[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Quarenta e três


Aí está, a 43ª edição do Festival de Sintra, que se prolongará até 13 de Julho, marcando o calendário de Verão das iniciativas culturais nesta terra. Antes de mais, em tempo de apertos orçamentais, que por toda a parte se fazem sentir, justo é que deixe uma palavra do maior apreço perante o trabalho desenvolvido pelos Directores Artísticos.

Tanto o Dr. Luís Pereira Leal como o Mestre Vasco Wellenkamp, respectivamente responsáveis pelas vertentes musical e de dança, apresentam propostas de qualidade inegável, apesar da mitigada disponibilidade financeira, o que bem atesta o alto gabarito do contributo de ambos.

E não é fácil, mesmo nada fácil, fazer algo parecido com a quadratura do círculo. Não há quem não goste de ir ver um acontecimento cultural cujo protagonista seja o melhor ou esteja entre os melhores do mundo. Durante muitos anos, o Festival de Sintra foi marcado por tais presenças. E esta edição, mesmo em difíceis condições financeiras, até nos traz gente que tal, casos do pianista Grigory Sokolov, em 11 de Julho, ou o Scapino Ballet Rotterdam, em 20/21 de Junho, para mencionar apenas dois casos.

À partida, aliás, relativamente às edições mais recentes, não descortino o mínimo indício de quebra de qualidade, em qualquer dos eventos, que pudesse suscitar alguma apreensão. Portanto, sem concessões à qualidade, aí está a presente edição daquilo que já classifiquei como o mais sofisticado produto cultural de Sintra, enquanto iniciativa anual.

Se bem que a programação continue a obedecer a um figurino que se sustenta na estrutura em vigor há uns anos a esta parte, certos detalhes oferecem excelente oportunidade para partilhar algumas considerações, cuja pertinência os leitores e, em especial, os habituais frequentadores não deixarão de ajuizar.

Todavia, convém-me que, para um melhor enquadramento das notas que se seguem, cite algumas das palavras iniciais do programa da temporada Gulbenkian de Música 2008-2009:

“(…) cada concerto constitui uma proposta que vale por si mesma e uma experiência estética autónoma (…) uma estratégia de coerência que passa por construir associações temáticas entre concertos isolados, convidando o público a percursos de descoberta que encadeiam vários programas em ciclos que lhes dão sentido (…)”.

Na continuação deste texto, compreenderão porque me socorri desta citação.

(continua)

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Bartolomeu Cid dos Santos
(1931-2008)


Na passada quarta-feira, dia 21, morreu em Londres Bartolomeu Cid dos Santos. Ia nos setenta e seis anos, solto das coordenadas do tempo, um menino, é verdade, grande e gordo, amante das boas coisas da vida e preocupado com as mais sérias questões da vida. Venho contar-vosda nossa relação de amizade, indissociável do comum amor a Sintra.

Naturalmente, a outros deixo as referências biográficas deste grande nome da arte portuguesa contemporânea. Todavia, imperioso se revela abordar um ou outro aspecto da vida do homem e do artista, especialmente porque tive o privilégio de beneficiar do seu encanto, em doses inesgotáveis, na sábia sedução que imprimia às conversas pelos caminhos da Arte.

Desde logo, mencionaria o pai, o famoso médico Prof. Cid dos Santos, conhecido humanista, homem de grande cultura, a quem o filho muito viria a dever por toda uma formação e educação direccionada para as artes e humanidades. O Bartolomeu menino estudou, por exemplo, música e alemão, absolutamente determinantes para que, mais tarde se revelasse o inevitável melómano em que se tornou.

Apetecia reproduzir episódios que me contou da sua meninice, tantos e tão ilustrativos desse tempo em que, por ser filho de quem era, pôde contactar a fina flor da intelectualidade portuguesa e internacional, nas salas e à mesa da sua casa ou em viagens inesquecíveis e únicas. Como certa deslocação a Paris, com o pai, por essa estrada fora, no automóvel da família, parando em Espanha, a visitar o médico e escritor Gregorio Marañon, em cuja casa foi descobrir uma autêntica e surpreendente galeria, com obras dos mais notáveis artistas, recentes e de épocas passadas.

Um grande melómano

Comigo, Bartolomeu partilhava o gosto pela música. Quando percebeu que, tal como para ele, a língua alemã é, também na minha perspectiva, instrumento inseparável do acesso a particularidades do universo de Wagner, concluiu que podia confessar-me as suas mais remotas experiências pessoais e directas, ainda miúdo, por exemplo, com a Tetralogia do compositor de Bayreuth.

Em especial, falou de certa récita do Siegfried que assistira em São Carlos, em plena guerra, quando o mítico maestro Knappertsbusch veio a Lisboa dirigir a Filarmónica de Berlin, na mesma oportunidade em que alguns músicos desta orquestra tinham jantado em sua casa… Se isto não é privilégio, então desconheço o que isso seja. Mas compreendo que, por causa das invejas, apenas se conte aos iniciados…

Com ele, a conversa nunca era coisa gratuita e, pelo contrário, sempre estimulante e oportunidade para saber mais. Melómanos inveterados, envolvemo-nos em discussões muito vivas e interessantes. Não raro, tive de recorrer à mais diversa documentação e bibliografia, para sustentar ou corrigir alguma opinião, dele ou minha, para esclarecer qualquer dúvida pertinente.

Neste domínio, em diferentes ocasiões, cheguei ao ponto de incomodar um grande amigo, o Dr Mário Moreau que, com o seu enciclopédico conhecimento do mundo da ópera, nos ajudou a clarificar aspectos mais ou menos obscuros que, também frequentemente, se revelavam altamente desafiantes, em diálogos sem fronteiras, em que toda a Arte, desde a poesia, à pintura, à gravura, à música, em que a política e, particularmente, a participação cívica se articulavam em coerente mosaico.

Sintra, uma preocupação

Contudo, muito sintomaticamente, o que nos fez aproximar não foi a melomania. Deu ele o primeiro passo, precisamente por intermédio do Jornal de Sintra, através de um artigo que subscreveu, em simultâneo com uma carta que me dirigiu, a propósito do estado lamentável do centro histórico, coisa que ele sentia na pele, na medida em que a sua casa, nas Escadinhas da Fonte da Pipa, constituía ímpar ponto de partida para a melhor avaliação.

O Bartolomeu era homem de esquerda, senhor de fortes convicções políticas. Como alguns de nós, mas contra a opinião dos mais poderosos, acreditava na capacidade de mudar a polis, através da participação em lutas de intervenção cívica, na possibilidade de viver uma vida democrática que ultrapasse a retórica dos discursos inconsequentes e se comprometa com as pessoas, com os seus problemas reais e concretos.

Uma das causas que mais o mobilizava era a da defesa e preservação do património, questão bem real e concreta que, inequivocamente – se for perspectivada numa actuação integrada e abrangente – pode contribuir para a mudança em geral e para a melhoria da qualidade de vida em particular. Se alguma prova necessária fosse, demonstrativa do seu empenho, bastaria recordar o apoio pessoal à iniciativa da discussão dos problemas do bairro da Estefânea. Tive-o, exactamente ao meu lado, na mesa que conduziu o aceso debate daquele dia 22 de Março de 2004…

Tinha a família entranhada em Sintra há várias gerações, não estava sempre por aqui mas, quando estava, adorava. E, muito naturalmente, também sofria, como só pode quem assiste à contínua degradação desta sede de concelho que, afirmava ele constantemente, merece outro cuidado, uma gestão adequada às características, ao perfil e ao espírito do lugar.

