[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PASSOS...PERDIDOS OU ACTIVOS?

DAR CRÉDITO ÀS RESOLUÇÕES

Pedro Passos Coelho refere, frequentemente, as preocupações do PSD com o défice público, considerando que o seu combate é uma “emergência nacional”.

A “Resolução” aprovada no Conselho Nacional do PSD de 11 de Maio último, parece clara ao apontar as políticas erradas como justificação da crise que atravessamos. Fica no ar a promessa de atribuição de responsabilidades, por “uma razão de transparência da nossa vida democrática”.

O combate ao défice é apontado como “objectivo fundamental”, e nas “orientações a observar” salienta-se que “num momento em que pedem aos portugueses sacrifícios excepcionais, a classe política e os gestores públicos têm a obrigação ética de dar o exemplo”.

Acreditemos na bondade das decisões e avaliemos práticas de seus representantes.

Sintra foge aos objectivos estabelecidos pelo Conselho Nacional do PSD?

O empenho do Presidente da Câmara de Sintra (empenhados seremos nós, os munícipes...) para um empréstimo de 26.607.629 euros, com os quais, à mistura com escolas, se pretende adquirir a Quinta do Relógio (para ajudar, em contos: 1.353.253) e o Complexo de Fitares (em contos: 962.313) terá de enquadrar-se no “objectivo fundamental” da Resolução.

Para desculpar a insistência política, pouco importa se o Tribunal de Contas aprovou ou não o acto, já que são compromissos que se reflectem na vida futura do município e no panorama de endividamento do País.

Como muitos leitores não conhecem o estado actual da Quinta do Relógio, as fotos anexas dão uma pequena mostra do que se pretende comprar, da ausência de informações sobre o custo da recuperação e, mais, quais os fins em vista depois de uma eventual recuperação.

Não restam dúvidas é que, à partida, quem ganha com o negócio são os vendedores e eventuais intermediários.

É altura de Passos Coelho (que conhece a situação) mostrar que as decisões do PSD não são apenas para os canais televisivos, mas para serem levadas à prática em nome do crédito que devem merecer as suas palavras.

Fernando Castelo



















terça-feira, 24 de agosto de 2010

CENTRO HISTÓRICO DE SINTRA,

LUGAR PARA AUTO-CARAVANISMO?

Problemas técnicos não permitiram a publicação atempada de alguns comentários ao artigo aqui publicado em 15 deste mês, com o título "TURISMO EM SINTRA, tolerância & abusos...", situação que só hoje foi superada.

Um deles, provavelmente do mesmo anónimo, fala em várias situações, ganhos, custos e exemplos que, admitindo não ser a intenção do autor, mais parece serem desviantes da matéria em apreciação.

A questão nuclear é esta: Como é possível que em pleno Centro Histórico, de um Património reconhecido pela UNESCO, as autoridades locais - com maiores responsabilidades para a Edilidade - não tomem as medidas adequadas para impedir a pernoita de dezenas de pessoas em viaturas, nomeadamente auto-caravanas?

Primeiro, por não ser o local adequado a tal prática, depois por não se garantir a segurança do local, por último a ausência de apoio logístico indispensável a uma sã e higiénica estadia. Pelo menos duas caravanas estiveram lá 6 dias, uma delas até recebendo visitas.

É óbvio que o autor destas linhas nada tem contra a prática de tal vida ao ar livre, tanto mais que o "anónimo" até aludiu às comodidades oferecidas pelas auto-caravanas, que custam muitos milhares de euros.

Pegando, até, nas palavras do anónimo, dá-me vontade de comprar uma auto-caravana e andar por aí, livre de pagar IMI (que em Sintra é dos mais elevados), não ter de suportar as facturas de água e tratamento de esgotos que os SMAS apresentam ou pagar a factura da EDP.

Em 365 dias por ano, fazia o que recentemente vi numa aldeia num lago do Camboja: levantava ferro e, mudava a casa-carro para outra margem. Para receber correspondência criava uma Caixa-Postal.

O "anónimo" também deu exemplos com que, alguém menos avisado, poderá pensar que "lá fora, é que é bom". Falemos das Ilhas Britânicas, onde nas zonas históricas é frequente aquele sinalzinho de uma auto-caravana com um círculo e tarja vermelha por cima.

