[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 30 de março de 2012




Sintra,
um, dois, três concelhos?



Gostar de Sintra como eu gosto equivale a manter, sempre aceso, um amor de infância que, ao longo de dezenas de anos, se transformou na funesta paixão que me mantém em permanente desassossego. Durante muito tempo, através da escrita, tive necessidade de partilhar impressões e opiniões acerca desta ligação. Em especial, focando a atenção sobre inúmeras ofensas de que Sintra é vítima, dava conta do desgosto resultante de palavras, actos e omissões que tanto mal lhe têm causado.

Publicadas na imprensa local, principalmente no Jornal de Sintra, contam-se por algumas centenas as crónicas, acerca dos mais diversos assuntos, ainda que com particular destaque para a salvaguarda do património natural e edificado mas não descurando outras vertentes como turismo, urbanismo, educação, eventos culturais. Norteada por um rígido princípio de independência, a minha atitude, ao fim e ao cabo, não passava de uma forma de exercício da cidadania que preenchia o objectivo de participação nos desígnios da comunidade.

Não raro, contudo, me senti objecto de tão evidentes quanto lamentáveis reacções de incompreensão que, em determinadas ocasiões, assumiram contornos da mais baixa mesquinhez. Naturalmente, sendo a escrita uma arma contundente, não me podia surpreender. Enquanto foi possível, mantive o ânimo bastante para continuar mas o cansaço acabou por vencer, pelo que, pouco a pouco, me fui libertando da quase obrigação que, tacitamente, vinculava a minha actividade.

Na realidade, o cansaço a que aludi coincidia com uma sensação de dias avinagrados, protagonizando eu uma tenção que, pelo simples facto de se manifestar através da escrita militante – deixem que use o adjectivo sem que dele abuse – em nada de concreto ou positivo, rarissimamente, se transformava. Fui vencido por um complexo novelo de contradições já que a esperança de ver resolvidos os assuntos que denunciava ou cuja inequívoca solução alvitrava, era negada pelo sistemático e geral alheamento.

No entanto, há semanas, tendo vindo à baila a questão da reorganização da administração local, o tal desassossego da paixão tem vindo a avolumar-se, suspendendo e deixando de conceder a trégua a que me obriguei. Daí até concluir que que o melhor talvez fosse mesmo repegar na matéria que tratei em inúmeros textos, foi o passo que estão a testemunhar. Oxalá não ganhe motivo para maiores desilusões.

A minha intervenção neste domínio sempre privilegiou a perspectiva de que a governabilidade de um gigantesco concelho como o de Sintra passaria pela possibilidade de o dividir, em duas ou três unidades, agregando conjuntos de freguesias com mais ou menos evidentes características de coerência, por exemplo, geográfica, sociocultural, económica, etc.

Em Sintra, jamais me passaria pela cabeça propor a extinção e subsequente concentração de freguesias em unidades de maior escala. Admito perfeitamente que, em determinados concelhos do todo nacional, haja necessidade de assim proceder, sem que tal signifique ou traduza a sistemática generalização da medida a todo o território português.

Aliás, nalguns casos, a dimensão e escala das freguesias sintrenses ultrapassou – e de que maneira, veja-se, por exemplo, o caso de Algueirão Mem Martins!... – a viabilidade de uma gestão humanizada, de proximidade, valores que, inequivocamente, devem prevalecer. Neste contexto, como não considerar, como autêntico escândalo, a cegueira do poder político central tentando impor uma solução, que vem ao arrepio de toda uma cultura, com base na observância de compromissos com credores internacionais plasmados no designado Memorando de Entendimento, como se aí estivesse a salvação das finanças públicas?

Por acaso, o mesmo poder central já deu passos, de algum significado, no sentido de obviar o efectivo desperdício de recursos, numa sangria que continua a vitimizar e a enfraquecer a fazenda nacional através das proverbiais mas elimináveis gorduras da Administração Central ou, enfim, mais próxima da realidade local, já apresentou algum instrumento que viabilize a eliminação de empresas municipais que, em termos constitucionais, até são de de duvidosa génese?

Como permanecer indiferente, enquanto Sintra se prepara para aceitar as irremediáveis consequências desta invectiva do terreiro do Paço subjugado a estratégias desenhadas por negociadores estrangeiros que não tiveram interlocutores nacionais à altura das circunstâncias da negociação que precedeu o referido compromisso? Por outro lado, que residual força de David tenho eu para me permitir dirimir argumentos com cidadãos eleitos que, na Assembleia Municipal de Sintra, são fiéis seguidores da solução de supressão e concentração de freguesias?

E, ainda, para além de não alinhar em qualquer supressão de freguesias, como me permito eu, a partir da mesma realidade de base territorial, propor a constituição de mais um ou dois concelhos? Pois, de facto, não estando louco nem animado por qualquer espécie de espírito de contradição, tão somente penso na referida possibilidade de governança através de unidades concelhias de menor dimensão e mais coerentes.

Convencido da minha razão, lucidamente, também sei que não tenho qualquer veleidade de convencer quem, pelo menos, poderia abrir a porta ao debate. A única atitude que me resta é a de voltar a publicar, ipsis verbis, artigos – alguns dos quais com cerca de dez anos – cuja substância, nas suas linhas gerais, continuo a considerar actual. Espero que a vossa reacção me ajude a reflectir quanto à pertinência da solução que mantenho como mais consentânea.

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