O artista empenhado

Era um grande senhor da Cultura Portuguesa dos nossos dias. Há mais de cinquenta anos, fundara a Gravura, sociedade cooperativa de artistas gráficos que, em termos concretos e práticos, constituía uma entidade cujos objectivos eram afins da sua postura e filiação política. Como lembrava José Cutileiro, no Expresso do sábado passado, pelos seus dezassete anos, Bartolomeu era já um jovem comunista, capaz de pôr a tocar A Internacional, no ‘pick up’ aos berros, em manobra provocatória…

Mesmo em termos internacionais, Barto – como era conhecido lá por fora – é um nome incontornável da gravura, tão grande e significativo que os ingleses lhe souberam reconhecer o enorme mérito, admitindo-o como professor da célebre Slade School of Fine Arts de Londres, já no princípio dos anos sessenta, ali se mantendo até noventa e seis, altura em que se aposentou. Altamente honrosa, a sua nomeação como professor emérito de Arte da Universidade de Londres e membro da Real Sociedade Britânica de Pintores e Gráficos.

Detentor de um currículo espantoso, foi professor convidado e consultor de várias universidades europeias, fez inúmeras exposições por esse mundo. A fundação Gulbenkian que, como é sabido, não dá ponto sem nó, e só mesmo aos muito grandes dá a honra da promoção de exposições retrospectivas, concretizou uma sobre a obra de Bartolomeu Cid dos Santos cuja concepção era extremamente interessante, tendo constituído assinalável sucesso.

Que homenagem?

Em cerca de três meses, deixaram-nos dois nomes máximos das Artes e Letras portuguesas. Só a sintrense universal incultura se pode permitir não dar o devido destaque à perda de Maria Gabriela Llansol e Bartolomeu Cid dos Santos. Pensar que a sua memória se honra com o minuto de silêncio da ordem, não passa de brincadeira com coisas sérias…

Aliás, depois de tão atrabiliárias concessões de medalhas de ouro do concelho, a figuras totalmente insignificantes cá do burgo, também não imagino o que poderá a Câmara fazer… Uma coisa eu sei, que várias vezes me confessou. Dar-lhe-ia muita alegria ver recuperada a casa de Mily Possoz [será que esta gente dois serviços alguma vez ouviu falar dela?...], outra grande mas esquecida artista, que morreu em Sintra em 1967. Era sua vizinha. Se for necessário, podem contar comigo para lá ir indicar onde fica.

Cá por mim, à guisa de pessoal celebração, mal acabe de escrever este texto, tenho preparado o leitor de CD para ouvir o Acto III de Götterdämmerung (Crepúsculo dos Deuses) de Richard Wagner. Vou escutar este sublime momento da ópera, sob direcção e na leitura de Sir Georg Solti, 1973, dirigindo a Filarmónica de Viena, em que Birgit Nilson, Wolfgang Windgassen, Dietrich Fischer-Dieskau, Christa Ludwig Luccia Popp, e Gwyneth Jones assumem, respectivamente, as personagens de Brünnhilde, Siegfried, Gunther, Waltraute, Woglinde e Wellgunde.

O Bartolomeu tinha esta versão em lugar altíssimo. Para mim, constitui referência máxima. Neste ramalhete das maiores estrelas, há interpretações inultrapassáveis, perfeitamente paradigmáticas, intemporais. Ah, vou acompanhar a audição bebendo um Collares que, pois claro, já está aberto, já foi provado e aprovado. E tenho a certeza de que o Bartolomeu também aprovará esta minha celebração da Vida, da Arte e da Cultura (maiúsculas, à alemã…) com um copo do nosso melhor vinho.

À nossa querida Sintra! Até já, Bartolomeu…
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NB:
Devido a compromissos de ordem vária, apenas poderei retomar a normal publicação diária destes textos, na próxima sexta-feira, 30 de Maio.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Condessa d’Edla,
22 de Maio



Embora o de ontem tivesse sido um dia carregado de efemérides, apenas me vou referir ao 22 de Maio como aniversário da Condessa d’Edla. Esta é daquelas datas que, juntamente com as do nascimento e morte do seu marido, fazem parte do calendário de grandes afectos que vou celebrando, como marcos da memória, ao longo do ano.

Porém, quando convoco e vejo a Condessa no seu afã da Pena, sempre me aparece como Elise, sem o título de conveniência, apenas a mulher que amou e foi amada por um homem tão excepcional como ela. Tanto tempo depois, aqueles dois continuam, para além do tempo, a habitar o nosso espaço real e mítico, a par de outras belas histórias, com amores possíveis e impossíveis, contrariados ou favorecidos, trágicos e idealizados.

O Parque da Pena, lugar onde os mais nobres sentimentos perduram e se derramam, é obra comum de Fernando e Elise. Só podia ser. É na Pena, onde tudo é propício, que, com eles, nos perdemos, confiantes, já libertos das cargas que ali não entram. Mas, para que tal aconteça, é preciso merecer a Pena, como dizia e escreveu o meu saudoso amigo Manuel Rio-Carvalho.

E merecer a Pena é saber lá chegar, sempre a pé, depois da dificuldade da subida. É saber que também há um caminho interior a percorrer, para ser eleito e iniciado nos mistérios do parque de artifício, qual jardim de Klingsor*, terreiro de tentações, onde cada um descobre o que há de melhor em si.

Elise e Fernando deixaram o tesouro que certos agentes da ignomínia se permitiram aviltar indecentemente. Já quase irremediavelmente degradado, o seu ninho de amor cedeu a um incêndio de cujas cinzas, finalmente, vai renascer. Parece ter terminado, estará a terminar o ciclo de horror que se abateu sobre o Parque da Pena. Será que Elise pode voltar ao seu sossego? Creio bem que sim. Hoje há quem, lá por cima na Pena, esteja a fazer o trabalho de recuperação que se impõe.

Não vos deixaria sem que aconselhasse a música mais apropriada à celebração do aniversário. Tenho a certeza que, na sua devoção por Wagner (que também nasceu num dia 22 de Maio…), Elise e Fernando terão ouvido e, provavelmente, cantado ela, as Wesendonck Lieder, de 1857.

O próprio compositor chegou a afirmar, bastante mais tarde, que não tinha feito nada de melhor… Muita da música que poderão escutar nestas canções, está plasmada na ópera Tristan und Isolde. Depois de começarem a ouvir Im Treibhaus (“Na Estufa”), tão presente no Acto III daquele drama lírico, logo dirão que estamos na atmosfera da Pena

Pois é. Os que ainda não conhecem, passam a dever-me a epifania deste sublime momento de Beleza…


* Richard Wagner, opera Parsifal, Acto II

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A César…

[As palavras de D. Manuel Martins, no contexto da entrevista publicada no dia 17 de Maio pelo suplemento Única do semanário Expresso, suscitaram a escrita das memórias e o testemunho pessoal que hoje termino.]


Portanto…


Nos últimos trinta anos tem sido difícil, muito difícil, a minha integração na Igreja que D. Manuel Martins denuncia e acusa de ter deixado de ser evangelizadora. Depois de uma vivência cristã muito empenhada na paróquia de origem, no Liceu e na Faculdade – sempre na vanguarda progressista duma Igreja que tive a grande sorte de conhecer e sentir palpitar pelas grandes causas, a mesma que o bispo resignatário de Setúbal continua a pretender – é doloroso perceber como se tem resvalado e caído neste marasmo farisaico de onzeneiros transformados em figuras de referência.

Muito a propósito, não deixem de entender como esta é a mesma Igreja portuguesa, cujos bispos o actual Papa recebeu recentemente em Roma, chamando-lhes a atenção para a fundamental necessidade de actualização de estratégias e métodos capazes de darem resposta à evangelização nos nossos dias, respondendo às questões do nosso tempo.

