[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Risco de opinião
(Continuação)

Vejamos como é paradigmático o caso que, a propósito, muito naturalmente, logo nos ocorre. A verdade é que, até hoje, desde o 25 de Abril de 1974, com a recuperação do Estado Democrático de Direito – perdido com o 28 de Maio de 1926 – provavelmente, não teremos tido outro Primeiro-Ministro que, como o actual, tenha tido tantos telhados de vidro no seu passado.

E, convém sublinhar que, ao referir certas passagens do passado do senhor em questão, ninguém remete para atitudes de adolescente inconsciente e precipitado. São coisas que se passaram de há cerca de vinte anos a esta parte. Trata-se de factos ocorridos quando este senhor já ia nos seus trinta, no caso dos horrorosos projectos de engenharia e/ou arquitectura que ele próprio afirma serem de sua autoria, ou no da sua licenciatura, já na casa dos quarenta.

Pois mostra-se muito ofendido, muito agastado com as referências. Para além disto, qualquer atitude que, publicamente, ponha em causa o desconforto causado por governação tão polémica, como tem sido a sua, é entendida por Sua Excelência como inapropriada, deslocada, injusta.

Tenha-se em consideração, por exemplo, o que aconteceu no sábado passado, no Largo do Rato, perante a espontânea manifestação de tantos professores que davam pública mostra do natural descontentamento perante a desorientação galopante que atinge o sector da Educação. Nessa altura – estaria ali o Primeiro-Ministro ou o Secretário-Geral do Partido Socialista? – saltou a tampa e declarou-se a intolerância, a falta de capacidade de encaixe à crítica democrática.

Dou-vos a minha perplexa palavra de que, cada vez mais, me considero incapaz de distinguir se aquela atitude de cidadão e político, que se afirma de esquerda e socialista, tem alguma relação, por exemplo, com o modo como os inequívocos socialistas e grandes democratas Henrique de Barros, Vasco da Gama Fernandes, Teófilo Carvalho dos Santos, Presidentes do Parlamento, Maria de Loudes Pintasilgo, Mário Soares, Primeiros-Ministros, António Arnault ou Manuel Alegre e, felizmente, tantos outros ministros e deputados têm servido a Democracia e a República.

Enfim, escrevo estas linhas na presunção de que continuo a poder fazê-lo sem que me sujeite ao incómodo de um processo por difamação.

3 comentários:

Anónimo disse...

João Cachado,

Estou longe de adversar as suas opiniões, ao invés sugiro que se traga à colação as múltiplas vezes em que, perante um órgão de soberania, o nosso primeiro-ministro usou o termo "eu" para justificar as políticas em curso. Não estou a classificá-las (as políticas) de boas ou más, mas a destacar o "eu", mais o "eu" e outro "eu".
A partir daí, sendo certo que já receava pela sua (dele) vocação para o cargo - opinião que não me permite registar a patente, por razões óbvias - passei a ter medo.

Não dele ou da imagem um pouco plastificada que nos mostra,com o dedo indicador direito em semi riste e outros três mais encolhidos, mas do que pode estar escondido pela máquina que o compõe.

Se olharmos com atenção, a sistematização das posições, os esgares e a saída das palavras, denotam alguns erros na programação, facilmente aproveitáveis em programas de perigoso humor, embora a coisa seja para ser levada a sério.

Ora, viver-se em democracia é muito mais do que dizer-se que se foi eleito democraticamente e fazer-se o que se quer, mesmo que ao arrepio do que seria expectável.

O tema daria pano para mangas, mas até por aqui é preciso cuidados, porque os pseudónimos não servem para nada.

Um abraço e como o compreendo,

Anónimo disse...

Felicito o "Saloio" pelo atento espírito crítico e de observação que transmite no seu oportuno comentário.
emília reis

Sintra do avesso disse...

Saloio,

Caro Confrade,

Deixe-me tratá-lo assim, fraternalmente. É que lhe sinto e pressinto uma inquietação que, por um lado, se nos irmana, por outro nos inquieta perante estes arroubos de autoritarismo travestidos de uma perversa capa de democracia, que o nosso Primeiro-Ministro tem cingido, sem qualquer ponta de pudor.

Justíssimas e lúcidas são as suas observações. Fico muito emocionado por ter sido o meu texto a suscitá-las. Ainda a propósito, já reparou na especial saudação que Emília Reis lhe remete?

Não tenho dúvida de que, acerca deste assunto, há muita gente que pensa como nós. Há, inclusive, gente que lê os textos do sintradoavesso e que, sim senhor, até reage com comentários, mas em particular, para o meu e-mail... Gente conhecida em Sintra, que não se expõe publicamente, que receia as consequências de tal atitude.

Porque, jamais, trairia a sua confiança, sabem essas pessoas que podem continuar enviando-me as suas mensagens, que vão constituindo um acervo privado, não partilhável. Nunca pensei que houvesse tantas pessoas com medo, «na retranca». Infelizmente. Olhe, são sinais dos tempos...

Um abraço do

João Cachado