[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 31 de maio de 2011

Autoridade democrática,
exercício ou demissão


O exercício da autoridade democrática apenas pressupõe uma indubitável assertividade, sem quaisquer artifícios ou paninhos quentes, instrumentos afins dos discursos passivos, agressivos e manipuladores. A autoridade democrática compreende a tolerância mas não pode continuar a admitir o nacional porreirismo cujo mais visível resultado é a horrível e perniciosa cultura do desleixo que, infelizmente, parece nada incomodar o cidadão comum.

A demissão do exercício da autoridade democrática constitui uma perversidade absoluta porque a Democracia só sobrevive quando, em todas as instâncias, se exerce a autoridade que, por definição, ela encerra. Cada vez que alguém se demite do exercício da autoridade democrática que lhe foi outorgada está a trair a própria democracia.


Na Educação, por exemplo...


Pensemos, por exemplo, numa qualquer comunidade escolar, portanto, espaço escola onde desenvolvem actividade os corpos docente e discente, para além de todo o pessoal de apoio educativo. Se, perante um problema que pode resolver – caso de quebra ou de ofensa da disciplina objecto do Regulamento da Escola – em que é suposta a sua intervenção, um cidadão professor ou assistente operacional se subtrair, de facto, ao exercício da autoridade democrática de que está investido, estará a pôr em causa os objectivos do programa sócio educativo daquela específica comunidade escolar e, também, os propósitos da comunidade educativa em que está inserida.

Na realidade, basta que algum daqueles membros da comunidade escolar, não actue, como deveria, para que, imediata e automaticamente, tudo fique em causa. Exercer a autoridade é ser autor e, em simultâneo, actor da atitude que se impõe concretizar. Se tal não acontecer, o problema detectado não será resolvido e passará a fazer parte de um acumulado de factos análogos, não resolvidos, que constituem o mais negativo património de uma casa de Educação.

...e, em geral

Este exercício de sumaríssima análise, que acabamos de aplicar ao sector onde se processam as práticas do ensino e da aprendizagem das crianças e jovens, pode alargar-se a todos os sistemas através dos quais se organiza a comunidade nacional, Saúde, Defesa, Segurança, Trânsito, etc. Daí que nos sintamos autorizados a uma conclusão muito mais abrangente., em relação ao governo resultante das próximas eleições. Ou exercerá, de facto, a autoridade democrática outorgada pela delegação de poder transferida pelos eleitores na votação ou, se assim não for, com a tendência do portuguesinho para desenrascar, comprometer-se-á o alcance dos objectivos impostos pela adversa situação em que nos encontramos.

É tão simples como isto. Não consigo concluir sem articular esta reflexão com a enorme percentagem de analfabetismo e de iliteracia, característicos da nefasta realidade lusitana que, constantemente, tenho apontado como factores primordialis afectando, tão negativamente, o resultado de todos os projectos em que nós, portugueses, nos envolvemos. Trata-se de mais elementos explosivos que teremos de saber trabalhar, com pinças, se quisermos ser capazes de exercer a autoridade democrática, no Estado Democrático de Direito que decidimos reconquistar em Abril de setenta e quatro. Caso contrário, a coisa pode mesmo explodir...

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NB: já no próximo texto voltarei ao ciclo dos artigos que estou a dedicar à Condessa d'Edla, por ocasião da reabertura do Chalet.



segunda-feira, 23 de maio de 2011







A visita a Elise


“(…) Quando convoco e vejo a Condessa no seu afã da Pena, sempre me aparece como Elise, sem o título de conveniência, apenas mulher que amou e foi amada por um homem tão excepcional como ela. Tanto tempo depois, aqueles dois continuam, para além do tempo, a habitar o nosso espaço real e mítico, a par de outras belas histórias, com amores possíveis e impossíveis, contrariados ou favorecidos, trágicos e idealizados. (…)

Neste possível Klingsor, resgata-se agora o emblemático ninho de amor à ignomínia de muitos anos de ofensa. Veja quem quiser! Eis o trabalho de recuperação que se impunha. Finalmente! Pode Elise voltar ao sossego? Creio bem que sim. De facto, tanto no chalet, como em todo o Parque, estará a terminar, terminou mesmo o ciclo das mágoas. (…)

Durante muitos anos, também esta fraca voz se juntou às de Emília Reis, Maria Almira Medina, Fernando Castelo, Fernando Morais Gomes e de tantos mais, na sistemática denúncia do escândalo sem nome que ali acontecia. Agora, porém, é tempo de festa. Pelo menos, a minha festa já começou. (…)”



São excertos de um texto publicado, neste mesmo blogue, também em 22 de Maio, mas de 2009,e, portanto, como aconteceu no passado domingo, sempre por ocasião do aniversário da Condessa d’Edla. Entretanto, aquilo que aquelas transcritas palavras prenunciavam e, declaradamente, até já anunciavam, ou seja, a reabertura do Chalet da Condessa, acabou de acontecer!