Na realidade, Bento XVI, injusta e ignorantemente acusado de reaccionário, pôs o dedo na mesma ferida. Por outras palavras, mais formais e institucionais, o Papa fala a mesma linguagem que D. Manuel Martins… Não, o actual Papa não é uma estrela da comunicação. A sua agenda não é a da comunicação social, na maior parte dos casos, mal preparada e sempre na peugada do que é efémero.

Na sua reserva de estudioso, de teólogo, este é o mesmo homem de sempre, que antes de se tornar cardeal, já fora discreto colaborador de SS João XXIII, e, portanto, não esqueçam, o grande mentor do tão progressista Concílio Ecuménico Vaticano II. Estou em crer que ainda vai surpreender o mundo pelas melhores razões, ele que não vai ter um longo pontificado.

Termino, justificando o título destas linhas. Uma coisa que o lúcido cristão mais facilmente entende que, por outro lado, suscita maior dificuldade de concretização, é a destrinça daquilo que, no viver quotidiano, se deve a César e a Deus. Contudo, ao contrário do que tantos fazem e julgam mais correcto, há zonas de actuação em que é preciso trabalhar para César e para Deus, em simultâneo.

Entenderá sempre mal quem não o perceber, que é para ambos os mundos, de Deus e de César, que são convocados os cristãos católicos, através das palavras finais da entrevista de D. Manuel Martins, que me permito repetir: “(…) Toda esta descoberta da dignidade funda-se na democracia, que passa pela vivência e pelo testemunho de uma descoberta de valores. E estamos muito longe de qualquer coisa a que se possa chamar de democracia”.

Se assim não for, essa coisa que designamos como democracia, continuará a evidenciar mais perversidade do que virtude.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A César…

Um parêntesis ainda mais pessoal

Seria desperdício andar à volta desta história, falar da importância de Belém, e não me deter um pouco noutro importante pólo eclesial da Lisboa de então, a Capela do Rato. Trata-se de um pequeno templo, na Calçada Bento da Rocha Cabral, uma das ruas que, saindo do largo, dá acesso ao Jardim das Amoreiras (o encantado jardim da minha mais remota infância, já que nasci na Rua das Amoreiras, mesmo defronte da Mãe d’Água).

Para trazer a capela a esta página, preciso é que a lembre e considere parte integrante de um palácio, hoje sede do Partido Socialista, que foi residência dos Marqueses da Praia. E lá vem um parêntesis. Desculparão, se puderem, mas não consigo ir escrevendo estas linhas, sem que se insinuem, vindas de memórias cada vez mais vivas, lugares e pessoas que, tão impressivamente me marcaram.

Por uns momentos, deixem que vos recorde o Dr. Duarte Borges Coutinho. Logo em criança, tive o privilégio de conhecer este grande amigo de meu pai – lá em casa era o Praia – economista, director da General Electric Portuguesa e presidente do Benfica (do tempo em que o Benfica foi dirigido por gente culta e educada…), quarto Marquês da Praia, que não morria de amores pelo regime, dono do palácio cuja capela franqueou à Juventude Escolar Católica (JEC), coordenada pelo Padre Alberto.

Mal sabia eu que, àquela mesma casa do Praia, ao Largo do Rato, ficaria ligada uma história de vivência religiosa, de afectos e de cidadania que, em mim e tantos conhecidos e amigos, cimentou os alicerces de uma geração que continua a pautar-se pelos valores que ali se promoviam, não como parte de uma liturgia mas na certeza de que eram essenciais para a vida que pretendíamos, como gente interveniente na polis, portanto como políticos.

Semanalmente, durante toda a minha adolescência e juventude, frequentei a Capela do Rato, verdadeira Casa de Cultura e de partilha dos grandes valores que todos prezamos, espaço de encontro e de convívio de muitos estudantes, que ali procuravam a âncora espiritual de uma Igreja que, ao tempo, não se demitiu do papel que lhe cabia. Todavia, como sabem, não foi este trabalho de sapa, com centenas e centenas de jovens, durante a década de sessenta, que fez a fama da Capela do Rato e isso sim, a célebre vigília que abalou a ditadura.

(continua)

segunda-feira, 19 de maio de 2008


A César…


“(…)
Em Setúbal, quando dizia ao fim da missa: «Ide em paz…», apetecia-me dizer: «Ide em guerra…» Ou seja: ide enfrentar as questões da vida, os ordenados em atraso, a fome de tantas famílias, as falências provocadas… Era necessário denunciar corajosamente as agressões à dignidade humana. Instigar as pessoas a tomar atitudes perante as injustiças.(…)

Hoje, a nossa Igreja é um arquipélago. Vive-se para a liturgia, não é evangelizadora. Acho que a Igreja não está a «funcionar», a comportar-se como Jesus quer. Já ninguém sai da missa «incomodado», na sua consciência, com a liturgia. A Igreja perdeu a capacidade de «sujar» as mãos com a vida dos homens. A Igreja deveria manifestar-se mais. Por vezes, acredita mais no Belmiro de Azevedo e outros, anda penduradas em dependências… A Igreja evangeliza por sinais e a nossa, em Portugal, não tem dado sinais. (…)

Preferimos andar «nisto», que não incomoda ninguém… As pessoas da Igreja já perderam capacidade de protesto. Por exemplo: perante a lei do trabalho que querem colocar em vigor, não percebo como é que a Igreja se cala, diante de uma agressão tão grande aos direitos da pessoa humana! É iníquo a Igreja calar-se. Dói-me que a Igreja ande entretida com coisa outras e não se empenhe numa questão tão importante para a vida da população, do país, (…) Tem de sair para a rua para o povo notar que está ao serviço do Homem. Toda esta descoberta da dignidade funda-se na democracia, que passa pela vivência e pelo testemunho de uma descoberta de valores. E estamos muito longe de qualquer coisa que se possa chamar de democracia.”

[D. Manuel Martins, bispo resignatário de Setúbal, em entrevista ao suplemento Única do semanário Expresso, 17 de Maio de 2008].

Leio estas palavras de D. Manuel Martins e, como católico que sou, logo se confirma e renasce a esperança. Sendo esta a voz do difícil tempo que vivemos – e, já repararam que, para cada geração, o seu tempo nunca foi fácil… – também não deixa de ser a da lucidez que se projecta no futuro. Porque esta voz de D. Manuel Martins, vem do princípio do tempo, e não mais se calará.

Em termos pessoais, aberta e directamente, apenas posso falar do tempo que tenho vivido. Do passado falarei, como tributo às fantásticas pessoas que, para sempre, determinaram o perfil de quem, diariamente, convosco partilha preocupações de ordem cultural, social, cívica, inequivocamente enquadradas pelos valores da Igreja que D. Manuel Martins pretende.

Nasci na década de quarenta. Nos anos cinquenta, enquanto aluno do Liceu Don João de Castro, tive como professor de Religião e Moral, Monsenhor Adriano Botelho. Era aristocrata, Visconde de Botelho, o grande senhor que nada tinha de seu – dava tudo, tudo o que recebia – esse padre que me ensinou a existência de presépios vivos, na zona do Rio Seco, entre Monsanto e Alcântara, onde famílias viviam em cavernas e cabanas.

