[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 29 de maio de 2009

a abrir...

O texto de hoje reporta-se a uma situação que, inserida na sintrense cultura do desleixo, dificilmente se compreende que continuemos a aturar, especialmente quando a solução é tão simples. A manobra mais sofisticada, chamemos-lhe assim, passa por orientar, no sentido do terreiro adjacente ao edifício do Departamento do Urbanismo da CMS, os condutores dos veículos,cujo destino é o Centro Cultural Olga Cadaval.

Será preciso que nos mobilizemos para ensinar como fazer? Quem nos dera que todos os problemas de estacionamento que afectam a sede do concelho fossem de tão fácil resolução! Pois é, mas em Sintra, antes de resolvidas a contento, as coisas são muito, mesmo muito sofridas. Reparem que o CCOC foi inaugurado há oito anos. Desde então que se coloca a questão sendo nula a resposta dos responsáveis (?!), apesar de se multiplicarem as cenas de país atrasado, de escandalosa insegurança que tenho tido oportunidade de relatar.

Eis, portanto, a transcrição da 6ª Coluna do JS, 29.05.09:



Questão de cultura


De novo, a poucos dias do início de mais uma edição do Festival de Sintra.* Verdade é que um simples olhar de relance ao programa, logo suscita a vontade de entrar no comentário sobre a pertinência de determinadas opções. Contudo, ainda não é hoje que o farei já que, a montante, um outro assunto se me impõe como primordial.

Muitos dos eventos do Festival estão programados para o Centro Cultural Olga Cadaval que, instalado no conhecido edifício da Estefânea, de braço dado com o do Museu de Arte Moderna/Colecção Berardo, gera gravíssimos problemas de estacionamento e, por isso mesmo, não menos sérios casos de segurança de pessoas e bens.

Em dias de espectáculo, os inúmeros episódios, de perfeito terceiro mundo, que sempre se sucedem nas imediações do CCOC, já há longos anos deveriam ter levado à competente tomada de medidas. Não em Sintra onde, em pleno centro vital da sede do concelho, já no fim da primeira década do século vinte e um, ainda é tão evidente este sinal de lamentável atraso.

E, afinal, a escassos duzentos metros, a dois ou três minutos de caminho a pé, acessível através da passagem aérea perpendicular à Heliodoro Salgado, o terreiro adjacente ao edifício do Departamento de Urbanismo, que, todos os dias, durante as horas de trabalho, resolve substancial parte das necessidades de parqueamento, também poderia solucionar a questão em apreço.

Mais uma vez, o afirmo e confirmo, olhando para a série de artigos aqui publicados e correspondência trocada com o gabinete do Senhor Presidente da CMS. Todavia, novamente insisto, lembrando que a SintraQuorum, empresa municipal que gere o Centro Cultural, tem um conselho de administração presidido pelo Senhor Vereador da Cultura que, em articulação com a GNR local, pode concretizar o acto cultural que se impõe.

Finalmente, e tão perto, consideremos o cada vez mais prestigiado Festival do Estoril para perceber como, no aspecto em causa, o de Sintra está tão longe da civilidade… E não esqueçamos que, do acto cultural de assistência aos eventos, também faz parte o próprio modo como os cidadãos acedem aos locais onde eles se realizam.


*
PS:

Quanto à participação em eventos musicais, aconselhar-vos-ia que, em Sintra, também seguissem o exemplo dos melómanos de todo o Mundo. Continuem a ouvir muito Purcel, Händel, Haydn e Mendelssohn, quatro gigantes que este ano celebramos. Estejam atentos às comemorações via radiofónica e pela televisão. Olhem que, infelizmente, o melhor nem sempre é ao vivo e a cores...




quarta-feira, 27 de maio de 2009


Comentários taurinos


Há dias, a propósito do texto, aqui publicado em 18 de Maio, sobre a decisão da Câmara Municipal de Sintra deixar de patrocinar as touradas, recebi um comentário anónimo que, embora parcialmente, reproduzo ipsis verbis:

“(…) o touro bravo foi uma raça criada (selecção genética) pelo Homem! Não existe normalmente na natureza pelo que, do ponto de vista da biodiversidade, tem o mesmo valor de uma esferográfica! Os habitats onde estes animais vivem já são protegidos na lei (com ou sem touros). Pelo que este argumento, do impacto ecológico da extinção do touro bravo, é mesmo tipico de quem não tem mais nada para defender algo moralmente indefensável”.