Para a comemoração do evento, preparei um pequeno ciclo de três textos. No primeiro, que hoje vos deixo, para além da querida Elise, também pretendo homenagear a pessoa que – nesta terra de Sintra, tão avessa ao reconhecimento de quem por ela o melhor faz – singela, discretamente, tem sabido manter uma memória de especial carinho e afecto à Condessa d’Edla, ao longo de anos e anos de exemplar e insuspeita dedicação.

Naturalmente, refiro-me a Emília Reis. E, no sentido de aquilatarem a justeza das minhas palavras que, certa e naturalmente, não podem deixar de denunciar a imensa estima que por ela nutro, trago um testemunho inequívoco. Trata-se de um documento que por si fala, relativo a uma atitude de animação cultural do melhor recorte e gabarito que esta amiga de Sintra recentemente protagonizou.

Reparem que Emília Reis não tem quaisquer ligações institucionais nem a move o mínimo objectivo material. Apenas a motiva o respeito pela singular figura de uma mulher, que teve a dita de ser muito amada por um homem que a soube merecer e a desdita que a história desse amor tivesse acontecido num país em que histórias de amor, longínquas no tempo, como a de Pedro e Inês, ou mais recentes, tal o caso de Francisco e Snu, acabam sempre nas malhas de hipócritas e invejosos…

Respeito pela memória e, no caso pessoal de Emília Reis, igualmente uma sua especialíssima relação pessoal com o lugar. Mas, de facto, o melhor é passar ao caso. No passado dia 7 deste mês de Maio, a nossa boa amiga resolveu acolher, como visitantes do Chalet da Condessa, não um, nem dois, nem três mas, nada mais nada menos do que cinquenta e duas pessoas, sócias do Instituto Cultural D. António Ferreira Gomes do Porto. Única e exclusivamente de sua própria iniciativa, sem qualquer enquadramento oficial, sem qualquer suporte institucional, por amor à causa e à coisa.

Estão muito enganados se, desconhecendo o calibre de animadora de Emília Reis, tiveram a ousadia de imaginar que se limitaria a conduzir aquela meia centena de curiosos visitantes até ao Chalet e jardins adjacentes, proferindo umas palavras de circunstância, à laia de cicerone contratado para o efeito. Pois, não senhores. Como bem atestam as provas apensas, os textos e as imagens que distribuiu, contradizem qualquer solução de facilidade, significando uma cuidadosa preparação. que foi ao ponto de avançar com dois inéditos.

Portanto, como vertentes indissociáveis da atitude cultural que promoveu, tenham em consideração os três suportes seguintes: 1.o texto de sua autoria, “ D. Fernando II e Elise Hensler – Breve Apontamento”, 2. um poema de Maria Almira Medina, que a própria autora assinou, constituindo ambos trabalhos inéditos, e 3.o desenho do Senhor D. Fernando, fazendo jus ao epíteto de Rei Artista que, ainda hoje, tão bem lhe quadra.



1.D.Fernando II e Elise Hensler - Breve Apontamento

Tudo começou em Sintra…. Esta frase escreveu-a D. Fernando II num desenho datado de 1863, em que o próprio Reise fez representar com Elise Hensler, rodeados por arvoredo, no Parque da Pena, - local que terá sido, certamente, o palco privilegiado da vivência mais íntima de D. Fernando II com a sua segunda mulher, a Condessa d’Edla.

Foi ao Palácio da Pena que regressaram no dia do seu casamento, celebrado em Lisboa em 10 de Junho de 1869 e foi,na chamada Feteira da Condessa, que plantaram, nessa data, o eucalipto oblíqua, a árvore que seria, até há cerca de um ano - (envelheceu e, num dia de temporal caiu sobre o regato que durante cento e quarenta anos lhe tinha
alimentado as raízes)- a única testemunha viva deste acontecimento.