Pegando nos exemplos que deu, em St. Malo não se passa a noite em auto-caravanas dentro das muralhas e na zona histórica, não é verdade? Citou Rothenburg ob der Tauber, e só falta dizer que arruma o carro na Marktplatz, junto à Rathaus. Tente só parar por lá e nem demora 5 minutos que a polícia não resolva o problema. O parque mais próximo é a mais de 3 quilómetros, onde - realmente - tem condições para a prática. Depois, falou em Pisa, e será que consegue penoitar no parque que serve os visitantes da Catedral e da Torre Inclinada? Experimente...

Mas em Sintra, sim, a 100 metros do Palácio Nacional de Sintra, dorme-se descansadamente, sob o manto diáfano da incapacidade autárquica.

A incapacidade autárquica tem outros reflexos, porque nem tem conseguido arranjar e solucionar o problema de campismo e caravanismo na Praia Grande.

Agora, meus amigos, gastar-se tantos milhares de euros em auto-caravanas com intuitos de beneficiar da vida ao ar livre e depois pernoitar no parque de estacionamento do Urbanismo de Sintra, como a imagem mostra, é mesmo uma coisa do outro mundo.

Fernando Castelo

A foto do parque do Urbanismos em 16.8.2010


domingo, 22 de agosto de 2010

PATRIMÓNIO DE SINTRA,

A HISTÓRIA TERÁ VALOR?












Começamos a nossa crónica de hoje sem observar o sentido estético das imagens, mas o sentido da história a isso nos aconselha.

As fotos acima, identificam aquele fontanário secular que existia no Largo Afonso de Albuquerque, em plena zona nobre de Sintra - A Estefânia.

Tudo indica que, pela conjunto dos presentes e suas indumentárias, a primeira das fotos se reporta ao acto da inauguração, vendo-se mais pormenores na segunda.

Temos a obrigação de honrar esses Homens que viveram Sintra noutra época, em que a vida local se guiava por padrões mais éticos do que simples passagem por cá para ajudar a satisfazer ascensões políticas.

Sucede que, em Outubro de 2007, um ou vários gatunos, sabe-se lá se por encomenda, (disse-se na altura que as autoridades estavam a investigar...) levaram a parte superior da fonte.

Uns dias depois, a maior parte do fontanário (que não foi roubada) constituída pela coluna de suporte e duas pias, foi retirada do local...e o pavimento rapidamente reconstruído, como se nunca lá tivesse estado aquela peça histórica.

Frequentemente, abordando algumas pessoas, as expectativas apontavam para a rápida reconstrução da parte roubada e recolocação do fontanário no seu lugar.

Decorridos quase 3 (três) anos, tenho feito um pequeno teste: pergunto a pessoas com responsabilidades locais e a resposta já é "a fonte? Foi roubada...".

Isto é, o fontanário já adquiriu o estatuto de roubado na sua totalidade, graças aos poucos cuidados tomados pelos responsáveis pela remoção.

É assim que se defende o património de Sintra? Não, e temos a abrigação de exigir que o fontanário volte ao seu devido lugar, antes que um dia, sabe-se lá como, venha a enriquecer uma qualquer quinta das redondezas.

Muitos sintrenses ainda não se esqueceram que a Fonte Mourisca, quando foi desinstalada do seu local original, veio a aparecer numa quinta...

Por tudo isto, no passado dia 10, escrevi ao Senhor Presidente da Cãmara a solicitar informações sobre o "referido espólio histórico, se está a ser recuperado e se é possível visitar o local onde a fonte se encontra, sob guarda e responsabilidade dessa Câmara Municipal". Até hoje sem resposta.

Aqui fica o alerta para a sensibilidade de quantos, efectivamente preocupados com a riquíssima História de Sintra, não estão dispostos a que o seu património possa ser engavetado em qualquer lugar.


Sintra não pode estar à mercê de quem tenha uma visão histórica tão curta.

Fernando Castelo

Nota: Pelo sim, pelo não, apela-se aos nossos visitantes que fixem as imagens. Pode ser que um dia, numa voltinha pelos arredores, vejam algo parecido.

As fotos foram gentilmente cedidas pelo Arquivo Histórico



quarta-feira, 18 de agosto de 2010

CANIL MUNICIPAL DE SINTRA, *
FACE OCULTA DO "GLAMOUR"

Em Abril de 2009 (JR Sintra, de 21 a 27 de Abril) eram anunciadas obras para um novo canil municipal, que arrancariam em Julho desse ano, com o prazo de execução de 8 meses. O "investimento seria de um milhão e meio de euros". Até hoje, NADA!!!

A ter-se confirmado o anúncio, entre Março e Abril de 2010, por certo com TV presente, seria louvada a grande obra que resolvia o gravíssimo problema das instalações onde vivem tantos animais. Os voluntários que se entregam tão abnegadamente a tratar os animais, bem como os funcionários camarários, teriam melhores condições para as suas louváveis tarefas.