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que, tratando-se de uma posição, ausente de qualquer substância científica, tem feito o seu caminho entre muitos cidadãos bem intencionados. Tal não me impede de considerar que, fosse eu um qualquer fundamentalista de pacotilha, nem sequer responderia porquanto tal raciocínio, imediatamente cai pela base.

Basta que pensemos numa série de entidades, animais e vegetais, fruto de longuíssimas manipulações genéticas e do contínuo labor do homem, ao longo de muitos milhares de anos, hoje em dia realidades sofisticadíssimas e tão indispensáveis como as demais. Tal é, por exemplo, o flagrante caso dos cereais e das leguminosas.

Igualmente, tal é o caso de todos os animais, actualmente na base da alimentação do homem e que não existiam na natureza. Aliás, neste domínio da intervenção humana sobre o mundo natural, de tal maneira sistemática e alargada ela tem sido, que raríssimas serão as realidades «não contaminadas» por tais manipulações genéticas.

Onde se coloca um grande problema ético, isso sim, é no domínio da manipulação genética que pressuponha estratégias transgénicas. Contudo, não consta que, no respeitante ao touro bravo, tais práticas alguma vez tenham sido concretizadas ou que estejam sendo equacionadas...

O argumentário transcrito é extremamente débil. Para além de tudo o mais, faz tábua rasa de toda uma cultura milenar que, à volta da tauromaquia, apresenta indissociáveis relações de benefício, no universo da agricultura e da pecuária, no comércio, nas mais diversas indústrias e, muito nitidamente, uma fortíssima presença nas grandes artes literária e musical, na dança, em todas as plásticas, no teatro e cinema, para além do profundo envolvimento dos meios de comunicação social.


Quando, no meu texto inicial, me reportava à remota eventualidade da extinção da raça em apreço, ali apenas considerada como académica hipótese de abordagem, e a remetia para o quadro de crime ecológico, pensava neste conceito à luz da etimologia, das suas 'auxiliares' semiogonia e semiologia, que nos ajudam a pensar a realidade da tauromaquia em toda a abrangência, de forma integrada e global. Não esqueçam que a filologia é a minha matriz de formação.

Compreendo perfeitamente as consequências do deficit de formação cultural de quem não teve a sorte de ser iniciado nessa coisa espantosa que é o binómio ferra e tenta, a montante dos grandes espectáculos públicos, indispensável ao entendimento da cultura tauromáquica.

A festa tem matizes extremamente fascinantes, compósitos e curiosíssimos que o leigo não imagina sequer. E, quanto a mim, é pena porque, enquanto homens e mulheres ibéricos, entre o Atlântico e o Mediterrâneo, a nossa ancestralidade cultural está parcial mas imensamente conotada com realidades afins deste fabuloso animal, metáfora viva da permanência de alguns dos povos peninsulares.


Mas, por favor, não me confundam. Não encontrem nestas minhas palavras qualquer ponta de proselitismo. É que não estou mesmo minimamente interessado em convencer a acorrer às praças seja quem for, e, muito menos, alguém avesso, que não goste ou desgoste da tourada.

Naturalmente, o que me recuso é a patrocinar abordagens parcelares do tema, de perfil pseudo-ético ou pseudo-moral, como fez o anónimo comentador [de E as outras touradas?].




segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ainda a propósito do aniversário da Condessa d’Edla, eis a transcrição da 6ª Coluna do Jornal de Sintra.

A festa de Elise*


Hoje, 22 de Maio, passa mais um aniversário da Condessa d’Edla. Esta é daquelas datas que, juntamente com as do nascimento e morte do seu marido, fazem parte do calendário de grandes afectos que, ao longo do ano, vou celebrando, como marcos da memória.