Era, também, no Palácio da Pena que permaneciam desde a Primavera até ao Outono e mesmo no Inverno, não deixavam de lá passar alguns dias onde, frequentemente, D. Fernando era visto a passear pelo Parque com traje que levava a confundi-lo com um caçador bávaro. Usufruía nesses tempos de um merecido repouso, depois de ter cumprido, com esmero, os seus deveres familiares e políticos e de ter sofrido os desgostos da morte, de sua primeira
mulher, a Rainha D. Maria II, em 15 de Novembro de 1853 e de três dos seus filhos já adultos.

Como curiosidade sabemos, também, que a Condessa d’Edla, quando dirigia os trabalhos, sobretudo no jardim do seu Chalet, vestia calças e montava a cavalo, trazendo permanentemente pendurado no cinto um apito com que chamava os seus cães – o Liró, por exemplo, que lhe era muito afeiçoado – e que gratificava o seu jardineiro Morgado,
para que ele, de tempos a tempos, fumasse debaixo das árvores mais débeis, atacadas por alguma doença - talvez as mesmas que o Rei, pacientemente, adubava com a cinza do seu charuto.

Não é difícil imaginar e mesmo acreditar que, ambos terão cantado em dueto, muitas vezes, dentro do Chalet e pelas veredas do Parque, as áreas de ópera suas preferidas e, as suas vidas, seguramente, terão continuado ligadas para além da morte, pelas muitas afinidades que os uniram e que, Maria Almira Medina, no seu belo poema “O Chalet da Condessa numa Manhã de Março”, tão bem evoca.

Sugerindo que D. Fernando, homem culto do seu tempo, seria conhecedor da obra de Goethe, seu contemporâneo,cuja inspiração literária se tornou marcante no séc. XIX, também ao nível da arquitectura dos parques românticos de que o Parque da Pena é uma referência, a Arq. Paisagista Prof. Teresa Andresen em “O Parque da Pena: O Significado de uma Intervenção”, sugere um sem número de paralelismos entre o ambiente em que se passa o argumento da obra de Goethe, Afinidades Electivas e o Parque da Pena. Escreve assim:

Os cenários predilectos dos sucessivos acontecimentos são a residência, o parque e dois pequenos edifícios do parque o pavilhão e a cabana de musgo. Eduard e Chalotte (os protagonistas de Goethe) rodeiam-se de profissionais: o Capitão – um engenheiro topógrafo – arquitecto, o jardineiro …

Em Sintra temos, o Palácio, o Parque da Pena e a Casa do Regalo, nome por que era designado o Chalet, como elementos de eleição num cenário em que, o Rei-Artista, D. Fernando II com Elise Hensler – Condessa d’Edla,assumiram ser, eles próprios, os protagonistas de uma história verdadeira, romântica, e de que nos ficou ESTE ADMIRÁVEL LUGAR, no todo do seu conjunto.

Sem eles não O teríamos hoje aqui.

Emília Reis

Notas recolhidas de:

- D. Fernando II - Rei-Artista Artista-Rei (Fundação da Casa de Bragança)

- Informação verbal de familiares da Condessa d’Edla




2. Poema de Maria Almira Medina e 3. Desenho de D. Fernando

























quinta-feira, 19 de maio de 2011












Em amena conversa, Emma Gilbert, acolhe Camilla, Duquesa da Cornualha








Um secreto convite


Passou cerca de um mês e meio sobre aquela magnífica tarde de fins de Março* em que Sintra recebeu Carlos, Príncipe de Gales, herdeiro do trono britânico, e sua mulher, Camilla, Duquesa da Cornualha, a pretexto da inauguração do Roseiral de Monserrate. Posteriormente, todos assistimos ao galáctico casamento de Guilherme e Catarina que, como não podia deixar de suceder, ainda mais veio avivar a lembrança da presença do par real que nos marcou com tão grata impressão.


Como, até hoje, apenas continuei a encontrar pessoas que, de todos os quadrantes, muito gostaram de acolher Suas Altezas em Monserrate, parto do princípio de que se mantém o interesse em saber mais alguma coisa acerca do misterioso convite que resultou nesta visita que perdurará na memória de todos. Na realidade, acabou por constituir mais um episódio a somar àqueles em que, há mais de seiscentos anos, Sintra tem estado à altura dos pergaminhos da arte de bem receber reis, príncipes e princesas da doce Albion, que até aqui têm descido em demanda da sua tão cantada e decantada singularidade.


