[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cívica denúncia



Na passada quarta-feira, dia 28, houve reunião pública mensal da Câmara Municipal de Sintra. Resolvi ir e intervir acerca de um problema de estacionamento que muito me tem ocupado. Quem acompanha estes textos já terá percebido que me refiro ao caso da Quinta da Regaleira. Depois de, acerca do assunto, tanto ter escrito na imprensa local e neste blogue, sem qualquer eco a nível da autarquia, considerei útil fazer mais esta diligência.
Entre outras razões, assim decidi actuar porque, de acordo com o regimento vigente, a minha participação na reunião do executivo foi devidamente registada em Acta, passando a constituir inequívoca prova da chamada de atenção para uma situação extremamente problemática, que já podia ter sido solucionada. Portanto, no lugar preciso onde coisas que tais devem ser expressas, limitei-me a fazer uma pública denúncia de incapacidade.
No momento em que intervim, portanto, na actualidade, a comunidade sintrense foi oficialmente informada acerca da incapacidade de intervenção do poder local num caso específico. No futuro, tal denúncia passará à qualidade de elemento de trabalho, um entre inúmeros manifestos de incapacidade, que o escrutínio da História não deixará de observar para os efeitos que tiver por convenientes.
Muitas vezes acontece que aquele tipo de participação cívica, decorrente da crença na efectiva operacionalidade dos mecanismos da democracia, não atinge os resultados esperados. É absolutamente natural num país como o nosso em que, tanto a administração central como local, apesar de tanto computador, não conseguem admitir que, em pleno século vinte e um, ainda permanecem no modelo napoleónico...
Um conhecido caso...



E volto ao caso da Regaleira. Mais tarde do que cedo, a situação vai resolver-se, inevitavelmente, de acordo com a solução que, há tanto tempo, tenho vindo a apontar, sem ponta de originalidade nem qualquer alternativa. Mesmo com uma perspectiva de análise sistémica e de acordo com uma estratégia integrada de resolução - avessa ao enquadramento de casos isolados - a questão da Regaleira já podia ter sido resolvida e bem resolvida.
Os carros serão estacionados, mais ou menos longe do complexo monumental, em local a partir do qual funcionarão transportes públicos, devidamente adequados ao trajecto que deverão percorrer, no âmbito de uma carreira regular, que por ali passará ou terminará, com uma tarifa que há-de incluir o preço do parque. E tanto, tanto tempo, para pôr a funcionar o que todos sabem ser inevitável! Mas convém adiar, sempre vão escorrendo mais uns cobres em consequência da cómoda insanidade do estacionamento em cima dos passeios...
Entretanto, o que não acredito é que, como deveria acontecer, por um lado, a autarquia e, por outro, a força policial, exerçam a autoridade democrática de que estão investidas. Ou seja, nem a Câmara Municipal de Sintra instalará imediatamente os pilares que será forçada a colocar, para impedir o acesso das viaturas aos passeios daquele segmento da Rua Barbosa du Bocage, nem a Guarda Nacional Republicana impedirá os prevaricadores de tão lesivo como ilegal comportamento.
Aquelas são competências inequívocas e inalienáveis, independentes da solução. Em qualquer lugar civilizado, nem o poder local nem a polícia se demitiriam mas, entre nós, com a instalada e institucionalizada cultura do desleixo, vamos ter de esperar e continuar a assistir ao caos do costume, porque somos uns tipos porreiros pá, condescendentes e tolerantes à brava...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Luminárias hipócritas

Mais uma vez, venho abordar o tema das luminárias natalícias cujos objectivos de animação do espaço urbano me permito duvidar. Reparem que recorri ao verbo duvidar porque, apesar de se tratar de domínio tão luminoso, prevalece a penumbra da incerteza em relação a hipotéticos benefícios. Assim sendo, prefiro ser comedido e deixar para os autarcas as positivas avaliações do costume, a eles que, mesmo à noite, observam o que lhes convém com óculos cor de rosa.
Embora, em Notas Diárias da passada segunda-feira, já me tenha pronunciado com uma ou outra consideração de ordem estética, manifestando a minha perplexidade quanto à ligeireza como os responsáveis camarários autorizam a instalação de dispositivos decorativos luminosos de tão baixo nível, ainda gostaria de chamar a atenção para o que acontece à luz do dia.
É que, para além de não ter alternativa e, mal o Sol se põe, ser obrigado a tolerar a exibição de tão duvidosa, mas flagrante, falta de gosto, assisto à sistemática hostilidade diurna de estruturas metálicas impositivas, invasoras, agrestes, extremamente desagradáveis. Aço, metal brilhante, apontando ao alto mas bem à altura dos olhos, não há como escapar-lhes na Heliodoro Salgado. Como não tenho qualquer motivo para autopunição ou penitência, apenas conheço o que se passa na Estefânea e Vila Velha. Pela amostra, imagino o resto...


Por outro lado, também gostaria que me acompanhassem em brevíssima observação da prática decorativa que consiste no sublinhar das linhas dos monumentos com milhares de lâmpadas. Enquanto testemunhos de um património que importa respeitar e saber mostrar, devem eles suportar esta performance? A dignidade monumental joga com tal manifesto de provinciano exibicionismo? Ou não será que preferem atitudes de sábia e sofisticada iluminação, a que nos habituaram os casos dos Jerónimos e Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, só para citar dois dos mais conhecidos?


Quem terá convencido certos decisores de que os objectos assim sublinhados ganham alguma coisa com tal prática? Bem sei que algumas destas soluções são importadas. Mas isso, o facto de ser prática no estrangeiro, continua a ser argumento? Ou será que tanta luz ofusca o discernimento?
Pó debaixo do tapete...
Em terra onde tanto há que fazer no sentido de a limpar das horríveis mazelas que escancara todos os dias para nosso desgosto e vergonha, estas luminárias têm o condão de reforçar a ofensa. As tais centenas de milhar de lâmpadas funcionam como perfeito simulacro de que tudo, à superfície, está aparentemente bem, mais não fazendo que, afinal, reproduzir a táctica da dona de casa porca e relaxada que atira para debaixo do tapete a sujidade que por lá abunda...
Só no que se refere à questão da iluminação, na sede do concelho, nem sequer faltam à Câmara Municipal de Sintra motivos de preocupação. Para além de a edilidade jamais ter decidido manter a unidade do modelo de candeeiro que mais convém,* a evidente falta de iluminação pública constitui inquestionável factor de insegurança em determinadas zonas. O que se passa entre a Regaleira e Seteais é flagrante exemplo do que não deveria acontecer. Infelizmente, são inúmeros os casos em São Martinho, São Pedro, Santa Maria e São Miguel.
Como se tudo isto já não constituísse um ramalhete bem recheado, acresce o recentíssimo facto de, dia sim, dia sim, ocorrerem inoportunos, desagradáveis e sistemáticos cortes de corrente na Estefânea, por causas atribuíveis à sobrecarga das luminárias e/ou incorrecta manipulação das linhas eléctricas pelo pessoal que as instalou. Já no ano passado se verificou a mesma situação e, como de costume, ninguém vem a público dar a mínima satisfação.


Ah como tresanda a hipocrisia a mensagem que Sintra (qual Sintra?) pendurou nas rotundas!
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* Em 5 de Agosto de 2005, o Jornal de Sintra publicava um artigo que subscrevi subordinado ao título Volta do Duche volta a dar que falar no qual identifiquei, sem pretender ser exaustivo, dez diferentes modelos de candeeiros de iluminação pública, só entre a Estefânea e a Regaleira!... É admissível a existência de várias tipologias, todavia coerentes com as características da zona, do bairro. Ou não passará tudo de bizantinice do escrevente?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Programas do CCOC



Se bem se lembram, o texto de ontem referia-se ao Festival de Sintra cuja guarda avançada logística compete à equipa da SintraQuorum, residente no Centro Cultural Olga Cadaval. Ora bem, pretendo hoje continuar a falar desta boa gente por dois motivos, ou seja, primeiramente, porque se me impõe a rectificar um comentário que subscrevi e, em seguida, para abordar a hipótese de nova iniciativa.
Vamos, então, à rectificação. O último parágrafo do texto do Notas Diárias de 22 do corrente, subordinado ao título Festa para Dona Olga, suscita uma interpretação que escapou ao meu propósito. Aquele advérbio de modo - finalmente - induz o leitor à conclusão de que - agora sim - vamos lá a ver se temos uma festa com a participação das crianças...
Se bem que, a partir do que escrevi, esta leitura seja absolutamente natural, ela foge à verdade dos factos já que, pelo menos, de há três anos a esta parte, a comemoração do aniversário da Senhora Marquesa, no Grande Auditório, tem tido a massiva participação da miudagem das escolas.