Quando convoco e vejo a Condessa no seu afã da Pena, sempre me aparece como Elise, sem o título de conveniência, apenas mulher que amou e foi amada por um homem tão excepcional como ela. Tanto tempo depois, aqueles dois continuam, para além do tempo, a habitar o nosso espaço real e mítico, a par de outras belas histórias, com amores possíveis e impossíveis, contrariados ou favorecidos, trágicos e idealizados.

Tudo isto, naturalmente, no Parque da Pena, obra comum de Fernando e Elise, onde os mais nobres sentimentos perduram e se derramam. Só podia ser. É na Pena, lugar propício, que, já libertos das cargas que ali não entram, queremos perder-nos, para alcançar outro patamar de encontro.

Neste possível Klingsor, resgata-se agora o emblemático ninho de amor à ignomínia de muitos anos de ofensa. Veja quem quiser! Eis o trabalho de recuperação que se impunha. Finalmente! Pode Elise voltar ao sossego? Creio bem que sim. De facto, tanto no chalet, como em todo o Parque, estará a terminar, terminou mesmo o ciclo das mágoas.

Durante muitos anos, também esta fraca voz se juntou às de Emília Reis, Maria Almira Medina, Fernando Castelo, Fernando Morais Gomes e de tantos mais, na sistemática denúncia do escândalo sem nome que ali acontecia. Agora, porém, é tempo de festa. Pelo menos, a minha festa já começou.

PS:


Quando as obras terminarem, festa oficial não faltará, com os profissionais celebrantes do costume. Nessa altura, oxalá ninguém esqueça todo o património de vicissitudes que, tão negativamente, marcaram o tempo e o lugar, exigindo uma luta que só honra quem a protagonizou.

Mas, para isto sentir, repito, preciso é ter estado atento ou participado nos maus momentos e vitórias. Faço esta chamada de atenção porque, não raro, circunstâncias mais ou menos evidentes, provocam lamentáveis silêncios e comprometedores lapsos de memória…



*publicado pelo Jornal de Sintra, 22 de Maio de 2009




sexta-feira, 22 de maio de 2009

Hoje, aniversário da Condessa d’Edla, o meu escrito para o blogue apresenta-se sob a forma de carta aberta. Lendo-a, perceberão logo porque é seu destinatário o Professor Engº António Ressano Garcia Lamas, Presidente do Conselho de Administração da empresa de capitais públicos Parques de Sintra, Monte da Lua.



Caro Prof. António Lamas,


Como sabe, passa hoje mais um aniversário da Condessa d’Edla. No dia em que todos nos lembramos da sua presença em Sintra e, muito especialmente, no Parque da Pena, faço de si o intermediário das palavras de tributo que dirijo à mulher com quem D. Fernando se consorciou em núpcias morganáticas.

Ao longo de anos, no sentido de fazer justiça à herança de todo um património que, amorosamente, o casal concebeu, construiu e legou aos vindouros, a verdade é que, muita gente, se tem empenhado, na luta pela sua defesa porquanto, já há décadas, o Estado negligenciou a sua missão de fiel depositário de bens que se degradaram a um ponto inusitado.

Depois de muito trabalho cívico de denúncia quanto ao que estava a acontecer no Parque da Pena, a Administração da Parques de Sintra Monte da Lua, a cujo Conselho o meu amigo preside, finalmente, tem vindo a evidenciar como, certeira e eficiente, foi a série de decisões tomadas com o objectivo de reparar os males que, inapelavelmente, o local vinha acumulando.

Sem entrar em pormenores, descabidos no contexto destas singelas considerações, é em tal enquadramento que também se está a processar o cuidadoso trabalho de recuperação do Chalet da Condessa onde, permita-me uma particular lembrança, tantas aulas e sessões de formação de professores monitorei, durante anos, antes do incêndio.

Tem cabido a si, Prof. Lamas, o protagonismo da melhor homenagem que Sintra está a prestar à memória da Condessa d’Edla. Elise, como sempre a recordo, há-de estar, cada vez mais, em seu sossego. E o senhor bem tem feito por isso. Sei-o, em discurso directo, nas conversas que, de vez em quando, temos mantido. Sei das suas preocupações em relação ao futuro daquele espaço, uma vez concluída a sua recuperação.