Antes, porém, convém não esquecer ter-se tratado de uma importante visita de Estado que, como se imagina, foi preparada com o cuidado inerente ao mais alto nível das pessoas que tivemos o privilégio de acolher. Questões de segurança cuja minúcia nem sequer concebemos, detalhes de protocolo que nenhum manual regista, particularíssimos nas deslocações de membros desta família real, constituem matéria específica e tão cara à prática diplomática, absolutamente determinante para que as coisas tivessem corrido tão bem.


Assim sendo e, naturalmente, sem que ninguém conteste a linearidade destas palavras preambulares, impõe-se que vos convoque para uma pequena reflexão acerca do mais importante de todos os assuntos que preocuparam quem se incumbiu, em Portugal e no Reino Unido, da preparação da visita real, ou seja, do seu programa.


Em casos que tais, tão complexa e complicada se revela a equação em presença que bem pode falar-se de quadratura do círculo. De facto, com tão pouco tempo útil disponível, como preencher uma agenda que sempre seria mais sobrecarregada do que o admissível, sem resvalar para um terreno em que, por mais meritórias que pudessem ser as iniciativas objecto da visita, passariam o limite da elegância, da sofisticação e do conforto que é suposto enquadrar?


Diplomacia informal


Como bem sabem, é em casos desta bicuda natureza que costumam intervir os senhores embaixadores. No caso em questão, ao tempo em que se colocou a necessidade de conceber um programa para a visita oficial de tão alto calibre, o representante diplomático de Sua Majestade Britânica era Alexander Ellis, um homem que conhece este país como poucos portugueses conhecem a sua própria terra, alguém que, no fim de 2010, vem a propósito referir, deixou tais funções para assumir as de Director de Estratégia do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Londres.


Casado como uma senhora portuguesa, o Embaixador Ellis, que domina fluentemente a nossa língua e se interessa pelos mais diversos aspectos da cultura portuguesa, mantém no nosso país uma rede de contactos que, em muitas circunstâncias, coincidem com amizades. Pois, muito bem, meus caros amigos e leitores, é neste contexto que, com sua expressa autorização, estou em posição de vos apresentar quem acabou por ser protagonista neste episódio de tão boa memória.



Em Sintra, com certeza, não estranharão que assunto de conotação tão intrinsecamente britânica, não pressupusesse o natural envolvimento de Emma Gilbert, pois claro… Todavia, que presunção a minha! Então, como apresentar-vos quem não carece de apresentação? Tão somente, aproveitando a ocasião, isso sim, para confirmar como esta grande Amiga de Sintra acabou por prestar mais um duplo serviço, portanto a Sintra e a Sua Majestade Britânica…


A história remonta a Setembro do ano passado, altura em que o Embaixador Ellis, seu amigo pessoal, lhe telefonou, perguntando se tinha alguma ideia para incluir no apertado programa da visita. Claro está que Alexander Ellis sabia perfeitamente com quem partilhava aquela preocupação. Emma Gilbert conhece o príncipe Carlos, os gostos e interesses deste célebre e destacado militante da defesa e recuperação do património natural e edificado pelo que, de imediato, sem pestanejar, lhe ocorreu a espantosa ideia da inauguração do Roseiral de Monserrate.



Pudor e gratidão



Não é este o momento nem a ocasião se presta à entrada em pormenores acerca da ressurreição daquela peça de jardim de remota reminiscência. Emma Gilbert, juntamente com o Arq. Gerald Lukhurst, andavam às voltas com o projecto de reabilitação desde o ano 2000. Passaram pela celebração de um Protocolo, em 2004, e por muito, muito trabalho até que, depois de heróicas semanas, em tempos mais recentes, tudo estava a postos para a visita e cerimonial festivo.



E lá está, em local de absoluto favor, o Roseiral cuja inauguração foi objecto das secretas negociações cujos contornos fui autorizado a desvendar. Foi tarefa que me permitiu este prazer imenso de vos contar como, também pelo seu envolvimento neste caso tão paradigmático da promoção de Sintra, Emma Gilbert merece o subido epíteto de Amiga de Sintra, distinção que costumo atribuir apenas aos pouquíssimos cidadãos que mais se notabilizam na causa da defesa dos interesses desta terra.



Portanto, eis desvendado o segredo do convite que tão sofisticado considerei. Finalmente, porque a comunidade local tem maneira apropriada de retribuir, a nível institucional – não por esta lembrança e sugestão, coisa pouca no longo currículo de afecto por estes lugares que permanecem no seu coração – mas por tanto empenho e constante dedicação, fica o meu voto no sentido de que Sintra saiba agradecer tudo o que deve a Emma Gilbert.



