[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Velhos ? (II)

Na sequência do texto ontem publicado, continuaria hoje com mais alguns apontamentos acerca da matéria que, de certo modo, terá começado a insinuar-se através da citação das palavras com que Manoel de Oliveira acolheu a última homenagem do American Film Institute ["(...) o Destino tem uma máscara generosa como esta que acaba de se mostrar. (...)"].
Não há dúvida de que se trata de sentença de velho sábio, conotada com uma série de ideias-chave da Cultura Clássica, que me pareceu pertinente lembrar.* Mais uma vez, o Destino, entidade mítica altamente intrigante, intimamente relacionada com as ideias do devir e do porvir que, por sua vez, se revelam menos acessíveis se não conjugadas com o desejo de sabedoria e de acesso ao conhecimento. Perante mais esta tirada do Artista, praticamente centenário, sempre fascinante, eis-me neste pequeno ciclo de escritos afectos à grande longevidade, o mesmo é escrever que, por vezes, também relativos à questão da Sabedoria.
A velhice sábia é algo que nem todos os homens e mulheres de idade avançada alcançam. Como todos os grandes pilares da Humanidade, juntamente com o Amor e a Beleza, a Sabedoria pressupõe um percurso que nem toda a gente pode ou está disposta a trilhar uma vez que o caminho está cheio de escolhos, de pequenas e grandes armadilhas que impedem o discernimento, a lucidez.
Quantas e quantas vezes temos nós assistido à tristíssima exibição de presunçosas teorias, proferidas por aparentes velhos sábios, completamente toldadas por preconceitos, verdadeiros prejuízos mentais, que não foram removidos durante a caminhada? Não estão já recordando o recente caso do Prémio Nobel da Medicina de 1962, James Watson de sua (des)graça que, podendo ter-se transformado numa referência, acaba de subscrever as maiores barbaridades racistas?
Mas regressemos ao terreno da sábia longevidade, a daqueles e daquelas que dizem e propõem coisas lindíssimas. Na maior parte dos casos, a comunidade, cuja vida poderia saír altamente beneficiada se estudasse e equacionasse tais sentenças, fica-se pelo comprazimento da palavra bela, tantas vezes poética e profética e, embasbacada, incapaz de segurar o facho da chama de Prometeu, acomoda-se ao statu quo. Ainda ontem presente nas Notas Diárias, querem melhor exemplo que o de Agostinho da Silva?
A sintrense Menina-Girassol
Por fim, se quisessem mesmo saber que imediato pretexto me trouxe a este terreiro, então dir-lhes-ia que foi a Menina-Girassol. De vez em quando telefona-me. Anteontem, também assim aconteceu. Do outro lado do fio, o anúncio de uma série de projectos, a sua presença aqui, ali e, mais além, numa preenchida agenda de deslocações aos mercados municipais da Beleza, da Poesia e da Sabedoria.
Nos seus estupendos oitenta e sete anos, a Maria Almira Medina - pois, naturalmente, é a ela que me refiro, sob o pseudónimo de uma das suas conhecidas obras - é um grito de Vida que só um lindo menino* consegue afirmar na Praça da Canção. Vejo-a muito menos do que devia. O defeito é meu e, igualmente, minha a desvantagem.
Conhecemo-nos há dezenas de anos. Ainda estamos ligados por laços de família, já que os seus netos são meus sobrinhos. Conheço-lhe o caminho. De Poeta, companheira de Poetas - como José Gomes Ferreira que tanto a admirava - de jornalista, artista plástica, caricaturista finíssima, sofisticada ceramista, professora que marcou gerações de estudantes, mulher de paixões, tantas e explosivas, um sintrense e genuíno hino à Vida, uma Ode à Alegria, apesar de algumas agruras que soube ultrapassar.
Foi ela a culpada destas linhas. Se me acompanharam sem enfado, a ela devem agradecer já que o demérito deste escrevente não o leva a aspirar a outra recompensa que não seja, enfim, contribuir para o desfastio do leitor, o que não é pouca presunção. Portanto, se for mesmo vossa vontade estar com a linda menina, apareçam na SUS, Vila Velha, no dia 18 e/ou na Galeria LM, em Chão de Meninos, ente 22 e 24 de Novembro. Verão que a Poesia não tem idade e que está na rua!
E já que aludi à Ode à Alegria, An die Freude, de Friedrich Schiller, poema que a Unesco declarou Património da Humanidade, já sabem, aqui vai o conselho do melómano. Ouçam-na, no quarto Andamento da Nona Sinfonia de Beethoven. Se possível, acedam à versão do Maestro Sir Simon Rattle, de 2002, dirigindo a Filarmónica de Viena, no âmbito desta sua Integral das sinfonias do mestre de Bonn. No entanto, não deixem de ler o texto já que é condição sine qua non, não só para o vosso pessoal enriquecimento, mas também para completo entendimento deste Velhos? (II).
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*Manoel, lindo menino, Notas Diárias, 02.11.07

2 comentários:

Unknown disse...

Ola Joao,

Muito obrigada, por passares a informacao sobre os eventos, onde a Maria Almira estara presente, com a sua poesia. Ela que diz com serenidade: - 'so agora, comeco a pensar na idade... Tenho, ainda,tantos projectos para realizar que temo faltar-me o tempo' ...

Desculpa, o texto ir sem acentuacao ...estou num teclado britanico! ; )

1 beijo, Ana

Sintra do avesso disse...

Querida Ana,

Como imaginas, foi um enorme prazer. A Maria Almira , com toda a sua complexidade, é um caso sério como pessoa e como mulher. Velha? A maior parte dos meus jovens alunos de vinte anos é mais velha do que ela...

Beijo grande

João