A Directora do Centro Cultural, Arq. Isabel Worm, a quem as crianças de Sintra tanto devem, pelo cuidado que coloca na programação de iniciativas para o público infantil - por vezes lutando como autêntico Don Quixote de saias - tem tido o particular cuidado de articular a celebração da memória da Senhora Marquesa com esta marca, tão concreta como simbólica que a presença da criança constitui como promessa de um futuro melhor.
Nova iniciativa

Enfim, está feita a justiça a quem de direito e, acreditem, nada podia ter-me dado maior prazer.
Programação musical de bom nível, o reconhecimento da capacidade directiva de uma excelente agente cultural, a criança como destinatária e a memória de Dona Olga como núcleo de preocupação, eis os ingredientes para a satisfação a que também tem direito este humilde escrevente...


E passo à nova iniciativa, com uma pequena introdução. Não estou naquilo que costuma designar-se como segredo dos deuses mas, animado por esta latente e permanente curiosidade com que Deus Nosso Senhor me dotou, lá vou conseguindo apanhar, nalgumas conversas com amigos bem colocados, os indícios suficientes que me permitirão partilhar convosco, sem quebra de confidência, a hipótese de concretização de determinadas iniciativas culturais.
Trago-vos novas sobre cinema. Muitas vezes se tem colocado a hipótese de promover ciclos de cinema no Pequeno Auditório do CCOC. Na realidade, com aquela disponibilidade, é uma pena que, até agora, as várias diligências de que tenho conhecimento não tenham surtido o efeito desejado. Entretanto, sei que está em curso nova tentativa. Ainda é tão embrionária que, para noticiar, só há a intenção.


Como é uma boa intenção, não me venham já com o aforismo do costume porque, se assim fosse, o Inferno seria um lugar muito melhor... Se quiserem, aceitem o convite e acompanhem-me na expectativa de ciclos temáticos de filmes em articulação com o Festival de Sintra, com as exposições do Museu de Arte Moderna-Colecção Berardo, com iniciativas da Biblioteca Municipal, ciclos do próprio CCOC, através de protocolos com a Cinemateca e outras entidades, ciclos de cinema que, naturalmente, jamais concorreriam com os circuitos comerciais.
Então não era uma boa? Até pode ser que não venha a contecer. Mas lá que se está a trabalhar para isso, não tenham dúvida. Por mim, vou fazendo figas, para afastar o mau olhado...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Festival de Sintra

O Centro Cultural Olga Cadaval é uma casa cujos dispositivos, ao mesmo tempo que constituem um enorme privilégio para a comunidade, também desafiam permanentemente administradores e directores no sentido de os rendibilizarem em toda a sua dimensão e possibilidade de oferta de programas interessantes e diversificados.

A concretização anual do Festival de Sintra, que põe à prova toda a capacidade de organização de uma equipa tão limitada como polivalente, absorve e mobiliza um trabalho que nunca termina porquanto, para que as coisas corram bem, pressupõe compromissos de agenda de um, dois e, por vezes, mais anos de antecedência.

Trata-se uma grande máquina que funciona sobre rodas, bem oleada, discreta. Tal não equivale à afirmação de que, por outro lado, não haja muito que fazer, por exemplo, no domínio da divulgação dos eventos, o que não significa contratar e pôr a funcionar uma campanha publicitária mas, isso sim, a capacidade de comunicação com as potenciais audiências, passando pela adopção de uma estratégia de aproveitamento dos media que, infelizmente, ainda está por acontecer.
Brilho que não ofusca
Não tenho a mínima dúvida em continuar afirmando, como há anos o faço, que o Festival é o grande e mais sofisticado produto cultural de Sintra. O seu passado, brilhantíssimo em qualquer latitude, em especial pelos intérpretes que a ele ligaram o nome durante cinco décadas, constitui mais uma componente do património virtual desta terra, indissociável, aliás das suas belezas naturais, paisagísticas e monumentais.
Às pessoas que, desde o início e actualmente, mais intimamente têm estado relacionadas com o Festival de Sintra, é devida uma palavra de reconhecimento. Quanto mais me tenho interessado pelo estudo desta iniciativa cultural, mais se me evidencia como tutelar, a personalidade e a figura do Senhor António José Pereira Forjaz que, como todos sabem, foi Presidente da Câmara Municipal de Sintra durante toda a primeira fase da história do Festival. Homem informado e culto, elegante, sempre empenhado no Festival até ao mais ínfimo pormenor, era um caso sério de relações públicas, a ele se devendo uma grande parte da implantação e do sucesso subsequente.

A Senhora Marquesa de Cadaval, o pianista Sequeira Costa como primeiro director artístico, a operacional Dra. Ana Alcântara, o Presidente Távares de Carvalho e, mais recentemente, Dr. Luís Pereira Leal e Mestre Vasco Wellenkamp, respectivamente, directores das vertentes musical e de dança, o Dr. Mário João Machado - o mais antigo elemento de sucessivas equipas, desde 1969 - e a Arq. Isabel Worm, da Administração e Direcção da SintraQuorum, foram e são alguns dos mais empenhados obreiros do Festival de Sintra.

Talvez um dia...

Comecei a vir ao Festival de Sintra, de calções, há cinquenta anos. Também desde miúdo que tenho a felicidade de frequentar e, nalguns casos de me ter tornado membro de associações que patrocinam os mais distintos Festivais internacionais como os de Salzburg, Viena, Bayreuth, Lucerna, Glyndbourne, Aix en Provence. Tenho obrigação de saber acerca do que escrevo quando me permito comparar e distinguir iniciativas culturais tão prestimosas.

É por isso que sonho com uma época futura em que o enquadramento da oferta hoteleira e o cuidado com a manutenção de todo o espaço urbano deixem de ser o que são e, minimamente, venham a coincidir com o que acontece lá por fora, para que os melómanos de todas as origens e disponibilidades financeiras se possam instalar em Sintra, disfrutando daquilo a que têm direito, numa tera que está classificada como Paisagem Cultural da Humanidade.

Na realidade, por enquanto, com a dominante cultura do desleixo, o quadro não é nada favorável. Bem podem o Centro Cultural Olga Cadaval e a SintraQuorum continuar fazendo o bom trabalho a que nos acostumaram que a insatisfação permanece, impedindo que o Festival de Sintra produza as mais-valias que acontecem nos locais que referi.

Ao contrário do que para aí se diz, não há ilhas de excelência. Há gente, grupos, equipas de pessoas empenhadas que funcionam bem e o resto que não funciona tão bem ou opera mesmo mal. A excelência é outra coisa que existe, sim senhor, mas não coexiste com o desleixo e a pouca vergonha. É só por isso que me recuso a escrever que, ali defronte, no Olga Cadaval, há uma ilha de excelência...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007



Luminárias


Quando chega esta altura do ano, já que não temos outro remédio senão aguentar com as iluminações natalícias, muito gostaríamos de ver uma decoração discreta, adequada às características desta terra, com um mínimo de sofisticação e de bom gosto. Infelizmente, mais uma vez, assim não acontece.

Desde já vos diria que, muito dificilmente poderei aceitar que sejam desperdiçadas verbas de um orçamento, cada vez mais mitigado, em efémeras luminárias que nem às ingénuas criancinhas de colo conseguem agradar. Naturalmente, preferiria ver a autarquia declaradamente preocupada, por exemplo, com a instalação de iluminação permanente, no designado parque de estacionamento do edifício do Urbanismo que, nas noites de eventos no Centro Cultural Olga Cadaval, permitiria arrumar muito automóvel. Enfim, outra seriedade…

Quem conhece lugares congéneres onde, sazonalmente, os enfeites urbanos constituem indispensável motivo de atracção, percebe perfeitamente que me refiro à necessidade de não abastardar ou, sequer, prejudicar locais particularmente interessantes das aldeias, vilas ou cidades e, pelo contrário, tudo fazer no sentido de melhorar o aspecto habitual.

Estes propósitos costumam andar de braço dado com o objectivo de animação comercial, numa altura do ano em que se prevê uma maior disponibilidade das famílias. Assim sendo, seria de esperar que, neste domínio das decorações natalícias, se actuasse com particular cuidado já que ninguém pretenderá obter o efeito perverso de desagradar e afugentar seja quem for.

Quem será o artista?

No ano corrente, é bem menor a quantidade das iluminações de Natal, na Estefânea e, em especial, no eixo da Heliodoro Salgado. E fico-me por aqui para não me incomodar demasiado. Em termos estéticos, portanto, quanto à qualidade, pode falar-se num inqualificável ciclo de horrores que nenhum detestável lugar mereceria, nem mesmo aquela artéria que se tornou no pavor a que ainda não nos habituámos.

Comecemos com a fonte cibernética, junto a Nunes Carvalho que, há semanas, ostenta aquela armação desconforme, que só podia articular-se com a horrorosa grelha das festas felizes… Que cinismo! Mas, continuando, então o que dizer da zona pedestre onde, para além dos pendurados adornos, cujas formas e cromatismo não têm gosto nem desgosto, colocaram no pavimento outra armação metálica, qual foguete helicoidal que parece pretender simbolizar uma árvore de Natal?

