[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 30 de novembro de 2011


Gulbenkian,

Ciclo de Música Antiga


Ontem Balthasar Neumann Choir and Soloists, Balthasar Neumann Ensemble, sob a direcção de Thomas Engelbrock, fizeram a Missa dei filii, ZWV 20, de Jan Dismas Zelenka e o Magnificat, BWV 243a de J. S. Bach. Quem não foi jamais saberá o que perdeu. A sofisticação da Missa de Zelenka, a ingenuidade e simultânea magnificência do Magnificat de Bach, na sua expressão mais limpa, superior, sem quaisquer concessões à facilidade.

Há pouco, Michel Corboz dirigiu o Coro Gulbenkian num programa incluindo Jauchtzet de J. S. Bach, Magnificat, Beatus Vir e Justus ut palma florebit de Francisco António de Almeida e Stabat mater a dez vozes de Domenico Scarlatti. Em formação reduzida, adequada às características das obras, o coro esteve muito bem. Como cantores solistas, Charlotte Müller Perrier, soprano, que não me impressionou especialmente, e Fernando Guimarães, tenor, em grande forma.

Aqui tendes uma excelente interpretação - com os The BBC Singers, Elizabeth Poole, soprano, Neil MacKenzie, tenor, David Miller, teorba, Frances Kelly, harpa e Gary Cooper, órgão - desta última peça que o compositor escreveu em Roma, pouco tempo antes de vir para a corte de Lisboa como mestre da Princesa Maria Bárbara.

http://youtu.be/soz-nsntNQg

Domenico Scarlatti: Stabat Mater I-III www.youtube.com

Agora, atenção ao que aí vem. Um dos melhores momentos deste ciclo de Música Antiga, acontecerá no próximo dia 3 de Dezembro, quando Patricia Petibon, soprano, se apresentar com a Venice Baroque Orchestra, para interpretar peças de Händel, Stradella, A. Scarlatti, Vivaldi, Geminiani, Merula e Sartorio. Não tenho a menor dúvida de que será mesmo um grande acontecimento.

Acerca da minha opinião sobre esta cantora, gostaria de vos contar que, há uns sete ou oito anos, tendo-a já ouvido várias vezes em Salzburg, sempre em programas com o Concentus Musicus e Harnoncourt, o meu parecer já era extremamente positivo. Na altura, tendo tido hipótese de intervir num programa de rádio da RDP2, ao tempo em que Jorge Rodrigues era o responsável pelo programa do fim de tarde, interpelei o Jorge Calado - cuja opinião tenho no maior apreço -acerca do seu parecer sobre a cantora francesa.

Para meu espanto, Calado referiu-se a Petibon como coisa secundária, enfim, pouco digna de reparo. Pois, como veio a verificar-se, quem tinha razão era eu. Confirmo, aliás, que além de voz muito bem trabalhada, tecnicamente irrepreensível, com a extensão necessária ao repertório que mais se lhe adequa, Petibon, ainda acrescenta capacidades histriónicas absolutamente notáveis. É completa, em suma.

Claro que já estou numa enorme expectativa por voltar a vê-la no sábado. Mas, amanhã, noutro contexto, teremos Angela Kirchschlager, num programa completamente diferente, subordinado ao tema Viena-Paris-Broadway, interpretando von Suppé, J. Srauss, Léhar, Heuberger, Offenbach, Bernstein, K. Weill, Gershwin e C. Porter.

Desde sexta-feira passada até ao próximo sábado, terei assistido, sempre na Gulbenkian, a seis concertos absolutamente excepcionais, perfeitamente ao nível do que tenho em Salzburg, Viena ou Luzern mas a preços escandalosamente baixos se comparados com os que me pedem naqueles famosíssimos lugares. Sabem que mais, fico atónito como é possível que, em Lisboa, o auditório da Fundação registe audiências a metade, três quartos. É incrível e demonstra bem o que a casa gasta...








Sede meticulosos!


Alegrai-vos, meticulosos falantes e escreventes do Português! Ainda não se atingiu o ponto de não retorno… Ficai sabendo que, em tempos tão propensos à divulgação e, inclusive, à institucionalização do pontapé na gramática, através dos meios de comunicação social, continua havendo gente preocupada com a correcção da expressão do seu discurso falado e escrito.

Confirmando como assim acontece, eis que vos trago um exemplo colhido nas páginas do facebook, onde, geralmente, tão mal se escreve. Trata-se de alguém que se atreve à formulação de uma dúvida, e, maravilha das maravilhas, articulando aquela tão rara atitude com um pedido de conselho. Tão pouco habituado estou a tais eventos que exultou a minha alma de filólogo. No entanto, não deixei de reparar que o subscritor da dúvida é pessoa normalmente cuidadosa. Por isso, coitado, tem dúvidas…

Vamos, então, ao problema colocado. Trata-se do caso paradigmático do verbo «ter» que tanto pode reger preposição «de» como construir-se com oração introduzida pela conjunção «que». É neste contexto que, concretamente, perguntava o meu consulente(1) se deve dizer e escrever «ter que» ou «ter de». Apesar de não se tratar de questão particularmente bicuda, passo a recorrer ao tira-teimas do Sá Nogueira:

“(…) «Ter que» emprega-se como «Tenho que fazer», que é elíptica por «Tenho alguma coisa que fazer», onde o «que» é um pronome relativo, cujo antecedente é, clara ou ocultamente, «coisa». «Ter de» emprega-se em frases como «Tenho de fazer alguma coisa», onde o «de» é uma preposição que precede o substantivo verbal «fazer». Não obstante ser bem clara a distinção entre as duas expressões, há uma tendência muito acentuada para só se empregar a primeira, quer numa, quer noutra acepção. Assim, diz-se correntemente: «Tenho que fazer alguma coisa, construção que os meticulosos evitam (…)” (2)

Nestes termos, a todos, o meu que também é o implícito conselho de Sá Nogueira, ou seja, privilegiar a meticulosidade… Sempre!

____________________________


(1)Luís Miguel Correia Lavrador, há dois dias, no facebook.
(2)SÁ NOGUEIRA, Rodrigo de, Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1974, p.356.

domingo, 27 de novembro de 2011


Rui Vieira Nery,
musicólogo de serviço


No dia em que o fado passou a ser considerado Património Imaterial da Humanidade, como não associar-me à comemoração? Há no fado excelente música, excelentes poemas e a alma de um povo sui generis.

A alma mater da candidatura, não esqueçam, Rui Vieira Nery, é um musicólogo de gabarito indiscutível. Filho do grande Raul Nery, tem a alma do fado nos genes. É uma autêntica enciclopédia viva do fado. Foi o homem certo no lugar certo, merece o aplauso de todos. Parabéns Rui!

Tenho a certeza de que Rui Vieira Nery concorda comigo quando proponho que os meus amigos ouçam Amália, Maria Teresa de Noronha, Teresa Tarouca - estas duas últimas algo esquecidas - interpretando fados muito especiais, com poemas de José Galhardo, Pedro Homem de Mello e da própria Amália. Eles aí estão, agora ainda com maior pertinência.

http://youtu.be/IHoeF084JDQ (Maria Teresa de Noronha)

http://youtu.be/avXeM7WsKt0 (Teresa Tarouca)

http://youtu.be/5YBS7x4jWi0 (Amália)



Com os Hagen,
Beethoven e melomania


Ainda mal refeito estou do estupendo concerto de ontem à noite na Gulbenkian. Foi mesmo sensacional. Para quem não sabe e/ou não percebe o que é o trabalho de um bom maestro, nesta récita de As Estações, teria muito a aprender. Mesmo sem assistir aos ensaios, mas conhecendo o que a casa gasta, se percebe que, a montante do que ontem e anteontem aconteceu naquele palco da Gulbenkian, McCreesh conseguiu um 'produto' verdadeiramente notável, ao nível dos melhores que me foi dado assistir com esta peça. Expressividade, ritmo, dinâmica, subtileza, tudo ao mais alto nível.

Pois, como comecei por afirmar, ainda sob o efeito do privilégio de ontem, eis que, ao fim da tarde de hoje, outro momento excepcional se avizinha com a possibilidade de assistir ao concerto de música de câmara, com o Quarteto Hagen, que vem apresentar a sua leitura daquele que não tenho a menor dúvida em considerar como o melhor segmento da música de Beethoven, precisamente, dois dos seus últimos Quartetos de cordas, op. 130 e op. 131, bem como a Grande Fuga, op. 133.

Por exemplo, tanto Schubert como Stravinsky, expressaram a sua convicção de que estas obras eram monumentos musicais inultrapassáveis. Perante estas peças, diria o primeiro não ser possível escrever algo de superior, confirmando o outro ser a Grande Fuga uma daquelas raríssimas obras que permanecerá contemporânea para sempre.

Os irmãos Lukas, Clemens e Veronika Hagen, naturais de Salzburg, juntamente com Rainer Schmidt, constituem um dos conjuntos de câmara mais homogéneos e sólidos do mundo, há precisamente trinta anos. Pessoalmente, conheço Veronika, tal como os restantes, uma virtuose que também é professora no Mozarteum. Não há Festival de Salzburg, no Verão, não há Mozartwoche, no Inverno, que não conte com a presença do Quarteto Hagen.