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*vd. Sintradoavesso, São rosas, meus senhores (31.03.2011)









quarta-feira, 11 de maio de 2011


Analfabetismo,
português, real, insofismável…

Na gestão da coisa pública, o que deveremos nós pensar dos políticos que, para além do analfabetismo puro e duro de cerca de dez por cento da população portuguesa, também não consideram o designado analfabetismo regressivo que, em muitas circunstâncias, não é coincidente com a iliteracia? Tão surpreendente como ignorantemente, Portugal tem sido governado como se esta condicionante da realidade sociológica em presença fosse dispicienda. Claro está que o resultado não podia ser mais elucidativo...

Por exemplo, muitos pais e avós dos actuais licenciados portugueses são analfabetos ou iletrados. Não há qualquer semelhança entre as famílias médias de crianças portuguesas e finlandesas ou austríacas frequentando o Ensino Básico ou Secundário, sempre com desvantagem para os nossos índices constantes das estatísticas oficiais. Está muito enganado quem pensa que tão insofismáveis realidades - sem expressão no designado Memorando da troika - não tem importância para resolução dos problemas do país.


A propósito, quando se fala em analfabetismo e iliteracia, deve lembrar-se que há vários milhões de portugueses cujas famílias há uma, duas gerações, eram analfabetas. Importantíssima a noção a reter de que o analfabetismo de um cidadão é como mancha de óleo que alastra, afectando, de um ou outro modo, pelo menos, dois, três familiares próximos, quer vivam ou não no mesmo agregado. Por outro lado, a nossa literacia é tão fraca quanto recente. Cumpre questionar como ignorar esta grelha sociológica ao analisar, por exemplo, o resultado de uma sondagem.


Finalmente, por outro lado, já assumiram os leitores que é com este nosso povo, com tão significativas franjas de analfabetismo e iliteracia - incomparáveis na zona Euro e em toda a UE - que o país vai ter de contar para concretizar as medidas constantes do referido Memorandum? Imaginam até que ponto factores tão negativos vão condicionar o alcance dos objectivos implícitos?



quarta-feira, 4 de maio de 2011

Cena lamentável,
figurantes e figurões

Verdadeiramente digno e adequado à patusca personagem que encarna na cena da política nacional, ontem à noite, o PM soube capitalizar o efeito do anúncio das medidas que não estão no acordo com os credores internacionais, retirando campo de manobra aos intervenientes que terão de subscrever o documento de compromisso nacional.

Claro que se trata de mais um baratíssimo episódio da sua proverbial esperteza saloia. Claro que o afirmo sem pretender apoucar ou ofender os saloios sintrenses entre os quais, aliás, darão licença para que me considere incluído… De facto, sem qualquer hipótese, sem o mínimo de características, mas aspirando à subida condição de estadista, fica condenado, isso sim, a estas pífias atitudes apenas suscitando comentários como aquele que, neste momento, subscrevo.

Perfeitamente à altura de quadro tão lamentável, logo apareceu o Prof. Eduardo Catroga que, para todos os efeitos, é ele e muito mais do que ele, já que protagoniza o papel que o Presidente da República lhe terá atribuído, ou seja, o da voz de Belém. Em vez de, prudentemente, se eximir a comentários antes de conhecer os completos detalhes da proposta do acordo, não entrando no jogo que José Sócrates acabara de suscitar, escorregou para um terreno que, de modo algum, é o que interessa aos cidadãos.

Quem está a capitalizar todo este núcleo duro da asneira institucionalizada é o CDS e Paulo Portas. Com uma postura de reserva calculista, de estudada discrição, está o partido mais à direita do arco governativo a tirar dividendos da falta de capacidade de investimento dos dois partidos à sua esquerda.

Se o PS não conseguir apresentar uma alternativa de liderança a José Sócrates – que, em termos do futuro governo, possa emparceirar com os outros dois ou um dos partidos à sua direita – o país encontrar-se-á numa encruzilhada perante a qual é imprevisível se o Presidente da República terá capacidade bastante para impor a solução que mais interessa.