Muito gostaríamos de saber quem é, nos competentes serviços camarários, o artista que encomenda e despacha favoravelmente a instalação destas luminárias, transformando certas zonas de Sintra numa espécie de inconcebível arraial minhoto. No meio de tudo isto, quem fica a rir-se são os tais Irmãos Castro, que lá vão fazendo o seu negócio. Se lhes encomendassem coisa de jeito, certamente que saberiam produzi-la… Toda a gente vê a capacidade de concretização, a logística e a eficácia da empresa. Só lhes falta é interlocutor à altura...

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Maria Barroso Pro Dignitate


Faço parte de um grupo de trabalho cujos propósitos ontem me levaram ao contacto com a Dra. Maria Barroso, na Fundação Pro Dignitate, sediada nas instalações do edifício adossado à lateral esquerda da fachada da Basílica da Estrela, onde outrora funcionaram os Serviços Cartográficos do Exército.
Foi uma inteira manhã de diálogo prenhe de referências a valores fundamentais da intervenção para a cidadania, à defesa dos Direitos Humanos, à luta pela causa da Liberdade, à inevitabilidade do diálogo para a resolução dos grandes diferendos políticos, no raro privilégio de, mais uma vez e na primeira pessoa, poder escutar a afirmação de uma vida que continua a pautar-se por estes grandes princípios, em todos os lugares do mundo, em todas as instâncias onde for preciso dar testemunho.


Uma das marcas que mais impressiona nas palavras desta senhora que comunica com a elegância de um discurso fluente, bem construído, sabiamente lúcido, é a redonda serenidade, sem a mínima ponta de jactância, como afirma o caminho que tem trilhado desde a mais remota meninice.
A Dra. Maria Barroso é um caso muito sério de lutadora que, em todas as etapas da vida, soube estar à altura das circunstâncias, se necessário com risco da própria segurança física, assumindo liminarmente a perspectiva de que a dignidade das atitudes faz História. Por isso, a sua máxima exigência pessoal, para que o espelho da História que, tão discreta como decisivamente, ajudou a construir, apenas possa devolver uma imagem autenticamente nobilitada.


Vigiada, perseguida, exilada, impedida do exercício da sua própria profissão de docente, obrigada aos maiores sacrifícios e desconforto, nas suas palavras, no olhar doce, sereno, nada subsiste que possa remeter para qualquer resquício de animosidade confundível com sentimentos mesquinhos, totalmente incompatíveis com a sua grandeza de alma.
Isto escrevo, com a emoção de poder aplicar a força das palavras tão apropriadamente. Não é assim tão frequente quanto se possa pensar... Isto escrevo, infelizmente, sem poder afirmar que toda a gente o sabe. A verdade é que há uma enorme multidão de cidadãos para quem a História do período negro da falta de Liberdade em Portugal não diz praticamente nada. E isso é tanto mais triste quanto são os jovens que mais o ignoram.


Razões mais ou menos óbvias nos têm impedido de fazer passar essa mensagem. A comprovação do facto não nos conduz só à inevitável preocupação. É que, se não o fizemos, se não temos feito o trabalho que nos compete junto das novas gerações, então não soubemos transmitir o que mais nos pode orgulhar no passado recente. Isso não é apenas preocupante, é quase um inqualificável desleixo que pode custar muito caro...


A verdade é que houve gente, afinal a maioria da população, que se acomodou à situação da falta de Liberdade. A verdade é que houve uma ínfima minoria de pessoas que se incomodou e arrostou com as pesadas consequências dessa atitude inconformista. O orgulho de pertencer a esse grupo sempre renasce quando me encontro com um conhecido cúmplice. Ontem, mais uma vez, me calhou a Dra. Maria Barroso. Que privilégio!

quinta-feira, 22 de novembro de 2007


Festa para Dona Olga





A Senhora Marquesa de Cadaval nasceu em Turim, no dia 17 de Janeiro de 1900, significando isto que já estamos a menos de dois meses da comemoração da data. Por motivos óbvios, Sintra será o lugar de Portugal onde se impõe a preocupação com uma homenagem anual, verdadeiramente digna dessa figura de mecenas que, em nome dos mais nobres objectivos de difusão e promoção cultural, tudo deu e nada reclamou, prestando um inestimável serviço a Portugal e à cultura europeia.


Sintra tem prestado a homenagem. No entanto, repetindo o que tenho afirmado de há anos a esta parte, ainda está por acontecer uma comemoração que ultrapasse a simples organização do evento no pequeno auditório do edifício em cuja fachada está inscrito o nome de Olga Cadaval. E merece ser conhecida, verdadeiramente estimada essa figura que a maioria dos sintrenses apenas relaciona com o Centro Cultural que substituiu o Cine-Teatro Carlos Manuel.
Pura e simplesmente, o cidadão comum ignora a vida fascinante de Dona Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo, as suas origens, como chegou até nós, as actividades que promoveu, as dificuldades e lutas que venceu. Por hoje, apenas gostaria de partilhar convosco algumas das palavras que o Engº Luís Santos Ferro subscreveu para o programa do concerto comemorativo da sua data aniversária, em 17 de Janeiro de 1997:
"(...) Tão natural e oportunamente citava Pedro de Freitas Branco, amigo e referência, ou Ortega yGasset, que fora visita regular em Colares, como o Senhor Costa, José Ribeiro da Costa, professor liceal em Sintra que deu lições às filhas e que, visitante assíduo durante anos, amigo dedicado, conversava sobre matemática e literatura portuguesa, sabia tudo sobre a região, era caçador e conhecia os bichos e os climas... Ao correr das conversas - que comandava a seu bom critério -, citando circunstâncias e nomes, e só, a propósito do que queria dizer, era surpresa permanente descobrirmos as figuras históricas de parentes, sabermos que encontrara, conhecera ou privara com Bernard Berenson, Marinetti, d'Annunzio, Graham Green, Saul Bellow, C. Chanel, Maeterlinck, Louise de Vilmorin, Francisco José (Il Kaiserone!), Pio XII, a Princesa de Polignac, Henri Breuil, Kenneth Clark, Nancy Mittford, Frau Cosima (a filha de Liszt, viúva de Wagner...), Marconi, a Duse, René Huyghe... para mencionar desordenadamente apenas estrangeiros e não músicos. Entende-se que, afinal, o seu ambiente natural era a Europa na sua mais rica linhagem cultural, vivida a partir de uma Itália unificada apenas trinta anos antes do seu nascimento.

Pela ancestralidade de nações, línguas e formas que nela confluíam, pelas naturais afinidades de gosto e sesibilidade, Olga Cadaval era, genuinamente, a cidadã europeia.

Mais do que a tentadora mas imprescindível alusão a individualidades, impõe-se afirmar um seu atributo fundamental: o sentido ético com o qual esta Senhora, beneficiando das graças que em si se reuniam, sempre procurou orientar para a formação e aperfeiçoamento dos outros os bens que soube convocar. Seu pai, explicava, cedo lhe dissera da responsabilidade que lhes cabia em utilizar esses meios para proporcionar aos outros a afirmaçãodo respectivo valor. E assim veio a ser: programa cumprido com determinação pela vida adiante. Não apenas nos aspectos exteriores e visíveis, mais conhecidos, mas ainda sob forma discreta e reservada, abrangendo a beneficência, a vida espiritual e religiosa.

Segundo a mais exigente afirmação aristocrática - no conhecimento do significado de aristos e do comportamento de elite que daí decorre - sobressai a lição da Parábola dos Talentos (Mateus 25, 14-30) ensinando que os dons entregues por Deus ao homem são gratuitos mas obrigam o cristão a fazer render e frutificar os talentos recebidos. Este dever tornou-se cometimento sistemático de uma existência: Tive presentes extraordinários das pessoas que foram intelectualmente generosas comigo... Dei pouco, recebi muito... Mas não tinha possibilidade de dar tanto quanto recebi, não é? Sim, eles aqui receberam calor humano, amizade, mas o que foi isso comparado com o que me deram? Deram-lhe Rubinstein e Rostropovitch concertos memoráveis que ela por seu turno ofereceu, num Coliseu a estalar (Abril de 72) e, para o Festival de Sintra, num espectáculo vibrante (S. Carlos, Julho de 96). Analogamente, nos anos sessenta, ofereceu à Juventude Musical portuguesa recitais de Nikita Magaloff e Vladimir Ashkenazy. Deram-lhe também presentes extraordinários os muitos jovens artistas que acolheu em casa - para onde convidava um público de amigos - e que escutou em horas memoráveis, palpitantes de música. Entre eles, Barenboim, Jacqueline Du Pré, Uto Ughi, Martha Argerich, Fu-Tsong, Rafael Oroszco, Roberto Szidon... E também (...) Stephan Bishop-Kovacevitch e Nelson Freire - o Nelsonzinho que venceu, com vinte anos, o Concurso Vianna da Motta de 1964 e por quem tinha maternal afecto. (...)

