[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 29 de maio de 2010

Mais Sintra?
- menos promessas!...

As palavras realistas de J.A.C. (no artigo anterior) obrigam a que os munícipes empenhados lhe prestem a devida saudação. É um estímulo à vida participativa de que este blogue, grande parte das vezes, é a única voz pública na denúncia.

Estamos fartos!!!

De discursos empolgados mas de circunstância, usados para brilho pessoal.

Só falta aparecer uma oportunista fada-madrinha de qualquer coisa. Temos Padrinhos, comissários de honra, mandatários e sabe-se lá que mais. Mera propaganda sem reflexos no bem-estar dos residentes ou em quem nos visita.

Estamos fartos das conversas fiadas de “patamares”, “eixos estruturantes de reflexão”, “vectores de evolução”, “malha urbana policêntrica”, sem que se resolvam os problemas efectivos das populações.

O SATU, oito anos depois, saiu do baú para constar de nova promessa...a 10 anos. Na que seria a maior Rede de Ciclovias do país, prometida até 2009, apenas pedala a nossa desilusão.

Casa das Selecções, Aeródromo Civil em Campo Raso, Cidade das Crianças, “Novo Hospital que será no Ramalhão”, são outras de tantas ilusões (para não dizer pior) que foram criadas.

Sintra, se já não bastasse, é vítima de uma partilha de poder entre opostos, com práticas de colaboração convergentes, sem que o eleitorado se aperceba da sua real extensão.

Parada no tempo, servindo vaidades pouco atiladas, Sintra tem-se degradado sem rei nem roque, sem a “corte” que o marketing da comunicação tenta criar fora das suas fronteiras.

Através de palavreados gratuitos, Sintra tem pago caro as políticas iludentes que, com artes ilusionistas, pretenderão transformar em “obra feita” a queda de 5º para o 42º lugar no "ranking" da qualidade de vida dos municípios portugueses.

Não podemos viver de turistas de hora e meia, e muito menos dos milhares que atravessam o Centro Histórico de carro e seguem caminho, tudo como resultado da incapacidade de se tomarem medidas para fixar os visitantes.

Sintra é vítima de uma dicotomia onde num ramo se nota o medo da tomada de decisões e noutro se travam as medidas evolutivas, usando-se o legalismo de um Plano elaborado em 1949, que terá sido bom na época, mas se encontra totalmente obsoleto.

Recorde-se que em 1950 o concelho de Sintra tinha 60.424 habitantes e a vida, até hoje, mudou de forma tão significativa que, ou evoluímos ou definhamos de tal modo que a recuperação vai ser muito mais penosa.

Com o autismo a sobrepor-se às sugestões para uma melhor sociedade sintrense, é altura de se exigir o cumprimento das promessas que estão em carteira há muitos anos.

Fernando Castelo

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Romantismo? Em Sintra?
Queixas dos turistas

O texto aqui publicado há uns dias, Romantismo, em Sintra? Não brinquem..., foi objecto do comentário que, assinado por J.A.C., passo a reproduzir. É extremamente sintético, quase telegráfico, mas de uma eficácia a toda a prova:

A campanha Sintra, capital do Romantismo é realmente desconchavada...
Muitas vezes, falo com estrangeiros pois trabalho na recepção de um museu.
Os estrangeiros gostam de Sintra, têm boa vontade mas chateiam-se...

Eu oiço algumas queixas:
- Muitas casas abandonadas, porquê? Não têm leis para "despejar" donos das propriedades?;
- falta de estacionamento;
- falta de indicações;
- falta de transportes públicos;
- porque é que o eléctrico não funciona? ;
- não temos Camping?;
- não temos Pousada da Juventude?;
- as lojas, museus e monumentos fecham muito cedo. Podiam, em algum dia da semana, fechar mais tarde?;
- muito lixo nas ruas...

Este tipo de comentários oiço com muito mais frequência do que bons comentários. A sensação que tenho é que a maior parte recebeu gato em vez de lebre e não planeiam voltar ou fazer boa publicidade de Sintra aos seus conhecidos ou conterrâneos... E essa, sim, seria a melhor publicidade do mundo e gratuita!!!
(J.A.C.)

Não deixa de ser perverso que Sintra, capital do Romantismo seja a campanha pertinente e adequada ao estado lamentável a que os autarcas conduziram a nossa terra. Ainda se admiram que lhes perguntemos se o tal romantismo estará nos motéis, cuja estratégica localização licenciaram...





quarta-feira, 26 de maio de 2010

TRATAR BEM AS ÁRVORES, UMA QUESTÃO DE CULTURA



No dia 21 deste mês, foi aqui noticiada a acção do Clube de tricô Conversa Fiada em defesa das nossas árvores.


Saúde-se o aparecimento público de tão interessante Clube, pela beleza que transportou para as árvores e sua defesa, ao mesmo tempo que recuperou, através das mesmas, as arte de – entrelaçando linhas – nos deliciar o olhar com as composições realizadas.

Tive a sorte de, familiarmente, assistir à dedicação profunda a trabalhos desse tipo, nunca imaginando a sua transposição para acções cívicas como aquela a que assistimos.


Bem hajam, pois, quantas pessoas participaram na jornada e a esta arte se dedicam.

O problema do corte das árvores em Sintra não passa de uma questão cultural negativa, já que a vida das mesmas não é acompanhada periodicamente como noutros países, onde chega a existir fichas de cada árvore, identificando doenças e tratamentos efectuados.


A foto representa um exemplo de respeito pela árvore e pela natureza. Encontra-se na estrada que liga TROMSO, a capital do árctico norueguês, a Nordsjosen.

A árvore nasceu depois da casa construída e foi crescendo, crescendo, acabando por ter abertura para fora do telhado, com o devido orgulho por parte dos residentes.

Até as ervas existentes na cobertura do telhado são apreciadas, pois ajudam as neves a escorregar de cima dele...e como a neve e o gelo fustigam aquele local.

Ai de quem tivesse a ousadia de fazer o corte, porque toda a comunidade se levantaria.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Festival de Sintra 2010,
mais uma achega

Como terão verificado os mais atentos, para além da minha, também outras vozes sintrenses vieram recentemente a público lamentando que se tivesse chegado à evitável situação de, apenas no passado dia 18, dez dias antes de começar a 45ª edição, ter aparecido a publicação impressa do programa do Festival de Sintra 2010.

Se bem entendem, tal significa que, no preciso momento em que a organização já deveria descansar com a concretização do grosso das vendas de bilhetes, ainda o grande público desconhecia que eventos estariam programados… Na realidade, tudo isto me leva a perguntar se, em terra de turismo militante, o Festival de Sintra, estará mesmo interessado em atrair públicos de todas as proveniências nacionais. É que, com esta estratégia dilatória, só se abrange uma faixa, pouco mais que doméstica, da potencial audiência.