Bem, como se vê, estamos num embrulho muito complicado de desfazer. E, infelizmente, ainda desconhecendo se, finalmente, é a partir deste momento que se vai atacar a sério a economia paralela, que representa um quarto da riqueza nacional e, por outro lado, que estratégia vai ser seguida para proceder ao famoso emagrecimento da pesada e cara máquina do Estado que tantos recursos subtrai para além daqueles que seria justo esperar.





segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma questão de responsabilidade*


Há dois ou três dias, o Prof. Eduardo Catroga sugeriu que, nomeadamente, os jovens portugueses deveriam responsabilizar José Sócrates, em tribunal, por um conjunto de erros, de ocultações e por ter faltado à verdade aos portugueses. Vindas do coordenador do programa eleitoral do PSD, tais palavras valem o que valem...

O mesmo não direi das declarações, de algum modo, coincidentes com as anteriores, proferidas por Carlos Costa, Governador do Banco de Portugal, que, na semana passada, veio direccionar a culpa pelo actual estado de desgraça das finanças públicas nacionais a quem, de facto e concretamente, deve responder em todas as instâncias eleitorais, legais, etc.

Apontou ele o dedo aos decisores políticos e aos administradores públicos que, nos últimos doze anos, conduziram o país, considerando mesmo que deveriam ser responsabilizados. Aparentemente dispicienda, aquela preocupação de delimitação temporal à dúzia de anos precedente, permite incluir, para além da do PS, também a responsabilidade dos governos Barroso e Santana Lopes que, para todos os efeitos, não podem subtrair-se ao «julgamento» implícito.

Considero ser uma opinião a ter em conta quando, tantas e tantas vezes, se afirma que culpados somos todos nós... Neste contexto, vai sendo tempo de abandonar a atitude de sistemática desresponsabilização, tão cara à cultura lusa, e que tão perniciosa se tem revelado para o alcance e satisfação dos objectivos que mais interessam aos cidadãos portugueses.


No horizonte...

Quando é que aprendemos e saberemos atribuir, a seu dono, o ónus dos actos cujas consequências acabam por abranger toda uma comunidade desprovida de instrumentos de sanção? Ou será que nos satisfaz a capacidade eleitoral? Bastar-nos-á que, através do voto, deleguemos o poder que detemos em cidadãos alinhados numas listas cozinhadas pelas cliques partidárias, ao fim e ao cabo, lideradas pelos tais responsáveis a quem nos estamos a referir?

Estou em crer que deveríamos aproveitar este tempo, em que urge mudar de paradigma, a todos os títulos da vida quotidiana e da intervenção cívica, para promover a discussão e, posteriormente, a adopção dos dispositivos legislativos a introduzir na própria Constituição da República, que permitam aos cidadãos pronunciarem-se adequadamente em relação à avaliação e responsabilização dos detentores de cargos públicos.

Se, em democracia, a ocupação dos lugares na gestão da coisa pública, decorre dos próprios mecanismos democráticos, em que os cidadãos delegam competências noutros cidadãos, imperioso se revela, por exemplo, modificar, melhorar e apurar a Lei Eleitoral de tal modo que, através de círculos nominais inequívocos, cada um saiba em quem está a votar e possa proceder ao correcto escrutínio das atitudes e actividades dos eleitos. Enquanto assim não acontecer, não creio que seja possível falar em responsabilização seja de quem for.

Convém não esquecer que, sem a vertente do sistemático controlo e avaliação das atitudes dos decisores políticos, por parte dos eleitores, a Democracia é um regime que suscita grandes perversidades. Cada vez mais lucidamente, quem se preocupa com estas questões chega à conclusão de que, no quadro da democracia representativa, se o cidadão comum se limitar, tão somente, à atitude cívica da votação nas eleições legislalativas e locais, nada de substantivamente eficaz acontece. Ou seja, a Democracia pressupõe a representação decorrente do voto mas tem de ser completada pela participação cívica.

Responsabilização dos eleitos? Sim senhor, mas só se os cidadãos se incomodarem e preocuparem civicamente. E como pode isso suceder se a iliteracia é o que é em Portugal, se o analfabetismo pleno e funcional continua a apresentar os mais vergonhosos índices da União Europeia, em geral?


Pois é, só com muito, muito trabalho e na partilha da convicção de que, ao contrário do que a classe política tem dado a entender, este não é um país sequer análogo aos outros da zona euro. Se não houver assunção destas verdades inequívocas que, tão negativamente, nos caracterizam jamais conseguiremos definir as estratégias adequadas à especificidade portuguesa.

Por enquanto, os objectivos que têm sido formulados, por muito justos que se afigurem, apenas são contempláveis no horizonte. Ah, como tudo isto está tão indissociavelmente ligado!...


*parcialmente publicado no facebook