Já não é a primeira nem segunda ocasião em que falamos de música, da música que, eventualmente, ali poderá acontecer, em recitais, concertos de câmara, no âmbito da mais que previsível animação cultural do local. Até já chegámos a falar acerca da música que Fernando e Elise ouviriam, e que bom seria recuperar para partilha com todos os interessados.

No ano passado, neste mesmo blogue e nesta mesma data aniversária, escrevia eu:

“(…) Não vos deixaria sem que aconselhasse a música mais apropriada à celebração do aniversário. Tenho a certeza de que, na sua devoção por Richard Wagner (que também nasceu num dia 22 de Maio…), Elise e Fernando terão ouvido e, provavelmente, cantado ela, as 'Wesendonck Lieder', de 1857. O próprio compositor chegou a afirmar, bastante mais tarde, que não tinha feito nada de melhor… Muita da música que poderão escutar nestas canções, está plasmada na ópera 'Tristan und Isolde'. Depois de começarem a ouvir 'Im Treibhaus' (“Na Estufa”), tão presente no Acto III daquele drama lírico, logo dirão que estamos na atmosfera da Pena…Pois é. Os que ainda não conhecem, passam a dever-me a epifania deste sublime momento de Beleza…


E, Caro Prof. Lamas, quanto ao alvitre, nada me convém alterar nesta carta que lhe dirijo. Agora, concluindo, em dia também marcado pela partida do nosso comum amigo João Bénard, melómano inveterado, atrever-me-ia a sugerir-lhe a melhor gravação que conheço e, graças a Deus, também disponho, com Kirsten Flagstad, Orquestra Sinfónica da BBC, dirigida por Malcom Sargent.

E, com este conselho, absolutamente imperdível, me subscrevo, com os parabéns devidos e as melhores saudações,

João Cachado


PS:

Por favor, logo que possível - e tão bom seria que ainda se concretizasse em 2009, quando passam 80 anos sobre a data da morte da senhora - não deixe de dispensar à questão da exposição sobre a Condessa d'Edla, o interesse que o assunto merece. A verdade é que grande parte da tarefa está concluída.





quinta-feira, 21 de maio de 2009

João Bénard da Costa
(1935-2009)


O João Bénard partiu há pouco. Acabo de estar com a Ana Maria, sua mulher, boa amiga e colega de tantos anos no Ministério da Educação. Com a querida Guidinha, uma das manas do João, também minha irmã, troquei o abraço fraterno, muito cúmplice, na hora, avesso a essa coisa formal, fúnebre e funesta dos pêsames de circunstância.

Como todos sabemos, ele sim, era um grande senhor da Cultura Portuguesa cujo saber, a rodos, absolutamente enciclopédico, partilhou generosamente. Se, por um lado, não surpreende ver o seu nome sistematicamente conotado com o cinema, por outro, é algo de muito simplista e redutor uma vez que ele era um espírito universal que tudo sabia da Sétima Arte, movimentando-se igualmente muito bem pelos caminhos da Música, da Filosofia, das Artes Plásticas, da Literatura.


O meu testemunho de maior reconhecimento a João Bénard, radica, contudo, na sua paradigmática noção de Serviço, na sua espantosa entrega à causa do serviço à República, consubstanciada, é verdade - entre tantos projectos do mais alto nível, em que se envolveu e concretizou - na reconhecida qualidade da Cinemateca Portuguesa, que tanto lhe deve.

Não era só o Portugal culto e informado que o conhecia, nele enaltecendo a grandeza de um nobre espírito, que bem sabia articular todos os saberes da sua proverbial erudição, em tão subtis quanto sofisticados cruzamentos analíticos, conduzindo a sínteses certeiras, evidentemente lógicas e cheias de encanto. De facto, por esse país fora, muitas pessoas encontrei que, não sendo particularmente afectas às lides da intelectualidade dos grandes meios, me afirmavam a sua admiração por aquele famoso senhor de voz fanhosa e arroucada.

