[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Obras de regime


O edifício do Tribunal de Sintra, cujas características estéticas, proporções e localização levaram Léon Krier, aquitecto luxemburguês e perito consultor da Unesco, a afirmar que se trata de «uma guerra a Sintra» corresponde a um paradigma de intervenção na polis, no espaço comunitário onde vivemos e convivemos, que já foi designado, mesmo a nível internacional, como obra de regime.
Se bem se lembram, aquela foi a designação aplicada às grandes obras que marcaram a presidência de François Mitterand, especialmente na capital francesa, talvez reminiscências dos tempos do Rei Sol. Em Portugal, o exemplo fez o seu caminho e foi acolhido, por muitos executivos municipais, cujos presidentes, na maior parte dos casos, pacóvios provincianos, cederam à tentação de deixar o seu nome ligado a muitos dos mamarrachos que conspurcam a paisagem nacional.
Sintra, infelizmente, não foi excepção. Se, no caso da Biblioteca Municipal, houve o bom senso de recuperar um edifício, redimensionando-o e acrescentando obra nova que, com a precedente, convive em boa harmonia estética e funcional, já no inicialmente aludido exemplo do Tribunal, o desconchavo foi total. E poderia ter sido evitado se não fosse objectivo do executivo de então o deixar aquilo que apelidam de obra feita, independentemente dos custos de toda a ordem que a comunidade irá acumulando ao longo dos anos.
Questão de escalas
De vez em quando, alguns arautos de tais mega-soluções aparecem a dizer que, depois desses faraónicos empreendimentos, nada se fez. Têm razão quanto à falta dessas obras, impositivas, de encher o olho aos papalvos. Na realidade, não se dá por elas. E não fazem cá falta nenhuma. Sintra já vai dando prova de que se não deixa impressionar com os sempre eficazes números, correspondentes a potenciais postos de trabalho, perante os quais é preciso ter um cuidado muito especial, não vá o tiro saír pela culatra.
Apenas citarei uma das monstruosidades, previstas e já protocoladas, no fim do século passado, entre a autarca e o Ministro da Defesa de então, que se traduziria no famigerado parque-aventura que a Sintralândia iria gerir. Se não tivesse imperado o bom senso, os sintrenses estariam a confrontar-se, actualmente, com uma significativa baixa de qualidade de vida, com todos os efeitos perversos de tal iniciativa, que invalidaria dezenas e dezenas de hectares de terrenos abrangidos por reserva proibitiva, para instalar um negócio de contornos pouco pacíficos, por exemplo, em termos da origem das verbas envolvidas. Felizmente, não foi avante.
Em alternativa, há tanta obra a concretizar em Sintra só no domínio da hotelaria de média e pequena dimensão! E, para além disso, há centenas, milhares de pequenas mas urgentes obras por fazer, dessas que nos lavem a cara da vergonha que todos os dias passamos, ao deparar com muros destruídos, passeios esburacados, bermas inexistentes, sarjetas entupidas, caminhos, ruas e estradas sem qualquer ponta de manutenção, fachadas e entranhas de prédios em total degradação e quantos mais exemplos de trabalhos que ocupariam milhares de trabalhadores, acabando com a patológica cultura do desleixo que nos vitima.
Estas sim, autênticas obras de regime...

3 comentários:

Anónimo disse...

Porque razão não fala do Centro Cultural Olga Cadaval? Também se fizeram ali umas ricas obras, especialmente com o grelhador à porta. Porque razão não foi recuperado o Cinema Carlos Manuel tal como era?Segundo sei o traçado era de um arquitecto famoso. E não fizeram estacionamento.Na minha opinião também é o que o senhor chama obra de regime.

Sintra do avesso disse...

Tem toda a razão quanto àquilo que muitos sintrenses denominam o «grelhador». Aquilo é um horror estético que não se conjuga, não se articula de modo algum, com o traço de Norte Júnior, o tal «arquitecto famoso» que o anónimo alude.

Quando o poder é esclarecido, é capaz de discutir tudo, todas as propostas, inclusive as de carácter estético e contrapropor, negociar a adopção de uma outra solução mais consentânea. Quando assim não acontece - no caso, até nem sei quem podia ter discutido aquela solução, se a Edite Estrela ou algum dos precedentes - em todo o caso terá sido um dos pacóvios provincianos que nos habituaram a coisas que tais...

Quanto ao resto, chamo a sua atenção para uma série de novas instalações com que o edifício foi beneficiado, um belíssimo estúdio de bailado, capacidade para receber congressos, etc que são nítidas mais-valias.

Obra de regime? não sei. Nem mesmo o original de Norte Júnior se pode considerar obra de regime, na sua linguagem discreta e nada impositiva. Enfim, opiniões.

Continue a aparecer.

Sintra do avesso disse...
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