Devo a estes músicos alguns dos melhores momentos da minha longa vida de melómano. Claro que não posso estar mais expectante em relação ao que vou ouvir dentro de umas horas. Conheço as obras, perdoem-me a vulgaridade, por dentro e por fora, soletro-as, sofro e gozo o que Beethoven quis que eu sentisse. Pela mão dos Hagen, vou reviver o que me é imprescindível.
No entanto – que bom!... – como dizem os meus mais próximos familiares e amigos, o que eu arrisco é viver noutra dimensão.

De facto, ao longo dos anos, o meu quotidiano, entre Sintra, Gulbenkian e outras salas, cá dentro e lá fora, em Salzburg, Viena, Bayreuth, Luzern, etc, onde só se faz a melhor música do mundo, mantém-me em ilhas de um arquipélago de cultura, com uma fasquia tão alta, que o melhor é mesmo nem falar muito porque a maior parte das pessoas, sem referências de comparação, nem sequer imagina o que possa ser… Depois de já me ter passado o efeito de alguma pancada com que fui brindado, por alguns invejosos da nossa praça, eu insisto nesta atitude de partilha.

NB. Não consegui encontrar uma gravação com uma das peças que os Hagen vão hoje interpretar. Por acaso, o excerto da peça que vos proponho - igalmente, de um dos últimos quartetos de cordas de Beethoven - fez parte de um concerto a que assisti. O auditório é o da Grosse Sall do Mozarteum de Salzburg. Boa audição.

http://youtu.be/t8WUJYfNBug

Beethoven String Quartet Op 135 Mvt4 Muss es sein http://www.youtube.com/


Violência doméstica:
e a coerênciazinha?...

Soube-se que, em Istambul, houve uma série de manifestações contando com a participação de muitos homens, contra o fim da violência doméstica sobre as mulheres. Segundo a notícia veiculada pelo Euronews, o facto seria tanto mais relevante quanto é a Turquia um país onde, no ano em curso, já morreram cento e duas mulheres às mãos de familiares.

Considero conveniente manter uma prudente reserva e não embandeirar em arco com alguns sinais exteriores, veiculados em manifestações, facilmente confundíveis com convicções radicadas no viver quotidiano. Manifestar esta causa, na rua, é excelente e muito cívica atitude mas forçoso é ter em consideração o reverso da medalha. Cento e tal mulheres, só este ano, assassinadas no quadro da violência doméstica, é um horror inominável.


Por outro lado, não pode confundir-se o que se passa em Istambul e Ankara – cidades onde, é bom não esquecer, florescem manifestos preocupantes de radicalismo fundamentalista – com o resto do território, em que o subdesenvolvimento anda a par com aquilo que, aos nossos olhos, são os incompreensíveis privilégios masculinos. Bem podem os homens turcos vir para a rua prenunciando que algo estará a mudar...

Fico de pé atrás. E, neste ponto do escrito, convém que me volte para a doméstica realidade portuguesa que se vive em círculos que me são próximos. Sabem, é que estou farto de hipócritas, que gritam na rua e afirmam, em reuniões de gente bem pensante, aquilo que é bem partilhar ao nível das ideias, em flagrante incoerência com a prática quotidiana.

Fico de pé atrás porque, entre esses casos da mais abjecta incoerência, conheço homens que pregam os mais dignos valores civilizacionais, da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade e que, portas adentro das suas domésticas vidinhas, tratam as mulheres abaixo de cão, não só através de «simples» agressões verbais mas, por vezes, chegando à mais vil agressão física. É bom não esquecer que se trata de crime público pelo que, só não apresento queixa contra esses biltres, porque não estou de posse de todas as informações.

PS

Proporcionalmente ao total da população, as consequências trágicas da violência doméstica em Portugal revelam números tão ou mais escandalosos do que na Turquia. Infelizmente, de modo algum, podemos estar mais ou menos tranquilos relativamente ao que, neste domínio, se passa em qualquer latitude. Inclusive, mais preocupados deveríamos estar porque, vivendo uma crise com as características daquela em que estamos mergulhados, sabido é que se agravam estes fenómenos de instabilidade social.

sábado, 26 de novembro de 2011


Joseph Haydn,
Die Jahreszeiten [As Estações]

Ontem e hoje na Gulbenkian, Die Jahreszeiten, [As Estações], oratória em quatro partes, Hob.XXI, 3 de Joseph Haydn, com libreto do Barão Gottfried van Switten, segundo um poema de James Thomson, traduzido por Brockes. A obra foi composta entre 1799-1801 e, apesar de o autógrafo ter desaparecido, existe em Viena uma cópia corrigida pelo próprio compositor.

A primeira apresentação aconteceu em privado, no palácio Schwarzenberg, em 24 de Maio de 1801 e a estreia pouco mais de um mês depois, em 29 de Maio, no Burgtheater, ambas em Viena.
Os solistas encarnam três camponeses, Hanne, Lukas e Simon que vivem o desenvolvimento das quatro estações, através das quatro componentes concebidas por Haydn, cada uma das quais precedida por uma introdução sinfónica. Van Switten não foi particularmente feliz com o texto, um mero encadeamento de quatro poemas de cantatas que o compositor considerou «uma vulgaridade à francesa».

Fosse como fosse, Haydn compôs uma peça esplêndida, com uma unidade e um cunho dramático verdadeiramente notáveis, numa sofisticada articulação entre temas populares e eruditos, de canções tradicionais, coro de pastores e de fiadeiras, um compósito mosaico servido por uma partitura ainda mais brilhante que a da Criação, muito embora se tivesse esgotado, com risco da própria saúde.

Sucedem-se os momentos de especial efeito, com grandes frescos corais, como a fuga final da Primavera, a divertida fuga dos vindimadores no Outono ou a grande fuga final do Inverno, considerada por vários musicólogos como uma das mais belas páginas de toda a obra de Haydn. Mas, ainda outras passagens, como a cavatina de Lukasdem druck erliegt die Natur” no Verão, a canção de Hanne, lembrando Papageno, no Inverno ou ainda as grandes peças descritivas, tais como o nascer do Sol e tempestado no erão, hino ao trabalho, caça e vindima no Outono são marcos indeléveis.

Na cena de caça, Haydn introduz fanfarras austríacas e francesas - Le Débuché, Le Vol-ce-l’est, L’Hallali sur pied. Igualmente, insere o tema do segundo andamento da sua Sinfonia no. 94, A Surpresa, sob a forma de ária – Schon eilet froh der Ackersmann.*

Bem pode afirmar-se que As Estações fecham com chave de ouro a carreira de Haydn. Mesmo no início de oitocentos, há quem nela veja a primeira grande obra romântica do século dezanove, prenunciando Freischütz e O Navio Fantasma. Parece-me que afirmá-lo não é grande ousadia.




* Aí tendes uma belíssima interpretação. Boa audição.



Die Jahreszeiten, Aria de Simon da Primavera, direcção de Nikolaus Harnoncourt, Concentus Musicus, Coro Arnold Schönberg, baritono : Christian Gerhaher.

http://youtu.be/JT1Y9s4P6UY







sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Congresso certo
em lugar certo


Começou no passado dia 22 e termina hoje, em Sintra, um encontro internacional que me interpelou de modo muito especial. Território vasto, com tantos problemas por resolver no âmbito da defesa e preservação de um património natural e edificado riquíssimos, Sintra tem todas as características, mais e menos positivas, para acolher uma iniciativa com o alcance deste XI Congresso Mundial da Organização das Cidades Património Mundial.

Na sua qualidade de anfitrião, ao dirigir-se a todos os interessados, através de sucinta introdução publicada no impresso geral deste Congresso, que se subordina ao grande tema das Cidades Património Mundial e as Alterações Climáticas, muito bem soube o Presidente Fernando Seara posicionar-se entre o júbilo e uma justificadíssima apreensão.

Muito naturalmente, por um lado, era a satisfação de poder abrir as portas, mostrando o que se tem feito em Sintra, no âmbito da defesa do património em articulação com as preocupações ambientais, dando as boas vindas a centenas de autarcas participantes, representando cidades de muitos países dos vários continentes, bem como aos peritos nas matérias em apreço. Por outro, citando as suas palavras, uma pertinente dúvida quanto ao “(…) legado que vamos transmitir às gerações vindouras e quais as medidas que iremos ou poderemos tomar para proteger um património que é, afinal, de todos nós (…)”

Enquanto Património Mundial, na condição de Paisagem Cultural da Humanidade, que articula e integra elementos urbanos, Sintra bem pode fornecer elementos preciosos de estudo que contribuam para a correcta compreensão das consequências resultantes das alterações climáticas. Multifacetada, entre a montanha e o oceano, ainda com assinalável actividade agrícola, igualmente marcada por nefastos efeitos de indústrias indisciplinadas, Sintra é um espantoso mosaico que, a céu aberto, escancara os interstícios a quem os souber ler e interpretar.

Estou perfeitamente convencido de que, nesta ocasião ímpar, em que pode evidenciar o que de muito bom por cá acontece, nomeadamente sob a responsabilidade da empresa Parques de Sintra Monte da Lua, ou a acção pedagógica da Escola Profissional de Recuperação do Património, Sintra também saberá evidenciar erros clamorosos que, em abono da verdade, se cometem em todas as latitudes – deixai que apenas cite um entre os vários que, certamente, serão abordados – como o da construção em leito de cheia, prática que, a montante e a jusante, compromete a gestão de factores essenciais a uma eficaz defesa e preservação do património natural e edificado.