Por essas e por outras foi desterrado para a Patagónia… A década de sessenta, atravessei-a sempre como membro desta Igreja que D. Manuel Martins proclama e reclama. A minha paróquia era a de Santa Maria de Belém, com sede no mosteiro dos Jerónimos, cujo prior era, nem mais nem menos, José da Felicidade Alves, o padre que viria a ser suspenso a divinis, por SS Paulo VI, porque teve a coragem de anunciar o Evangelho como é suposto que a Igreja Católica Apostólica Romana o faça, sem temores, ao lado dos pobres e dos desfavorecidos.

E seus companheiros, por exemplo e entre outros, os padres João Resina Rodrigues, engenheiro e professor no Instituto Superior Técnico, António Emílio, capelão da Casa Pia (que viria a ser prior de Colares) e o mais famoso, Alberto Neto, grande pedagogo, meu querido e pessoal amigo, todos eles homens envolvidíssimos nas denúncias dos excessos da ditadura de então, paredes meias com o bairro do Restelo, onde vivia a mais poderosa legião de notáveis do regime.

(continua)

sexta-feira, 16 de maio de 2008


As florinhas da Volta do Duche

Fernando Castelo, conhecido militante da defesa do património de Sintra, assíduo colaborador do Jornal de Sintra e do sintradoavesso, subscreveu um delicioso comentário ao post de ontem Lixo do Centro histórico (III). Como pretendo que não passe desapercebido e seja lido com o destaque merecido, passarei imediatamente à sua transcrição:


Meu caro João Cachado,

Vejo-me obrigado a dizer-lhe "Alto Lá!!!".

Permite-se dizer "(...) os que nos afirmamos na luta pela defesa do património de Sintra(...)". Que despautério, meu caro, já alguma vez mereceu que qualquer alta figura cá do burgo atravessasse a rua apenas - e só - para o cumprimentar com toda a respeitabilidade? Ná, algo fervilha na sua mente que o leva a enquadrar-se no núcleo quase secreto dos defensores do património.

Na verdade o telhado que refere até já tem apresentado umas florinhas, pequenas é certo, mas a dar mais cor ambiental. Cortá-las ainda vai merecer algum reparo e depois, meu amigo, fuja para a caixa postal que fugir, vai ser apanhado, o que é fácil. Além do mais, na eminência de uma qualquer derrocada, algumas pessoas que lá fiquem soterradas virão a beneficiar de um discurso adequado, louvando o facto de ter trazido Sintra para os ouvidos do Mundo.

O marketing também estuda estas nuances, com objectivos de imagem. É fácil deduzir-se que está proibido de entrar nos Jardins de Seteais, ficando ao portão a ver aqueles carritos todos que os donos, potenciais masoquistas, lá conseguem estacionar perante o perigo invocado e que nos corta o acesso pedonal.

Depois é o lixo, ali mesmo junto dos olhos, do nariz e do queixo do Senhor Vereador do Turismo (tem gabinete mesmo para esse lado!!!), mas essa falta de consideração por ele é ilusória, pois o mesmo é oferecido a quantos turistas aguardam pela chegada de um autocarro que os leve até à Pena. Desconfio, até, que alguns deles inventam não ter lugar - nem de pé - no veiculo, só para aspirarem mais uns bons minutos aquela ar património da humanidade.

Só lhe lembro mais uma coisa, para completar a minha opinião (tinha algumas mais, mas...) sobre os seus exageros na defesa do património. Alguma vez se metia na cabeça de alguém a criação de parques periféricos, para evitar filas intermináveis de carros no centro da Vila, que se fala em ser histórico? Só o meu amigo. A poluição que daí resulta, os milhares de veículos que assim nem chegam a parar em Sintra, apenas o pára/arranca, gratificante e por certo aplaudido por gente local que assim não terão incómodos passeantes.

Não leve a mal este meu reparo, mas é altura de agradecer o facto de ter uma garagem quase em derrocada, bombas de gasolina aos pedaços, carros sobre tudo o que é sítio quando há espectáculos no Olga Cadaval, falta de sinalização que nos dá o gosto de vermos camiões TIR articulados até ao Palácio Nacional e depois não se saber como vão voltar para trás.

Admito que agora ficou convencido de qualquer coisa, mas - desculpar-me-á - eu também tive culpa. Mas estou consigo. Um abraço,
15-05-2008 14:38


É, na realidade, uma peça inteligente, suculenta de ironia, de bom humor, em que Fernando Castelo faz rápida mas incisiva caricatura da situação de desgaste a que chegou a causa da defesa do património em Sintra. Naturalmente, o entendimento total deste texto só é possível àqueles que souberem ler nas linhas e nas entrelinhas. Todavia, como não é um criptograma, não é difícil. Por isso, posso confirmar que, para além de inteligente, é perfeitamente inteligível...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

O lixo do centro histórico (III)

Neste pequeno percurso, em pleno centro histórico de Sintra, através dos manifestos da cultura do desleixo, se há coisa presente e constante é o motivo, suscitando a contínua atenção de quem esteja disposto a olhar detalhadamente o que se lhe oferece e a tirar as evidentes conclusões.

Assim sendo, encaminhando os nossos passos em direcção à igreja de São Martinho, já de costas voltadas ao prédio onde está instalado o Café Paris, objecto do artigo precedente, imediatamente deparamos com outro inqualificável exemplo de incúria. Já perceberam tratar-se do edifício que define o início da frente urbana que integra a Torre do Relógio e a estação dos correios.

Àquela casa só falta mostrar as tripas, cujo estado se adivinha, sob o aspecto absolutamente degradante da fachada, escandalosamente esburacada e descolorida e por trás das janelas com alguns vidros partidos. Caricatamente, e de modo algum, caso único nas redondezas, cresce abundante vegetação sobre o beiral. A propósito, noutro dia, um miúdo alemão filho do casal com quem eu estava, perguntava se aquilo era o cabelo da casa…

Aquele que poderia ali permanecer como digno representante de um património despretensioso, discreto, algo austero mas ainda perfeitamente operacional, é hoje a inqualificável imagem da generalizada incapacidade da defesa dos interesses da comunidade.

Cumpre que, ao contrário do que tão fácil e habitualmente fazemos, não atiremos as culpas e a responsabilidade, por tão flagrante despudor, ao elo mais ou menos fraco de uma cadeia em que, inequivocamente, todos estamos envolvidos. E neste todos, necessário se revela que verifiquemos se lá estamos incluídos, nós mesmos, os que nos afirmamos na luta pela defesa do património de Sintra…

Recusemos qualquer percepção redutora desta realidade. Entendamos estar perante mais um caso que não interpela só o proprietário do prédio. Também não questiona apenas quem no local prossegue uma actividade comercial. Não, não tenhamos dúvidas. O que ali está bem patente é a imagem que nos devolve o espelho da nossa – minha e vossa – colectiva e individual incapacidade de resolução de problemas cujo enquadramento está perfeitamente ao nosso alcance.

(continua)

terça-feira, 13 de maio de 2008

Os anónimos

Mais uma vez, na passada semana, me vi na necessidade de contactar com um anónimo, a propósito de um texto publicado neste blogue subordinado ao título Lixo do centro histórico (05.05.08). Porque a situação é demasiado frequente e, para mim, extremamente desagradável, decidi transcrever, para partilhar com todos, a parte útil da resposta que lhe dirigi:

"(...) Parece que, neste terreno virtual da denominada blogosfera, o anonimato é coisa tolerada. O anonimato, como opção de identidade ou como opção de encobrimento da identidade. Coisa aberrante, incrível. Custa-me muito a entender tal fenómeno, não só no nosso mas em todos os países cujos Estados se reclamam da Liberdade, da Democracia e do Direito.