E quanto a Sintra? Desde sempre, desde a mais remota infância, João Bénard era de Sintra. Por exemplo, com Jorge Sampaio, em distintas afinidades e profundíssima amizade - bem patente nos tempos de O Tempo e o Modo - terá protagonizado a mais famosa parelha de notáveis sintrenses. Aliás, fastidioso seria agora nomear os que, tão de Sintra como ele, podiam reclamar-se da sua estima pessoal.

Dele se dirá algo de estupendo, ou seja, o superlativo princípio de ter colocado tudo quanto sabia e podia ao serviço do Bem comum. Não é coisa pouca esta, numa época em que se interpreta, no mais egoísta e restrito sentido, a noção de que deter o saber, dominar um conhecimento é equivalente a ter poder. Só assim podia ser já que, homem superiormente lúcido, tinha perfeita noção da efemeridade e transitoriedade das coisas do Mundo.


Venho da capela mortuária, em São Sebastião da Pedreira. Mas, por ali, em plena Lisboa, a Arrábida. Como eu a senti! E Sintra, meu Deus! Na ponta do continente, míticas serras são estas telúricas paragens, praticamente a pique sobre o oceano, que João Bénard amou, soletrou e, como muito poucos, soube cantar.

PS:

Não deixa de ser curioso que tenha morrido precisamente no dia em que passam oitenta anos sobre a morte da Condessa d'Edla cujo aniversário se celebra amanhã, dia 22 de Maio. E, amanhã, dia do funeral do João Bénard, também é data aniversária de Richard Wagner.

Pois, neste momento em que, definitivamente, se libertou da matéria, proponho que, em memória do espantoso melómano que foi, ouçamos Parsifal, a última ópera do Mestre de Bayreuth e uma das obras máximas da Cultura de todos os tempos que João Bénard colocava no mais alto patamar.



quarta-feira, 20 de maio de 2009




Polémica?

Nem pensar...




Se tiverem em consideração o elevado número de comentários ao texto aqui publicado em 11 do corrente, acreditarão não terem sido poucas as pessoas que me aconselharam a responder ao mail* que, remetido por Idalina Grácio a título pessoal, ela mesma considerou conveniente publicar na edição do Jornal de Sintra de 15 do corrente.

Era mesmo o que mais faltava! Nos tempos que correm, com tanto assunto grave a preocupar-nos, ia eu criar ou alimentar uma polémica, originada por notícia que, ao fim e ao cabo, apenas se inscreve naquilo que poderíamos considerar como o pendor mais festeiro do semanário?

Nem pensar! Quanto muito, se resposta tem de haver ao referido mail, então apenas recorro a matéria publicada pelo próprio JS, reproduzindo a 6ª Coluna, de 20 de Março, cerca de um escasso mês antes.




Quem pode, manda!


No passado dia 10 [de Março], reabriu o Hotel Tivoli Palácio de Seteais. Igualmente, na mesma data, Sua Excelência o Concessionário Hoteleiro dignou-se reabrir o terreiro. Foi ele, em prova de magnanimidade e do alto da sua notável tolerância, que permitiu a continuação do acesso público a um espaço que nunca devia ter sido fechado e, muito menos, sob a esfarrapada desculpa de que eram questões de segurança que determinaram o encerramento.

Sua Excelência o Concessionário Hoteleiro, teve artes de conseguir o aval do Estado para garantir inequívocas condições de segurança, a pretexto da necessidade de abertura de valas através do relvado, operação que, na realidade, jamais se concretizou. De facto, como se previa, aquele único espaço exterior, reivindicado para continuação das visitas, esteve sempre livre de quaisquer manobras que impedissem, por exemplo, estudantes e seus professores de concretizar actividades sugeridas e previstas nos programas escolares.


Naturalmente, não podia eu ficar mudo e quedo perante a perspectiva da reabertura do recinto. Fui, entrei e, não sem uma certa emoção, fiz a volta de reconhecimento. Na verdade, era aquela sensação de pisar um terreno nosso que eu procurava. E isso, encontrei. Tenham a certeza de que me não faltou a companhia de José Alfredo e de todos quantos, desde 1802, têm lutado pelo livre e público acesso dos cidadãos a Seteais…

Entretanto, o que foi ingénuo tanque, em moldura de aprazível lugar de lazer, lá está, transformado na prosaica casa de máquinas, que o IGESPAR escandalosamente autorizou, na presunção de que era muito boa solução, com ilusionista espelho de água e tudo o mais. Por enquanto, ainda sem água e sem espelho, o que se vê é um enorme desassossego de mangueiras, condutas de todas as cores e cabos, muitos cabos eléctricos.