Enfim, muito trabalho para estas jornadas. Sem dúvida, mais um cartão de apresentação para Sintra que, deste modo, através do trabalho desenvolvido, ficará conotada com uma preocupação global, inequivocamente definidora dos conturbados tempos que tivemos a sorte de viver. Todos desejamos que o trabalho destes dias contribua, decisivamente, para o apontar de soluções que as conclusões do Congresso não deixarão de registar. Aguardemos as notícias.



quinta-feira, 24 de novembro de 2011



Greve geral,
atitude global


A greve geral que, neste início da manhã, já vai num terço do total das horas de protesto nacional, acabará por revelar o mais sério avisos no sentido de que o governo não pode e não deve mesmo puxar mais a corda. A capacidade de resistência dos trabalhadores e do povo em geral tem limites. Os sacrifícios não foram pedidos a todos. Os objectivos do esforço solicitado, sempre aos mesmos, não foram claros. Está longe de se saber que resultado se obterá com tantas renúncias.

De facto, é perfeitamente inadmissível que o esforço mais desmesurado esteja concentrado, precisamente, no mais fragilizado dos segmentos populares, por exemplo, nos pensionistas. Por outro lado, apesar da farsa protagonizada pelo Ministro das Finanças, anteontem, no Parlamento, é flagrante o espectáculo de diabolização dos trabalhadores da Função Pública, agora transformados em bestas de carga de decisores políticos com falta de rasgo.

Até agora, é enorme a dimensão do protesto e, sejam quais forem as manobras na manipulação dos números, os factos são indesmentíveis. Hoje, o trânsito a mais ou a menos, escolas e hospitais parados, repartições públicas e fábricas reduzidas à mínima expressão de funcionamento, aviões que não partem nem chegam, barcos que não atracam, em suma, a desorganização de um quotidiano que, em Portugal, nunca é fácil, são sinais evidentes da esgotada paciência do povo.

Esta é uma greve geral diferente de outras que a sociedade portuguesa já viveu. Esta inscreve-se num mal de viver que ultrapassa os limites das fronteiras nacionais internas de uma Europa esgotada, para se inscrever num quadro mais global de repúdio dos cidadãos. Na realidade, não são só os portugueses que, em particular, estão confrontados com soluções decididas por poderosíssimas forças que transformam os políticos eleitos em títeres sem qualquer gabarito, pervertendo, ainda mais, os mecanismos de uma democracia europeia enfraquecida.

Hoje, os portugueses dão este grito de inequívoco desespero. É um sinal de civismo, já no limite da sua tão reduzida capacidade de intervenção. Porém, imprescindível se torna entender que esta jornada cívica se inscreve num movimento muito mais global. Há meses, os gregos, há semanas, os italianos e, em contínuo, o movimento dos indignados, um pouco por toda a Europa e América, ocupando as grandes praças e ruas mais simbólicas das capitais, são outros sintomas de uma síndrome global de grande incomodidade que, ensina a História, costuma ser o lastro de desgraças que os europeus bem conhecem.

Hoje, de facto, o alerta é nosso. Há imensas e importantes mensagens a circular nas ruas de Portugal. Façamos votos no sentido de que os destinatários das mensagens as entendam em toda a sua intencionalidade. É tão urgente quanto vital.




domingo, 20 de novembro de 2011



Poder local,
concelho adiado


Concelho adiado era o título de uma rubrica que, durante anos, mantive no saudoso 'Jornal de Sintra', justificado pela minha convicção de que este será sempre um município por resolver enquanto se mantiver tão ilógica concentração de freguesias, tornando radical e perfeitamente ingovernável um território que, teimosamente, continua a apregoar Sintra como sede.

Durante os últimos dez anos, não terá havido outro munícipe que mais se tivesse pronunciado, por escrito, acerca deste tema. Basta consultar o arquivo dos jornais regionais para confirmar a publicação dos inúmeros artigos que subscrevi acerca da matéria. Naturalmente, também neste blogue há textos abordando o problema.

Sempre advoguei que o concelho se deveria cindir, pelo menos, em duas unidades – preferencialmente, em três – portanto, dando origem a dois, três novos concelhos, agregando freguesias que, pelas afinidades múltiplas de algumas das suas características, suscitassem a constituição de tais novos conjuntos, resultantes dos agrupamentos sugeridos. Como, há muitos anos, considero que o concelho é ingovernável – e também justifiquei esta opinião através de argumentos razoáveis – escrevi imenso acerca da conveniência de agregação das freguesias, de acordo com o figurino que mais operacional sempre se me evidenciou.

Em relação à reunião que ontem se realizou no Palácio Valenças, promovida pela Alagamares, resolvi não comparecer, não porque subestime os organizadores ou a iniciativa mas, tão somente, porque, à partida, o jogo está viciado. Repare-se que, numa altura em que se devia aproveitar para introduzir as mudanças indispensáveis à operacionalidade do Poder Local, tudo se comprometeu com a determinação de, liminarmente, a todo o transe, suprimir freguesias e concelhos.

Quem pode afirmar que tal é a única solução? Eu não tenho a menor dúvida de que, em Sintra, por exemplo, a solução não passa por suprimir freguesias e, ao contrário do que é advogado pelo Governo – no quadro do designado Memorando da Troika – este mastodôntico concelho, que não passa de manta de retalhos desarticulados, até deveria dar origem a mais um ou dois...

Decidi não aparecer porque esta minha perspectiva e consequente proposta não tem a mínima hipótese de vingar, numa terra em que os mais lúcidos – portanto, todos quantos se reivindicam de mais luz – já se submeteram a imposições exteriores, pouco ou nada consentâneas com a realidade que o terreno aponta, reduzindo-se à condição de cegos para que um qualquer reizito possa vir a reinar…

Tenho idade e experiência bastantes para já poder ter chegado à conclusão de que as lutas só devem ser encaradas desde que haja o mínimo de viabilidade de pôr em comum uma alternativa que, seriamente, possa ser equacionada. Caso contrário, quem tenha opinião radicalmente oposta àquela que a onda do momento suscita e sugere, como é o meu caso, o melhor é reservar-se, não arriscando o protagonismo de uma luta quixotesca, nada mais do que desgastante para o próprio.

A propósito da decisão que tomei, lembro o Dr. Amílcar Ramada Curto, bom amigo do meu pai, advogado, político, jornalista e dramaturgo que, como todos sabem, foi um grande democrata e oposicionista ao regime instaurado pelo Estado Novo. Uma das frases que dele herdei e que, cada vez mais, vou degustando, é aquela em que afirmava ser preferível, em muitas circunstâncias, a ausência de físico pela presença de espírito…

Raras vezes, como ontem, me senti tão bem representado pelas palavras que dão substância a tal opinião. Enfim, fica-me o consolo de saber que, não tendo estado ontem presente no Palácio Valenças , não deixei – como acima referi – de registar a minha opinião, em tempo oportuno, copiosamente, em dezenas e dezenas de páginas de jornais regionais e no blogue, acerca da matéria em apreço. A minha participação, portanto, já estava civicamente assegurada. Quem estiver interessado, não terá a mínima dificuldade de consulta.

Nestes termos, creio que compreenderão as razões da minha ausência. De qualquer modo, não posso deixar de confessar a pena que sinto porquanto, num período que foi anunciado como de reforma do Poder Local, tudo está inquinado à partida. Pena, na realidade, por se estar a perder mais uma oportunidade. E, talvez, ainda pior, por mais um manifesto de falta de capacidade.



sábado, 19 de novembro de 2011



Mozart e Messmer


O nosso amigo José Manuel Anes tem andado engripado. Ontem, num comentário suscitado por anterior referência a Cosi fan tutte, escrevia ele:

Se eu tivesse chamado este médico 'mesmérico' já estava bom há muito!!! Nota: o Mozart conheceu o Mesmer creio que em Paris quando era miúdo

Tendo-me sentido desafiado, por aquela incorrecção da referência a Paris, eis o esclarecimento que se impõe. A relação de Mozart (1756-91) com Franz Anton Mesmer (1734-1815) remonta a 1767-69, durante a longa estada do compositor em Viena, algum tempo antes de o médico ter descoberto a cura magnética que o tornaria famoso. Mesmer tinha casado com uma viúva rica, Anna Maria von Posch, vivendo o casal numa autêntica mansão, numa zona da cidade que, na altura era um subúrbio da Landstrasse.

Quem conhece a Viena actual só pode sorrir com esta alusão ao subúrbio. Mozart passou muitas horas naquela casa, durante outra estada na capital, em 1773, ali tendo tocado várias vezes. Contudo, em 1781, na altura em que o compositor se estabelece em Viena definitivamente, já Mesmer tinha deixado a família, depois da tentativa frustrada de cura da cegueira da pianista Maria Theresia von Paradis, para se instalar na sua conhecida clínica em Paris.

Consequentemente, Mozart encontrou a casa da Landstrasse muito vazia, digamos, conforme pôde testemunhar à irmã Nannerl, numa carta datada de 15 de Dezembro de 1781: “(…) No que respeita aos nossos velhos conhecidos, apenas fui uma vez visitar Frau Mesmer cuja casa não é uma sombra do que foi (…)”

Cumpre acrescentar – e, agora, são tudo suposições – que, em 1768, quem encomendou Bastien und Bastienne, K. 50, terá sido Mesmer em cuja casa, no Outono desse ano, a ópera teria sido estreada, portanto, tempos antes de se tornar famoso com a teoria que Mozart ridicularizaria em Cosi fan tutte, quando
a criada Despina recorre à estratégia da cura magnética.