Melhor é a sabedoria do que a valentia diz, numa moeda de ouro de 1724, o mote latino de um dos sete doges seus ancestrais, Alvise III Mocenigo: MELIOR EST SAPIENTIA QUAM VIRES.(...) louvemos a sapiência e a generosa simplicidade com que distribuiu os seus invulgares talentos, multiplicados e enaltecidos no transcurso de toda uma ampla vida."

Fecho a citação que não é esboço nem resumo biográfico, tão somente a evocação de traços da personalidade de Olga Cadaval, um memorandum a quem de direito no sentido de que, em 2008, possamos ter uma autêntica festa, abrangendo diversos públicos, com crianças das escolas a ouvir música no Centro Cultural a abarrotar, no grande auditório, depois de terem deposto flores junto ao busto da Senhora Marquesa.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Transporte? Público, p. f.

Cerca de meia hora antes do início das aulas, os professores começam a chegar. Levando os carros até ao portão, esperam que a auxiliar de educação ali de serviço, no controlo de entradas e saídas, opere a abertura automática da grande cancela. Rapidamente reconhecidos e, uma vez admitidos, vão ocupando os cobiçadíssimos lugares de estacionamento.

Estamos no início do dia. A partir de determinada altura, esgota-se a disponibilidade dentro do recinto escolar já que, naturalmente, é muito limitada a área destinada ao parqueamento de viaturas. Então, ainda há a possibilidade de apanhar vago algum dos mais dez lugares reservados, na rua de acesso ao estabelecimento de ensino. E depois? O que fazem os outros?

Bem, depois, é a bagunça que imaginam. Não há, nas redondezas, buraquinho que fique livre, com prejuízo do direito dos transeuntes, velhos, crianças, deficientes, a quem não resta outra alternativa que não seja a deslocação pelo meio da rua. Mas não nos esqueçamos dos outros, ou seja, os desgraçados que tiveram a desdita de um qualquer atraso.

A campaínha já tocou. O que fazem esses infelizes, ainda agarrados ao volante, olhando à volta, na desesperada procura daquilo que já sabem não existir? Acabam por atirar com o carro para um lugar proibidíssimo, sujeitando-se às consequências. Eventualmente, ficam dependentes da tolerante benevolência de um agente da autoridade que, com o nacional porreirismo que nos caracteriza, em vez de lhe aplicar a multa respectiva, espera que o prevaricador seja avisado.

Um estigma

Certo é que o período matinal, no início das actividades, atinge um pico de stresse que, nunca definitivamente resolvido até ao fim do dia, se vai atenuando porque os interessados chegam e partem em horários desfasados. Porém, tendo em consideração que professores, auxiliares e técnicos administrativos constituem um grupo com cento e muitas pessoas, noventa por cento das quais se desloca no seu transporte individual, não é difícil imaginar a dificuldade de assimilar a acumulação de tanta confusão.

Repare-se que a maior parte destes profissionais do sector da Educação, reside perto ou relativamente próximo do local de trabalho. Não afirmaria peremptoriamente que toda esta gente poderia dispensar o automóvel. Há casos de flagrante inacessibilkidade que justificará o transporte individual, No entanto, mesmo dentre esses, quantos não poderiam deixar os seus carros, em determinada altura do seu trajecto, tomando o transporte público até ao destino?

A verdade não pode ser escamoteada. Sintra continua a apresentar problemas por resolver no domínio do transporte público. Todavia, apesar de todas as críticas mais ou menos pertinentes, mais ou menos contundentes, não está tão mal servida que não possa enquadrar toda essa clientela que para aí anda, sem um pingo de lucidez, agarrada ao automóvel, na presunção de gozar um conforto que, na realidade, lhe vai custar muito caro, especialmente, na farmácia, em calmantes e antidepressivos...

Acontece que, não só em Sintra, um pouco por todo o país, o transporte público - porque será?.. - está de tal modo conotado com falta de qualidade do serviço, insegurança, desleixo e falta de higiene, que ganhou um autêntico estigma. Em geral, ainda que inconscientemente e, na maior parte dos casos, fruto de manifestos preconceitos, o público relaciona o transporte público com os utentes de mais baixo estrato, os diferentes, os infelizes que, de todo em todo, não têm outra hipótese.

Um exemplo para a mudança

Numa sociedade altamente mercantilizada como a nossa, não há produto, por mais complicadas que sejam as suas características, que se não venda através de boas campanhas de promoção na comunicação social. No caso em apreço, impõe-se a adopção de uma estratégia de publicidade institucional, repartida pelas autarquias do concelho, em articulação com os operadores, demonstrando as vantagens, os benefícios na bolsa das famílias, o ganho de qualidade de vida, o combate à poluição ambiente, etc.

Enquanto assim escrevo, lembro uma campanha extremamente bem concebida, há uma boa dúzia de anos, pela comunidade provincial de Salzburg - portanto, não só a cidade mas toda a região envolvente - precisamente com o objectivo de fomentar o transporte público, para o benefício de uma atmosfera mais sã, mais livre da agressão do monóxido de carbono. É uma realidade que conheço particularmente bem, ano após ano, de há muitos anos a esta parte, pelo que também posso dar testemunho dos resultados.

Recorreram a conhecidíssimas figuras públicas, desde políticos locais e nacionais até actores, jornalistas, académicos, grandes músicos, promoveram concursos com prémios, fizeram grandes ofertas de passes de transporte e campanhas de preços reduzidos, conceberam uma caderneta de pontos cujo preenchimento, com um determinado número de viagens, equivalia à oferta de chorudos bónus, na compra de bilhetes para concertos, na entrada de museus, etc., um sem número de iniciativas que, efectivamente, acabou por conquistar muitos dos que ainda andavam arredados.

É um caso concreto de sucesso que só foi possível na medida em que, como tantas vezes tenho assinalado, se actuou integradamente, articulando todas as entidades públicas e privadas que iriam lucrar com tal campanha. Enquanto, entre nós, não procedermos de modo idêntico, vamos tendo como resultado o cenário de terceiro mundo que os adultos criaram, com que as crianças e jovens se vão deseducando. Tal qual, como na escola que hoje trouxe à baila.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Uma questão de cultura




O que poderá determinar que um jovem do concelho de Sintra chegue ao fim do nono ano de escolaridade sem nunca ter visitado o Palácio de Queluz, ou os Parques da Pena e de Monserrate, o Castelo dos Mouros ou os Capuchos? Coloco a questão porque, embora não generalizável, reconheço que a situação não será tão excepcional quanto possa parecer.




Com o propósito de responder à pergunta formulada mas, de qualquer modo, sem possibilidade de, a título complementar, aceder a dados estatísticos que sustentem qualquer estudo sobre ocupação de tempos livres dos jovens do concelho, com incidência no seu acto voluntário de visita regular a sítios congéneres, apenas me basearei na minha experiência e no contacto com colegas professores que me dão esse testemunho.




Importa referir que, na realidade, apesar de enfrentarem cada vez maiores dificuldades, de toda a ordem, que não só orçamental, as escolas vão promovendo visitas de estudo àqueles lugares emblemáticos e a outros destinos deste concelho tão rico em património natural e edificado. Assim sendo e acontecendo, como justificar a existência de uma significativa quantidade de estudantes que os não conhecem parcialmente ou até na totalidade?




Julgo não incorrer em erro grosseiro se, muito simplesmente, pressupuser que basta o aluno ter faltado a determinadas aulas, durante as quais tais visitas se concretizaram, para ter ficado(definitivamente?) arredado da possibilidade que a sua escola lhe teria facultado, não tivesse ocorrido o imprevisto que determinou a sua ausência da actividade em apreço.




E as famílias?




De qualquer modo, se esta primeira abordagem iliba a responsabilidade da escola, a questão continua pertinente na medida em que causas de outra ordem poderão enquadrar uma justificação plausível. Continuo com o cuidado que dei a entender em parágrafo anterior, arriscando pisar terrenos que não estão devidamente escorados por estudos afins.




Tratando-se de lugares tão especialmente belos, de inequívoco interesse cultural para todos os públicos, ultrapassando o dos miúdos que lá se deslocam com colegas e professores, resta questionar o papel da família. Ora bem, é escusado entrar em grandes elucubrações para poder afirmar que as famílias, com um mínimo de preocupações de carácter cultural, deslocam-se, visitam e fazem-se acompanhar dos filhos. E as outras, não!




O problema é que, num país com os mais fracos índices de consumos culturais da União Europeia, muitas são as famílias que, embora disponham do rendimento que lhes possibilitaria o usufruto de determinados bens patrimoniais, nem sequer imaginam que aquela constitui uma necessidade, cuja periódica satisfação tanto pode contribuir para o seu bem estar.