Os munícipes leram a notícia com agrado, desprevenidos de que, uns meses mais tarde, se iriam realizar eleições. Na prática, o anúncio das obras mais parece que se integrou na pré-campanha da famigerada "dedicação total", que antes se tem mostrado plena de genes improdutivos.

A uma distância temporal, aparentemente programada, anunciou-se uma obra que não teve execução.

A consideração pessoal que tenho pelo Dr. Luís Patrício e a sua experiência de muitos anos como Vereador, garantem-me a convicção de que nada teria anunciado sem garantias superiores ou ter recebido indicações para o fazer. Não merecia este engano e deixou de incluir o novo Executivo saído das eleições.

Actualmente, com cada vez mais animais, tudo vai piorando no canil municipal, oferecendo a quem passa as imagens chocantes que apresentamos.

Em período de grande calor, as imagens ontem recolhidas obrigam a uma grande reflexão, não se devendo ocultar a quantos organismos, nacionais e internacionais, se dedicam à defesa dos animais e da saúde pública.

Como é possível que exista uma empresa Municipal de Higiene Pública e se veja o lixo no exterior, exalando um cheiro nauseabundo?

Os bons cheiros de Sintra são preservados para reuniões mais cor-de-rosa. A sublimação projecta-se em historietas de ocasião. O romantismo, esse, não passa de alusões ocasionais, politicamente convenientes, sem reflexo no dia-a-dia de Sintra.

O canil, como está, reflecte a imagem oculta dos sentimentos, pois quem trata assim os animais, dificilmente encara as pessoas de outra forma.

Para vergonha dos responsáveis, as imagens deste canil, impróprias de um país civilizado, deveriam correr mundo ao lado daquelas fotos que mostram o pseudo "glamour" em que participam.

Que pena a RTP não aparecer por cá, acorrendo a uma piedosa chamada.


Fernando Castelo


Parte exterior, junto à via pública











Os animais e as suas boxes (?) ao sol












* Intencionalmente a negro



domingo, 15 de agosto de 2010

Turismo em Sintra,
tolerância & abusos...

Seria uma ignomínia se duvidássemos de recentes palavras do Presidente da Câmara de Sintra, frente a uma câmara da RTP, quando afirmou: “todos os dias faço esta Volta do Duche a pé”.

Em conformidade, parece impossível que – ao longo das últimas semanas – não se tenha apercebido do elevado número de auto-caravanas parqueadas na Volta do Duche e no Parque do Rio do Porto, ou que não se tenha inteirado sobre possíveis pernoitas.
Tanto mais que a questão lhe foi exposta directamente, pela via adequada...

Auto-caravanas conquistam Centro histórico *


De qualquer forma, apesar de selvagem, sem instalações sanitárias ou banhos (onde se lavam e despejam?) estas 15 a 20 dormidas diárias excederão o objectivo das 400.000, anunciadas com pompa e circunstância em publicitária conferência de 17 de Março deste ano.

Passámos a ter, com a complacência ao mais alto nível, pessoas a pernoitar dentro dos veículos, a abancar e a despejar, durante dias e dias de férias numa zona nobre de Sintra.

A indiferença dos responsáveis corresponde à decadência dos lugares, uma responsabilidade política de quem deveria zelar pelo prestígio do Centro Histórico e pela dignificação da autoridade democrática.


Esta grave situação - que tanto eu próprio como o João Cachado, vimos denunciando há anos, neste blogue e no saudoso Jornal de Sintra - é a imagem do turismo de ocasião, desadequado ao prestígio que Sintra construiu ao longo de muitos anos.

Enquanto isto, milhares de visitantes ficam bloqueados nos acessos, acabando por “passar” por Sintra e vê-la pelas janelas dos seus carros. Outros, vindos a pé, encontram a zona mais nobre da Vila com uma limpeza pouco conforme com o que um lugar histórico exige, referindo-se ainda a falta de higiene que é imposta aos turistas, ali mesmo nas barbas do Posto de Turismo.


Parece que, ao invés das respostas ajustadas aos tempos modernos e postas em prática nos concelhos vizinhos, nos contentamos com um turismo de faz-de-conta, alheio ao prestígio de qualificados técnicos camarários...e como eles sofrerão com o que vêem!!!