Por favor, reparem no esplêndido elenco. Que fabulosas vozes mozartianas! Absolutamente irrepetível, sob a direcção de outro mozartiano, Karl Böhm. Como sou velho, ainda assisti a récitas com esta gente. Que sorte a minha, hem?





http://youtu.be/cUJGflaeExE

Agora, confiados no rápido restabelecimento de José Manuel Anes, apenas lhe desejamos não lhe passe pela cabeça insistir nesta hipótese de cura...









sexta-feira, 18 de novembro de 2011



Mozart,
a última saída


Em Novembro de 1791, esgotado quando começara a compor o Requiem, Mozart sofre de depressão e alucinações, tendo-se convencido de que fora envenenado. Anima-se com o sucesso da sua Kleine Freimauer Kantate, K. 623 (Pequena Cantatata Maçónica) que é interpretada na Loja Zur neugekrönten Hoffnung (“Esperança Coroada”) no dia 18 desse mês, faz hoje duzentos e vinte anos.

Terá sido, não só a última vez que saiu de casa, mas também a última vez que dirigiu uma obra da sua autoria. Aproveitaria a oportunidade para esclarecer que, à luz da mais recente investigação, tudo leva a concluir que, efectivamente, não será de Mozart a autoria de uma peça sobre um momento particularmente importante no final de cada reunião nas lojas maçónicas, ou seja a designada “Cadeia de União”.

A obra em questão, Lasst uns mit geschlungnen Händen, (De mãos entrelaçadas, Irmãos) figura no catálogo Köchel com o número 623 a., foi editada a pedido de Constanze, a viúva, mas não faz parte dos autógrafos de Mozart. Terá sido cantada no fim dos trabalhos daquela sessão de 18 de Novembro mas nada tem a ver com a outra que Mozart dirigiu: o tom é diferente e, muito provavelmente, terá sido composta por outro Irmão, também músico, daquela loja.

Na realidade, esta data marca o princípio do fim. Já muito debilitado, no dia 20, recolhe ao leito. No princípio de Dezembro sentiria ligeiras melhoras e, a 4, até conduzirá um pequeno ensaio do Requiem, que compôs até aos célebres oito compassos do Lacrimosa. Morreria ao princípio da tarde do dia seguinte, às doze e cinquenta e cinco.

Finalmente,

ainda vos deixo com uma gravação da peça cuja autoria ressalvei. No YouTube, encontrei esta leitura da obra, que não respeita o acompanhamento a órgão, através da qual, em compensação, bem se ouvem as palavras que, na realidade, se adequam ao momento que os Irmãos Maçons partilham.

Se tiverem curiosidade, aí fica também uma tradução pessoal, para melhor acompanharem a mensagem constante da gravação.

De mãos entrelaçadas, Irmãos,/Terminemos estes trabalhos/Com expressões de júbilo./Que esta cadeia abrace firmemente a Terra inteira/Tal como acontece neste lugar sagrado.//Que o nosso primeiro dever/Sempre seja honrar a virtude e a humanidade/E ensinar o amor a nós próprios e aos outros./Então a luz não brilhará/Somente no Oriente nem só no Ocidente/Mas também no Sul e no Norte.

http://youtu.be/fAtw_SbYHjg

"Lasst uns mit geschlungnen Händen" by Mozart. The Fort Lewis College Men's Choir http://www.youtube.com/


Melómano,
eu me confesso


“(…) Mas o que está eventualmente num disco - e com maior evidência uma obra que ainda não esteja gravada num disco - nunca fechará as portas sempre abertas do devir que é o essencial da própria possibilidade da música. Muda o dia, muda a orquestra, muda o quarteto de cordas, mudo eu, muda a temperatura, muda a acústica da sala e de repente estámos perante o facto indesmentível: aquilo que pensávamos ser "a peça", foi apenas "aquela interpretação" da peça. (…)"

[O que é um melómano hoje? Quantos tipos de melómanos existem? Uma eflexão,
depois de um ensaio, sobre o mutável e o imutável. António Pinho Vargas, fb, 17.11.2011].

Em relação ao excelente texto do António Pinho Vargas, cuja obra, sempre que posso, vou acompanhando com o maior interesse, apenas posso dar o meu testemunho de melómano. De facto, a discoteca cá de casa não é especialmente rica. Se a comparar com o incomensurável tesouro da minha experiência de frequentador das salas de concerto - ao longo de dezenas de anos, desde miúdo, já que fui iniciado por pai e avô que eram músicos e grandes melómanos - então, a distância é enorme.


Sem dar muito pelo tempo que passa, a verdade é que há cinquenta anos que celebro a música constantemente, em directo, em Portugal e por essa Europa fora, especialmente, em Salzburg onde, há muito tempo, fiquei preso, perfeitamente cativo. De facto, tenho o incrível privilégio e o invejável poder de marcar a agenda da minha vida a partir dos compromissos musicais.

Em primeiro lugar, de facto, está a Música. Há quem goze comigo, por exemplo, em relação à frequência da Gulbenkian, onde me encontram em todos os eventos musicais, várias vezes por semana, já que tenho assinatura para todos os ciclos, e gozam, propondo que alugue um quartinho ali para a Av. de Berna, muito mais à mão do que ter de me deslocar de Sintra onde moro…

De facto, o meu incrível tesouro não evidencia quaisquer formas exteriores da imensa riqueza que tenho acumulado ao longo de tantos anos. Não é coisa material. Nem sequer material como o disco, que, para mim, é produto de uma estratégia de recurso. Congela um momento de música. E, se o momento não foi captado num evento em directo, então, quantas e quantas vezes não é fruto de engenhosas manigâncias que comprometem a autenticidade da peça?…

Cá por casa, há ainda centenas de discos em vinil, de 33, 45 e mesmo de 78 rpm, muitos herdados das casas dos meus avós e pais. Naturalmente, também há imensos CD, a maior parte dos quais terei ouvido apenas uma vez. Hão-de seguir para casa das minhas filhas e netos, como um património absolutamente secundário.


A riqueza essencial, substancial, neste domínio da minha vida de melómano, essa transformou-se, isso sim, na pessoa que sou, com os defeitos e virtudes que me definem e condicionam. Ah, é verdade, do meu património palpável, também consta uma boa quantidade de cadernos de 1/8, de capa dura, cheios de milhares de páginas manuscritas, sob a forma de diário, que me têm ajudado a racionalizar a experiência musical vivida.


Naquelas folhas de diário íntimo, coisa que jamais foi escrita a pensar em qualquer forma de publicação, os meus prováveis leitores talvez encontrem algum material que os ajude a entender, além do autor, muito mais, o tempo e o espaço do autor.

No meu caso pessoal, não será preciso fazer um grande esforço para perceber como o melómano se confunde com o diletante, com o viajante, e, em certos casos, com o de peregrino, como acontece com Salzburg (tão especialmente, no Inverno, por altura da Mozartwoche) ou Bayreuth, sempre em busca do instantâneo momento em que Arte, Beleza e a centelha do Divino acontecem. Claro que também podem não acontecer… Esse o sortilégio do directo.




quinta-feira, 17 de novembro de 2011



Morte,
a melhor amiga

No dia 17 de Novembro de 1785, apresentação da peça de Mozart Maurerische Trauermusik em Dó, KV 477 (Música Maçónica Fúnebre), escrita para uma cerimónia de pêsames, na Loja Zur gekrönten Hoffnung (Esperança Coroada) em honra do Conde Franz Esterházy von Galantha e do Duque Georg August von Meklenburg-Strelitz, recentemente falecidos.

A maior parte da grande componente de instrumentos de sopro foi acrescentada à última hora. Mozart incorpora o tónus peregrinus, com referência aos cantos de endoenças usados durante a Semana Santa, bem como o Miserere da cerimónia de Requiem.

A. Philippe Autexier, em 1984/5, alvitrou a hipótese de que a obra tenha sido composta em três versões sucessivas, a saber: 1. para a Iniciação de um candidato à Loja Zur Wahren Eintracht (Verdadeira Concórdia), em 12 de Agosto de 1785; 2. como versão instrumental, por ocasião de uma cerimónia de pêsames, que teve lugar em 17 de Novembro; 3. versão instrumental alargada, provavelmente apresentada em 9 de Dezembro de 1785.

Fosse como fosse, a verdade é que não é possível dissociar o carácter e a índole específica da peça daquilo que Mozart viria a confessar ao pai numa célebre carta datada de 4 de Abril de 1787: “(…) E dou graças ao meu Deus por me ter concedido a graça de aproveitar a oportunidade (o pai entende o significado destas palavras)* para me familiarizar com a ’chave’ da nossa verdadeira felicidade (…)”

É forçoso termos o teor desta carta em consideração quando escutamos a obra. Provavelmente, nunca antes, a visão da morte fora expressa e vivida com tanta sinceridade, ou seja, a concepção da Morte como a nossa verdadeira felicidade. Trazendo a morte ao seu quotidiano, Mozart acolhe-a sem angústia, trata-a com a maior simplicidade.
 
A sua crença Maçónica, aliada à Fé, transcendiam a Morte na Luz e Ressurreição que o ritual do terceiro grau de Mestre Maçon trouxeram à vida do iniciado e que o esplendoroso acorde final proclamaram na Mauerische Trauermusik.