Por outro lado, tendo aparecido tão tardiamente, pena é que não tivesse havido tempo para incluir uma palavra de introdução à proposta que o Festival vem apresentar. Por muito boa vontade que tenhamos, não podemos deixar de considerar que se trata de desrespeito pelo direito do público à informação, por exemplo, sobre as razões que terão norteado os responsáveis a avançar com este e não com qualquer outro conjunto de eventos.

Nem sequer é necessário recorrer a festivais estrangeiros. De facto, basta lembrar como, em Alcobaça, Póvoa de Varzim, Espinho ou no Estoril, outro é o cuidado das respectivas organizações no sentido de esclarecer quem é suposto cativar. De facto, não é só no programa geral, ou nos mais específicos, que tal cuidado é pertinente. Em tudo quanto é suporte papel, a palavra de enquadramento, geral ou particular, deve ser uma preocupação.

A falta da grelha

Desde já, sem entrar em pormenores, registaria que a programação geral não obedeceu a qualquer matriz. Não, não há défice de entendimento da minha parte e, como bem tinha previsto, é ininteligível a grelha de concepção, imperceptível qualquer submissão a uma lógica interna ou à conveniente coerência de articulação entre os eventos.

No entanto, quanto à música, num ano tão fértil em efemérides como as relativas a Chopin, Schumann Mendelssohn, Pergolesi, Wolf ou Mahler, é perfeitamente natural e, por isso, legível que a maior parte dos pianistas proponha o seu recital recheado de peças da autoria dos dois primeiros compositores citados. Estaria assim justificado o tema gerador e definida a primeira linha de abordagem de um programa obediente a uma rede de interesses, tão logicamente conectados, como a do caso em apreço.

Como habitualmente acontece, a componente musical do Festival de Sintra é inequívoca. Portanto, nada a acrescentar de menos positivo. Mas, então, e o resto? O resto é mais do mesmo. A única linha de coerência (?) detectável é a que, teimosa mas infelizmente, tem presidido às últimas edições, ou seja, resultando na patente miscelânea de propostas inarticuláveis, sem qualquer ponta de nexo.

Nomeadamente, os eventos que se acolhem à designação de contrapontos, como não pressupõem a mínima relação, quer entre si quer com o resto do Festival de Sintra 2010, até podiam ter um enquadramento totalmente diferente, portanto, alheio às motivações que, a nível cultural, mais mobilizam quem, em Sintra, se preocupa com questões desta natureza.

Claro que não desconheço que, a contrario do que actualmente acontece, impor-se-ia que a programação dos contrapontos se concretizasse, pelo menos, com dois anos de antecedência se, como tenho advogado conveniente, o objectivo fosse o de vir a adequar-se, por exemplo, à proposta do tema global da vertente musical,.

Em inúmeros artigos de opinião,* já tive oportunidade de demonstrar a incorrecção da designação de contraponto uma vez que esta noção tem de evidenciar uma relação por oposição a algo que, no caso do Festival de Sintra, a organização não consegue apresentar. Assim sendo, nem sei, ao longo de sucessivas edições, como qualificar a insistência ou como interpretar esta persistência.

Diria eu que mais se assemelha ao aflito esbracejar de alguém que, prestes a naufragar em águas, nem por isso particularmente turbulentas, mas transportando uma incomportável carga, acaba por conseguir deitar a mão à bóia de salvação, gritando: olhem que eu estou aqui, reparem, eu existo! Para bom entendedor…

Mais uma achega

A própria arquitectura de qualquer Festival rejeita a inclusão de peças avulsas, desgarradas. Assim sendo, apenas um passo foi dado, um pouco por toda a parte, cá dentro e lá por fora, absolutamente natural e compreensível, até à evidente necessidade de tudo conceber para articulação dos eventos na obediência a um tema global e gerador das conotações implícitas e explícitas,. Tudo isto porque, já há muito tempo, qualquer Festival se concebe na presunção de que o público está sintonizado com esta estratégia.

O espectador ou já é ou passará a ser habitué, alguém que, em cada nova edição, espera surpreender-se, enriquecido pelas diferentes abordagens do tema, através do teatro, da ópera, da dança, das leituras de poemas, da integração de propostas plásticas, de conferências, oficinas de expressão vária, etc, etc. O espectador, escrevia eu, só tem vantagem em que o Festival resulte de uma concepção integrada, globalizante, portanto, da ideia de festival como um todo coerente.

Hoje em dia, o difícil é encontrar um festival que não envolva e articule várias artes e suportes artísticos diversos. A propósito, há uma série de anos, vindo de Viena, divulguei a atitude, estranha mas interessantíssima, de um festival em que se fez música com instrumentos feitos com legumes e hortaliças, elementos vegetais com os quais, finalmente, se cozinhou uma estupenda sopa.

Preocupação presidencial

Num festival, a verdade é que tudo é possível, desde que inteligíveis sejam as relações. No Festival de Sintra, para manifesto prejuízo geral da iniciativa, tal não tem sido praticável. Contudo – muita atenção! – a partir do que venho escrevendo, não se entenda, que as propostas afins dos designados contrapontos serão, geralmente, de inferior qualidade. Jamais o afirmei se bem que, reiteradamente, confesse não sentir qualquer vontade em assistir a espectáculos cujo enquadramento não perceba minimamente.

Finalmente, julgo poder partilhar convosco a certeza de que o Senhor Presidente da Câmara vem manifestando crescente preocupação relativamente aos assuntos que tenho ventilado, tanto no âmbito das considerações publicadas neste blogue e na imprensa, como na sequência de uma carta que, oportunamente, lhe enviei. Dá um certo alento perceber que as nossas palavras têm o eco que é suposto deverem suscitar. Serenamente, cumpre aguardar.


_______________________________

* Acerca do Festival de Sintra 201o, consultar, neste blogue, os textos publicados nos dias 8 e 11 de Março, 5 de Abril e 4 de Maio, todos deste ano de 201o.