Sintra é mais que promoções pessoais. A este propósito, foram preciosas e clarividentes as imagens publicadas há dias na revista Flash (edição de 26.7 a 1.8.2010), e o título "Amor e Moda na Vila Romântica" em flagrante contradição com a qualidade de vida ambicionada pelos sintrenses.

Fernando Castelo

Promoção dos cheiros e "espírito do lugar"...










Turismo de excelência para o "Romantismo"...










Nem falta o grelhador e o carvão...









* Este fim-de-semana, dois conceituados articulistas, Clara Ferreira Alves, no Expresso ("Selvagens nas dunas" e Miguel Esteves Cardoso, no Público ("A praga circulante") abordam o problema. Registamos que este blogue tem estado em cima dos acontecimentos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Os incendiários

A propósito da lusitana endemia dos incêndios, pessoas há, com maiores ou menores responsabilidades de gestão da coisa pública, ao nível da administração central e local, que se permitem dizer as maiores barbaridades sem cuidarem de verificar como tais opiniões, contra elas próprias se viram.

Por mais voltas que se dê, irrefutável se evidencia a realidade de que tudo se compromete porque nada se faz a montante, isto é, no caso dos incêndios, porque não se tomam providências ao nível da prevenção [o Estado, grande proprietário da floresta nacional, não dá o exemp'lo...] que devem ocorrer em determinadas alturas do ano, através de desbastes sistemáticos, de desmatamento, de limpezas cíclicas e selectivas, passando pelo próprio cadastro das propriedades, etc.

Dando largas ao mórbido propósito de transmitir imagens mais que estafadas – cenários sempre idênticos, de gente aflita perante a iminência de uma desgraça que, na maior parte dos casos, acontece devido ao mais criminoso dos desleixos – as televisões acabam por escancarar as causas do escândalo. Basta olhar com atenção para verificar como o fogo se vai alimentando, quase até às paredes das casas, de materiais que, pura e simplesmente, deveriam ter sido removidos a tempo e horas.

De facto, tal como inicialmente escrevia, a alguns metros das labaredas, sempre com ar muito operacional, não faltam ministros e presidentes de câmara, qual coro dos incompetentes descarados, apontando o dedo à causa que mais jeito lhes dá, ou seja, a dos incendiários, na maior parte dos casos, a soldo de incógnitos mandantes…

Entende-se perfeitamente que tão ilustres membros da desqualificada classe política nacional sacudam a água do capote, desviando a atenção dos cidadãos dos seus próprios erros, omissões e incapacidade do exercício da autoridade democrática que, cada ano que passa, resultam no repetido quadro de escândalo e de vergonha nacional. O que não se entende é que não sejam politicamente responsabilizados pela situação.

Permitam que, embora noutro contexto que não o dos incêndios, mas a propósito, vos lembre o caso de Sintra. Como classificar senão como fogo latente, a perigosa situação do centro da sede do concelho, completamente armadilhado, com o trânsito totalmente parado, cada vez mais com maior frequência, para desespero de quem teve o azar de pensar em visitar esta terra que é vendida, através de campanhas de publicidade enganosa, como qualquer ordinarice do género de gato por lebre?

Nos últimos dez anos, o facto de nada ter sido feito como medida preventiva, pelo actual executivo, nomeadamente através da instalação de parques dissuasores de estacionamento na periferia, não será falha perfeitamente idêntica e coincidente com a da falta de medidas nas florestas que impediriam os fogos? Por isso, no centro de Sintra, não estaremos em presença de perigosíssimos focos de incêndio, agravados por incompreensíveis tolerâncias que desencadeiam o atropelo aos mais evidentes direitos cívicos?

Pelos vistos, o que por aí não faltam são notabilíssimos incendiários. Eles ateiam fogos tão sofisticados que, ao longo de anos e anos, nos vão cozendo em lume brando, consumindo-nos a paciência e chamuscando impiedosamente a possibilidade de um melhor futuro.


Um dia destes, agarram nas brasas, vão fazer o inferno para outro lado, não sem que, entretanto, nos tenham deixado totalmente queimados. Todavia, jamais serão acusados de não terem feito a obra que estava à altura da sua incompetência. Só é pena que não tenham e recebam a justa e correspondente retribuição…

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NB

Até ao fim do mês, durante a minha estada em Bayreuth, o Fernando Castelo não vai perder a oportunidade de deixar por mãos alheias os créditos do sintradoavesso. Portanto, o melhor é mesmo continuarem a frequentar estas páginas.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010


Bayreuth,
quase inacessível


Desde que me conheço, lembro as conversas entre os meus pai e avô acerca dos mais badalados festivais de música por essa Europa fora. Em especial, eram os casos de Salzburg e de Bayreuth que mais matéria forneciam para o diálogo entre aqueles dois queridos melómanos inveterados que, tão insidiosamente, me inculcaram o veneno. Completamente vidrado, eu ouvia, calava e registava a descrição dos ambientes e episódios relacionados com a música naqueles lugares. E, fascinado, naturalmente, sonhava.