Este é o tal tipo de famílias urbano-depressivas, residentes nos subúrbios betonizados de algumas freguesias de Sintra, que enchem não os teatros, não as exposições, não os cinemas, não as bibliotecas, não os concertos mas, isso sim, os gloriosos e inúmeros centros comerciais das redondezas, no limite da pura náusea. Aí as famílias inteiras e, naturalmente, também os tais jovens que não foram à visita de estudo...




E o poder?




Não entrei em linha de conta com aquela tão significativa como escandalosa percentagem de vinte por cento dos nossos concidadãos que vivem abaixo do limite da pobreza. Não o fiz, embora a pura indigência pudesse ser para aqui chamada. Não é nada que uma agressiva estratégia de verdadeira promoção sociocultural para o desenvolvimento, não possa ajudar a resolver. Mas nada disso acontecerá enquanto deixarmos que o nosso dinheiro seja esbanjado em estádios de futebol e submarinos desnecessários.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007


Sucesso e insucesso escolar



Quando acabar de redigir e publicar este texto, seguirei imediatamente para a Gulbenkian onde, entre hoje e amanhã, decorre uma conferência subordinada ao tema Sucesso e Insucesso: Escola, Economia e Sociedade. Trata-se de mais uma oportunidade em que se actualizará, pondo-a em comum, a mais recente reflexão acerca de um assunto que preocupa a sociedade em geral, investigadores e decisores políticos, em particular.
Abro parêntesis. À partida, sei que vou encontrar amigos e colegas, professores, técnicos de Educação, alguns companheiros de muitas lutas que, apesar de tantos e constantes constrangimentos, continuam a pugnar pela melhoria do rendimento escolar dos clientes do Sistema Educativo em Portugal. Muitos fazem-no, como eu, no contexto de um Serviço Público que não pode ser mais diabolizado pelo próprio Governo. Mas, como são vozes de burro... Deixem-me fechar parêntesis.
Voltemos ao sucesso e ao insucesso. De uma vez por todas, tenhamos em consideração que não podem ser encarados como resultado inequívoco e exclusivo das actividades de ensino-aprendizagem que acontecem na comunidade escolar. Quantos êxitos e descalabros das nossas crianças e jovens não deverão ser encontrados na e justificados pela comunidade educativa! Pois é. São realidades diferentes mas absoluta e radicalmente complementares estas duas comunidades.
Muito mais abrangente, a segunda - em que se evidencia o importante grupo das famílias -inclui todas as entidades públicas e privadas interessadas no processo educativo. Afirmando e confirmando isto mesmo, não estamos longe da conclusão segundo a qual os rendimentos escolares das crianças e jovens serão directamente proporcionais ao interesse e ao investimento das comunidades educativas.
Incompetência das famílias
Destaquei as famílias. Não vou ser simpático com os pais a quem, cada vez mais técnicos das ciências ditas sociais assacam responsabilidades acrescidas, em relação aos pobres resultados que o Sistema Educativo vem apresentar cada ano que passa. Naturalmente, num texto tão despretensioso, apenas pretendo referir dois ou três aspectos imprescindíveis à compreensão de certos fenómenos.
Desde logo, conviria ter em mente que a Educação é algo que, no essencial, implica transmissão de valores, tarefa que, primordialmente, compete à família, em relação àquela criança que, em tempo oportuno, há-de ser entregue à Escola para que esta continue, complemente e suplemente o trabalho que deveria ter acontecido a montante, ajudando a construir a matriz social, cultural que a comunidade nacional e local pretendem ali seja adquirida, em grupo.
Uma primeira reflexão sobre a indisciplina. A Escola não tem sabido, mas já deveria ter devolvido aos pais a flagrante incompetência, de que dão constante prova, ao entregarem ao Sistema Educativo crianças que são poços de egoísmo, individualistas, indisciplinadas, a quem, previamente, e, desde a mais tenra idade, não souberam transmitir as mais elementares noções de respeito - em particular, pelo território dos adultos - de autodomínio, disciplina, de partilha com os outros.
Uma segunda chamada de atenção para o modelo de vida que apontam aos seus educandos. Incapazes de colocarem limites às exigências das crianças e jovens, culpabilizados pela falta de tempo para acompanhamento que não sabem e/ou não conseguem dispensar, esses pais compensam-se através da oferta aos filhos de produtos nocivos, dispensáveis, dispendiosos, multiplicando reacções grupais de dificil controlo por parte da Escola.
Como se isto não bastasse, em muitas casas se fomenta, desde o primeiro ano do primeiro ciclo, uma irredutível mentalização na competitividade a todo o transe, transmitindo a ideia de que, na escola, dentro e fora da sala de aula, a palavra de ordem para os seus filhos, é a egoísta perspectiva do preocupar-se apenas consigo, fazendo tábua rasa dos valores da camaradagem, entreajuda e solidariedade.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007


Analfabetismos

Muitas pessoas continuam a surpreender-se perante negativas estatísticas relativas à persistência dos acidentes nas estradas e ruas deste país. Um exemplo desta atitude tivemo-lo com a recente ocorrência de vários atropelamentos mortais, que encheram as parangonas dos jornais, lembrando como, também neste tipo de ocorrências, especialmente em centros urbanos, Portugal bate todos os recordes europoeus.
Espanta que haja quem se espante. Portugal tem todas as condições estruturais para que acidentes de toda a ordem, só neste domínio do trânsito, continuem a manchar de luto e sofrimentos de toda a ordem as famílias das vítimas e lesando toda a comunidade com efeitos nocivos de altíssima monta.
Falta de civismo, diz-se, e com toda a razão. No entanto, hão-de reparar que a portuguesa falta de civismo decorre de uma origem muito difícil de erradicar. Refiro-me, como tantas vezes o tenho feito, a propósito de outros assuntos, aos dois tipos de analfabetismo, o pleno e o funcional, bem como à iliteracia, em percentagens altamente preocupantes quando comparadas com o que acontece noutros países europeus.
Uma enorme quantidade de condutores e de peões portugueses está afectada por esta matriz, transversal em termos sociais e independente dos bens materiais de cada um. Têm instalados quadros mentais cujos contornos exigem uma actuação consequente e concertada das autoridades rodoviárias, policiais e autárquicas que, em Portugal, só pode ser diferente em relação ao que, por exemplo, acontece na Finlândia...
Em Sintra
Contudo, o que não vemos, não prevemos, não sentimos nem pressentimos é que sequer se desenhe essa estratégia, necessariamente restritiva, disciplinadora e não indutora de comportamentos que os tais quadros mentais suscitam nos cidadãos portadores daquela deficiência, numa luta com tácticas plenamente adequadas às circunstâncias.
É neste quadro de preocupações que me tenho insurgido contra atitude de perniciosa tolerância com que a Guarda Nacional Republicana tem actuado em Sintra, na presunção de que é a correcta perante a falta de alternativas adequadas, por exemplo, relativamente à resolução da questão do estacionamento. Talvez pudesse estar de acordo, noutro contexto, em que não imperasse tanto analfabetismo e iliteracia, a montante de tanta falta de civismo...
Para terminar, perfeitamente a propósito, mais uma vez chamaria a atenção à Junta de Freguesia de Santa Maria e São Miguel e à Câmara Municipal de Sintra no sentido da necessidade de instalar bandas dissuasoras de velocidade na Rua Câmara Pestana, onde autênticos criminosos encartados, continuam acelerando perigosamente as suas máquinas, pondo em risco a vida de pessoas e bens. Não têm conta os meus apelos verbais e por escrito. Oxalá, um dia destes, não nos confrontemos com aquilo que não gostaríamos e ainda podemos evitar

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Pobres de nós





No que a Portugal se referem, as estatísticas sobre a pobreza - que, tão recentemente, foram lembradas, por ocasião da celebração anual desta questão - são concludentes quanto às dificuldades que o país está a atravessar para resolver uma situação que causa escândalo e, como não podia deixar de ser, contribuindo também para a proverbial falta de auto-estima da população.


Quando se compara números há que ter muito cuidado para não cair na grosseira desonestidade em que têm sido férteis os governantes que, em nome do povo, depois de trinta e tal anos no poder, não conseguem sequer fazer-nos aproximar de índices minimamente satisfatórios. E deixai passar o adjectivo satisfatório, sempre muito difícil de conjugar em matéria tão contundente. Enfim, já que são incapazes de resolver um problema inegavelmente estrutural e difícil, pelo menos, deveriam deixar de ofender a nossa inteligência e capacidade de encaixe, com comparações totalmente inaceitáveis.



Logo à partida, importaria considerar que o Produto Nacional Bruto (PNB) - representando o valor de todos os bens e serviços produzidos numa economia, medida-padrão da riqueza de um país e base para as comparações económicas - nos afasta dramaticamente dos parceiros europeus do clube a que todos pertencemos, em que todos são iguais mas há uns que são muito mais iguais do que os outros.