Como tenho mais de sessenta anos, pertenço a uma geração que viveu, quase até aos trinta, em regime de ditadura. Foi tempo bastante para saber, na pele, o que é lutar pela Liberdade, pela Democracia e pelo Estado de Direito, como objectivos de vida, pelos quais houve quem desse a vida. E, paradoxalmente, tudo isso para que, hoje em dia, neste meu país, haja quem se sinta na necessidade de recorrer ao anonimato, por exemplo, para defender «a obra» de uma autarca. *

Não percebo. Não foi para isto que a minha geração lutou. A luta de dezenas de anos contra o fascismo, não é compatível com a posição de cidadãos, como a deste meu interlocutor, cujo anonimato, desculpará, só pode escandalizar-me.

Precisamente, uma das marcas da educação que recebi passava, por jamais dar crédito a mensagens anónimas. A palavra de ordem ia no sentido de que, mal se percebesse tratar-se de mensagem anónima, deveria ser imediatamente rejeitada. Aliás, devo confessar que, felizmente, não me lembro de receber mensagens não assinadas.

Pertenço ao grupo de pessoas que passaria sem tão desagradável experiência, não fosse o facto de me ter lançado a esta aventura do sintradoavesso. Certo é que raramente mas, de vez em quando, lá aparece um anónimo a desafiar a minha capacidade de encaixe. (...)"


Que receio pode levar alguém, numa sociedade livre e democrática a esconder-se sob a capa do anonimato? Serão os compromissos? Tratar-se-á de pessoas que, estando fragilizadas por terem caído na tentação de receber determinado favor, não revelam a identidade para não ferir eventuais susceptibilidades? O que levará alguém ao recurso de estratagema tão pouco saudável?

Melhor entendo aqueles que já me têm dito e escrito que, embora até gostassem de o fazer, não poderei contar com a sua intervenção, no espaço derstinado a comentários, exactamente porque se sentem constrangidos por compromissos decorrentes das funções que ocupam. Mas o anonimato? Não, custa demasiado a encaixar. Ou estarei eu a exagerar?

......................................................

* Se consultarem o texto original do tal interlocutor anónimo, verificarão que se tratava da Drª Edite Estrela.

O que era aquilo?

Os trinta e cinco festões, pendendo de igual número de suportes, mais ou menos regularmente espaçados na Volta do Duche, não deixavam margem para dúvida. Nos dias 9, 10 e 11 de Maio, naquela tão especial artéria do coração do concelho, iria acontecer Sintra em Flor.

Com tão densa profusão de anúncios, fiquei na expectativa. Pensei que, a exemplo do ano passado, haveria uma série de espaços destinados à exposição de flores e à prática da floricultura, eventualmente para venda ao público passante e visitante. Porém, como por ali circulo diariamente, muito me surpreendeu, nas vésperas do evento, o facto de não ter presenciado qualquer movimento afim da montagem dos standes.

Na passada sexta-feira, primeiro dos três dias da programada iniciativa, ainda pensei que, muito à portuguesa, a organização não tivesse conseguido ultrapassar aqueles normais inconvenientes de última hora. Deveria ter havido um atraso qualquer e, o mais tardar, nos dois dias seguintes – sábado e domingo – a coisa já estaria a funcionar em velocidade de cruzeiro e acabaria em florida beleza.

Pois então, por muito que, mesmo nesta terra, esteja habituado a ver a montanha a parir ratos, nunca imaginei que uma coisa destas pudesse acontecer. Não houvera qualquer atraso. Aquilo que se apresentou na primeira manhã manteve-se até ao fim da tarde derradeira. Era assim uma coisa confrangedora, talvez imaginável num qualquer desconsolado e descaracterizado subúrbio.

No entanto, para que não haja dúvidas, passo à sumária descrição. Do lado esquerdo de quem segue em direcção ao centro histórico, não ocupando sequer a totalidade da pequena área de estacionamento imediatamente antes do portão do Parque da Liberdade, expunha-se diminuta quantidade de flores envasadas, fruto do trabalho de associações que merecem o maior respeito. Mas olhem que era mesmo diminuta, seja qual for a escala de comparação que considerem,

Do outro lado da rua, uma boa dúzia de feirantes de domingo instalara-se no passeio empedrado com os seus tabuleiros, cavaletes e outros recursos mais ou menos improvisados, expondo e vendendo umas queijadas, e uma profusão de paninhos, moldurinhas, bijutarias e outras bugigangas de quejando e duvidoso gosto. Em destaque, a mesma metálica armação do ano passado, com umas flores ali despachadas sem ponta de empenho.

Está claro que não passa pela cabeça de ninguém fazer comparações com os pequenos e grandes mercados de flores da Holanda. Quem conheça, logo recorda Aalsmeer, por exemplo, belíssimo, o maior do mundo, único, perto do aeroporto de Schiphol e de Amsterdam. Mas, atenção, é uma realidade diferente, escala diferente, que trago a este contexto apenas com o objectivo de amenizar o quadro. Nada de confusões…

De qualquer modo, o que também não pode suceder, é que passe pela cabeça do Vereador do Pelouro do Ambiente, responsável pelo Sintra em Flor, autorizar que, através de um tal desconchavo, seja passada tão desqualificada imagem de Sintra. Provavelmente, quem tem razão é o nosso amigo Fernando Castelo quando, tão irónica como certeiramente, no passado dia 8 de Maio,* afirmava que o lixo está institucionalizado...

Sintra em Flor? Mas o que era aquilo? Em plena Volta do Duche? Que falta de decoro!


*Comentário ao texto O lixo do centro histórico (II)

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Seteais: incentivo à acção

Como estão lembrados, na passada sexta-feira, dia 9, dei a palavra a Emília Reis que, na sua qualidade de repórter da memória, nos trouxe o testemunho de José Alfredo acerca da luta, de mais de duzentos anos do povo de Sintra, pela manutenção do acesso público ao jardim de Seteais.

Na sequência daquela atitude, quero hoje trazer-vos uma autêntica pérola, com mais de um século. Para melhor poderem saboreá-la, conserva-se a grafia original. A transcrição inclui algumas palavras de introdução e de conclusão de José Ribeiro e Cunha, neto do seu autor, que devem fazer envergonhar os mais timoratos… De minha lavra, apenas os destaques.

Ora apreciem:

Só há um modo de marcar o sentir da população. Ir até lá e exigir que se visite o jardim e se vá ao penedo! Meu avô paterno escreveu em 1898 uma peça que integra o seu livro Crónicas Saloias, editado em 1917, acerca de "O dia de ámanhã":

"(...) se da parte de todas as estações oficiais não ha boa vontade; se do governo ao minicipio, e dêste à paróquia, nada se faz por falta de iniciativa; ergamo-nos todos os que aqui temos interesses, se não movidos pelo amôr a este torrão, berço de muitos, pelo amôr egoísta, - que nêste caso é virtude,- à algibeira de todos, e imponhamos a nossa vontade, que ha de prevalecer ainda que custe; e, se nos falta a iniciativa, porque não temos cerebros que pensem, tenhamos ao menos olhos para vêr, e tino para imitar o que em outras terras de inferiores recursos, dia a dia se vai fazendo pelo seu presente, e, o que é mais, pelo seu futuro. Se não podemos inventar, imitemos ao menos. Já que não o pensar de homens, tenhamos a esperteza do macaco. É preferível a sermos burros! Abril de 1898.(…)”


Penso ser este trecho actual pois refere-se à preocupação de Sintra como era, como é e como será... Já então havia pessoas a pretenderem retirar proveitos de Sintra impedindo o desfrute do belo que atrai o visitante ainda hoje! é que se não forem os de Sintra a pugnar pela terra...

