[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Manoel,
menino lindo

Para hoje, tinha eu um sintrense assunto para tratar, como quase todos os dias aqui acontece. Entretanto, a inusitada urgência de uma acção de formação para que fui solicitado, levou-me ao clube de video, à procura de um filme de Manoel de Oliveira, documento que considero adequado ao objectivo do meu trabalho. Precisamente, quando ia a caminho, trouxe-me o auto-rádio a notícia de mais um prémio atribuído ao realizador.
Homem muito sensível à ocorrência de coincidências, logo fiquei desconcertado perante mais esta. Eu à procura de uma obra de Oliveira e, sem aparente explicação, eis que me chega um recado, proveniente de dimensão que me convém considerar esquisita, com directa articulação ao artista que era objecto da minha preocupação...
Foi razão bastante para, entre outras alterações, cujo detalhe não cabe na economia deste escrito, logo decidir que estas Notas Diárias seriam afectadas por circunstância, para mim, tão determinante. E os leitores, coitados, perfeitamente a leste das manias do escrevente, lá vão ter que aguentar com o resultado do episódio resultante da intervenção de um qualquer agente da quinta dimensão.
Ao Manoel de Oliveira que, aos noventa e oito anos, já está a concretizar mais dois filmes, o American Film Institute acabou de atribuir um especialíssimo galardão pelo conjunto da sua obra. Trata-se de muito rara distinção, perante a qual o realizador reagiu do seguinte modo: "O destino tem uma máscara generosa como esta que acaba de se mostrar..." E, mais à frente, respondendo a uma pergunta relativamente à possibilidade de o seu fime Belle Toujours, vir a receber um Oscar, Oliveira, bem consciente dos meandros e interesses do Cinema, replicou que acredita no "filme como Arte, não como negócio, não para ganhar dinheiro, mas para estimular o espírito."
Destino, Arte, Espírito
Eu parei o carro para apontar as palavras do mestre, logo pensando em partilhá-las aqui, convosco. Vale a pena reflectir nestas sentenças de velho sábio, clássico esteta, digno herdeiro da cultura mediterrânica greco-latina. Não, não se trata de intelectualice balofa, é coisa séria. Vão já verificar a razão pela qual vos afirmo que são daquelas palavras que acrescentam Beleza ao quotidiano. Porque Manoel é poeta!
Fala-nos de destino e logo pensamos na moira homérica à qual, mais tarde se juntam outras abstracções divinizadas, Anagkê (a fatalidade) e Tychê (o acaso), lembrando que, particularmente celebrado, era o feliz acaso, ou seja, Agathê Tychê. Era este o enquadramento do pensamento de Oliveira quando falou na generosidade do destino. Todavia, para que as clássicas referências ficassem completas e totalmente entendíveis, faltava marcar a informalidade do sermão de circunstância com a referência à máscara, nada mais nada menos que a persona, com aquele infinito rol de conotações à trama, ao teatro, à tragédia, ao mundo da psicologia...
Quem conhece Oliveira, sabe que é assim. Nada é gratuito, nenhuma oportunidade se perde para acrescentar a palavra e a imagem essenciais, tudo é intencional, profundo, ainda que sob a aparência de uma ingénua simplicidade que se confunde com a mais pura poesia. Naturalmente, nada disto - nada do que é concebido em termos de Arte, sem pensar em ganhar dinheiro - joga com o nebuloso universo do negócio, coisa pouco propensa ao estímulo do espírito...
Ah, Manoel, que menino lindo!...

3 comentários:

Anónimo disse...

Olhar este blog logo de manhã já começou a ser meu hábito. Às vezes, muito cedo o seu texto vem dizer bom dia. Este sobre o Manoel de Oliveira é de ontem mas só agora acabo de o ver. Parabéns porque é bem à altura deste realizador que é um grande português e tem levado longe o nome de Portugal. E aprendi coisas que me escaparam quando ouvi as declarações dele na América. Na verdade, é muito mais clássico do que parece.Mais uma vez parabens.

Sara Timóteo

Sintra do avesso disse...

Para Sara Timóteo,

Foi muito gentil com as suas palavras. Ainda bem que consigo dizer bom dia a alguém, através de um escrito. Que responsabilidade a minha!... Mas, ainda melhor, o facto de terem sido as palavras de um grande artista, o Manoel de Oliveira, o pretexto para esse despertar bem disposto, bem cedo, ainda não eram oito horas.

Fico muito contente por a ter a partilhar o gosto pela obra do mestre, actual decano do Cinema. Como vê, só uma pessoa, precisamente a Sara Timóteo, comentou o texto. Se bem que assuma totalmente a minha quota parte de «culpa» relativamente a tão diminuto impacte do meu escrito, também conheço perfeitamente a atenção que os portugueses dispensam à grande Arte em geral e, em particular, ao género de cinema, de grande cinema, que o Manoel faz...

E, no entanto, é o nome do Manoel de Oliveira e os seus filmes que vão ficar para a posteridade, a par dos de Eisenstein, de Bergman, de Antonioni, de Visconti, de Buñuel, de Dreyer, sem que a maioria dos portugueses tenha tido sequer a possibilidade de entender que a Arte passa por ali e que tipo de Arte aquela é...

As melhores saudações e o grato reconhecimento do

João Cachado

Sintra do avesso disse...

Para Sara Timóteo,

Foi muito gentil com as suas palavras. Ainda bem que consigo dizer bom dia a alguém, através de um escrito. Que responsabilidade a minha!... Mas, ainda melhor, o facto de terem sido as palavras de um grande artista, o Manoel de Oliveira, o pretexto para esse despertar bem disposto, bem cedo, ainda não eram oito horas.

Fico muito contente por a ter a partilhar o gosto pela obra do mestre, actual decano do Cinema. Como vê, só uma pessoa, precisamente a Sara Timóteo, comentou o texto. Se bem que assuma totalmente a minha quota parte de «culpa» relativamente a tão diminuto impacte do meu escrito, também conheço perfeitamente a atenção que os portugueses dispensam à grande Arte em geral e, em particular, ao género de cinema, de grande cinema, que o Manoel faz...

E, no entanto, é o nome do Manoel de Oliveira e os seus filmes que vão ficar para a posteridade, a par dos de Eisenstein, de Bergman, de Antonioni, de Visconti, de Buñuel, de Dreyer, sem que a maioria dos portugueses tenha tido sequer a possibilidade de entender que a Arte passa por ali e que tipo de Arte aquela é...

As melhores saudações e o grato reconhecimento do

João Cachado