Só no que respeita o PNB por habitante, Portugal tem pouco menos que quarenta por cento da riqueza da Áustria, cerca de metade da Itália e um terço da Dinamarca! Está claro que a Áustria e a Dinamarca, países que seleccionei porque conheço particularmente bem, também têm os seus pobres que, no entanto, nada, mesmo nada têm a ver com os nossos. Aliás, em relação aos companheiros da União, quase poderia dizer-se que pobres somos todos e não só aqueles que, entre nós, vivem abaixo do limiar da pobreza...

Pobres de Sintra

A articular com este quadro tão desolador, agigantam-se os problemas do analfabetismo funcional e da iliteracia. Nenhum, absolutamente nenhum país da União Europeia a vinte e cinco, apresenta os valores violentamente vergonhosos do analfabetismo pleno, ainda acima dos dez por cento da população total. A propósito, não nos esqueçamos de que, por aqui, passa muita da falta de civismo, relutância à mudança de atitudes e falta de intervenção cívica da maior parte dos cidadãos.


O conselho de Sintra, com cerca de meio milhão de habitantes, deverá ter qualquer coisa como cem mil pessoas vivendo com menos de 12 Euros por dia e, dentre estes, mais de metade com menos de 8 Euros por dia. A realidade sociocultural que melhor conheço é a do Sistema Educativo que, plenamente, confirma estas extrapolações. Basta consultar as estatísticas dos Apoios Educativos para que não restem dúvidas. Aliás, a Escola mais não faz do que reflectir a realidade social e sociocultural do país.


Na realidade, muitos dos nossos meninos e jovens apenas subsistem. Vão vivendo. Vão-se aguentando, com tão baixos níveis de rendimento das suas famílias, num quadro de miséria, às claras e escondida. É impossível mascarar esta situação e ajudar a fazer o que não compete ao governo fazer, isto é, comprometer a comunidade educativa na resolução das carências socioculturais. É possível, claro que é possível, envolver muito voluntariado no apoio a este público carenciado. E não estou a pensar em bodos de Natal nem na proverbial caridadezinha...
Por outro lado, a nível institucional, de acordo com a definição de prioridades estabelecida pelo Conselho Municipal de Educação, o município de Sintra pode e deve minorar sérios problemas que afectam instalações e apoios escolares nalguns dos lugares do concelho onde as situações são mais gritantes. Se o fizer, aplicando os recursos indispensáveis, sem miserabilismo e à altura do tempo que vivemos, ninguém duvide que se vai notar a diferença.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007


Ponto e contraponto



No domingo passado, dia de São Martinho, havia Concerto para Bebés no Centro Cultural Olga Cadaval, no âmbito de uma das fortes linhas do programa de promoção do gozo da Música junto de públicos infantis que a direcção da SintraQuorum tem vindo a promover, com um sucesso que justo é assinalar. Os lugares esgotam com grande antecedência porque os bilhetes são muito disputados.


Com tal êxito, estamos todos de parabéns, os pais das crianças, as crianças, a empresa que depende da Câmara Municipal de Sintra, os cidadãos em geral. A decisiva aposta na concretização de projectos que tais, constitui marca de esperança num futuro melhor para todos esses miúdos cuja educação, por esta via da música em idade muito precoce, já é diferente e muito mais rica.

No entanto, iniciativa tão propícia, se não era manchada, pelo menos, conseguia ser perturbada pelo estacionamento ali à volta. Na realidade, até nem eram os automóveis dos pais das crianças que atravancavam a Rua Câmara Pestana e Bairro das Flores. Em simultâneo, nessa mesma tarde, Fernando Pereira era homenageado no pequeno auditório e tal evento trazia ao Centro Cultural uma audiência suficientemente numerosa para causar perturbação e causar incómodo perfeitamente evitável.

Mais uma vez, com o risco de me tornar insuportável, venho lembrar como a solução deste problema não é nada transcendente, não é incomportável em termos de investimento e já poderia ter sido concretizada há anos. Apenas a cerca de trez minutos a pé, do outro lado da linha do combóio - com acesso à Heliodoro Salgado através daquela passagem aérea que é uma vergonha de degradação, por falta de manutenção - está o provisório parque de estacionamento, junto ao edifício de Departamento de Urbanismo, invariavelmente vazio, no horário dos eventos no Centro Cultural Olga Cadaval.

Actuação integrada

Depois de não sei quantas tentativas de alerta, sempre apontando a solução acima mencionada, que ninguém desvaloriza ou contraria, aqui me têm a pedir que, com a máxima urgência, o Senhor Vereador Luís Duque conclua a avaliação que lhe foi solicitada, com a necessidade de a articular com a SintraQuorum e EMES "(...) em termos de funcionamento do parque de estacionamento, visando os dias em que decorrem eventos no Centro Cultural (...)". Se assim o escrevo, mais não faço do que confirmar os termos da carta que me remeteu o Exmo. Senhor Dr. Nuno Fonte, Chefe do Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Sintra, datada de 14 de Março de 2006, portanto, há mais de ano e meio...

Já no passado dia 18 de Setembro, no enquadramento destas Notas Diárias, precisamente acerca deste assunto, subscrevi Alternativa ao caos, um texto em que pormenorizava alguns assuntos afins, aliás na continuação de uma saga que comecei no Jornal de Sintra há tantos anos quantos leva de existência o próprio CCOC. Se quiserem ter a bondade, espreitem o escrito. Não tenho mais nada a acrescentar excepto o recorrente lamento pela sensação de impotência, de não sentir o efeito de uma intervenção cívica que não é individual, já que se limita a exprimir a opinião de tanta gente silenciosa.

Apesar de não se ouvir, o ruído é imenso e natural. E tudo é tanto mais estranho quanto sei que a direcção do CCOC não perfilha a ideia de que seja possível promover um excelente espectáculo, pouco ou nada se importando com o que acontece nas ruas à volta. Assim sendo, ainda mais incompreensível se me apresenta a manutenção de uma situação tão polémica e, para todos, tão desconfortável.

Se as coisas permanecerem como estão, continuarão a diluir-se significativamente os efeitos de benefício cultural e educativo dos programas que a SintraQuorum promove, com o êxito que todos reconhecem. É que aquele Centro Cultural não é uma ilha. Para que as suas iniciativas tenham o vantajoso impacte multifacetado que é suposto, tudo tem que se conjugar no sentido do equilíbrio, da harmonia, de acordo com os ditames do acesso aos bens culturais. Como acontece em qualquer latitude civilizada. Como Sintra merece que aconteça. Ou seja, no contexto de uma estratégia de actuação integrada, coerente com a indissociável perspectiva sistémica.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Obras de regime


O edifício do Tribunal de Sintra, cujas características estéticas, proporções e localização levaram Léon Krier, aquitecto luxemburguês e perito consultor da Unesco, a afirmar que se trata de «uma guerra a Sintra» corresponde a um paradigma de intervenção na polis, no espaço comunitário onde vivemos e convivemos, que já foi designado, mesmo a nível internacional, como obra de regime.
Se bem se lembram, aquela foi a designação aplicada às grandes obras que marcaram a presidência de François Mitterand, especialmente na capital francesa, talvez reminiscências dos tempos do Rei Sol. Em Portugal, o exemplo fez o seu caminho e foi acolhido, por muitos executivos municipais, cujos presidentes, na maior parte dos casos, pacóvios provincianos, cederam à tentação de deixar o seu nome ligado a muitos dos mamarrachos que conspurcam a paisagem nacional.
Sintra, infelizmente, não foi excepção. Se, no caso da Biblioteca Municipal, houve o bom senso de recuperar um edifício, redimensionando-o e acrescentando obra nova que, com a precedente, convive em boa harmonia estética e funcional, já no inicialmente aludido exemplo do Tribunal, o desconchavo foi total. E poderia ter sido evitado se não fosse objectivo do executivo de então o deixar aquilo que apelidam de obra feita, independentemente dos custos de toda a ordem que a comunidade irá acumulando ao longo dos anos.
Questão de escalas
De vez em quando, alguns arautos de tais mega-soluções aparecem a dizer que, depois desses faraónicos empreendimentos, nada se fez. Têm razão quanto à falta dessas obras, impositivas, de encher o olho aos papalvos. Na realidade, não se dá por elas. E não fazem cá falta nenhuma. Sintra já vai dando prova de que se não deixa impressionar com os sempre eficazes números, correspondentes a potenciais postos de trabalho, perante os quais é preciso ter um cuidado muito especial, não vá o tiro saír pela culatra.
Apenas citarei uma das monstruosidades, previstas e já protocoladas, no fim do século passado, entre a autarca e o Ministro da Defesa de então, que se traduziria no famigerado parque-aventura que a Sintralândia iria gerir. Se não tivesse imperado o bom senso, os sintrenses estariam a confrontar-se, actualmente, com uma significativa baixa de qualidade de vida, com todos os efeitos perversos de tal iniciativa, que invalidaria dezenas e dezenas de hectares de terrenos abrangidos por reserva proibitiva, para instalar um negócio de contornos pouco pacíficos, por exemplo, em termos da origem das verbas envolvidas. Felizmente, não foi avante.
Em alternativa, há tanta obra a concretizar em Sintra só no domínio da hotelaria de média e pequena dimensão! E, para além disso, há centenas, milhares de pequenas mas urgentes obras por fazer, dessas que nos lavem a cara da vergonha que todos os dias passamos, ao deparar com muros destruídos, passeios esburacados, bermas inexistentes, sarjetas entupidas, caminhos, ruas e estradas sem qualquer ponta de manutenção, fachadas e entranhas de prédios em total degradação e quantos mais exemplos de trabalhos que ocupariam milhares de trabalhadores, acabando com a patológica cultura do desleixo que nos vitima.
Estas sim, autênticas obras de regime...

