Não raro, a sua abordagem dos fenómenos políticos, obedece ou coincide com a vulgar estratégia do comentário ao jogo da bola, em que o PS é o benfica e o PSD o sporting. Normalmente, têm a maior dificuldade na aceitação de quem se reclama da independência e, na rigidez das suas mentes, desconhecem a paleta dos matizes, ignoram a gama de cinzentos, entre os termos branco e preto, únicos que se adequam à sua restrita medida, incorrendo em constantes e precipitadas análises e não menos apressadas conclusões. E, por fim, ainda se atrevem a esperar comentários que «honrem» tão doutas opiniões…

Cumpre assinalar que, por princípio, se qualquer enquadramento é tão nobre como eficaz à partilha das ideias, pois, no caso das referidas redes, é difícil concluir se, na maior parte das circunstâncias, a surpreendente profusão de opiniões acerca da matéria política em circulação resulta em qualquer mais-valia e não em pura perda de tempo...

Sugestão & compromisso

A este propósito, tanto quanto me vou apercebendo, estarão em curso estudos enquadrados pela sociologia da comunicação que, com bases tão científicas quanto permitem tais coordenadas, poderão ajudar a sistematizar as ideias. E, não faltando matéria, bom é que assim aconteça porquanto, nestas andanças, por todos os concelhos do país, há centenas, milhares de taxistas virtuais, politólogos de proximidade, cuja actividade carece e merece a atenção, diagnóstico e análise dos meios académicos.

Poder-se-á concluir que, num tempo tão exigente como o nosso, aparentemente, tanta gente incorra em perdas tanto tempo? Francamente, não sei mas atrevo-me a pensar que a vantagem eventual, decorrente da intervenção cívica implícita à circulação de tanta mensagem – que, não duvido, tem como objectivo a maior consciencialização das situações objecto de reflexão – esmorece se não fenece, perante a vacuidade subsequente. Enfim, aguardemos que os tais estudos nos esclareçam.

No entanto, se tantas pessoas manifestam tão manifesta vontade de partilha de opinião, porque não operacionalizar atitude que, à partida, é tão nobre? Em cada comunidade, há tantos pequenos problemas que podem ser resolvidos pelos cidadãos! Porque não pensar na concretização de grupos-tarefa, funcionando com base nas metodologias do Treino Mental ou dos Círculos de Estudos, a primeira de enquadramento mais à francesa e a outra, evidentemente, de perfil mais nórdico que, garanto porque as estudei e pratiquei, são tão eficazes?

No que de mim puder depender, desde já prometo que, depois das próximas eleições locais, seja qual for o vencedor na minha freguesia, me disporei a trabalhar no sentido de realizar, primeiramente, a nível de experiência piloto, o que acabo de sugerir no parágrafo anterior. E, vamos lá, sempre no contexto do voluntariado, vai sendo tempo de, à cautela, não me expor à possibilidade de qualquer leitor, mais ressabiado, também me devolver o epíteto de taxista virtual …


[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 
 
 

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