Não deixa de ser curioso que, dentre todos os que escutaram as mesmas histórias de família – os meus cinco irmãos e irmãs ou qualquer dos quinze primos, só deste ramo paterno – apenas eu tenha ficado marcado para o resto da vida com o ferrete dos festivais, ao ponto de a sua frequência se me ter tornado numa necessidade vital, condição sine qua non para o equilíbrio anual. Bayreuth para o Wagner total, a Mozartwoche, no Inverno e o Festival da Páscoa, ambos em Salzburg, Luzern, Verona, etc, etc, como passar sem eles?

Ainda miúdo me iniciei neste vício coleante e, de tal modo assumi a tal herança que, em 1981, já estava a levar as minhas filhas, de seis e oito anos, ao Festival de Verona para assistirem, na famosa arena romana, às suas primeiras Aida e Trovatore, com elencos formidáveis. Só concebo qualquer espectáculo de boa música com a fasquia muito alta. A grande Arte não admite aproximações. Ou é ou não é.

Todos os grandes festivais internacionais têm as suas dificuldades de acesso mas, de facto, Bayreuth ultrapassa tudo. Ao longo dos anos, fui aprendendo a lidar com todas as particularidades, designemos assim, adaptando-me às rígidas condições das diferentes bilhéticas, cada vez mais sofisticadas, fazendo-me passar por situações engraçadíssimas.

São tantos os episódios à volta das óperas, do grande anfiteatro da Festspielhaus, da cidade em geral e dos arredores, é tanto o manancial de informação acumulada naqueles lugares que já me desafiaram a escrever algo que tenha a ver com uma nova "Viagem Artística a Bayreuth" qual remake, à imagem e semelhança de Voyage Artistique à Bayreuth, de Albert Lavignac. O pior é a falha de engenho e arte para tal empreendimento...

Ano sim ano não, lá volto a Bayreuth, na minha querida Baviera, para o enorme privilégio de assistir às mais espantosas montagens das óperas de Richard Wagner. Desde há muito – vantagens e prejuízos da idade… – conheço todos os truques. Ainda sou do tempo de se tratar dos bilhetes e da viagem com a expedita e saudosa Barbara, da Marcus & Harting, a agência do Rossio que já acabou há muitos anos. Ela tratava de tudo, a quem era habitué, incluindo alojamento chez l'habitant.


De novo, estou de partida, desta vez, para assistir a récitas de Lohengrin, de Parsifal e de Os Mestres Cantores de Nuremberga. No meu caso, pertencendo a uma Associação Richard Wagner, não tenho problemas quanto aos bilhetes. Enquanto cumprir com os deveres estipulados pelos estatutos da Associação, lá irei sempre que me apetecer. Como o acesso àquele mundo fascinante se tornou num assunto quase mítico, vale a pena partilhar convosco algumas curiosidades.

Muito recentemente, encontrei na internet um texto que é perfeitamente ilustrativo do fenómeno. Resolvi transcrevê-lo porque, apesar da ligeireza do tom, não há incorrecções nem disparates. Lá mais para o fim, há uma referência ao preço dos bilhetes. Apenas uma chamada de atenção já que, na realidade, como se afirma, é possível arranjar ingressos a cento e vinte euros por ópera, mas para as filas mais acima do grande anfiteatro. No entanto, reparem que, neste ano, por exemplo, paguei um pouco mais do dobro daquele preço pelo bilhete de cada uma das três óperas a que assistirei, em lugares mais abaixo e, claro, mais convenientes...

O texto está escrito em português do Brasil. Portanto, o favor da vossa benevolência.



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«Entradas para o festival de ópera na Baviera são artigos cobiçados, leiloados a pequenas fortunas na internet. As alternativas são: confiar na sorte, esperar uma década ou arrumar um emprego como "moça de azul".

De 10 a 12 anos: este é o tempo médio que um wagnermaníaco precisa esperar por um ingresso para o Festival de Bayreuth. Isto, se não pertencer à diretoria de nenhuma grande montadora de automóveis ou for casado, por exemplo, com premiê alemã. Ou se não estiver disposto a pagar uma pequena fortuna a um dos cambistas que se amontoam como moscas em torno do grande evento anual do mundo operístico.