Na verdade, quem pode, manda! Assim sendo, Sua excelência o Concessionário Hoteleiro de Seteais continua a fazer das suas. Todavia, notem bem, fá-lo a coberto do aval do Ministério da Cultura... É Portugal no seu melhor! Finalmente, como se nada disto lhe dissesse respeito, a Câmara Municipal de Sintra, prima pelo silêncio. Atitude sintomática? Não. Apenas mais do mesmo. Afinal, como sempre, o que a casa gasta...




.........................



*Transcrição da mensagem pessoal, datada de 5 de Maio:



"Caro João Cachado,
Bom dia,
Li atentamente a sua 6ª coluna e conclui que não aprovou o nosso artigo acerca dos sete Ais e até o incomodou.
As razões prendem-se com a sua batalha nas páginas do JS acerca de acontecimentos, que segundo sempre escreveu discorda frontalmente. Teve aí o seu espaço.
Agora as novas instalações, e bem recuperadas, estão lindas. Deixei-me enlevar com tanta perfeição e beleza. Penso que Sintra ganhou.
Ora a inauguração nada tem a ver com as suas crónicas. São dois momentos diferentes.
Toda a imprensa nacional escrita e falada deu rasgados elogios ^`as novas instalações até aqueles que, tal como o João Cachado, em tempo oportuno tanto criticaram.
Nada envergonha o JS o artigo.
Diz o João Cachado que chegará o dia em que também através das páginas do JS se saberá onde parava a dignidade, nos conturbados dias sintrenses da primeiradécada do século vinte e um. Então não é isso que tem tentado fazersemanalmente?
Bem, até breve. Quanto aos Sete Ais fica-nos a miragem porque o disfruto detanto conforto e beleza não estarão certamente, ao alcance da maioria dos sintrenses. Para esses restam os jardins que, acredito também em resultado da persistencia de muitos, continuam a ser publicos.
Ao dispor
Idalina Grácio"




.......................

Enfim, se considerarem que o assunto ainda merece alguma detença, façam o favor de se pronunciarem. Oportunamente, farei chegar a Idalina Grácio a transcrição dos comentários entretanto registados.

segunda-feira, 18 de maio de 2009



E as outras touradas? *


Há dias, a Câmara Municipal de Sintra juntou a sua à voz de uma série de outras autarquias, demarcando-se do patrocínio de touradas. Desde já, chamo a atenção para o facto de tal decisão nada ter a ver com a proibição das touradas que, de facto, sendo coisa diferente, não está em causa.

No meu caso pessoal, a questão que se coloca é a da preservação do património cultural. Felizmente, saindo aos meus, não degenerei. Barreiros Cachado, minhas famílias paternas, estão profundamente implantada nos concelhos de Santarém, Golegã, Alpiarça e Almeirim, muito ligada à agropecuária, criação, lide de cavalos e gado bravo, com parentes cavaleiros, cabos de forcados (do grupo de Santarém), rejoneadores e picadores no país vizinho, apoderados, etc.

Desde miúdo, acompanhei meu pai, mais familiares e alguns grandes amigos, a inesquecíveis touradas em Portugal e Espanha. Num círculo de relações intimamente articulado com a vida musical, sempre usufruí de um convívio superiormente educado e informado, em que as conversas à volta dos touros, toureiros, cavalos e cavaleiros, são verdadeiros momentos de cultura, relacionados com música em geral, ópera em particular, poesia, pintura, por exemplo.

Considero-me um aficionado esclarecido e muito bem acompanhado. Infindável é o rol dos gigantes das letras e das artes, nacionais e estrangeiros, que, na tauromaquia, souberam perceber e transmitir a especificidade de certas facetas das culturas ibérica e mediterrânica, de cerne telúrico e indissociável componente sacra, inequívoca herança da cultura clássica.