Ouçam atentamente. Compreender os mais íntimos propósitos de Amadé passa por ouvir esta obra, tão entranhadamente voltada para o que está além desta nossa limitadíssima existência física. Mozart, o fervoroso crente católico, apostólico romano, Mozart, o Mestre Maçon, aqui unificados, numa obra sublime da literatura musical, não só do último quartel do século dezoito mas, certamente, de todos os tempos.

Morte, a melhor amiga de Mozart. E, para que conste: Morte, também a  melhor amiga de quem subscreve e convosco partilha estas palavras. Ouçam, concordem ou não connosco, portanto, com Mozart e comigo.

Boa audição!

http://youtu.be/DyT6fEhXL9w

* Gostaria de chamar a vossa atenção para o seguinte: quando, na carta dirigida ao pai, Wolfgang Mozart faz este parêntesis, dando a entender que o pai estava no segredo de qualquer coisa, é preciso ter em consideração que Leopold Mozart entrou para a Augusta Ordem Maçónica com o patrocínio do próprio filho. O entendimentio a que Wolfgang se refere, tem a ver com o modo como se processa a relação dos Maçons com a realidade da Morte.




terça-feira, 15 de novembro de 2011



A última obra Mozart



Laut verkünde unsre Freude KV 623



Eis as palavras manuscritas pelo próprio compositor, acerca de Laut verkünde unsere Freude, no seu catálogo pessoal, faz hoje, precisamente, duzentos e vinte anos:

“No dia 15 de Novembro. Uma pequena Cantata Maçónica. Contém 1 coro, 1 ária, 2 recitativos e um dueto. Tenor, baixo. 2 violinos, viola, violoncelo, 2 oboés e duas trompas.”

E, meus caros amigos, aqui têm uma peça composta com o objectivo de integrar trabalhos maçónicos. Esta Cantata foi mesmo a última obra completa de Wolfgang Amadeus Mozart. Poucos dias depois, a 5 de Dezembro de 1791, morreria na sua casa em Viena. Muitos maçons desconhecem este pormenor da biografia do Mestre Maçon que foi Mozart mas, os que sabem, sempre muito se orgulharam deste facto.



Boa audição.

http://youtu.be/RDhhQeD85Bk
http://youtu.be/RDhhQeD85Bk http://www.youtube.com/


segunda-feira, 14 de novembro de 2011



RDP2, programa da manhã,
no Império da asneira...



E eu, que fujo destes sujeitos como o diabo da Cruz, tenho de sintonizar a estação, também a esta hora, para ir vendo como param as modas. Só por isso, acreditem, é que me dou a este penoso trabalho que, imediatamente, tento compensar, procurando bons programas, como o da Rádio Bávara que, tudo leva a crer, esta gentinha ignora olimpicamente.

O Império dos sentidos, é quase intragável. Entre as sete e as dez da manhã, Paulo Guerra, locutor e responsável, faz o que sabe, isto é, vai metendo umas músicas, à mistura com o estado do tempo e notícias mais ou menos mal comentadas. Ainda não percebeu que, na RDP2, são transmitidas peças de Arte que, na realidade, quando carecem de introdução, merecem-na feita por quem sabe da poda e não por um qualquer curioso que lê umas informações, à frente do nariz, via internet, ou disponível nas capas dos CD.

De vez em quando, é João Almeida, o director da antena, tão ou mais ignorante que o precedente, quem, como hoje aconteceu, aparece ao microfone. Palavroso, adjectivoso, exprime-se num português pouco recomendável. Hoje mesmo, entre várias incorrecções relativas ao enquadramento das peças, no meio de outras pérolas que já esqueci, o apanhei dizendo «muitos poucos anos»… ». Então, não acham que, para director de estação de rádio, as funções estão muito bem atribuídas?…

É capaz de afirmar os maiores disparates, com particularíssima desenvoltura. Se quiserem aceder a uma gaffe das boas, consultem o texto Grossa asneira, aqui publicado em 13 de Janeiro de 2009. Hão-de verificar até que ponto chega o topete do piqueno… No entanto, devo assinalar que não confundo este programa, de qualidade tão duvidosa, com outros da responsabilidade de excelentes colaboradores como Rui Vieira Nery ou Alexandre Delgado.

A ignorância é muita e a arrogância ainda maior. Para que conste, tudo quanto aqui afirmo, já o escrevi, directamente, a João Almeida. Aliás, trocámos correspondência, como imaginam, muito expressiva, através de correio electrónico. Em termos de denúncia pública, pouco conto. Mas o Prof. Mário Vieira de Carvalho, a propósito deste assunto, chegou a escrever um bom artigo no jornal Público.


Também tentei que, em devido tempo, Adelino Gomes, Provedor do Ouvinte, interviesse no sentido de pôr o dedo na ferida. Coitado, ele bem tentou mas, como é patente e notório, passados anos, João Almeida continua a pôr em causa o lugar onde se sentaram homens de Cultura como João Paes que conheço pessoalmente, muito respeito e admiro, ou o meu bom amigo João Pereira Bastos.

A geral incultura, a impreparação, a todos os níveis e títulos, não reside apenas nos gabinetes ministeriais. É patologia que grassa e, preocupantemente, se transmite através de hierárquicas cadeias de natureza política, económica e, naturalmente, também cultural. Aconteceu em Portugal, infelizmente, o que de pior pode acontecer a um país, ou seja, ter deixado de contar com elites esclarecidas, cuja opinião e conselhos sejam acolhidos pelos decisores políticos. O resultado está à vista.

Assim sendo, bom é não perder a perspectiva global das coisas e perceber que o Império dos Sentidos, na RDP2, entre as sete e as dez da manhã, não passa de sintoma de síndrome muito mais abrangente desta lusa terra, que distinta gente qualificou como choldra ingovernável e piolheira. Enfim, império por império, permitam que acrescente o epíteto de império da asneira...





domingo, 13 de novembro de 2011


Jaroussky,

uma voz dos deuses

Hoje à tarde, Grigory Sokolov. Amanhã à tarde, Philippe Jaroussky. De facto, só a Gulbenkian pode arcar com uma programação de temporada musical propondo esta catadupa de galácticos. O contratenor que se apresenta no Grande Auditório na próxima segunda-feira, vem acompanhado pelo Appolo’s Fire Ensemble, sob a direcção da maestrina Jeanette Sorell para a interpretação de um programa subordinado ao título Fireworks, com peças de Antonio Vivaldi e Georg Friedrich Händel.

Bem, este ‘piqueno’ é um dos mais sérios casos de voz de contratenor que tenho presenciado, perfeitamente da craveira de Schöll ou Mena. Assisti, este ano, em 28 de Janeiro, durante a Mozartwoche, a um seu recital no Mozarteum de Salzburg, acompanhado por Les Musiciens du Louvre. Naquela altura interpretou a Ária de Idamante Non ho colpa, Nr. 2 de Idomeneo KV 366 de Mozart, a Ária Fra l’orrore di tanto spavento, de Carattaco de Johann Christian Bach e, novamente de Mozart, o Rondo de Sesto, Deh per questo istante solo, Nr. 19 de La Clemenza di Tito KV 621.

Tratou-se de um recital de canto, eminentemente clássico, exigindo diferentes recursos técnicos e expressivos deste de Lisboa, em que dará voz a peças do período barroco, reportório em que se revela particularmente exímio. Claro que é imperdível.

PS - Creio que a lotação estará esgotada. No entanto, se estiverem mesmo interessados, não deixem de contactar a Sra. D. Faustina da bilheteira, não pelo telefone mas presencialmente. Há sempre desistências e, com um pouco de sorte, acedem a um recital que só se ouve nos melhores auditórios mundiais. E sabem quanto, no meu caso, de assinatura, paguei pelo bilhete? Onze euros e quarenta e três cêntimos…

Aqui vo-lo deixo com o excerto do Rinaldo de Händel:

http://youtu.be/5TQrbei8Z-4
Philippe Jaroussky - Haendel http://www.youtube.com/





Corte ou imposto?


1.Uma coisa é a imperiosa necessidade de o Governo proceder aos cortes significativos na despesa de funcionamento do Estado, com o objectivo de que aos contribuintes não sejam lesados quanto à utilização dos recursos que disponibilizam através das contribuições e impostos que liquidam periodicamente. Naturalmente, tal propósito só será alcançado num prazo adequado à concretização de uma série de medidas de reorganização estrutural cujo efeito está longe de ser imediato.

2.Por outro lado, não menos imperiosa e intimamente conjugável com a supra formulada, é a necessidade de obter a curtíssimo prazo, uma verba imprescindível ao cumprimento de compromissos do Estado com os credores internacionais, nos termos do designado Memorandum da Troika.

3.De tal modo que, em 2012, possa atingir o objectivo constante do número anterior, pretende o Governo que o Orçamento do Estado imponha o corte dos subsídios a pensionistas e funcionários públicos que representa a eliminação de 2.016,5 mil milhões de Euros (já descontando o IRS e contribuições sociais que o Estado deixa de receber).

4.Segundo a opinião de ilustres constitucionalistas e, também de acordo com o parecer do próprio Supremo Magistrado da Nação que é o Presidente da República, tal operação, a concretizar-se, estaria ferida de constitucionalidade já que colidiria com o princípio da universalidade da equidade fiscal, na medida em que apenas uma parte dos cidadãos contribuintes – pensionistas e funcionários públicos – ficariam obrigados a esforço tão significativo.