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Lugar à esperança

Muitas continuam a ser as situações que provocam a reacção de alguns sintrenses ainda confiantes nas virtudes da intervenção cívica. No entanto, de vez em quando, um ou outro tímido sinal de remediação de problemas previamente denunciados, vão dando um certo alento, indispensável à permanência em terreiro numa luta que não sendo nada confortável, é extremamente estimulante.
Já tenho partilhado convosco algum regozijo, por exemplo, em relação à empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua, que vai dando bastantes sinais de acerto de actuação, em espaços como os Parques da Pena e de Monserrate, onde qualquer intervenção sempre se revestirá de melindre. Poderia ainda lembrar o caso de pequenas intervenções, na freguesia de Santa Maria e São Miguel, como a instalação do tão agradável Jardim Pinto Vasques no Lourel.
Hoje quero referir dois casos bem concretos, exemplares da articulação entre quem denuncia e quem pode resolver os assuntos objecto de denúncia. Num primeiro momento, a resolução do problema, aparentemente muito simples, do estacionamento de viaturas no empedrado fronteiro ao Centro Cultural Olga Cadaval. O imediato empenho do Dr. Mário João Machado, vice-presidente do Conselho de Administração da SintraQuorum, as suas «negociações» com a GNR e EPMES, determinaram uma solução a contento de todos.
Outro é o caso do lamentável e flagrante estado de degradação e de falta de higiene da Rua dos Arcos, em pleno centro histórico, sob as esplanadas dos Cafés Paris e Central, que deu origem ao meu escrito Lição Inesperada em Notas Diárias do passado dia 26 de Outubro e também a diligências do nosso companheiro de luta Fernando Castelo junto dos Serviços da Câmara. Ora bem, na passada sexta-feira, apenas quinze dias depois dos nossos reparos, começaram a verificar-se algumas atitudes de requalificação que se espera não fiquem pela caiação das paredes.
No meu caso pessoal, não tenho a mínima presunção de que as minhas chamadas de atenção é que terão sido determinantes para a resolução de certas questões. Sei perfeitamente que intervenho, isso sim, em coincidência e, tantas vezes, em simultâneo, com uma série de pessoas que se sentem tão empenhadas como eu na supressão da cultura de desleixo, ainda tão entranhada nos hábitos dos cidadãos.
A tal cultura do desleixo
Aqui chegados, poderíamos formular uma pergunta pertinente acerca dessa grande questão do desleixo institucionalizado. A simples intervenção cívica de alguns, através do levantamento das questões, poderá ter a veleidade, neste domínio, de alterar seja o que for? Naturalmente que não. O mosaico de enquadramento é de tal modo compósito, só em termos da antropologia social, que bem deve ser tido em conta ao delinear qualquer estratégia de remediação.
Factores tão decisivos como o analfabetismo funcional, a iliteracia - atenção, no nosso concelho, não devem confundir-se com falta de meios... - estão demasiado radicados para que sejam ignorados, condicionando a mudança que se impõe, remetendo-a para um futuro menos breve do que todos gostaríamos. Todavia - ninguém duvida e muitos esperam - a actuação disciplinadora da autoridade democrática, decorrente do voto do povo, deve começar a verificar-se, sistematicamente, contribuindo inequivocamente para alterar hábitos perniciosos.
E a autoridade democrática está nas mãos dos autarcas, está nas mãos daqueles que usam uniformes para intervenção como força de segurança, está nas mãos de gestores de empresas municipais, de gestores de empresas de capitais públicos, de conselhos directivos de fundações que só podem dar público exemplo de coerência de actuação em conformidade com os legítimos interesses da generalidade dos cidadãos. Pois é. Tão simples, num Estado Democrático de Direito. Tão complicado, em Portugal...

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Sermão da sexagésima
fornada de Planos



Amigos!
Sintrenses!
Concidadãos!



Tudo leva a crer que, no início do próximo ano, seja revisto o actual Plano Director Municipal. Nestas circunstâncias nada surpreende que, para o efeito, devam ser tomados em consideração os relatórios de avaliação do actual PDM que determinados serviços camarários têm vindo a elaborar. E ainda bem que assim é porque ficais todos muito mais descansados. Na prática dos serviços se confirma aquilo que é do conhecimento de qualquer aprendiz de Planeamento, ou seja, que não há Plano digno de tal designação sem as respectivas instâncias de avaliação. E está tudo a funcionar...
Que regozijo vai em Sintra! Caramba! Ainda estas Notas Diárias vão no segundo parágrafo e tantos já são os motivos para festejar e assumir como estais todos de parabéns! Mas, não quero crer, ousais dizer-me que ainda vos não tinha passado pela cabeça a simples operação de imaginar o afã das centenas de pessoas, que estiveram e estão envolvidas nos meandros e entrefolhos dos milhares e milhares de páginas que alimentam o grande Plano e os subsequentes e complementares relatórios de avaliação?
É que, se assim tiver acontecido, não passais de desqualificados fregueses e munícipes, alheados do trabalho de tanta gente esforçada, que mal se alimenta e pouco goza, só para vos dar a satisfação de Planos bem concebidos e bem avaliados, os mesmos que vos dais ao luxo de não acompanhar e, sabe-se lá, inclusive, ao pecado de ignorar. Que ousadia! Brada aos céus tanta falta de civismo! É por essas e por outras atitudes de desinteresse da vossa parte que «isto» chegou a este ponto! Ou ainda não vos tinheis dado conta?
Todavia, caros concidadãos, tão alheados andais destes tão importantes documentos, que tantos e devotados trabalhadores, com tanto denodo, continuam a produzir para vossa própria felicidade e melhoria de qualidade de vida que, pelos vistos, redondamente desconhecereis a existência de mais três - contem bem, três! - outros determinantes instrumentos de Planeamento, cuja articulação com o aludido PDM é inequívoca, preliminar, já que se perfila a montante - reparem bem, a montante! - de qualquer decisão política local, seja qual for o sector do seu enquadramento.
Quando, de seguida, vos anunciar a que documentos me refiro, nem imagino a agonia em que ficareis de tão reles que sereis obrigados a vos considerardes... Parece impossível que a ignorância de que dais tão flagrante prova, tanto me obrigue a descer ao encontro do baixíssimo nível onde chegou o vosso desleixo e pouca vergonha. Pois então, desnaturados sintrenses, passai a considerar, nas vossas mais genuínas preocupações, tudo quanto se perfila - desta vez, a jusante, reparai bem, a jusante! - da tal magna tríade: em primeiro lugar, o Plano Estratégico, seguidamente, o Plano Verde e, finalmente, o Plano Energético!
Se a vossa agonia é a que agora sentis, perante a epifania de que fui intermediário, imaginai a minha, que não tenho quem me acompanhe, neste meu território da lucidez, que mais se assemelha ao vale de lágrimas em que me haveis colocado! Oh ingratos! Rendei-vos à necessidade de tanto Plano (com P grande) pois, sem tais instrumentos de trabalho, por exemplo,
- jamais se definirá a estratégia que presidirá às obras de benefício das fachadas e entranhas da maior parte dos prédios da Estefânea e Vila Velha;
- impossível se revelará decidir se o vosso quintal, se o lugradouro do prédio que habitais, pertence à Reserva Ecológica ou à Reserva Agrícola;
- nunca mais se decidirá se a linha de muito alta tensão vai passar entre o lavatório e a banheira da vossa casa de banho ou um pouco mais à esquerda, no corredor entre a porta do quarto e a cozinha.
E, para comemorar o ano Novo, já sabeis: saí à rua, na noite de São Silvestre, aclamando o PDM, mais os outros dois PE e ainda o PV! E todos os suplementares Relatórios, tanto os Provisórios como os Definitivos. Para ficardes mais descansados, sabei igualmente da minha disponibilidade para vos compor um refrão que, com a alegria que vos animará, inflamados, cantando e rindo, de rosto erguido, lançareis aos ouvidos dos descrentes!

quinta-feira, 8 de novembro de 2007


Questão de sinais


Em Portugal, é francamente má a qualidade da comunicação que se obtém através da leitura e interpretação das mensagens que constam dos sinais instalados nas nossas estradas e ruas. Se esta é uma situação grave, que a comunidade em geral não tem sabido resolver, ainda mais problemática se revela a omissão da informação lesiva dos mais diversos interessses e direitos dos cidadãos.