Seteais nos seus Jardins e no Penedo são património de Sintra, dos seus habitantes e dos seus visitantes!Obrigado por me ter alertado para esta tentativa de "golpada".

J.Cunha
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Quem agradece somos nós que, deste modo, beneficiamos de tão belo encorajamento à tomada de uma atitude que honre a voz de tantos antepassados que, na outra dimensão, já devem desesperar por tanta hesitação da nossa parte... Felizmente, não só a este blogue, mas também a outros destinatários preocupados com o que está a passar-se em Seteais, estão a chegar testemunhos congéneres, de gente inconformada, desejosa de intervir com a correcção cívica que se impõe.

Esta é uma causa nobre que, como já se verificou, ninguém ousa apoucar porque tem uma inequívoca carga simbólica. Felizmente, ainda há por aí muita gente com a dignidade de José Ribeiro e Cunha, que não se acobarda. Há muita gente, como ele e como nós, todos os que não temos compromissos, que não devemos quaisquer favores a qualquer camarilha, cidadãos livres, capazes e desejosos de dar o exemplo indispensável às crianças e jovens de Sintra.

Apenas mais uma nota final, extremamente saborosa. Não deixa de ser interessante e muito curioso, o flagrante modo como o tiro saíu pela culatra ao concessionário do Palácio de Seteais, precisamente o mesmo que convidou Bob Geldof a discursar numa conferência do Expresso/BES.

Geldof partiu a louça toda, chamou corruptos e criminosos aos governantes de Angola, país onde o Banco Espírito Santo tem os interesses que, mais ou menos, todos conhecemos. Ora bem, o convidante que não precisava de se justificar, perante os terceiros directamente ofendidos pelo convidado, apressou-se a comunicar que não tinha nada a ver com o facto de o outro ter dito que o rei vai nu...

Enfim, a hipocrisia do costume. Ou seja, perante os poderosos, acusados de criminosos e corruptos, o BES não hesitou em alinhar com eles, demarcando-se do ofensor. Todavia, em Seteais, o mesmo BES, que só foi convidado para concessionário do Palácio, não hesita vestir a pele do ofensor, agredindo toda uma comunidade que, aparentemente, está desguarnecida. Aparentemente.

Em Seteais, que ninguém duvide, mais tarde ou mais cedo do que espera o BES, também o tiro lhe sairá pela culatra...

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Emília Reis,
repórter da memória

Já hoje, mas como comentário ao texto que anteontem aqui publiquei, Emília Reis - uma das mais conhecidas e dedicadas militantes da causa da defesa do património de Sintra - subscreveu as palavras que, apenas com alguns destaques que me permiti introduzir, passo a transcrever integralmente:


Eu penso que o Dr.Fernando Seara vai ter que responder às pessoas que o interpelaram, por escrito, sobre o assunto do Campo de Seteais.Para o caso de isso não acontecer brevemente, poderemos, aqueles que se têm envolvido na denúncia, pedir ao senhor Presidente da Câmara que nos receba. Um ano é muito tempo.

Que diligências efectuou a Câmara junto da Sociedade concessionária do Hotel para que seja cumprida a obrigação 4ª. da escritura de aforamento de 1801 que diz expressamente que: “as sobreditas portas francas e publicas do referido gradeamento do mesmo campo que derem serventia para a entrada e sahida do dito paceio publico serão construidas de tal forma que sem dependência alguma possam entrar e sahir por ellas todas as pessoas que delle se quizerem servir e utilizar, sem nunca em tempo algum estarem fechadas com chave, ferrolho, cadeado ou outro fecho semelhante”,- perfeitamente conciliável com uma estratégia de segurança das pessoas que visitam aquele espaço?

Foi para que este direito lhes não fosse negado que se bateram os habitantes da Vila de Sintra em 1801, 1897 e 1934, apoiados pelos respectivos presidentes da Câmara da altura. Não se trata de um capricho ou de uma embirração. Trata-se de honrar, também, a vontade daqueles que nos precederam. Só como curiosidade adianto que, através da acta da reunião da Câmara de 6 de Outubro de 1897 ficamos a saber que, a Comissão que representou os habitantes da Vila que se insurgiram contra a tentativa desse ano foi constituida por alguns dos mais importantes comerciantes da altura, entre eles o fundador da Papelaria Camélia e, também, o dono do Hotel Nunes, um dos fundadores da Sociedade União Sintrense e, até, o que era nesse tempo o administrador do Palácio da Pena - (José Alfredo da Costa Azevedo cita-os todos pelos seus nomes nas Velharias de Sintra II ). Em 1934 o próprio José Alfredo interveio e conta que chegaram a tocar o sino a rebate só por ter constado que o acesso ao Penedo da Saudade estava vedado com uma cancela.

Ora, o acesso ao Penedo da Saudade já o perdemos na década de noventa - por ocasião de obras, também efectuadas pelo actual concessionário do Hotel, nas traseiras do palácio. O espaço foi, nessa altura, ajardinado e fechado com portão e grades.Quanto à fraca participação e apatia dos cidadãos, também isso me deixa muito triste. Mas, só se pode defender aquilo que se CONHECE e se AMA... A Alagamares escreveu no seu blogue em 4 de Maio, a propósito da pouca participação dos portugueses em associações cívicas ou outras, o seguinte: “Democracia não pode ser só formal. Depois não se queixem! O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo”. Eu estou de acordo.

emília reis


E, muito naturalmente, concordamos todos quantos nos empenhamos nestas causas. Convém lembrar aos mais distraídos que a Alagamares já demonstrou, na sua curta existência, ser a única e verdadeira associação de defesa do património de Sintra. Ao contrário dos que, sintomática mas nada surpreendentemente, se mantêm num silêncio tão comprometedor, a Alagamares, também neste caso de Seteais, já tomou a bandeira do nosso descontentamento.

Daqui lhe lanço o repto de nos representar, a todos os que comungamos um mesmo sentimento de repúdio em relação à atitude do hoteleiro concessionário do Palácio de Seteais. Tenho a certeza de partilharmos a convicção de que, também no caso vertente, só há vantagem em que nos apoiemos numa entidade com o perfil associativo da Alagamares.

Na realidade, já passou muito tempo depois do início da afronta. E a afronta continua. A nível individual, já todos fizemos o que era suposto para demonstrar a nossa indignação. Agora, a estratégia só pode ser outra. Sem excessos, educada, civilizada e pedagogicamente - há muitos jovens estudantes cujo envolvimento seria bonito garantir - urge manifestar quanto e como pretendemos honrar a memória de todos os que nos precederam nesta luta pelo manutenção do acesso público a Seteais.

A propósito, não deixem de ler o texto de José Alfredo da Costa Azevedo que tanto nos anima a que sejamos consequentes no pensamento e na acção. Homenagear o querido e saudoso José Alfredo, na passagem do centenário do seu nascimento, não pode apenas passar por aquela sessão do Palácio Valenças, formal, bem compostinha, que muito se terá adequado apenas a quem vive as coisas pela rama e, por vezes, tão hipocritamente.

Com este caso do encerramento intempestivo dos portões de Seteais, temos oportunidade de, pública e civicamente, demonstrar que homenagear aquele homem, honrar a sua memória, é ser digno da sua luta. Afinal, hoje mesmo, continuamos uma luta que, José Alfredo e os seus contemporâneos, ouvindo o sino tocar a rebate, também já continuavam...

