[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 29 de dezembro de 2015




Alentejo à mesa da Cidália


Como o monte é muito perto e irresistível a cozinha da Cidalia Ferreira, raríssimo é o dia em que não contamos com as suas iguarias. Na maior parte das vezes, desconhecemos os pratos que nos esperam. Gostamos que nos surpreenda e, como nisso ela faz gala, entramos na brincadeira sabendo de antemão que jamais sairemos a perder.

Para determinada ocasião, se e quando está em jogo a preparação de uma surpresa de vulto, desafia-nos ela à brincadeira das tentativas de um adivinhar que jamais acerta. Pois bem, assim mesmo aconteceu no passado fim de semana.
 
Ainda mal refeitos estávamos das mais divinas soupas de poejo com cação frito que alguma vez tínhamos tido o privilégio de amesendar, prato que, no Sábado, os 8 tínhamos partilhado - nós, as filhas, genros e netos, incluindo João, o mais novo, de três anos e meio, já um gozador da boa mesa da nossa querida amiga - quando, no dia seguinte, sem palavras ficámos.

Bem nos tinha ela dito que a grande surpresa seria, não o prato principal mas que nos preparássemos para a entrada. De facto, por mais que tivéssemos alvitrado, estávamos longe de decifrar o enigma. Quando chegaram à mesa, ao alívio da descoberta, ali estava aliado o consolo das gustativas papilas que salivavam perdidamente.

Perdizes de escabeche! Nem mais. Meu Deus, que perdizes e que escabeche! Tudo tão de acordo com os cânones mais ancestrais, tudo tão certificado pela mais controladora das tradições, tudo tão conforme com a delicada «missa» da amesendação mais sofisticada, que, logo ali, ensaiei oração de Acção de Graças por «sacrifício» tão apurado...

Como diria um amigo castelhano, quando pretende festejar algo de extraordinariamente bom, 'Qué barbaridad!'. Como é possível assim combinar a silvestre carne da galiforme 'faisanídea', com as cebolinhas que, nem sei como, meio adocicadas, se mesclaram, à ideal temperatura, com os nossos azeites e vinagre, os nossos louros, alhos e salsa...

Seguiu-se pato, em proposta aparentemente trivial, de forno, arroz num ponto de cozedura e tostado inimagináveis, enchidos e cheiros que não pormenorizo. Primeiramente, porque me falta o engenho para a descrição e, depois, porque a profusão dos adjectivos, inevitavelmente encomiásticos, arriscaria atingir uma indesejável hipérbole, não condicente com a realidade, afinal, ainda mais superlativa...

Se não haveria hipótese de as perdizes não serem mesmo de caça - imensas há na zona, lindas, gordas, pesadíssimas, que mal conseguem levantar, quase se arrastando, pouco à frente dos nossos pés ou dos carros - já os patos eram da compósita e heterogénea capoeira da nossa amiga que, nos seus bons quatrocentos metros quadrados, é capoeira famosíssima nas cercanias, onde, apesar do destino que a todos espera, a gadeza é acarinhada, belissimamente tratada, qual promessa de manjares os mais diversos.

Não, meus amigos, não tenho fotografias para mostrar no facebook. Por acaso, os meus genros até se deliciaram em sucessivas séries de fotos. Mas, por nossa opção, assim como não publicamos quaisquer imagens pessoais, sejam quais forem as circunstâncias em que estivermos, também não alinhamos com a prática de ilustrar as nossas refeições.
 
Por isso, mesmo que deficiente, têm de confiar neste testemunho, sem outras concessões ilustrativas. Decidi partilhá-lo, acreditem, não para meu ou especial proveito da família mas, isso sim, em louvor das abençoadas mãos da nossa querida amiga a quem jamais poderei agradecer as provas tão manifestas de carinho e amizade que revestem aquelas travessas e tabuleiros do nosso regalo, com o pródigo Alentejo, ali todo à sua mesa.

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NB: Para se habilitarem a «programa» e gozo que tais, devem combinar previamente. Na data e hora aprazadas tudo baterá certo. Vão por mim!

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