Para além de uma série no «saudoso» Jornal de Sintra, vd., entre outros, os seguintes textos sobre o assunto no sintradoavesso: - Festival de Sintra 2009, palmarés comentado, 11, 12, 13 e 14 de Junho de 2009; - Vengerov maestro, um equívoco, 15 e 16 de Junho de 2009; - Alcobaça, a Festa da Música, 17 de Junho de 2009; - Revisão da matéria, 18 de Junho de 2009; - Espinho, Estoril e Póvoa de Varzim, festivais culturais, 6 de Julho de 2009; - Grandes festivais, 7 de Agosto de 2009.

sábado, 22 de maio de 2010

No aniversário de Elise

Apenas três parágrafos para lembrar que vinte e dois de Maio é aniversário de Elise, rainha da nossa Baviera.* É dia de ir até à Pena e de nos perdermos, literal e irrealmente, pelos caminhos de acesso à sua casa. É dia de recordar quanto Sintra deve a esta mulher e de perceber como, finalmente, encontrou quem esteja a honrar a herança que, teimosa e criminosamente, tão desrespeitada foi ao longo de décadas.

Lá mais para o fim da tarde, evocando Elise e, claramente, Fernando, inseparáveis, ao lado de Richard Wagner, também hoje aniversariante, hei-de beber um copo de bom branco seco e frutado Risling Gewustraminer, ouvindo Im Treibhaus e também Träume, duas das Wesendonck Lieder, subtituladas Studie zu Tristan uns Isolde, evidenciando a íntima relação com a ópera.

Sabem quem, virtualmente, também não faltará a esta vespertina cena? Emília Reis, dedicadíssima cultora da memória que hoje celebramos, bem como o Prof. António Ressano Garcia Lamas, o mais atento coordenador da recuperação do inestimável património que a Condessa legou a esta mitificada Sintra. Então, meus amigos, Auf Ihr Wohl!!


* epíteto que lanço à Condessa d'Edla, parafraseando o título do famoso ensaio de Eduardo Lourenço sobre Fernando Pessoa, Fernando Rei da nossa Baviera.


sexta-feira, 21 de maio de 2010




Elementos do grupo do "Conversa Fiada"



Um manifesto da intervenção



Clube de tricô Conversa Fiada
,
atitude cívica



Os membros do Clube de Tricô Conversa Fiada reúnem-se, semanalmente, à quarta-feira à noite no Saudade, Amor e Arte, em Sintra. A arte de envolver elementos do património público com tricô que, de algum modo, suscitam intervenção cívica, foi iniciada nos EUA em 2005, sendo conhecida por Yarnbombing. Em Sintra, inspirado neste movimento que já se espalhou por todo o mundo, o Clube de Tricô Conversa Fiada vem fazer a sua primeira intervenção.

Foi no Largo do Morais que o Departamento de Parques e Jardins selvaticamente podou as árvores, há umas semanas atrás. O critério utilizado ronda o incompreensível. Vejamos. O jardim que ali se encontra, com bancos convidativos a uma pausa para quem sobe da Estefânia para S. Pedro, foi deixado sem uma única sombra. Todos os plátanos foram decepados dos seus ramos.


As árvores da Rua D. João de Castro foram objecto de intervenção absolutamente absurda, efectuada num lugar tão característico de Sintra. Logo no início, temos várias tílias completamente decapitadas dos ramos que estavam já cobertos de folhas (este ano já não voltarão a rebentar), outras às quais foram cortados os ramos alguns metros acima do tronco e, pasme-se, logo a seguir, um conjunto de árvores exuberantes de folhagem bonita, onde a motosserra não tocou.


Que critério tão discriminatório foi utilizado no tratamento dado a estas árvores? Onde estão os técnicos da Câmara a quem foi ministrada, em Abril de 2009, a formação adequada para que “(…) se as árvores de Sintra pudessem ver-se ao espelho, gostassem da imagem reflectida e louvassem o cuidado posto na sua fisionomia saúde e preservação(...)”? “Coisas d’Árvores,” Abril 2009
.

Por isso, decidiu o Clube de Tricô Conversa Fiada
vestir simbolicamente estas nossas amigas.
Até quando vamos assistir a estes atentados? Só pela simples razão de que, em anos anteriores as podas foram assim efectuadas? Lamentamos profundamente a falta de cuidado que a Autarquia tem demonstrado em relação às nossas árvores, património natural fundamental para que Sintra esteja classificada pela UNESCO como Paisagem Cultural da Humanidade.


Clube de Tricô Conversa Fiada


..........

Mas que grande poda!...


O cenário arbóreo que aí vai pelas ruas da vila, resultante de intervenções levadas a cabo pela Câmara Municipal de Sintra, é perfeitamente lamentável. Por certo, ninguém teve em consideração as sábias palavras que passo a transcrever:

“(…) Qualquer supressão de que resulta um aspecto definitivamente mutilado da árvore, deve considerar-se inadmissível visto comprometer definitivamente a finalidade estética da planta ornamental. É preferível nesse caso a supressão pura e simples do indivíduo. Apenas se exceptuarão os casos raros de indivíduos vegetais ligados a factos históricos ou quando se pense que seja possível uma reconstituição aceitável da planta.

Normalmente os cortes devem fazer-se de modo a não se notarem. O maior elogio que se pode fazer a um podador de árvores ornamentais é que não se perceba que a árvore foi podada. A forma natural da árvore é perfeita e portanto não é necessário corrigi-la no sentido estético nem fisiológico
(…)”

A Árvore em Portugal
Francisco Caldeira Cabral
Gonçalo Ribeiro Telles

Acrescentar o quê? Incompetentes, incapazes e outros adjectivos que a autarquia não regista na folha de avaliação anual dos responsáveis por desmandos que tais? Sabem, mais não é do que a casa gasta…

Entretanto, com este triste episódio, aprendi que o tricô também pode servir para o combate cívico na comunidade. A propósito, apetece aproveitar o tema musical da canção do José Mário Branco e cantarolar

o tricô é uma arma,
e eu não sabia…



quinta-feira, 20 de maio de 2010


Romantismo, em Sintra?
Não brinquem...



Ainda não há quinze dias, conheci um jovem casal de holandeses com quem mantive uma conversa um pouco mais detida do que é habitual quando nos perguntam alguma coisa sobre Sintra. Às tantas, à volta de um refresco e de uma planta turística, dei por mim a indicar-lhes, entre outros, o Caminho dos Castanhais como um dos percursos que tão entranhada tem aquela conotação romântica que faz a fama desta terra.

Ficámos com os mails para futuros contactos, desejei continuação de boa estada e despedimo-nos até uma próxima que, não esperava eu, fosse tão breve quanto ontem mesmo, ao receber uma mensagem com um anexo de fotografias que passo a partilhar convosco.



































Certamente já perceberam. E, de igual modo, também entenderão a perplexidade daquela gente que me perguntava que cano seria aquele a serpentear por ali abaixo, embora arriscassem tratar-se de uma conduta de água. Acrescentavam que, coisa assim, só tinham visto durante a visita a uma cidade tunisina afastada da capital... Lamentavam ainda que, de facto, tão bonito, o Caminho dos Castanhais estivesse tão degradado, tão abandonado, sem o mínimo cuidado.