5.Por outro lado, com a maior pertinência, no caso dos pensionistas, se coloca a questão de, ao proceder como propõe o Governo, o Estado ir abusar de recursos resultantes de prestações pecuniárias objecto de descontos efectuados durante uma longa carreira contributiva, de dezenas de anos de trabalho, verbas constantes de reservas matemáticas com rendimentos próprios, que merecem um tratamento adequado à sofisticação do seu enquadramento.


6.Não ponho em causa que, nos termos do que lembro no ponto 3., o Estado tenha de dispor daquele montante. No entanto, tendo em consideração as ponderáveis razões referidas, não sendo possível nem sequer recomendável prosseguir a solução dos cortes, avançada pelo Governo na sua proposta de Orçamento para 2012, urge encontrar a alternativa consentânea com a excepcionalidade da situação que o país atravessa, de tal modo que o esforço seja repartido por todos os cidadãos contribuintes.

7. Nestes termos, outra solução não vislumbro que não passe por um imposto sobre trabalhadores e pensionistas semelhante à sobretaxa a cobrar já este ano de 2011. Tal qual tenho visto apontada por alguns especialistas, a saída para o problema estaria em fazer uma sobretaxa que retirasse todo o subsídio que excedesse o salário mínimo. Assim se atingiria uma verba rondando os 1.700 milhões de Euros.


8.Poder-se-á replicar que, além de faltar algo como 300 milhões, não se trataria de um corte de despesa. Contudo, contra factos não há argumentos: a concretizar-se, este corte na despesa, seria uma vergonha, um horror. Trata-se de algo iníquo, indigno de um Estado Democrático de Direito, uma proposta de roubo, mascarado pela perversão dos mecanismos democráticos, com o aval do Parlamento.


9.Contra a facilidade da única solução que um Governo destituído de discernimento pretende concretizar, urge e impõe-se lutar pela justiça da adopção da medida mais adequada e eficaz. Assim sendo, não deixa de ser paradoxal que, neste caso, em última instância, os cidadãos tenham de clamar no sentido de que se lhes aplique mais um imposto. A este ponto chegámos!...



sábado, 12 de novembro de 2011


Mais uma vez,

a estrela Sokolov



[Domingo, 13 Nov 2011, 19:00, Grande Auditório da Fundação Gulbenkian- Johann Sebastian Bach, Concerto Italiano, BWV 971; Abertura Francesa, BWV 831- Johannes Brahms, Variações sobre um tema de Händel, op. 24, Três Intermezzi, op. 117]

Amanhã à tarde, teremos Sokolov, novamente, na Gulbenkian. Em Portugal, jamais perdi algum dos seus recitais ou concertos, informação esta que talvez vos baste para confirmar como, em minha opinião, são acertados todos os adjectivos, no grau superlativo, com que têm sido qualificadas as suas prestações. Não significa isto que sempre concorde com as suas interpretações. Contudo, o que não posso deixar de reconhecer é que todas as propostas de leitura são informadas pelo génio.

Difícil, talvez mesmo impossível, será encontrar outro pianista, da sua craveira, que, tão bem como ele, conheça os segredos dos pianos Steinway com os quais luta, sacando o melhor que têm para dar. Como não há dois iguais, o desafio é particularíssimo. São lendárias as histórias que se contam deste Sokolov que, nas vésperas e horas antes de enfrentar as audiências, se entende e desentende com o piano, montando e desmontando, afinando, conhecendo-lhe os detalhes que lhe permitirão obter este ou aquele efeito…


Quando se abre a porta de acesso aos palcos onde se apresenta, o pianista já vem de tal modo concentrado que, mal saudando o público, se senta e ataca a peça, para não mais se dissociar daquele casulo negro e branco que forma com o instrumento. É um fascínio. Muito poucos, como ele, verdadeiros demiurgos, conseguem levar-nos para onde pretendeu o compositor. Com ele, é frequente dar o salto para uma dimensão outra, perdendo o fio que me liga à realidade do auditório. Acreditem que, não raro, chega a ser perigoso. Só a grande Arte, nas mãos do intérprete de eleição, faz tal percurso de autêntica epifania.

Sokolov é de uma generosidade absolutamente ímpar. Certa ocasião, em Sintra, ofereceu dez peças extra. Mas cinco, seis, é perfeitamente habitual. No entanto, não posso deixar de partilhar convosco um episódio ocorrido num concerto no Mozarteum de Salzburg. Fui consultar o meu ficheiro para não me enganar. Em 30 de Janeiro de 2005, depois de ter interpretado o Concerto em Lá Maior KV 488, de Mozart, com a Orquestra de Câmara Mahler, dirigida por Trevor Pinnock, desentendeu-se com o maestro.

A coisa era muito simples. Sokolov considerava e, nesse sentido, deu a entender a Pinnock, que devia destacar a prestação do clarinetista. Porém, apesar de o pianista ter feito a menção por três vezes, o outro não correspondeu. Entretanto, sem que, na generalidade, o público se apercebesse do que estava a suceder, continuava a aplaudir freneticamente, esperando ter a sorte de um encore. Pois bem, o homem amuou mesmo e não houve mais nada para ninguém. Foi esta a única vez em que presenciei tal atitude por parte do extraordinário artista.



Amanhã, como se trata de recital, cena semelhante não será possível. A menos que se desentenda com o próprio público, aliás, como aconteceu, por exemplo, com Alfred Brendel, também na Gulbenkian, que suspendeu a execução de uma das Bagatelas de Beethoven devido ao barulho que se fazia no auditório… Uma vergonha célebre que veio acrescentar-se a outras a que tenho assistido. Aí está um tema interessante para outro artigo.

Do programa anunciado, proponho que ouçamos o Andante do Concerto Italiano de J.S. Bach, precisamente, por Grigory Sokolov, numa gravação captada num seu recital em 23 de Abril deste ano, em Sanpetersburg.



http://youtu.be/QUKlSBqIG5A
Grigory Sokolov - Bach Italian Concerto - II. Andante http://www.youtube.com/




sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Stockhausen, Momente [2]


Não escrevia eu ontem que, previsivelmente, o público iria borregar na Gulbenkian? Primeiramente, ao perceber que a assistência iria ser pouca, o meu amigo Ferreira, a exemplo do que costuma acertadamente fazer, mandou encerrar o balcão de maneira que o público desta zona, ao espalhar-se pela plateia, mais ou menos, comporia o aspecto da sala.

Enfim, a coisa ficou apresentável. Talvez tivesse ficado a meio da lotação, ou seja, umas quatrocentas pessoas. O pior é que, depois do intervalo, metade desta gente pirou-se. É absolutamente inqualificável e incompreensível. Como é possível alguém sair a meio da apresentação, pela primeira vez em Portugal, de uma obra excelente e quase mítica, com uma fortíssimas componentes biográfica e cénica, produto da criatividade de um dos mais extraordinários músicos do século vinte?

E, normalmente, esta gentinha é apresentada como uma elite, a elite da capital… Melómanos? Por amor de Deus!... Estou mais que habituado a cenas quejandas para me surpreender com o caso. Porém, lamento, continuarei a lamentar, inconsolável. É que, sabem, a Música que se faz em qualquer auditório é, também e sempre, a celebração da Arte e da Beleza. Assim sendo, custa muito perceber que, na esclarecida capital do país, a Música continue a ser assumida e consumida desta maneira, por gente tão ignorante e desqualificada.

A minha esperança é que, hoje, na repetição do programa, Momente, de Stockhausen, seja recebida de maneira diferente pelo público da tarde que, igualmente, conheço e reconheço como mais jovem, aberto e disponível. Enfim, além da minha pequena apresentação no texto de ontem, gostaria de assinalar o alto nível da prestação do coro e orquestra Gulbenkian, da solista soprano Julia Bauer e da direcção de Peter Eötvös, em articulação com Jorge Mata e Pedro Amaral.

Momento muito alto da programação da Gulbenkian. Momento de grande enriquecimento estético. Momento, mais uma vez, de me render a Stokhausen, por esta sofisticadíssima obra-prima, das mais incríveis e geniais celebrações do Amor, uma apoteose da saída do caos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011



Stockhausen, Momente

Daqui a pouco, pelas nove da noite, na Gulbenkian, [repete amanhã, às sete da tarde], primeira audição em Portugal desta peça, datada de 1962, que Stockhausen considerava a sua obra máxima, "(...) praticamente. uma ópera sobre a Mãe Terra, rodeada pelos seus filhos (...)". Tem textos de diversas origens, de William Blake a Malinowski, Lutero ou Mary Bauermeister.

Conheço a obra. Recomendo o mais possível. Acho mesmo que é imperdível. Em palco, vão estar o Coro e a Orquestra Gulbenkian, a voz de soprano será de Julia Bauer, tudo sob a direcção de Peter Eötvös. Por favor, mesmo que chova a potes, saiam das pantufas. Que não aconteça o costume, isto é, casa meio lotada ou, vergonha das vergonhas, umas duzentas pessoas no máximo. Logo vos darei conta.

http://youtu.be/aZdtGa7PosMVer Stockhausen- Momente (1/2) http://www.youtube.com/
Couperin, Le grand

Hoje é dia de celebrar o aniversário de François Couperin nascido em Paris, aos 10 de Novembro de 1668, cidade onde faleceu em 11 de Setembro de 1733.

Compositor importantíssimo do período barroco francês, também ficou conhecido como organista e cravista. Como era membro de uma vasta família de músicos, para que não houvesse confusões, logo foi cognominado como
Couperin le Grand.