O porta-voz do festival dedicado à obra de Richard Wagner (1833-1883), Peter Emmerich, descreve a atual relação de oferta e procura: "A situação é, no fundo, a mesma do ano passado, retrasado, e de todos os últimos anos: tem muito mais gente querendo do que há entradas".

Sendo mais preciso: a cada ano são disponibilizados 53.900 lugares. Desses, mais de 10 mil são distribuídos em diversos "contingentes especiais", destinados não só aos membros do governo alemão e à municipalidade da cidade bávara, como aos patrocinadores e a numerosas associações dedicadas a Wagner.

Acrescentem-se aí cerca de mil ingressos para jornalistas e jovens bolsistas. No fim, sobram cerca de 40 mil entradas colocadas à venda, enquanto a procura, segundo Emmerich, é de "quase meio milhão". O resultado: 12 anos na fila de espera!

Paciência

Esse tempo pode se estender ainda mais, caso o melômano cometa um deslize, como se inscrever em um ano para ver O anel do Nibelungo, no outro para Parsifal ou Tristão e Isolda; ou deixar de se alistar religiosamente na lista de espera anual. Aí o sistema Bayreuth é impiedoso: o candidato volta para os últimos lugares.

Esse talvez tenha sido o caso daquela senhora que vinha aguardando desde 1991, sempre reservando duas entradas para o Anel ou para Tristão. E sempre recebia a mesma resposta: "Infelizmente não dispomos de mais entradas".

Em 2010, depois de 19 anos de paciência, ela resolveu mudar de tática. "Hoje, se uma boa conhecida minha e um cambista muito simpático não tivessem me ajudado, eu não estaria na minha querida Bayreuth, esta cidade maravilhosa!", comenta, grata.

"Moças azuis" e questão de sorte

A japonesa Aya Kashemitsu encontrou uma outra saída da lista eterna. Há dois anos ela se candidatou como "mocinha de azul", como são chamadas as recepcionistas da meca wagneriana – embora seu uniforme seja atualmente na cor da moda, lilás. "Ganhamos um assento na lateral. Mas é um lugar de onde não se vê nada!", comenta a jovem.

Apostar inteiramente na sorte também pode ser uma alternativa. Este é o caso de Ulrich Gössele, que chegou às 13h30 para ocupar o terceiro lugar na fila diante da bilheteria. Até o início da récita, ele tem algumas horas para bater papo com a funcionária e rezar para que uma erupção vulcânica ou onda de gripe mundial libere alguns lugares.

Por via das dúvidas, ele já traz o smoking numa sacola de pano. Pois a sorte pode mudar de última hora, como ocorreu há uns dois ou três anos atrás. "Estávamos neste mesmo lugar e a bilheteira perguntou: 'Alguém quer entradas para O Navio Fantasma ?'. Eu peguei. Conheço gente que mora aqui perto e, em vez de ir ao cinema à noite, dizem: 'Vamos lá dar uma olhada, quem sabe hoje dá certo...".

E se não der? "Bayreuth é bonita, o tempo está bom. Aí a gente sai para se divertir e amanhã está de novo na fila!"

Para os mais apressados

Essa estratégia funciona para quem, como Gössele, mora em Tübingen, a umas três horas de carro de Bayreuth. Para os que viajaram especialmente da Rússia ou do Japão até o templo da ópera e precisam garantir o sucesso da empreitada com meios mais palpáveis, o respeitável senhor tem uma dica.

"Está vendo aquele homem de camisa preta, com a bicicleta? Ele é um cambista famoso por aqui." Com sessenta e poucos anos, cabelo ralo penteado para trás, Dieter – é este o seu nome – está casualmente encostado numa coluna, portando, como tantos diante do teatro, um desconsolado cartaz: "Procuram-se ingressos".

"Pois sim!", duvida Gössele. "Ele quer um pelo preço normal para vender três, quatro vezes mais caro. Nós o conhecemos há muito tempo, há uns 10 ou 15 anos. Ele tem entrada proibida no teatro. Então, para que ele vai querer ingresso...?"

O "Homem da Bicicleta"

A repórter se dirige ao cambista, que primeiro a examina de alto a baixo, desconfiado. Não, ele não tem nenhum ingresso para ela. Mas um amigo seu talvez tenha. Ela que volte dali a duas horas.