Como sabem, o que se passa nos Castanhais não é novidade para nós, aqui no sintradoavesso.* Todavia, de facto, é inadmissível que a Câmara Municipal de Sintra continue com o despudor da desconchavada campanha Sintra, capital do Romantismo, permitindo-se oferecer aos visitantes esta imagem de perfeito terceiro mundo.

Enfim, a menos que tal promoção turística se articule com os painéis de propaganda que, estrategicamente colocados nas entradas rodoviárias de Sintra, alertam para o romantismo a rodos que se vive por estas paragens...





*
sintradoavesso, 18.11.2008, 02.12.2008, 31.8.2009 e 21.10.200918
[At: João Cachado é o autor desta mensagem]

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Verdade e consequências
(conclusão)


Na realidade, em relação a Sintra, aquela aquisição tem todos os ingredientes para a perspectivar em analogia com os grandes projectos de obras públicas, impondo-se, no entanto, distinguir que estes, apesar de eventualmente pertinentes, são adiados por manifesta impossibilidade de financiamento enquanto o da Quinta do Relógio não reveste qualquer importância estratégica para a comunidade.

Por outro lado, a crédito dos argumentos que tenho trazido a público, acresce uma esclarecedora e significativa circunstância que, até ao momento, não foi devidamente valorada. Reporto-me aos termos constantes da Carta Aberta que a CDU me dirigiu,* esclarecendo, sem qualquer margem para dúvida, que o sentido de abstenção do seu voto se deveu à discordância do negócio, que era constante de uma proposta abrangendo outras aquisições e que, por isso mesmo se distanciava.

Por exclusão de partes, facilmente se reconhecem as forças partidárias que consideram o negócio interessante para a autarquia e o isolamento a que ficam reduzidas. Nestes termos, difícil não é concluir que, apesar de maioritária, a coligação que dirige o executivo autárquico deveria assumir a fragilidade da posição resultante da votação. E essa débil situação é tanto mais significativa quando se arroga vir solicitar à comunidade a aplicação de uma verba tão vultuosa, em que o recurso ao crédito é prática e absolutamente proibitivo.

Neste momento de agudíssima crise financeira, que deverá prolongar-se por mais uns anos, não se entende a insistência no negócio. Aquilo que, a nível nacional, os partidos da oposição à direita, solicitam ao governo - o jogo da verdade e a assunção das consequências - isso mesmo devem fazer nas autarquias em que são maioritários. É o que me permito vir lembrar. Pois que sejam coerentes e consequentes e não comprometam a comunidade com uma compra que nem sequer conseguiram justificar cabalmente.


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* texto publicado no sintradoavesso em 27.04.10

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Verdade e consequências [1]

Foi preciso que, em Paris e Bruxelas,* tivesse ouvido aquilo que, durante anos, andou a tentar esconder do cidadão comum – ou seja, que é tremenda a crise em Portugal, que está em causa o sistemático endividamento, porque os credores até fazem contas – para que o Primeiro-Ministro se tivesse rendido à tardia evidência de que não é possível continuar a hipotecar o presente e o futuro.

Com toda a certeza, teria sido possível não chegar a este triste espectáculo de perda de autonomia, que, entre outras muito mais nefastas consequências, também reduziu o mais responsável governante de um Estado soberano à pública e internacional insignificância de um títere, obrigado a actuar de acordo com os ditames dos valores que mais alto se levantaram para além da sua pacóvia cegueira.

E, deste modo, por externa mas impositiva intercessão, se acabou com a possibilidade de concretizar os famigerados e megalómanos projectos de obras públicas. Dir-se-ia que não há mal que não venha por bem… Até pode não se pôr em causa a eventual mas não inequívoca pertinência de tais iniciativas de investimento público. Todavia decisivo, isso sim, é o facto de, nas actuais circunstâncias, estarem exauridos os cofres e não ser possível recorrer a um crédito internacional que se faz pagar alcavalado de taxas absolutamente incomportáveis.

Não tenho a menor dúvida de que, na perspectiva de se esfumarem os chorudos negócios com que contavam, devem andar preocupadíssimos os mais altos responsáveis das empresas construtoras que vivem na babuje das benesses e prebendas de um Estado que tem demonstrado não saber defender-se da promiscuidade entre os poderes político e económico. A propósito, podendo trazer à colação outros bem conhecidos, como não ter presente o caso de Jorge Coelho, o mais paradigmático, de ex-destacado dirigente do Partido Socialista e actual presidente do concelho de Administração da Mota-Engil?

Naturalmente, devemos preparar-nos para o que não tarda. Em especial, refiro-me ao lóbi que fará chegar à praça pública as mais negras previsões de desastre social decorrente do desemprego dos trabalhadores estrangeiros da construção civil que demandaram o nosso país. Deles se dirá que vão engrossar as estatísticas dos crimes que geram o tão inevitável como perturbador alarme social. Enfim, a pressão do costume, a tentativa de condicionar a decisão política…

E em Sintra?

A nível local, a crise nacional e global não pode deixar de reflectir-se, em particular no que concerne a capacidade de endividamento autárquico. Nestes termos, com o sentido das realidades que se impõe, espera-se que a Câmara Municipal de Sintra se prepare para arrepiar caminho relativamente a projectos nitidamente insustentáveis. Naturalmente, na sequência de textos anteriores publicados neste blogue,** não poderia deixar de voltar a pedir a vossa atenção para o polémico negócio da Quinta do Relógio.


(continua)
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* Às arrecuas, ma nò tròppo, 08.0510.
** Carta Aberta da CDU, 27.04.10, Sintra Garagem, parte quatro, 22.04.10, Sintra Garagem, parte três, 21.04.10, Sintra, um polémico percurso, 13.04.10,
Quinta do Relógio, polémica insistência, 05.03.10, Sintra em compras polémicas, 14.01.10.




sexta-feira, 14 de maio de 2010


Crescimento
ou desenvolvimento?


Ainda em relação à Carta Encíclica Caritas in Veritate, de S.S. Bento XVI, citada no último texto aqui publicado, convém lembrar que, muito naturalmente, é coisa de todos os tempos a preocupação em distinguir entre o essencial e o acessório. Na realidade, relativamente à questão do progresso dos povos, o que tem causado maiores entraves à sua concretização, é uma tremenda confusão de objectivos, fruto da dificuldade imensa do acesso ao verdadeiro conhecimento.