Proponho a audição de Les Nations, com o subtítulo Sonades et Suites de Simphonies en Trio, obra imensa, composta entre 1690 e 1725. Como introdução, aqui vos deixo com uma interpretação do Hesperion de Jordi Saval, num excerto do Nº 2: L’Espagnole, em Dó menor (com uma suite de 9 danças).

Importa referir que a estupenda passacaglia, sobre a qual termina a «sonade» de L’Espagnole, é construída sobre um tema muito trabalhado na época, por exemplo, presente no baixo das Variações Goldberg de JS Bach e na fuga final do Dixit Dominus de Vivaldi.

Boa audição. E, por favor, continuem a pesquisar e a ouvir esta obra de Couperin. Como podem entender, para os meus amigos, só quero o melhor…


http://youtu.be/jUda2Th4b
Francois Couperin L'Espagnole Jordi Savall
www.youtube.com



Mozart,
Árias de concerto, de 9 de Novembro

Mais uma efeméride mozartiana. Estreia, em 9 de Novembro de 1789, das duas árias de concerto Chi sà, chi sà, KV. 582 e Vado ma dove? oh Dei? KV. 583. Aí vos deixo com a Bartoli, no Festival de Luzern - um dos meus preferidos, de qualidade tão boa como o de Verão, de Salzburg - sob a direcção de Abbado, na interpretação da primeira citada.

Querem reparar num pormenor que bem aquilata do altíssimo nível desta orquestra do Festival de Luzern? Então reparem no som do clarinete que estão ouvindo. Na maior parte das vezes, a clarinetista está encoberta pela Bartoli. Mas há alturas em que se vê distintamente. É, nem mais nem menos, do que Sabine Mayer. Por muitos melómanos é considerada a grande intérprete deste instrumento, a melhor, a nível mundial.

Abbado consegue esta coisa extraordinária que é reunir, em Luzern, uma orquestra que apenas funciona anualmente, como apoio ao Festival, constituída por músicos que são a crème de la crème, grandes solistas, chefes de naipe das melhores orquestras europeias e não só. Naturalmente, a qualidade é espantosa.

E Luzern é uma cidade realmente fascinante, com memórias musicais únicas. Como Triebschen, a casa de Wagner, onde, escreveu ele, foi mais feliz do que nunca em toda a sua vida. Um local de eleição, com uma estupenda localização, onde compôs o Idílio de Siegfried, oferecendo-o a Cosima, como presente de anos e de Natal.

E, ainda, só para citar mais um entre outros lugares, o Hotel Schweitzerhoff onde a estada é um sonho, naquela magnífica situação sobre o Lago dos qutro Cantões, hotel onde se faz e ouve belíssima música. Ali, por exemplo, em 1981, ouvi eu, numa bela manhã de Setembro, um Barenboim, ainda na casa dos trinta, tocando duas sonatas de Schubert como nunca mais tocou, digo-vos eu que, depois disso, já o ouvi dezenas de vezes.

Enfim, não são só as memórias de uma cidade muito musical, são as memórias de anónimos, como eu, que enriquecem, em Luzern, com sinais interiores de uma riqueza que, graças a Deus, jamais será tributável... Eis as referências da gravação. Basta clicar para se deliciarem:

[http://youtu.be/PCk8Ovfb2Uc
W.A.Mozart Cecilia Bartoli Chi sà, chi sà www.youtube.com
W.A.Mozart Chi sà, chi sà, qual sia, aria per soprano & orchestra, K. 582 Cecilia Bartoli, Lucerne Festival Orchestra, direttore Claudio Abbado]

Claro que não poderia deixar de vos propor a outra peça anunciada. Esta Vado, ma dove? oh Dei, embora a intérprete não esteja identificada, posso garantir-vos tratar-se de Christiane Oelze. Conheço-a bem, de Salzburg. E também já cá tem estado na Gulbenkian. Como verificarão é muito especial. Está a fazer-se uma "mozartiana". De facto, não é coisa que aconteça rapidamente. Vai-se fazendo...
Mais uma vez, eis a gravação:

[http://youtu.be/TZvbIsfNahoMozart : Vado, ma dove oh Dei!, KV 583 www.youtube.com concerto aria for soprano and orchestra Vado, ma dove oh Dei!, KV 583]


AT: Que esta prenda das duas árias de concerto de Mozart, em comemoração da efeméride, não vos distraia do post publicado há umas horas, Surpresa, surpresa... que, esse sim, é a pièce de résistance do dia.



quarta-feira, 9 de novembro de 2011



Surpresa, surpresa!...


Hoje, só ao fim da tarde, me foi possível fazer a caminhada dos seis quilómetros à hora. Escrevo assim, com este à-vontade, sobre uma prática quotidiana que muito me beneficia porque, muito para além da minha vontade, esse meu hábito é do domínio público. Ao passar pelas ruas, lojas, vou sendo saudado, há pessoas que, ao volante dos seus automóveis, me cumprimentam, gente que só reconheço depois de reconhecer o carro…

Sim, de facto, devo já ter-me transformado em mais uma das personagens da cena sintrense e, muito possivelmente, até já terei uma alcunha, do género o andarilho ou coisa parecida… Em Sintra, infinitas são as possibilidades de variar o percurso e, cada uma, sempre gratificante. Tal não significa que não depare com as irritantes situações que não me tenho cansado de denunciar, tanto aqui como na imprensa regional, ao longo dos anos.

Palmilho caminhos variados, é certo, mas mantenho-me fiel a algumas opções que, pelas suas características, contribuem para o meu bem-estar físico e mental. Não consigo passar o dia sem estas andanças. E, esteja onde estiver, em Portugal, no estrangeiro, mesmo com muita neve e temperaturas bem negativas, os seis quilómetros à hora são para cumprir. Mas não posso desviar. Voltemos a Sintra.

Uma das alternativas, que muito frequento, é a que passa pela Regaleira para, dali me encaminhar ou para a Fonte dos Amores ou para o Caminho dos Castanhaes. E, de acordo com o que tive oportunidade de convosco partilhar, foi entre os Pisões e a Regaleira que deparei com o despautério que referi, em 14 de Outubro e ontem mesmo, ou seja, a vala a toda a largura da estrada que, tão despudoradamente, se eternizava para escândalo de peões e condutores.

Ora bem, de ontem para hoje, a coisa foi arranjada. Acabou o saibro, acabaram as poças de água e, muito civilizadamente, foi aplicada a camada de alcatrão que o problema reclamava como única solução. Infelizmente, não poderei afirmar que agora está tudo impecável. De facto, não está. Na valeta, junto ao passeio, acumulou-se lama que podia ter sido e não foi removida. Acabará por desaparecer por obra e graça da água das chuvadas?

Esperemos que sim. Desconheço e pouco interessa se a minha chamada de atenção pesou alguma coisa para o desfecho da questão. A intervenção cívica de alguns sintrenses, entre os quais me incluo, de denúncia de situações como a do caso vertente, não se concretiza por qualquer vontade de protagonismo. Acontece, por bem e por amor a Sintra. Por vezes, os autarcas distraem-se. O nosso dever é não permitir que sosseguem…

Não fazem mais do que o seu dever? Não são pagos para isso? É caso para agradecer? Eu acho que sim. Não só por uma questão de boas maneiras, no quadro da elegância que deve pautar as relações entre munícipes preocupados e os eleitos, mas também porque, fundamentalmente, é Sintra que agradece. E, se há coisa que me dá gozo, é assumir a voz de uma Sintra reconhecida por um carinho que lhe é feito.

Hoje, ao fim da tarde, já com alguns candeeiros de iluminação pública a acender, tive o gratíssimo prazer de ver remediado uma daquelas irritantes situações. Foi um benefício suplementar da caminhada. Por isto, então, muito obrigado, Senhor Presidente. Olhe, já agora, replique a mesma atitude tantas quantas as vezes necessárias!...


terça-feira, 8 de novembro de 2011


O buraquinho de Sintra
e as crateras nacionais


"(…) Eu vi quando e como a coisa começou, na passada sexta-feira, dia 14, a meio da manhã, peldoisas mãos de um piquete dos SMAS de Sintra. Nada me surpreendeu por o trabalho estar a ser feito à touxe-mouxe, na altura, sem qualquer sinalização, quando, repare-se, era preciso romper uma vala atravessando o alcatrão da estrada e, do outro lado, abrir a tal referida caixa… Enfim, bem à portuguesa, na variedade sintrense… O que não me passava pela cabeça, apesar de muito causticado por desmandos similares, é que, em primeiro lugar, a coisa fosse assim dada por concluída e que, cinco dias passados, ainda permaneça na mesma.


É uma vergonha! Como verifica, não estou a exagerar seja o que for. Mas os SMAS de Sintra dão-se ao luxo de nos cobrar tarifas absolutamente milionárias, perfeitamente incompatíveis com o cenário em presença. Vergonha seria para quem ainda tenha um pingo da dita. No caso vertente, não sei a quem me queixe. Estou farto de incomodar o Presidente da Câmara que, em última instância… Depois, tenho maior consideração pelo Vereador, Engº Baptista Alves, que também tem as costas muito largas… (…)”

[excerto do texto Sintra, entre Pisões e Regaleira, publicado no sintradoavesso em 21 de Outubro de 2011]


Dentro de dias, passará um mês sobre o caso. Entretanto, como ali passo todos os dias, tenho dado conta dos lamentáveis benefícios que os serviços autárquicos acrescentaram ao despautério. Não pensem tratar-se de total ironia porque, de facto, sucederam duas intervenções que passarei a detalhar.