Em seu escritório, a menos de 20 metros de onde age o "homem da bicicleta" – como o cambista notório já é conhecido nos meios bayreuthianos – o porta-voz Emmerich condena a prática. "Somos contra o câmbio negro em geral, fazemos todo o possível para que as entradas não caiam nele. Mas não somos tão ingênuos a ponto de acreditar que alguns controles ou bilhetes nominais vão impedir as vendas ilegais."

Passadas duas horas, Dieter parece estar mais tranquilo do que antes e fornece um endereço numa cidadezinha vizinha. Trata-se de um hotel todo decorado em homenagem a Wagner, perto do antigo correio. O "amigo", Peter, se mostra ligeiramente embaraçado. Normalmente ele nunca faz isso, mas por acaso um hóspede acabou de cancelar o pacote encomendado, com direito a pernoite e uma récita no Festival de Bayreuth...

O preço da beleza sem igual

O preço normal do ingresso é de 120 euros, a repórter tem que pagar três vezes mais: um valor relativamente em conta, comparado às fortunas exigidas no portal virtual de leilões Ebay. O bilhete traz um nome impresso: "Erik Berger, Wuppertal", mas isso ninguém confere. Agora, só resta esperar que o comprador não tenha pedido uma segunda via, alegando perda. Pois isso também acontece.

Afinal, por que todo esse investimento de tempo, dinheiro e paciência, "só" para ter estado em Bayreuth? Na entrada para o espetáculo, um espectador entre tantos tem a resposta na ponta da língua: "A gente quer tanto ouvir! A atmosfera da casa e a qualidade da execução são sempre inigualáveis. E essa sonoridade velada, justamente para Wagner... É de uma beleza sem igual!".

Autor: Anastassia Boutsko / Augusto Valente
Revisão: Soraia Vilela
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domingo, 8 de agosto de 2010

Beirões e Zé Povinho

Cada vez mais elucidado [e enojado, direi de passagem…] com certas atitudes, protagonizadas por altos dignitários da medíocre classe de governantes, parlamentares e detentores do poder judicial – que, impune, ufana, bacoca e airosamente, se serve do povo, sabendo de antemão que este é incapaz de lhe responder à letra – deparei ontem com uma entrevista concedida ao Expresso pelo Procurador Geral da República, juiz conselheiro Pinto Monteiro.

“(…) Um beirão honesto nunca desiste daquilo em que acredita (…)” afirma Sua Excelência, com a convicção derradeira do argumento de pertença ao regional rincão pátrio. Independentemente de se saber se aquilo em que acredita o senhor juiz conselheiro é coisa sequer ponderável, releva do seu discurso a ideia de que aquela origem provinciana lhe confere o especial estatuto de calar a boca a todos quantos, não sendo beirões, já há muito tempo se quedam humildes e reverentes perante tão douta razão.

Pouco convencido, dei por mim fazendo contas. O que estarei eu devendo aos eventuais notáveis beirões da nossa praça? Porém, quando logo acudiram as duas figuras que mais contribuem para o desassossego dos meus dias, o Primeiro-Ministro e o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, não tive qualquer vontade de continuar com a contabilidade. Caramba! Que significativa conta de beirões a minha!…

Tal como o PGR, também estes se recusam a desistir daquilo em que acreditam… Bem se vê ao que tem conduzido a teimosia destes beirões e a rica herança que vão legar, depois da polémica gestão da coisa pública, nos diferentes patamares do poder em que tão efemeramente [o poder é sempre efémero, embora haja quem esqueça...] se posicionaram. A verdade é que acederam a tais posições na sequência de votações democráticas. Pois é, em certas circunstâncias, a própria democracia consegue ser perversa…

De facto, por um lado, o governo do país nunca se confiou a alguém tão pouco competente e, por outro, em Sintra, fácil é a avaliação, basta percorrer as ruas da sede do concelho. Cabe perguntar se, pela cabeça destes beirões, passará a peregrina ideia de que a sua descida à capital do reino e arredores foi uma inevitabilidade salvífica? À Pátria e ao concelho, exangues, expectantes, não restaria outra atitude que não fosse terem-se prostrado, rendidos às inenarráveis capacidades de chefes marcados por cromossomas tão vernaculares?

