[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 19 de março de 2012

Hoje, um conjunto de peças nos últimos dias publicadas no facebook.

[1]

Efeméride mozartiana

Numa quinta feira, dia 15 de Março de 1770, aos quatorze anos, Mozart completava o seu primeiro quarteto de cordas, em Sol Maior, KV. 80. Ao contrário do costume na época, o jovem compositor inicia a obra com um andamento lento, um Adagio de seis minutos que, na economia de uma peça cuja duração total é de cerca de um quarto de hora, é evidentemente longo. É precisamente neste primeiro andamento que evidencia uma maturidade verdadeiramente surpreendente.

A interpretação deste excerto da peça, que apenas compreende o referido Adagio e o Allegro seguinte, está a cargo do Quarteto Casals [que, como já tive oportunidade de referir, esteve na Gulbenkian recentemente].

Boa audição!


http://youtu.be/jpumSTiMdUE


[2]

No outro lado do Mundo



In VIII, Segunda Parte, 'Mar Português' de "Mensagem", Fernando Pessoa celebra outro Fernando, o navegador que, no dia 16 de Março de 1521, chegou às Filipinas. Que melhor homenagem a um português tão enigmático e esquecido?

Fernão de Magalhães

No valle clareia uma fogueira.
Uma dança sacode a terra inteira.
E sombras disformes e descompostas
Em clarões negros do valle vão
Subitamente pelas encostas,
Indo perder-se na escuridão.

De quem é a dança que a noite aterra?
São os Titans, os filhos da Terra,
Que dançam da morte do marinheiro
Que quiz cingir o materno vulto –
Cingil-o, dos homens, o primeiro –,
Na praia ao longe por fim sepulto.

Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda commanda a armada,
Pulso sem corpo ao leme a guiar
As naus no resto do fim do espaço:
Que até ausente soube cercar
a terra inteira com seu abraço.

iolou a Terra. Mas elles não
O sabem, e dançam na solidão;
E sombras disformes e descompostas,
Indo perder-se nos horizontes,
Galgam do valle pelas encostas
Dos mudos montes.



[3]

Camélias!


A partir de hoje, em Sintra, temos camélias em exposição. Quem puder, faça o possível por dar um salto até cá. Não pode ser mais central, no denominado 'Jardim da Preta' do Palácio Nacional (Palácio da Vila) conforme a notícia dealhada que aqui dei.

Indissociáveis da Dama, estas flores para sempre ficarão conotadas com a grande «desviada». Sem Alexandre Dumas, Francesco Maria Piave e Giuseppe Verdi, "La Traviata" jamais seria o paradigma icónico da ópera tout court. Lembrem-se deles, conheçam essa gente fascinante.

Camélias! Para todos! E, em especial, para esta fabulosa Renata Scotto a quem, entre outras personagens, também ouvi numa uinesquecível Violetta Valéry.

Boa audição!

http://youtu.be/2Z7NhCWqPLc


[4]

“Mozart e Salieri",
Rimsky-Korsakov


Hoje é o aniversário do célebre compositor russo Nikolai Rimsky-Korsakov [Tikhvin, 18 de Março de 1844-Lyubensk, 21 de Junho de 1908], de quem conhecerão algumas famosas obras que me dispenso de citar. Duvido, no entanto, que tenham tido o privilégio de ouvir qualquer gravação e, muito menos, de assistir a qualquer representação das duas cenas de “Mozart e Salieri”, pequena ópera de Acto único, cujo libreto foi quase totalmente extraído da homónima peça de Alexander Puskin.

Vem a propósito manifestar quanto, à limitada escala das minhas possibilidades, me tenho esforçado no sentido de repor a verdade histórica em relação à suposta rivalidade entre Mozart e Salieri. Aqueles que têm lido os meus textos acerca da matéria sabem que não se trata de tarefa fácil. É que, logo à partida, foi o próprio Salieri quem se encarregou de propalar a ideia de que teria sido o assassino de Mozart.

Com a caligrafia de Beethoven foram encontradas algumas notas manuscritas – não cartas, como inicialmente se chegou a supor – meros papéis dentre os muitos de que o grande surdo se servia para comunicar, em que registou aquela convicção de um senil e demente Salieri, o mesmo Salieri que fora seu brilhante professor. Estava lançada a lenda e fazia caminho galopante.

Reparem que, em 1830, apenas passados cinco anos sobre a morte de Salieri, já Puskin tinha publicado a peça referida. Nesta saga de fictícios elos, eis que aparece Rimsky-Korsakov. Seguir-se-ão o dramaturgo Peter Schäffer, com a peça “Amadeus” e Milos Forman, que realiza o filme cujo argumento é naquela baseado.

Todos estaviveram no seu direito de fantasiar e de ficcionar o que muito bem lhes deu na real gana. Nada nem ninguém os obrigava ao respeito pela Verdade. Embora a Arte possa coincidir com a Verdade, tal não é condição necessária. Dá que pensar, isso sim, que a geral ignorância de uma época, precisamente a nossa, tivesse acolhido, como verdadeiros, alguns passos, quer de Salieri quer de Mozart, que nada têm de biográfico e que, aliás, não era suposto que tivessem…

Voltemos à esquecidíssima ópera, hoje em dia tornada pouco mais do que mera curiosidade. Em Moscovo, na sua estreia russa, em 1898, o barítono de serviço, assumindo a personagem de Salieri, foi o mítico Fyodor Shalyapin. Histórico também é o documento cujo visionamento agora vos proponho, já que se reporta à primeira apresentação da obra em Nova Iorque no Chamber Opera Theatre, numa produção excelente que contou com Joseph Shore e Ron Gentry, dois formidáveis cantores, como terão oportunidade de verificar.

Trata de uma raridade. Vale bem a pena dedicar-lhe o melhor da vossa atenção. Rimsky-Korsakov, o compositor celebrado neste 18 de Março, é um gigante que bem merece o destaque. Não hesitou ele em incorporar directas referências a "Don Giovanni" e à "Missa de Requiem" de Mozart na partitura, atitude de humildade que também não pode deixar de se assinalar.

Bom visionamento, boa audição!

http://youtu.be/QdMUBz55Ly8


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