Mesmo quando não gera consequências tão nefastas como a ocorrência de acidentes e incidentes de toda a ordem, a deficiente sinalética é indutora de stresse, mais ou menos significativo, especialmente no caso dos condutores de automóveis que, em função das deficientes ou inexistentes mensagens, ficam incapazes de, rápida, conveniente e correctamente, adoptarem a melhor decisão para se dirigirem aos seus destinos.
Se pensarmos nos estrangeiros, de todas as origens e diferentes línguas, enquanto elo mais fraco deste circuito de comunicação - já que não dominam nem o contexto nem o canal em que a mesma se processa, portanto, os mais interessados numa comunicação escorreita, funcional e eficaz - então o problema agrava-se exponencialmente, atingindo patamares de desalento, desencanto, uma certa frustração. Tal não significará que, mais tarde, passado o momento crítico, o assunto até não possa ser recordado com bonomia, ou como mais um sintoma que caracteriza e caricatura este desorganizado povo que é o português.
Não é preciso ter estudado semiologia e semiótica e convivido com conhecidas obras de Ferdinand de Saussure, Rolland Barthes, Umberto Ecco ou de Eduardo Prado Coelho, todos conhecidos semiólogos para, imediatamente, concluir que toda esta «ementa» se aplica, que nem uma luva, à realidade sintrense. Só quem anda desatento aos signos e sinais, aos sintomas e síndromes desta nossa terra estranhará o discurso.
Sugestões, + 1 x



Não entrarei em pormenores que não cabem na economia deste pequeno escrito mas lembrarei que esta é uma questão recorrente na imprensa regional e constantemente presente nas conversas do quotidiano em que se expressa o nosso descontentamento. Tenho em mente, portanto, a inexistência de sinais quando, em determinada situação concreta, tudo recomendaria a sua inequívoca instalação, a falta de lógica, tanto ao nível das dimensões como do cromatismo como do próprio local em que foram colocados (isto é, onde dava jeito a quem os colocou mas sem préstimo a quem deles carece...).
A propósito, continua a fazer imensa falta a colocação de placas uniformes, obedecendo a um modelo imediatamente identificável no tecido urbano, junto de cada edifício com história própria, ou de outras indicando a conveniência da visita de certa zona particularmente interessante como, por exemplo, em pleno centro histórico, são os casos da judiaria e mouraria. Bem, não entendam isto como algo de imediatamente aplicável porque, no caso desta última, tanto é o desleixo e a falta de higiene na Rua do Açougue que, por enquanto, o melhor é tapar o Sol com a peneira da penumbra...


Ainda no domínio da sinalética, em turística área com a fama de Sintra, uma solução especialmente correcta passaria pela pintura, em pleno pavimento, de linhas tão coloridas consoante os dois, três ou quatro percursos sugeridos, que corresponderiam às plantas impressas nos folhetos disponibilizados aos turistas, assinalando os diferentes pontos de paragem.
E pouca conversa...



Nada disto é coisa nova. Eu próprio, em vários artigos no Jornal de Sintra, tive oportunidade de recomendar a adopção destas soluções* que, tal como é patente, continuam por concretizar apesar de toda a pertinência. Afirmo-o não por presunção mas, isso sim, com o desgosto de saber que são medidas fáceis, baratas, que melhorariam a qualidade do acesso, da divulgação e da interpretação do património.

Gosto muito de ser prestável aos forasteiros que me interpelam. Quantas vezes, por exemplo, na estrada já muito perto de Monserrate, me perguntam se vão bem na direcção da Pena... Isto já para não tornar presentes, em plena Estefânea, perguntas congéneres cuja resposta, por muita simpatia de que sejamos dotados, se torna impraticável, tão tenebroso é o circuito que a Dra. Edite Estrela nos deixou como herança. E não se pense que são estrangeiros os que mais perguntam porque, na maior parte dos casos, até são nacionais. Como calculam, prefiro guardar a minha disponibilidade para outro género de conversas.
................................

* Jornal de Sintra, Um turismo às claras..., 15.04.05

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Velhos ? (II)

Na sequência do texto ontem publicado, continuaria hoje com mais alguns apontamentos acerca da matéria que, de certo modo, terá começado a insinuar-se através da citação das palavras com que Manoel de Oliveira acolheu a última homenagem do American Film Institute ["(...) o Destino tem uma máscara generosa como esta que acaba de se mostrar. (...)"].
Não há dúvida de que se trata de sentença de velho sábio, conotada com uma série de ideias-chave da Cultura Clássica, que me pareceu pertinente lembrar.* Mais uma vez, o Destino, entidade mítica altamente intrigante, intimamente relacionada com as ideias do devir e do porvir que, por sua vez, se revelam menos acessíveis se não conjugadas com o desejo de sabedoria e de acesso ao conhecimento. Perante mais esta tirada do Artista, praticamente centenário, sempre fascinante, eis-me neste pequeno ciclo de escritos afectos à grande longevidade, o mesmo é escrever que, por vezes, também relativos à questão da Sabedoria.
A velhice sábia é algo que nem todos os homens e mulheres de idade avançada alcançam. Como todos os grandes pilares da Humanidade, juntamente com o Amor e a Beleza, a Sabedoria pressupõe um percurso que nem toda a gente pode ou está disposta a trilhar uma vez que o caminho está cheio de escolhos, de pequenas e grandes armadilhas que impedem o discernimento, a lucidez.
Quantas e quantas vezes temos nós assistido à tristíssima exibição de presunçosas teorias, proferidas por aparentes velhos sábios, completamente toldadas por preconceitos, verdadeiros prejuízos mentais, que não foram removidos durante a caminhada? Não estão já recordando o recente caso do Prémio Nobel da Medicina de 1962, James Watson de sua (des)graça que, podendo ter-se transformado numa referência, acaba de subscrever as maiores barbaridades racistas?
Mas regressemos ao terreno da sábia longevidade, a daqueles e daquelas que dizem e propõem coisas lindíssimas. Na maior parte dos casos, a comunidade, cuja vida poderia saír altamente beneficiada se estudasse e equacionasse tais sentenças, fica-se pelo comprazimento da palavra bela, tantas vezes poética e profética e, embasbacada, incapaz de segurar o facho da chama de Prometeu, acomoda-se ao statu quo. Ainda ontem presente nas Notas Diárias, querem melhor exemplo que o de Agostinho da Silva?
A sintrense Menina-Girassol
Por fim, se quisessem mesmo saber que imediato pretexto me trouxe a este terreiro, então dir-lhes-ia que foi a Menina-Girassol. De vez em quando telefona-me. Anteontem, também assim aconteceu. Do outro lado do fio, o anúncio de uma série de projectos, a sua presença aqui, ali e, mais além, numa preenchida agenda de deslocações aos mercados municipais da Beleza, da Poesia e da Sabedoria.
Nos seus estupendos oitenta e sete anos, a Maria Almira Medina - pois, naturalmente, é a ela que me refiro, sob o pseudónimo de uma das suas conhecidas obras - é um grito de Vida que só um lindo menino* consegue afirmar na Praça da Canção. Vejo-a muito menos do que devia. O defeito é meu e, igualmente, minha a desvantagem.
Conhecemo-nos há dezenas de anos. Ainda estamos ligados por laços de família, já que os seus netos são meus sobrinhos. Conheço-lhe o caminho. De Poeta, companheira de Poetas - como José Gomes Ferreira que tanto a admirava - de jornalista, artista plástica, caricaturista finíssima, sofisticada ceramista, professora que marcou gerações de estudantes, mulher de paixões, tantas e explosivas, um sintrense e genuíno hino à Vida, uma Ode à Alegria, apesar de algumas agruras que soube ultrapassar.
Foi ela a culpada destas linhas. Se me acompanharam sem enfado, a ela devem agradecer já que o demérito deste escrevente não o leva a aspirar a outra recompensa que não seja, enfim, contribuir para o desfastio do leitor, o que não é pouca presunção. Portanto, se for mesmo vossa vontade estar com a linda menina, apareçam na SUS, Vila Velha, no dia 18 e/ou na Galeria LM, em Chão de Meninos, ente 22 e 24 de Novembro. Verão que a Poesia não tem idade e que está na rua!
E já que aludi à Ode à Alegria, An die Freude, de Friedrich Schiller, poema que a Unesco declarou Património da Humanidade, já sabem, aqui vai o conselho do melómano. Ouçam-na, no quarto Andamento da Nona Sinfonia de Beethoven. Se possível, acedam à versão do Maestro Sir Simon Rattle, de 2002, dirigindo a Filarmónica de Viena, no âmbito desta sua Integral das sinfonias do mestre de Bonn. No entanto, não deixem de ler o texto já que é condição sine qua non, não só para o vosso pessoal enriquecimento, mas também para completo entendimento deste Velhos? (II).
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*Manoel, lindo menino, Notas Diárias, 02.11.07