Pensem só nas obras e omissões de tais personagens e não vos restará a mínima dúvida… Valha-nos Deus! A propósito, muito recentemente, passaram quarenta anos sobre a data da morte do mais famoso dos beirões, o tal que, orgulhosamente só, nunca desistiu daquilo em que acreditava. Enfim, com base naquela mesma sofismática convicção, e como tão copiosamente se demonstra, os seus continuadores não deixam escapar créditos para alheias mãos…

À guisa de remate, em resposta a quem ainda considere pertinente o beirão argumento constante da inicial afirmação do Senhor Juiz Conselheiro, apetece-me contrapor a linguagem gestual e inequívoca do nacional Zé Povinho, sempre de eficassíssima resposta a todos os petulantes que para aí nos atazanam os dias. Acerca desta proposta é que nenhuma incerteza se me oferece quanto à excelente companhia de inúmeros cúmplices…


PS

Bom vinho, boa leitura


Vá lá, por favor, não se excedam nas manifestações gestuais... É que faz imenso calor. Recomendo que se protejam, ficando por casa, em boa leitura, regando as horas vespertinas com um bom branco seco. Aqui há uns meses, recomendava eu um vinho frutado, com base Gewürztraminer. Logo me apelidaram de elitista. Confesso que acolhi o epíteto de boamente já que não veio a despropósito.

Renitente, e, assumindo o elitismo da circunstância, hoje, aconselharia um Riesling. Se não tiverem em casa, passem por uma boa enoteca e estou certo de que se surpreenderão com os preços favoráveis. No que respeita à leitura, a propósito da canícula que nos atormenta, vão por mim. Então, do Eça, queridíssimo e sempre actual, saboreiem lá o seguinte naco de prosa:

“(…) Entrei no quarto atordoado, com bagas de suor na face. E debalde rebuscava desesperadamente uma outra frase sobre o calor, bem trabalhada, toda cintilante e nova! Nada! Só me acudiam sordidezes paralelas, em calão teimoso: - «é de rachar»! «está de ananazes»! «derrete os untos»!... Atravessei ali uma dessas angústias atrozes e grotescas, que, aos vinte anos, quando se começa a vida e a literatura, vincam a alma – e jamais esquecem (…)”

(A Correspondência de Fradique Mendes)

O enquadramento da citação é precioso e a sequência absolutamente primorosa. Por amor de Deus, não se fiquem por este aperitivo. Obra curta, de deleite máximo e garantido, A Correspondência é indispensável à cabeceira dos queirosianos. Se quiserem descobrir porquê, logo verão como deixam de dar maior atenção às bacocadas dos engenheiros e bacharéis, sem eira nem beira, que por aí pululam, no governo e nas Câmaras…



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Centro histórico de Sintra,

Defender a dignidade

Pode inventar-se congressos mundiais, falar de Património, apelar ao voto em Sintra como Maravilha Natural, se tudo isso não for acompanhado de medidas inequívocas que garantam a respeitabilidade dos lugares e a preservação da dignidade, andamos num mundo de falsos indicadores, sem objectivos claros.

Como é possível que em pleno Centro Histórico de Sintra, o parque de estacionamento automóvel do Rio do Porto, tal como alguns lugares de parqueamento um pouco acima na Volta do Duche, se tenham transformado em locais de férias com pernoita em auto-caravanas? Isto só em Sintra!...

Seria impensável que autarcas de Évora, Óbidos, Ponte de Lima ou, aqui ao lado, Cascais, se sentassem sobre a indiferença, com auto-caravanas a pernoitar nos locais históricos dos seus concelhos.

Mas, por aqui, tudo parece ser possível, receando-se que sejam os próprios responsáveis autárquicos a dar indicações às autoridades para que não actuem. Se assim não fosse a situação já estaria há muito resolvida e debelada.

Como a procura tem aumentado, provavelmente em resultado de uma organizada recomendação, não é de excluir que, a prazo, se venham a verificar problemas de autoridade, com a complexidade que seria evitada se não tivesse havido tanta complacência.

O local não se destina à prática de caravanismo, muito menos para pernoitar, não só porque não oferece as infra-estruturas necessárias para o efeito como compromete ainda as condições de segurança dos utilizadores, facto que as autoridades não podem escamotear.

Apesar de tudo, em plena zona histórica, esta prática é inadmissível.

Os discursos inflamados devem prevenir que, como se diz na gíria popular, "o pé não fuja para o chinelo".


A Câmara Municipal que arranje – se considerar que nisso deve insistir – um local adequado para os auto-caravanistas pernoitarem, excluindo-se, como é óbvio, as zonas históricas e o Parque Natural.

Estranhamente, instituições sintrenses que invocam o Plano de Urbanização de Sintra (De Gröer) e embargos quanto a soluções hoteleiras, até excessos de quartos, mantêm-se silenciosas perante o anormal aumento de dormidas no parque de estacionamento.


Imagens como a que abaixo se apresenta não deveriam ver-se, para a dignidade que o Centro Histórico deve merecer.

Fernando Castelo