Em todos os domínios, a informação cultural é importante. Se os autarcas sintrenses tivessem a precisa noção de que, em situação limite, a hipótese de total proibição das touradas na Ibéria, poderia determinar um crime ecológico de consequências irreparáveis, talvez não se tivessem rendido, tão pressurosamente, aos primários argumentos que sustentaram a aprovação.


Melhor fora, aqui em Sintra, que acabassem com as outras touradas, tantas vezes lidadas em gabinetes, sem que os aficionados munícipes tenham opinião participante. Entretanto, podem continuar a patrocinar outros espectáculos, como concursos desportivos de pesca, modalidade relaxante, sem qualquer risco para os praticantes.

Já quanto aos bichos, de retorcido gancho enfiado nas fuças, presos a fios que os vão puxando para fora de água, morrem no estertor da asfixia. Como se vê, é cena inócua, a que qualquer criancinha pode assistir, sem o mínimo desconforto…



*publicado no Jornal de Sintra, em 15.05.09

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Independência

A propósito de independência, gostaria de confirmar que, nem em Sintra nem noutro lugar, tenho estaminé de porta aberta para qualquer tipo de comércio ou traficância. Livre de compromissos com os poderes locais, posso piar o que me apetece, sempre que me apraz e como mais me convém.

Isto, que já não é pouca coisa, acrescentado à liberdade da independência partidária, é algo que, cada vez mais, estimo e recomendo. Com os partidos políticos transformados em agências de emprego, que compensam a fidelidade dos militantes através de cargos relativamente bem pagos, poder dizer que não tenho nem jamais tive cartãozinho, constitui a melhor condecoração a que poderia aspirar.

Vem tudo isto a propósito de pretender louvar a coragem de três militantes do Partido Socialista, meus amigos e conhecidos, Margarida Paulos, Graça Pedroso e Cortês Fernandes, que decidiram apresentar-se, nas próximas eleições autárquicas, respectivamente, como candidatos às Juntas de Freguesia de São Pedro Penaferrim, Colares e Rio de Mouro.

São excelentes pessoas, cidadãos de primeiríssima água, capazes do melhor que sabem e puderem fazer pelas freguesias em questão. Desejo-lhes o melhor sucesso, por eles próprios e, em especial, pelos fregueses que pretendem representar.

Contudo, não se admirem se, no contexto desta independência que apregoo, daqui a uns dias, me passar pela cabeça saudar, em idênticos termos, as candidaturas de amigos e conhecidos, militantes de qualquer dos outros partidos do espectro partidário, igualmente excelentes pessoas, que decidirem candidatar-se aos mesmos cargos…

Para todos os efeitos, na minha modesta opinião, não se coloca a questão da coerência, já que, constituindo esta um princípio conjugável com o da independência, não são coincidentes.


quinta-feira, 14 de maio de 2009


Aqui há mistério!


Fernando Castelo, munícipe sintrense a quem todos muito devemos pelas constantes chamadas de atenção, relativamente a difíceis ou controversas situações no concelho, escreveu um comentário ao texto ontem aqui publicado ao qual pretendo dar o devido destaque.

Nestes termos, queiram espreitar o precedente para entenderem a sequência lógica da seguinte transcrição:

"Esta sua postagem não podia ficar sem uma ligeira achega. Cada vez mais, parece-me que estou louco ou então anda por aí algum histrião a fazer das suas.

Recordar-se-à daquela história dos 153.707,43 euros pagos para manter a carreira da Sintraline em 2008, e que eram convertidos em bilhetes e passes. Curiosamente nunca apareceu nada a desmentir-me ou, de preferência, a esclarecer.

Há dias, em consulta ao PORTAL BASE, que é governamental (geral@base.gov.pt) fiquei a saber que a EDUCA, empresa municipal para onde a Câmara Municipal de Sintra envia dinheiro, fez um Ajuste Directo com a VIMECA no valor de 850.000 €, para transportes escolares em 2009

[p.favor ver: http://www.base.gov.pt/_layouts/ccp/AjusteDirecto/Detail.aspx?idAjusteDirecto=43095].