Os nossos filhos, os nossos netos, os miúdos das escolas de Sintra, têm de perceber isto mesmo. Estamos a viver mais um episódio da História de Sintra. Cabe-nos demonstrar que somos dignos do momento e que estamos à altura das circunstâncias.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Lixo do centro histórico (II)


Na passada segunda-feira, dia 5, subordinado a este mesmo título, publiquei um texto cujo tema tinha a ver com o lixo, propriamente dito, em sentido restrito, texto aquele cuja abrangência, no entanto, é bastante mais vasta. Exactamente por isso, na edição do Jornal de Sintra que sairá amanhã, dia 9, lixo é palavra que aparece em itálico. Porque, na verdade, se trata de outro o lixo que, a partir daquele primeiro artigo, referirei neste e nos seguintes escritos, sempre a propósito do mesmo local.

Começo por onde mais me convém. Vindo da Volta do Duche, quem chegar à esquina definida pela Igreja da Misericórdia e, aí mesmo, antes de atravessar o largo, olhar para o telhado do prédio onde está instalado o Café Paris, logo começará a entender a que outro lixo eu me refiro. Aquela coisa periclitante, afavelada, é um verdadeiro desafio à incúria e à pouca vergonha…

Quer dizer, tanto a nível nacional como internacional, será muito difícil que, no enquadramento de centros históricos congéneres, a incúria, o despudor ou pouca vergonha, alguma vez tenham alcançado um nível tão degradante. Porém, na continuação da aproximação ao nosso Terreiro do Paço, se observar bem as fachadas frontal e lateral desse mesmo edifício, certamente que não deixará de se aperceber de outros pormenores inquietantes.

Muitos dos vidros que deviam estar naquelas janelas estão partidos ou foram substituídos por película plástica negra, mais ou menos encarquilhada, acinzentada pela poeira. Tanto quanto julgo saber, trata-se de um produto que passa por boa solução, quando utilizada em estufins, como estratagema para evitar o crescimento de ervas infestantes. Ali aplicada, é um completo desatino, confundindo-se com coisa própria de bairro de lata.

Por muita volta que dê às meninges, não consigo perceber como, naquele nobre local de Sintra, se pode oferecer espectáculo tão indecente. Pergunto como se consegue compatibilizar a tão patente degradação deste prédio, discreto mas interessante, com a cafetaria, pretensamente sofisticada, que ali abre portas, acolhida à protecção daquelas duas árvores que, estrategicamente implantadas, tanta miséria ajudam a cobrir…

Estou convencido de que, a habitualmente cosmopolita e descuidada clientela, em gozo de merecido lazer, mal lhe passa pela cabeça a possibilidade da existência de semelhante realidade turística, num dos locais de Portugal de maior fama no estrangeiro. Ah, coitados, se soubessem o que a casa gasta!... Se soubessem como a cultura do desleixo, à portuguesa, é tão pródiga nestes manifestos de dona de casa relaxada e porcalhona, que esconde debaixo do tapete a sujidade que dá mais trabalho a limpar…

(continua)


PS:

Façam o favor de ler a pergunta que me formulou um anónimo, na sequência do mencionado texto do dia 5 e, naturalmente, a resposta que lhe devolvi. Obrigado.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Seteais, tristes dias

O Grupo Espírito Santo, integra a rede dos hotéis Tivoli da qual faz parte a unidade de Seteais de que é concessionário. Muito naturalmente, por estar a beneficiar de uma campanha de obras que decorrerá até Janeiro ou Fevereiro de 2009, foi encerrado o Palácio.

Em inúmeras oportunidades, já tive oportunidade de lembrar, neste mesmo blogue, não sei quantas vezes no Jornal de Sintra, na Assembleia Municipal, através de várias mensagens dirigidas aos Senhores Presidente e Vereador do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra, como é inadmissível a decisão do hoteleiro de impedir o acesso ao recinto que não faz parte da concessão.

Trata-se de atitude de manifesta prepotência que, não só ofende um direito consuetudinário pelo qual o povo de Sintra tem lutado desde os primeiros anos do século dezanove, como também agride a nossa própria inteligência, na medida em que se espalda no esfarrapado pretexto de não arriscar a segurança de pessoas alheias a uma obra que pode decorrer, perfeitamente compatível com a continuidade das visitas.

Fracos resultados

Desconheço o resultado alcançado pela minha sugestão de envio de mensagens de repúdio aos autarcas, sugestão oportunamente secundada pela associação Alagamares e Jornal de Sintra. Se bem entenderam, a intenção era dar a força bastante aos edis para melhor se sustentarem nas negociações com o abusador. Aliás, mal se compreende que seja necessário negociar aquilo que, afinal, apenas se reduz à reposição da situação vigente até ao encerramento…

Apesar do desconhecimento daquela iniciativa, pode concluir-se, depois de um já tão longo período de encerramento, a grande dificuldade da autarquia em fazer cumprir a promessa do Senhor Vereador da Cultura quando, no dia 28 de Março, data da minha intervenção na Assembleia Municipal de Sintra, anunciou ter avocado o assunto. Presumia-se uma rapidez de actuação e resultados imediatos. Infelizmente, como é patente e notório, assim não aconteceu.

Tendo em consideração que, para alcançar o efeito desejado, forçoso é que nos socorramos de todas as instâncias, directa ou indirectamente relacionadas com o assunto, gostaria de informar que, em contacto com os gabinetes do Ministro da Cultura, do qual depende o IGESPAR (entidade envolvida no acompanhamento da obra em curso) e do da Educação, na medida em que os estudantes do Ensino Secundário constituem a maioria dos visitantes de Seteais, solicitei a intervenção dos respectivos titulares.

Lições evitáveis

Pequeno parêntesis para dar conta de um episódio ocorrido no passado dia 30 de Abril, junto aos encerrados portões de Seteais. Estavam cerca de duzentos jovens, cento e quarenta dos quais provenientes de Gondomar, acompanhados pelas respectivas professoras, que se tinham deslocado expressamente para visita a Seteais e à Regaleira. Manifestamente descontentes, afirmavam não compreender as invocadas razões de segurança, pois estava bem à vista de todos como a visita era perfeitamente compatível com os trabalhos em curso.

Como ali passo todos os dias, posso testemunhar que cenas congéneres se repetem constantemente ainda que não seja frequente um tão grande ajuntamento. Alunos e professores, ali mesmo, antes do meu contacto, lamentando o que está a passar-se em Sintra, já tinham decidido apresentar o devido protesto. Por todas as razões e mais esta, é lamentável que Sintra esteja a proporcionar uma imagem tão desagradável.

Estes jovens e todos os cidadãos que ali se deslocam, são confrontados com uma triste lição de incapacidade do exercício da autoridade democrática. Pelos vistos, como se ainda fosse necessário prová-lo, um poderoso grupo financeiro, em pleno século vinte e um, consegue provocar esta situação de manifesta ofensa a toda uma comunidade, num Estado que se afirma Democrático de Direito.

É coisa duplamente triste, porquanto, neste país em que tão poucos são os consumos de bens culturais, ainda há que contar com tal tipo de manigâncias. Dizem os mais descrentes que, no final das obras em curso, o Grupo Espírito Santo acabará por apresentar, como facto consumado, o definitivo encerramento do terreiro de Seteais. Quero e continuo a acreditar que não vamos deixar que isso aconteça realmente.

Mas, só por uma questão de orientação, relativamente ao futuro imediato, gostava de perceber até que ponto estão dispostos a manifestar o vosso direito à indignação e, portanto, a lutar por causa tão simbólica como evidentemente justa. Digam e escrevam de vossa justiça!

terça-feira, 6 de maio de 2008

Argumento falacioso

Já a caminho do Verão, passou a ser tão frequente, que rara é a noite em que, no parque de estacionamento do Rio do Porto, não pernoitem turistas instalados nas suas auto-caravanas. Hoje de manhã, bem cedo, atestando a veracidade destas palavras, lá estavam cinco daqueles veículos.