Numa primeira, limitaram-se a atirar com umas pazadas de saibro, preenchendo o buraco que rasgou o alcatrão da via. No entanto, assinale-se que continuaram a deixar as pedras e desperdícios sobrantes da obra inicial, de um lado e do outro da estrada. Naturalmente, depois das primeiras chuvadas, os veículos passantes encarregaram-se de tudo esburacar e, mais uma vez, de pôr bem às claras, a referida vala.

Na segunda e última tentativa de atamancar a coisa atiraram com mais saibro, dando-se ao cuidado de remover as pedras e desperdícios. Novamente, como seria de esperar, lá está a vala esburacada, com água a espirrar e salpicar, de cada vez que passa um veículo. E, como sabem, tratando-se de um dos mais turísticos trechos de Sintra, de trânsito obrigatório para quem se desloca entre a Vila Velha, a Regaleira, Seteais, Monserrate, etc, há mesmo muitos carros por ali.

Perguntarão porque me dou eu ao trabalho de continuar a denunciar a existência de um simples buraquinho quando, também no concelho de Sintra e em todo o país, muito mais preocupantes são os medonhos buracões onde vimos caindo, em consequência de péssimas decisões de políticos, a nível local e central, ao longo de anos e anos de fartar vilanagem.

À laia de resposta, lembraria que, tanto a montante do buraquinho de Sintra como das crateras nacionais, há um mesmo tipo de mentalidade, indutor da designada cultura do desleixo que, de forma tão decisiva, prejudica o nosso rendimento individual e colectivo. Por outro lado, estas coisas não acontecem sem que alguém tenha de ser responsabilizado.

Ora bem, aquele é outro seríssimo problema porquanto, quem se atreve a exercer a autoridade democrática que detém, muito raramente, verá resolvida, em tempo útil, a questão que desencadeou com o objectivo de rectificar algo de errado. Claro que tudo isto resulta num desânimo, numa desmobilização sem nome, minando qualquer hipótese de recuperação das localidades, das regiões e do país em geral…

PS

E ainda há quem se admire quando, perante o quadro de desânimo suscitado pela existência de muitos milhares de situações congéneres, tantos jovens qualificados estão a sair do país? A propósito, soube ontem que dois irmãos, entre os vinte e cinco e trinta anos, engenheiro um e enfermeiro o outro, filhos de um meu ex-colega, desencantados com o que por aqui se passa, irão brevemente para Inglaterra, onde já têm emprego assegurado. Como não?




sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Seara,
nacional e local

“(…) Sabemos que temos em Vossa Excelência um porto de abrigo e uma muralha segura (...). O Guardião das expectativas de muitos de nós. Guardião contra aventuras insensatas ou medidas cegas e injustas (…)

Fernando Seara, 3 de Novembro de 2011, em Sintra, dirigindo-se ao Presidente da República.

Depois destas palavras do Prof. Fernando Seara, o Presidente da República ainda ficou mais encostado à parede do que já se havia colocado quando, referindo-se à supressão dos subsídios de Natal e de férias aos funcionários públicos e pensionistas, alertou para o facto de estarem feridas de falta de equidade fiscal as medidas constantes da proposta do Orçamento de Estado de 2012.

Ontem, circunstancialmente investido na função de anfitrião, Fernando Seara soube aproveitar a sua autoridade e notoriedade públicas, para lembrar ao PR como ficou e está amarrado ao compromisso que, formal e implicitamente, assumiu ao criticar a opção do executivo de discriminar um grupo de cidadãos, imputando-lhes a possibilidade de os afectar com uma carga insuportável de sacrifícios.

Ao inquilino de Belém ainda faltava vir a Sintra ouvir os mais directos e distintos ecos da caixa de Pandora que abriu. Nesse sentido, Fernando Seara não podia ter sido mais certeiro e pertinente. Ali, para além do autarca de um dos concelhos mais difíceis e populosos do país, falava o porta-voz de milhões de contribuintes portugueses que, maximamente indignados, ainda não saíram do torpor e do choque do anúncio das referidas medidas.

Portanto, desde já, é para agradecer. Por outro lado, não é preciso ser particularmente perspicaz para perceber que o alcance das palavras do Presidente da Câmara Municipal de Sintra ultrapassa este importante episódio que precedeu a discussão do Orçamento de Estado. De facto, sob a designação de aventuras insensatas e medidas cegas e injustas, o que está sob a mira do discurso de Seara, é todo um perigoso rol de intenções do Governo, em desenfreada fuga, à frente dos compromissos com a troika.

PS

Ontem, numa intervenção de carácter nacional, o autarca de Sintra distinguiu-se, de modo particularmente honroso. Uma especial e cordial saudação, com os meus sinceros parabéns. Entretanto, permita-me recordar-lhe que, em Sintra, mesmo em tempo de economia de guerra, adoptando soluções da maior austeridade, é imperioso acudir à resolução de problemas que o Prof. Fernando Seara bem conhece.




quinta-feira, 3 de novembro de 2011



Miguel Sousa Távares,
ao pontapé na gramática


Desta vez, não me contenho. E não vos tomo muito tempo. Ontem, em diálogo com Rodrigo Guedes de Carvalho, durante o noticiário das oito da noite da SIC, alto e bom som, MST disse quaisqueres – como plural do pronome indefinido qualquer – e aplicou o termo perca, ao pretender referir-se à perda de alguma coisa.

O plural de qualquer é quaisquer. Qualquer miúdo do primeiro ciclo do básico o deveria saber. Ao meu neto, nos seus sete anos – vá lá, condescendam neste registo de avô babado – ninguém apanha em tal erro. Perca é o substantivo que designa um peixe do rio, não podendo ser usado no sentido de perda. A possível confusão derivará da coincidência da forma verbal da primeira e terceira pessoa do singular do presente do conjuntivo do verbo perder [que eu perca, que ele/a perca].


E estamos entendidos. Porém, entre outros deslizes, não sei se já repararam que, também erradamente, a exemplo de muitos falantes portugueses, MST diz am[a]ricano e núm[â]ro*. Confesso que não percebo. Ainda se tivesse nascido nalguma caverna de trogloditas… Mas, santo Deus!, filho de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Francisco de Sousa Távares, ambos cultores do melhor português escrito e falado…

MST não é um qualquer anónimo. Pelo contrário, é um comunicador de referência. Em especial, no discurso falado, não pode deixar de ser irrepreensível. Acreditem que não tenho qualquer gosto em apanhá-lo nestas faltas. Respeito-o imenso pelo desassombro, pela coragem na assunção de causas que exigem uma verdade de ser e estar na vida, qualidades máximas de que MST bem pode orgulhar-se. É um cidadão de mão-cheia cujo exemplo de civismo militante é altamente inspirador.

Perto dele, não haverá alguém que lhe chame a atenção? Seria um grande favor, em especial, nos meios de comunicação social, a bem do correcto uso da Língua Portuguesa.

*Bem sei que não é assim que se faz transcrição fonética. Provavelmente, se a fizesse com correcção, muitos leitores não a entenderiam.




Um 'Sabat' muito especial

Um dos casos mais interessantes de concepção de uma peça sinfónica foi protagonizado por Hector Berlioz (1803-1869) na sua Sinfonia Fantástica, op. 14. De facto, apresentada no dia 5 de Dezembro de 1830, esta peça é considerada como a primeira sinfonia autobiográfica, relacionando-se, de forma inequívoca, com a assolapada paixão que uniu o compositor e a actriz irlandesa Harriet Smithon (1800-1854), bem como com a leitura do Faust de Johann Wolfgang von Goethe.

De acordo com uma espécie de roteiro que apresentou em 1831, Berlioz dava a entender o que o protagonista, sob o efeito do ópio, imaginava em cada movimento da obra - que titulara como 'Épisode de la vie d’un artiste, symphonie fantastique en cinq parties'– experimentando uma série de alucinações que coincidem com os cinco andamentos da obra sinfónica, a saber: 1. Visões e Paixões - Largo; Allegro Agitato e Appassionato Assai; 2. Um Baile - Valse: Allegro Ma Non Troppo; 3. Cena Campestre – Adagio; 4. Marcha para o Cadafalso - Allegretto Non Troppo; 5. Sonho de uma Noite de Sabat - Larghetto; Allegro Assai.

É a audição daquele último andamento que eu gostaria de vos propor, ainda a propósito do ambiente de bruxaria, que me suscitou a publicação do texto de ontem. No segmento final da sinfonia, é o próprio corpo do jovem apaixonado que é atirado de um lado para o outro, num sabat de bruxas, durante o qual a sua donzela morta reaparece sob a forma de vampiro, enquanto o ressoam as notas do Dies Irae.

Tenham muito bom proveito. A versão objecto da gravação é bastante interessante*. Mas, entre as muito boas a que já assisti, não consigo esquecer uma interpretação pela Orquestra Filarmónica de Berlin, dirigida por Sir Roger Norrington, em Salzburg no dia 23 de Abril de 2000, por ocasião do Festival da Páscoa daquele ano. Dessa vez 'passei-me' completamente, e, por artes mágicas, também participei do Sabat... Um espanto!

*Eis as referências:

http://youtu.be/IrezpUWIY98
Berlioz: Symphonie Fantastique- 5th Movement www.youtube.com
Berlioz: Symphonie Fantastique 5th movement:Songe d'une Nuit de Sabbat NHK Symphony Orchestra, Tokyo Conducted by Pinchas Steinberg