[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012


Cidadania e participação

A mensagem que o Miguel S. Martins deixou no seu mural, com referência a uma citação de António Manuel Fonseca, sobre o exercício da cidadania pelas camadas jovens, leva-me, ainda em Salzburg, a partilhar com todos as considerações que acabei de alinhar.

Meu Caro Miguel,

Como sabe, este é um assunto que me tem preocupado bastante a ponto de constituir tema de uma das acções de formação em que intervenho como formador, numa das quais, se não estou em erro, o meu amigo participou. O que António Manuel Fonseca escreve é algo que toda a gente constata e, a tal ponto assim é que poderia dizer-se tratar-se de mais uma Lapalissade sem que, com esta qualificação, pretenda apoucar o pensamento expresso (Vd. citação no seu mural).

Interessante me parece é reflectir sobre as razões que enquadram o fenómeno. Certamente que, para este resultado tão negativo, tem contado - e, de que maneira!... - a mediocridade do modo como exerce o poder a classe política que os cidadãos têm elegido ao longo de décadas.

ontudo, se os cidadãos elegem tais representantes, fazem-no, certamente, tanto por falta de esclarecimento como porque a Lei Eleitoral vigente (que é óptima para perpetuar estes incompetentes e oportunistas alojados nos partidos do designado «arco do poder») que não privilegia os círculos nominais, afasta liminarmente os eleitos dos eleitores.

Mas, a montante de tudo isto, meu caro Miguel, parece-me agigantar-se uma razão, muito poucas vezes conjugada com este quadro, qual seja a da enorme percentagem de analfabetismo funcional e de iliteracia que ainda afecta alguns milhões de nossos concidadãos. Não esqueça o meu amigo, como têm esquecido os governantes portugueses, que o nosso é um país europeu que, na maior parte dos índices de desenvolvimento, nem sequer está considerado entre a média europeia.

Enquanto ainda precisamos de quase uma cruzada afim da Educação de Base de Adultos, a Europa dita desenvolvida preocupa-se, sim senhor, com a Educação de Adultos, mas não tendo que considerar a enorme quantidade de recursos agora necessários ao nosso país, como estratégia de remediação daquilo que deixou de investir a meio da década de oitenta e que hoje lhe custará rios de dinheiro.

Quem me conhece, em especial, como Técnico de Educação, sabe que esta é uma perspectiva que advogo e perfilho há muitos anos. Sempre que estou no estrangeiro, particularmente em países europeus, como é o caso de Áustria, onde há muito foram resolvidas questões para nós ainda tão cruciais, tão presentes, cada vez mais difíceis de equacionar, ainda mais aguço essa convicção.

Finalmente, pois claro, não posso ter outra opinião: a cidadania, a participação cívica para resolução dos problemas que afectam os cidadãos, não é coisa que se decrete. Infelizmente, não. Cidadania e participação constituem termos de um binómio indissociável da tríade que tem no civismo a outra vertente.

Nos dias de hoje, são princípios e valores que coincidem com a ideia de patriotismo, pressupondo um caminho de vivência diária da democracia. Mas, assim sendo, estamos num círculo vicioso porque a qualidade da vida democrática depende do exercício da cidadania. Ah, pois estamos...

Mas, meu caro Miguel, muito mais do que eu, quem sabe disto é, por exemplo, o Manuel Lucas Estêvão que foi Director-Geral da Educação de Adultos do Ministério da Educação, co-autor de um Programa Nacional de Alfabetização e Educação de Base de Adultos (1979), com quem tive o gosto de trabalhar alguns anos como técnico superior daquele serviço. Talvez ele possa acrescentar mais alguma coisa. É que, ainda por cima, estando eu em Salzburg, longe da minha documentação, não me é fácil ser mais prestável.

Um forte abraço,

João Cachado

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