E, de imediato, proporia o que considero ser o cerne da questão. Ao fazê-lo, impossível seria afastar-me do caminho que, invariavelmente, desde a Antiguidade Clássica – e, apenas referindo o contexto mediterrânico – tem sido apontado por quem se preocupa com o progresso harmónico do Homem, ou seja, da
distinção entre ser e ter.

O ter, ter cada vez mais, está próximo de uma perspectiva de crescimento económico. Crescimento económico tout court, puro e duro. O ser, ser cada vez mais, é afim do desenvolvimento. Esta última perspectiva enquadra, tão só, a única evolução que pode interessar, a autêntica revolução, a do desenvolvimento integrado do homem e dos povos.

Eis o grande objectivo. Nem mais! Depois de alcançado o patamar de satisfação das necessidades fundamentais e do bem estar, afins de uma vida sã e equilibrada, etapas e valores que, tão significativamente, ultrapassam o que se considera limiar da pobreza, a meta não pode ser outra:
o
ser em oposição ao ter.

Para o efeito, em qualquer latitude, e em última análise, relevante, essencial, será a escolha dos domínios de actividade que, de acordo com um trabalho colectivo e profícuo, sob a eficiente gestão de decisores políticos devidamente preparados, hão-de proporcionar o alcance da riqueza colectiva indispensável à sábia distribuição dos bens, para que seja possível a felicidade individual e comum.

Se o Papa, o Dalai Lama e todos os outros líderes espirituais da Humanidade não derem prova de preocupação com tais linhas mestras do caminhar do Homem, quem o fará? Os grandes pensadores, certos filósofos particularmente argutos? Pois sim. De vez em quando, até aparecem líderes políticos como, Mandela, Ghandi – ao fim e ao cabo, verdadeiras santidades – que apontam a esperança mais animadora.

Mas, infelizmente, como bem temos visto ultimamente na Europa, o mais certo é que, longe dos mecanismos que conduzem à lucidez, os cidadãos continuem a eleger, perversa mas democraticamente, os medíocres, os ridículos Sócrates, que aparecem na Ágora, descidos das berças remotas, armados em salvadores da Pátria. Como tão copiosamente, tem sido demonstrado, aqueles pobres títeres, jamais souberam e nunca saberão distinguir o essencial do acessório...




quarta-feira, 12 de maio de 2010

Caridade na Verdade

No quadro das maiores preocupações de qualquer pensador verdadeiramente humanista, não deve haver matéria mais determinante e mobilizadora do que o modo como se processa o envolvimento da técnica no desenvolvimento dos povos. Em 1967, o então Papa Paulo VI, apenas três meses antes de se ter deslocado a Fátima, publicara a Carta Encíclica Populorum Progressio, entusiasticamente acolhido pelo grupo dos jovens católicos progressistas em que me integrava.

Desde então e, ouso afirmar, remontando ao pontificado de Leão XIII que, com a Rerum Novarum, apontou as linhas mestras da moderna doutrina social da Igreja para o futuro, ainda nada aparecera, neste específico domínio tão decisivo para o bem estar do Homem, como a última Encíclica do actual Papa, assumindo o modo mais libertador que é possível equacionar.



“(…) O tema do desenvolvimento dos povos está intimamente ligado com o do desenvolvimento de cada indivíduo. Por sua natureza, a pessoa humana está dinamicamente orientada para o próprio desenvolvimento. Não se trata de um desenvolvimento garantido por mecanismos naturais, porque cada um de nós sabe que é capaz de realizar opções livres e responsáveis; também não se trata de um desenvolvimento à mercê do nosso capricho, enquanto todos sabemos que somos dom e não resultado de auto-geração.

Em nós, a liberdade é originariamente caracterizada pelo nosso ser e pelos nossos limites. Ninguém plasma arbitrariamente a própria consciência, mas todos formam a própria personalidade sobre a base de uma natureza que lhes foi dada. Não são apenas as outras pessoas que são indisponíveis; também nós não podemos dispor arbitrariamente de nós mesmos. O desenvolvimento da pessoa degrada-se, se ela pretende ser a única produtora de si mesma. De igual modo, degenera o desenvolvimento dos povos se a humanidade pensa que pode recriar-se valendo-se dos “prodígios” da tecnologia. Analogamente, o progresso tecnológico revela-se fictício e danoso quando se abandona aos “prodígios” das finanças para apoiar incrementos artificiais e consumistas.

Perante esta pretensão prometeica, devemos robustecer o amor por uma liberdade não arbitrária, mas tornada verdadeiramente humana pelo reconhecimento do bem que a precede. Com tal objectivo, é preciso que o homem reentre em si mesmo, para reconhecer as normas fundamentais da lei moral natural que Deus inscreveu no seu coração.(…)”

Caritas in Veritate
Carta Encíclica de S.S. Bento XVI,
Roma, 29 de Junho de 2009, pela solenidade de São Pedro e São Paulo


Trata-se de brevíssima citação de um texto clarividente que, de novo, veio repor a caridade na acepção mais conveniente, na corajosa afirmação dos problemas que não são só deste mas de todos os tempos, tal o caso do desenvolvimento do indivíduo e dos povos em articulação harmónica com a técnica.

É esta a reflexão que me ocorre suscitar, no dia seguinte ao que, para visita pastoral aguardada com uma extraordinária expectativa, chegou a Portugal o seu autor. Com a inequívoca autoridade de referente universal, de líder espiritual, acutilante teólogo e filósofo, Bento XVI é, para nosso privilégio de católicos, o Papa que, desde João XXIII, não só mais nos tem interpelado, como cristãos, mas também mais tem desafiado o homem à necessidade da reflexão afim da redescoberta de si próprio.

Desafio de sempre, é coisa para ser respondida por cada um, durante o tempo que lhe cabe na páscoa [passagem] da vida. Sem dramas, sem precipitações ou confusões, fruto da ousadia de pensar que, questões de sempre, vão ser resolvidas neste tempo, só porque este tempo é o que nos coube viver…

PS:

Fui ontem participar na missa do Terreiro do Paço. Que coisa espantosa o silêncio. Que coisa surpreendente o silêncio enamorado de uma multidão. Tal como nas divinas obras de Arte, no poema, na peça musical, o silêncio, a suspensão, a pausa, o silêncio integrante da mensagem, do todo que ali se viveu, num inesquecível entardecer da cidade.



segunda-feira, 10 de maio de 2010

Certezas contingentes

Ter como absolutamente certo algo que, de facto, não é ponderável, faz a maior das confusões. Por vezes, tão grande é o risco de falibilidade que, em determinadas circunstâncias, chega a ser irracional. Não faltam os casos que poderia trazer à colação para ilustrar a justeza desta reflexão. Porém, revestem-se de particular acuidade aqueles que articulamos com os considerados fenómenos naturais.