Em pleno período estival é fácil ali encontrar número substancialmente mais elevado, transformando o recinto em parque de campismo improvisado, com todas as consequências decorrentes, de ordem sanitária e de segurança, por exemplo. O Jornal de Sintra tem acolhido as minhas denúncias, acompanhadas por fotografias bem ilustrativas da situação sem que as autoridades responsáveis, camarárias ou policiais, tenham feito algo de concreto que impeça tal prática ilegal.

Em conversas mais ou menos informais, deparo com uma opinião, sem pés nem cabeça, de alguns notáveis sintrenses que não hesitam em afirmar como compreendem e não podem condenar a atitude dos auto-caravanistas e das autoridades na medida em que Sintra não disponibiliza uma alternativa capaz.

Parece incrível mas, de facto, é isto o que, normalmente, ouço como resposta às minhas tentativas de busca de cúmplices para as análogas causas em que me empenho. Portanto, para todos os efeitos, na ausência da solução adequada, admitem que se acolha toda e qualquer ilegalidade, desde que, naturalmente, não vão estacionar tão volumosas viaturas nos seus quintais…

Consideram-se tais pessoas cidadãos correctos, convencidos de que lhes assiste inequívoca razão. E, na realidade, mesmo sem as nomear – era o que faltava!... – confirmo até algumas delas como estimáveis e amigas. Sempre que lhes replico, chamando a atenção para a incompatibilidade do factor da correcção cívica com o beneplácito de atitudes ilegais, sou invariavelmente contemplado com um desvio da conversa.

Tão enviesada perspectiva é resultante de uma evidente falha de lucidez. Por muito inconsequente, incoerente e incompatível com os propósitos que afirmam defender, é essa a mentalidade que prevalece, a que se adequa à permanência do statu quo, por mais desagradável que seja.

Veja-se os automóveis ocupando os passeios destinados a peões. Pois se não há alternativa!... Aqui d´el-rei que o pobre esfomeado roubou uma peça de fruta. Mas, então, porque não, pois se o desgraçado não tinha alternativa!… Ou o casal com uma filhinha bebé, que ocupou uma casa abandonada (embora com dono) e é levado a tribunal. Mas porquê, se não tinha alternativa?!...

Ah, não, não brinquemos, pedem, isso já é outra coisa… Porque será que tão lógicos argumentos já não são convenientes a essa gente bem alinhada, disposta a fechar os olhos a certas irregularidades, embora ferindo interesses afectos aos direitos gerais de cidadania, e acabam por dar cobertura a pequenas e grandes ilegalidades? E porque será que se mostram tão radicalmente intransigentes quando estão em jogo casos de ofensa à propriedade? Pois é, o primarismo tem muitos matizes…

segunda-feira, 5 de maio de 2008

O lixo do centro histórico


Mais uma vez, a consternação e o escândalo. São sacos, embalagens de cartão e de madeira, de maior e menor volume, lixo a granel sobre o passeio, acumulados à volta dos contentores instalados junto às vetustas paredes da igreja de São Martinho, em pleno coração do centro histórico de Sintra, em dia de enorme movimento de pessoas.

Consternação, escândalo. E despudor. Não há aqui ponta de sensacionalismo nem o mínimo exagero. As palavras são o que são e, nesta situação, não podem ser outras. E fico-me pela descrição pois, como compreenderão, por minha manifesta insuficiência, para estas linhas não consigo transferir o fedor. A verdade é que, simultaneamente, a temperatura da manhã quase estival já tinha feito o trabalho do costume, atraindo o mosquedo da ordem.

Era o dia primeiro de Maio, feriado nacional, feriado internacional, Dia do Trabalhador, tudo o que quiserem. No entanto, mesmo tendo em consideração a natureza da efeméride em questão, nada – definitivamente nada! – autorizaria que, mais uma vez, assim se tivesse mostrado tão eloquente manifesto de incapacidade e de cultura do desleixo. Porém, com estes contornos de terceiro mundo, é demais. Infelizmente, demais do mesmo.

Como sabem, este não é um cenário raro. A atestá-lo, um conhecidíssimo comerciante da zona, costuma mostrar volumoso álbum de fotografias a quem pretende ficar completamente identificado com o despautério. Também eu já tive oportunidade de denunciar a situação (v.g., JS 01.09.06), todavia sem qualquer resultado. Já sabem, é o que a casa gasta…

E não é preciso ser adivinho para perceber como, na medíocre perspectiva dos responsáveis do turismo, mesmo ali ao lado, o problema da higiene urbana não é nada com eles... Aliás, na ocasião em que tive o topete de me dirigir ao balcão dos referidos serviços, tentando perceber o que se passava, para poder redigir o artigo supra referido, responderam-me que desconheciam completamente a situação. Poderia eu esperar outra coisa?...

Em pleno centro histórico, este lixo não é mais que a ponta visível de um quadro bem mais profundo e extenso. Há muito mais lixo, com cheiro e sem cheiro, sempre pernicioso, numa zona tão sui generis quanto crítica, que a autarquia já provou desconhecer como gerir com a dignidade que merece.

Certo é que, de quando em quando, a excepção confirma a regra. Sem pretender politizar o assunto, a verdade é que só a CDU parece estar atenta ao que se passa. Veja-se o caso da Bristol, onde foi sustido a tempo o lixo que se impunha…


PS:

Recentemente, em Nápoles, uma questão extremamente bicuda de gestão de resíduos urbanos, atingiu uma escala inadmissível em qualquer latitude dita civilizada, resultando na acumulação de muitas centenas de toneladas de lixo. Afirmou-se que a Máfia comandou todos os cordelinhos da operação. Como em Portugal não há vestígios de um tal polvo, que bicho horroroso estará por aí a minar e a fazer das suas?

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Vinte e Cinco de Abril
À moda de Sintra

(conclusão)



Portanto, a Câmara Municipal de Sintra, não podia ter sido mais infeliz na semana em que se comemorou o Vinte e Cinco de Abril. Primeiramente, ainda não foi capaz de devolver ao povo de Sintra a liberdade de acesso ao recinto de Seteais. Depois, na zona da Estefânea, atamancou uma intervenção de obras que não podia ter sido mais ordinária. Finalmente, muito comprometida, celebrou a data tão à pressa que parecia não querer estar na cena…

…Sempre!

O Vinte e Cinco de Abril ficou conhecido pelo famoso programa dos três D. Para além do descolonizar e, ao contrário do que muitos julgam ou tentam escamotear – como se este fosse um país sequer próximo da média europeia – estão por cumprir democratizar e desenvolver. Preciso é continuar a regar este tão difícil terreno com um fertilizante abundante noutro D, o de denúncia, que implica descomprometimento, coragem e desassombro.

Convém não esquecer que o Vinte e Cinco de Abril não é coisa acabada, comemorável como, por exemplo, a data do armistício que pôs fim às guerras mundiais, através de rituais de circunstância. O nosso Vinte e Cinco de Abril antes é obra aberta, a celebrar como acto inicial de um caminho que, ouso afirmar, apenas começámos a percorrer.

Para tanto, sem discursos grandiloquentes, forçoso é que nos impliquemos, denunciando as situações, não autorizando os eleitos ao incurso em práticas de desleixo na resolução de assuntos, não permitindo sistemáticas omissões que tanto escândalo causam, exigindo a máxima dignidade na resolução de todos os casos de desconforto das populações. Se celebrar Abril não pressupuser este cardápio de objectivos, então não passa de hipócrita farsa.