A propósito, e, quase a título de anedota, jamais esquecerei que, há já uns bons anos, estava prevista, para a região de Lisboa, a possibilidade de avistar um fabuloso espectáculo de estrelas cadentes. Não faltaram as científicas previsões dos mais notáveis e mediáticos astrónomos portugueses que se deram ao trabalho de aconselhar o horário e até os locais a partir dos quais o espectáculo tinha mais hipóteses de sucesso.

Certamente como muitos outros cidadãos, habituados a confiarem na ciência, também eu fui induzido ao envolvimento na experiência que, tão apetecida e ludicamente, nos desafiava. Até à medula, deixei-me seduzir pela teia de tantos apelos de ordem estética que, inclusive, remetiam para um quadro de música e de equilíbrio cósmicos, qual harmonia pré-estabelecida, muito à imagem do querido Leibnitz.

Desde o princípio dos tempos que tais coisas se querem partilhadas. A perspectiva de fortíssimas sensações, remetendo para a inevitabilidade da redução à pequenez da nossa humana escala, diante da infinitude do cosmos, é algo que nos leva à necessidade do gozo em grupo, ao repúdio da solidão, pela certeza de que estará prestes uma daquelas raras ocasiões de ritual religioso, que não carece do intermédio de nenhum ministro sacerdotal…

E, assim sendo, lá fui, integrado num grupo de adeptos, até às alturas do santuário da Peninha. Só faltou comprar bilhete, tão certa era a inevitabilidade do evento. Todavia, por muito boa vontade que tivéssemos – e alguns de nós até gritavam o avistamento de algo que lá não estava, qual fenómeno de obsessiva miragem – nada acontecia. Alguém sugeriu que mudássemos de poiso e, em plena noite, descemos aos areais do Guincho. E nada acontecia, nada, o firmamento mantinha-se impávido, sereno, sem estrelas cadentes…

Certezas canceladas

Naturalmente, como já terão entendido, circunstâncias actuais determinam que me ocorra o episódio que acabei de lembrar. A ninguém, de facto, se impõe a frágil certeza ou, melhor, a imensa fragilidade das circunstâncias que assumimos como imutáveis. O caso dos transportes aéreos, tão copiosamente cancelados nos últimos dias, quase raia os contornos do absurdo ao não assumir a contingência dos factores no âmbito dos quais se concretiza.

Reparem que milhares e milhares de voos diários, na Europa, em todo o mundo, estão programadíssimos, com rígidos horários, de acordo com rotas mais que estudadas, que riscam os céus como se nada pudesse perturbar tão evidente moldura. Afinal, basta que lá bem a Norte, no meio de um glaciar islandês, tenha acordado um vulcão, bolsando a matéria fervente deste planeta que pode tudo ser menos inércia e quietude, para lançar a maior nuvem de confusão, perante a qual tudo bascula.

Finalmente, a anedota. Não raro, é em quadros quejandos que somos confrontados com as mais caricatas cenas. E, mais uma vez, assim aconteceu, conforme acabei de verificar, através de uma reportagem televisiva no aeroporto Francisco Sá Carneiro. Passa-se o episódio com uma nossa jovem compatriota emigrada em França, totalmente rendida à pretensa imutabilidade dos factores.

Segundo o seu próprio testemunho, terá dito aos patrões que ia ao dentista, cujo consultório desconheço onde seja mas, por certo, perto do seu local de trabalho. Meteu-se num aviãozinho até à santa terrinha e agora, porque as coisas mudaram inadvertidamente, não consegue regressar. Ainda sem saber que desculpa será capaz de arranjar para endrominar os amos gauleses, rezava a todos os santinhos para que os senhores não se apercebessem da mentira…

Entre o espectáculo, cientificamente previsto, das iminentes estrelas cadentes e a científica programação do tráfico aéreo, não há significativa diferença. Cumpre ter em conta que a planificação das actividades nunca será tão séria quanto necessário se não contemplar a possibilidade de ocorrência dos mais remotos riscos. Este também é um princípio científico. Pois é, mas, por vezes, dá jeito não o considerar…

Assim sendo, o melhor é não esquecer o que sucedeu, também por toda a Europa, há cerca de dois séculos e meio, na sequência da erupção do vulcão vizinho deste, bem mais poderoso, e que tantos sinais de turbulência está a evidenciar.

sábado, 8 de maio de 2010


Às arrecuas,
ma nò tròppo…


Acaba o país de saber que S. Exa. o Primeiro Ministro dignou resignar-se ao que talvez não tivesse querido mas foi obrigado, depois de, nesta recente deslocação a Paris e Bruxelas, ter ouvido o que precisava. Ter-se-á rendido à evidência de que um país exaurido, exangue, praticamente incapaz de honrar o serviço da dívida externa que vem contraindo, não pode ter os vícios dos que têm dinheiro…

Até agora, não ouvi nem li, fosse quem fosse, pôr em causa a pertinência da concretização das grandes obras públicas que tanta controvérsia têm gerado. Ora bem, se polémica tem havido, ela apenas reside na simples circunstância de que, apesar da eventual necessidade, o simples facto de não haver recursos para os concretizar, inviabiliza qualquer hipótese de os equacionar no curto ou médio prazos.

De facto, em especial após a reclassificação das agências de rating, o dinheiro está tão caro, que Portugal não tem outra alternativa que não seja adiar a realização de projectos que acabariam por secar a hipótese de financiar negócios bem mais rentáveis. Nestes termos, o tgv, a terceira travessia do Tejo, mais auto-estradas, o aeroporto de Alcochete, têm de esperar por melhores dias.

É que, nas actuais circunstâncias, não há hipótese. Não pode agravar-se a dívida externa, o factor mais perigoso da situação portuguesa em particular. Este não é, de todo em todo, o momento para recorrer ao crédito nas praças internacionais, coisa que, aliás, já o próprio banqueiro Espírito Santo tinha afirmado tão recentemente, acrescentando que é preciso aguardar por melhores dias de apaziguamento e acalmia no mundo financeiro.

E, a propósito, ninguém ousará afirmar que o seu banco não estará desejoso de se envolver num negócio em que poderia retirar tão bons proventos. Bem, se o homem não sabe do que fala… Terá sido isto e mais umas dicas afins o que o PM ouviu aos seus interlocutores nesta deslocação à Europa transpirenaica. Era isto, afinal, que precisava ser público e evidente para o fazer recuar, mas sem perder totalmente a face. E lá ficaram para trás, a terceira travessia, o aeroporto, as auto-estradas.


Mas os comboios, senhor…

Sem relutância, estou prestes a aceitar a justificação que, no jornal Público, Vasco Pulido Valente avançava, no passado fim de semana, relativamente à teimosia do PM na concretização deste projecto do tgv. Com imensa pertinência, ironia e sabedoria, escrevia o Vasco que, na iminência de terminar o seu segundo mandato, sem nada de substancial ter mudado o país, a José Sócrates restava a hipótese de deixar o comboio como marca da governação...

Quanto ao tgv, aquilo que todos vamos sabendo, cidadãos mais ou menos informados que tentamos ser, também o PM o sabe. De facto, o emprego conseguido é efémero, de baixa qualificação, insignificante é a quota parte de produção portuguesa implicada e que, paradoxalmente, a ibérica ligação a Madrid nunca será um negócio rentável para a parte portuguesa. E isso é perfeitamente lamentável quando, com menor precipitação, até seria possível trabalhar uma alternativa mais compatível com os interesses do país.

No entanto, ninguém, em seu perfeito juízo, negará a absoluta pertinência de encarar a ferrovia, nas suas variantes de transporte de pessoas e mercadorias, em velocidades adequadas aos respectivos enquadramentos, e nas apropriadas bitolas. O que está em causa, isso sim, se a coisa for para frente, são as características do negócio em perspectiva que, além de implicarem na cativação de verbas indisponíveis, não satisfazem a resolução mais atinente dos dois aludidos factores, i.e., velocidade e bitola.

Afirma quem sabe destas coisas, que, a concretizar-se o projecto, importaria optar, indiscutivelmente, por uma solução de alta velocidade e não de muito alta velocidade cuja diferença, quer ao nível da construção e implantação dos próprios carris quer da concepção dos motores propulsores das locomotivas, se traduz numa enorme diferença de muitos milhões de euros de investimento.

Por outro lado, no que à questão da bitola se refere, menores não são as implicações se for efectivamente adoptada a solução que está perspectivada. É que, de tal modo evidentes são as diferenças em relação à bitola europeia que fica comprometida a compatibilização, com todos os prejuízos advenientes para a circulação. Se, repito, a coisa vai mesmo para a frente, como o PM acaba de anunciar, impõe-se esclarecer os cidadãos, com a maior urgência.

Naturalmente, caberia ao Governo o esclarecimento. Todavia, sabemo-lo bem, não é essa nem a cultura nem a prática vigentes. Infelizmente, a contrario do que para si próprio mais conveniente seria, o governo actua sem dar quaisquer satisfações. Neste caso, trata-se de matéria de índole técnica que, devidamente tratada em termos da informação, muito poderia contribuir para a aceitação de um projecto que vai consumir tão vultuosos recursos dos contribuintes.


Esperemos que, perante a evidente e flagrante falta de informação oficial, os diferentes partidos da oposição, da esquerda à direita, não deixem de aproveitar o ensejo para fazerem o trabalhinho que se impõe. Se não o fizerem, aliam-se ao Governo na manutenção deste statu quo de trevas, tão pouco propício a uma comunidade que está prestes a empenhar-se a si própria e às gerações futuras, sem perceber aquilo em que está metida.




quinta-feira, 6 de maio de 2010

Acção directa

"(…) Porque a pressão exercida sobre mim constituiu uma violência psicológica insuportável, porque não vislumbrei outra alternativa para preservar o meu nome, exerci acção directa e, irreflectidamente, tomei posse de dois equipamentos de gravação digital, os quais hoje estão apensos à providência cautelar que corre termos no Tribunal Cível de Lisboa.

(…)Procurei assim afirmar e fazer valer os meus direitos, uma vez que nunca tendo sido acusado nem julgado por nenhum tribunal, não aceitarei ser agora julgado por jornalistas deste tipo (…)”

Estas são palavras constantes da declaração do Senhor Deputado Ricardo Rodrigues, ontem à tarde no Parlamento. Era a patética e frustrada tentativa de pública justificação da sua lamentável atitude durante a entrevista que estava concedendo aos jornalistas da revista Sábado.

Tudo porque acabava de ser confrontado com o seu patrocínio, como advogado, a Débora Raposo, em 2008 condenada por burla e falsificação de documentos, num caso que defraudou em vários milhões de Euros a Caixa Geral de Depósitos de Vila Franca do Campo, na ilha de S. Miguel, em que ele próprio chegou a ser arguido, mas não acusado.


A sua demissão de Secretário Regional da Agricultura do Governo Regional dos Açores, em 2003 – na sequência de boatos, com repercussão pública, que o ligavam a um escândalo de pedofilia no arquipélago – terá sido o assunto que levaria o Senhor Deputado a levantar-se e a sair da sala, não sem que, previamente, tivesse subtraído dois gravadores de cima da mesa.

Confrontado com a incomodidade de atitudes do seu passado insular que, infelizmente para si, ainda não se sumiram nem estão esquecidas na bruma dos dias, o Senhor Deputado não esteve à altura da situação. A verdade é que o Senhor Deputado esqueceu que funções exerce, em delegação do poder que muitos cidadãos nele depositaram para, ao mais alto nível, honrar a República.

O profissional da Política que o Senhor Deputado é, portou-se muito mal. Pior não seria possível. Ficou, por exemplo, ao baixíssimo nível do profissional do futebol que, não aguentando a pressão da ofensa verbal de um adversário, desata ao murro e pontapé, esquecendo que o relvado é um tabuleiro de desporto onde a escola do fair play é inequívoca e determinante.

Agiu o Senhor Deputado como um garoto inconsequente que, apanhado em flagrante deslize, tenta esquivar-se, de qualquer maneira, sem perceber que só agrava a situação. Agiu, afinal, como a aluna do Carolina Micaelis – lembram-se? – que, em desespero de causa, agrediu a incompetente professora que tinha deixado que o conflito evoluísse a nível insustentável.

Perdeu a cabeça, dirão alguns benevolentes companheiros do Partido. Pois é, mas um Senhor Deputado eleito, naquele contexto, jamais poderia protagonizar tão lamentável episódio. Não pode reagir a quente, não pode perder a cabeça. Nem mesmo um qualquer cidadão anónimo, aqui na rua, pode assim reagir, exercendo acção directa e irreflectida. Quanto mais, um Senhor Deputado, ali, dentro das solenes paredes do Parlamento de São Bento.


Não menos lamentável, acrescente-se, a atitude do líder parlamentar da bancada que – acompanhado por outros Senhores Deputados, todos de semblante patibular – desculpabilizaria aquilo que, de todo em todo, jamais seria desculpável.

No entanto, sempre optimista, ouso esperar que, por fim, impere o bom senso. Talvez acabemos por ser beneficiados por um comportamento que honre e dignifique o Estado Democrático de Direito que, tão ligeiramente, ouvimos apregoar sem grande convicção e muito menores consequências.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Festival de Sintra 2010
– não, não é normal…



Já vamos na primeira semana e, segundo a organização, a 45ª edição do Festival de Sintra começará no próximo dia 24 deste mês de Maio. Porém, em termos da sua divulgação, nada transparece. Ou, melhor, alguma coisa acaba por se descortinar se a insistência for qualidade maior de quem procura a informação e não esmorecer a persistência. É que, como poderão verificar, não é fácil. Em Sintra, se tudo é particularmente difícil, em especial no campo cultural, porque haveria de ser fácil a disponibilização do calendário do festival?

Não dou qualquer novidade ao lembrar que, em latitudes mais civilizadas, no caso de festivais de grande renome e com programações de nível absolutamente excepcional, daqueles que suscitam uma extraordinária procura internacional de bilhetes, é perfeitamente normal ter o programa na mão e comprar os ingressos com um ano de antecedência, como em Salzburg e Bayreuth, por exemplo.

Tal não é nem nunca foi o caso de Sintra. De qualquer modo, apesar de não passar de festivalzinho de Verão de país periférico, chegou a gozar de reputação invejável até que o advento dessa coisa execrável, sob a espúria designação de contrapontos* – o tal saco de gatos sem conexão onde tudo cabe – a reboque da impreparação de quem ocupa lugares para os quais não está apetrechado, veio dar cabo do crédito da iniciativa que eu próprio cheguei a classificar como o mais sofisticado produto cultural de Sintra.

Todavia, não duvido de que, apesar de pálida sombra do que foi, o festival sempre apresentará motivos de interesse. Os seus directores artísticos – que nada têm a ver com o destempero dos tais contra – lá estão assegurando a apresentação de propostas de qualidade. Para a edição de 2010, fui sabendo que, além de Grigory Sokolov, Brigitte Engerer, Abdel Rahman El Bacha, cá viriam também Alexandre Tharaud ou Jean-Marc Luisada, todos nomes muito interessantes da pianística actual.

Desde o princípio do ano, não deve ter havido uma única semana em que, pelo menos uma vez, não tenha tentado saber algo via internet. Sem sucesso. No entanto, é absolutamente normal que um festival deste género seja anunciado com vários meses de antecedência, de tal modo que os interessados possam programar as suas vidas contando com a assistência a determinados eventos.

No meu caso, por exemplo, se assim não for, isto é, se não me comprometer com a devida antecipação, arrisco não poder assistir a determinado recital porque, nessa data, já terei outra marcação que, entretanto, terá ficado sem qualquer hipótese de alternativa anterior ou posterior. Por inerência de compromissos profissionais e de outra ordem não tenho outra hipótese senão organizar a agenda com a normal antecedência de segurança.

Então, como procurar? Naturalmente, Festival de Sintra 2010 será aquilo que ocorrerá buscar na Internet para ter acesso ao programa. Tentem e verão que vos acontece deparar com uma desactualizada fotografia de Brigitte Engerer encimando a informação de uma dúzia de linhas de circunstância que remete para um programa a apresentar brevemente. Entretanto, dois amigos – daqueles que, coitados, também como eu, obedecem a apertadas agendas melómanas – contactaram-me para saberem pormenores, pedindo um programa detalhado. O que fazer?

Hoje, dia 3, em vez de telefonar ao meu amigo Mário João Machado que, sem qualquer dúvida, me daria toda a informação, resolvi agir como qualquer interessado que não tivesse essa hipótese de contacto. Cerca das três da tarde, dirigi-me ao balcão do hall do Centro Cultural Olga Cadaval. Mas ninguém havia que me pudesse elucidar e não seria do amabilíssimo segurança de serviço que eu esperaria a almejada informação. E confirmei que não havia qualquer programa em suporte papel. Nada, nem um desdobrável, nem um simples folheto.

Não protestei. Não procurei outra fonte, não pedi para ser atendido por alguém responsável. Estava numa óptima e não queria estragar o bom humor. Voltei a casa. Resolvi fazer mais uma tentativa. Disquei o número do telefone do CCOC. Sugeriram-me que fosse ao sítio do próprio CCOC. Muito grato, segui a sugestão. De facto, na agenda, entre outros eventos que nada têm a ver com o Festival de Sintra, lá aparece também a informação referente ao que me interessava.

Mas, vamos lá ver. Serei eu completamente desprovido ou terei alguma ponta de razão quando manifesto a perplexidade que vos dou conta? Então, para aceder ao programa do festival eu tenho de consultar o sítio do CCOC? Com base em que lógica? Por se tratar do edifício onde funciona o auditório mais conhecido, onde alguns eventos têm lugar? Mas porquê, se também há uma série de outros em quintas e palácios que distam alguns quilómetros… Nesse caso, provável e igualmente, a remota designação de Sintraquorum, empresa municipal, será outro sítio para aceder à informação. Ou seja, tudo menos Festival de Sintra 2010… Valha-nos Deus!

Não, isto não é normal. E, claro que não havendo, até parece intenção de dificultar. Pois, pelo contrário, aqui mesmo ao lado, se quiserem confirmar como tudo é fácil, no que respeita ao Festival do Estoril, acedam à informação pertinente. Façam a experiência e, muito naturalmente, entrem por Festival do Estoril 2010. É lógico! Trata-se de uma iniciativa de altíssima qualidade que, neste momento, já está totalmente divulgada, com todos os pormenores. Enfim, Sintra, ou mais do mesmo e Cascais no seu melhor…


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* Vd. textos sobre assunto neste blogue


segunda-feira, 3 de maio de 2010

"DEDICAÇÃO" entre aspas...(1) é...Rua dos Arcos




Começa na Praça da República, mesmo no coração do Centro Histórico de Sintra.

Os arcos ainda lá estão, só que a rua deixou de estar a céu aberto, quando a taparam com as esplanadas dos cafés Paris e Central.





Em Novembro de 2008, face a múltiplas reclamações, foi prometida a recuperação e dignificação da rua, que até servia de armazém de bilhas de cerveja.

Frequentemente tem outros utilizações...








Outro exemplo do alto sentido do "romantismo".








Arranje-se o palavreado mais empolgado, tempere-se com ilusórias citações ao espírito do lugar, estas são provas do anti-turismo militante.





Como é possível ver-se disto em Sintra, depois de tantos alertas para o evitar?

Até quando esta vergonha?

Nota: Depois de aqui termos mostrado o abandono do Casal de S. Domingos, a pouca "Dedicação" tem mantido o lixo no local. Quem responde por isso?