Então, se a SCOTTURB é que efectua a larga maioria dos transportes em Sintra, o pagamento - agora - é feito à VIMECA? Realmente a VIMECA é que adquiriu a posição que a STAGECOACH detinha em Portugal, mas isso foi em Junho de 2001.

Por acaso seria interessante saber-se a quem foram pagos os transportes escolares nos últimos anos. Talvez então se comprendesse a qualidade dos transportes rodoviários a que os sintrenses estão sujeitos.

No meio disto tudo, o pomposo "Villa Express" ou o "Circuito do Cabo da Roca" também devem ter receitas, nós é que ainda não as conseguimos ver.

Se acabassem, ficava um vazio que permitiria um circuito de utilidade para Sintra, passando por Monserrate, que bem merece ter visitantes.

Pode ser que por altura das eleições..."

NB:

Actualmente, Fernando Castelo é colaborador do Cidade Viva. Em primeiro lugar, naturalmente, recomendo os seus textos, através dos quais sempre se fica a saber em que outra ferida pôs ele o dedo. Por outro lado, aproveito a oportunidade para indicar a vantagem da leitura daquele órgão da imprensa regional que, sob a direcção de Luís Galrão, já se tornou imprescindível para quem pretenda estar ao corrente do que se passa em Sintra.



quarta-feira, 13 de maio de 2009

O lá vai um...

Ainda se lembrarão do texto aqui publicado, subordinado ao título O fantasma escocês (16.01.09), a propósito da carreira da Scotturb que por aí circula, sistematicamente sem passageiros, entre a Vila e a estação terminal dos caminhos de ferro?

Pois bem, se aquele desperdício já era e continua sendo perfeitamente escandaloso, eis que, mais recentemente, outro se lhe acrescentou, a carreira do Cabo da Roca, com a mesma diminuta ou nula procura por parte de potenciais utentes.

Agora, mais do que nunca, é que não se percebe, de todo em todo, por que razão esta carreira não segue pela estrada antiga de Colares, servindo a Regaleira, Seteais e Monserrate. Brada aos céus tanta falta de discernimento, que resulta neste luxo de fazer passear transportes vazios, apenas servindo aos sintrenses, já habituados ao despautério, para a troca dumas graçolas a propósito.

Entretanto, as carreiras continuam a circular. Vazias. Ocas, como as cabeças que as programaram. Ouvem-se piadas, mesmo entre os condutores das carrinhas e transeuntes, que soam a amargo desabafo.

Olha, o lá vai um... E, quase sempre, nem sequer um passageiro lá vai.




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Seteais no JS *

No passado dia primeiro de Maio, e pela pena de Idalina Grácio, sua actual directora, publica o Jornal de Sintra, ocupando toda a página cinco, um artigo profusamente ilustrado com fotografias (seis) e curto texto, em tom jubiloso e laudatório, adequado à reabertura do Palácio Hotel de Seteais, no dia 17 de Abril.

Todavia, perante o discurso noticioso e seu complementar dispositivo imagético, o esporádico leitor daquela edição jamais imaginaria que, através da minha colaboração semanal, o JS se pronunciou, tão veemente e frequentemente, contra duas circunstâncias que marcaram o longo período, de mais de um ano, de recuperação das instalações.

Primeiramente, o encerramento do terreiro cujo acesso é público, sob o esfarrapado mas flagrantemente desmentido pretexto das condições de segurança a acautelar. Com o aval do IGESPAR, chegou o concessionário ao ponto de invocar a abertura de valas que inviabilizariam a permanência de pessoas no relvado. Porém, tal obra jamais seria concretizada.

Impedir o acesso – atitude que, sublinhe-se, a Câmara Municipal, inicialmente, não estava disposta a contemporizar, mas que acabou por ceder – ofendeu os cidadãos em geral, prejudicando o trabalho de estudantes e professores em particular, e até do próprio Presidente da Junta de São Martinho, no pleno e documentado exercício das suas funções.

Em segundo lugar, lembro o gravíssimo atentado da destruição do tanque, amplamente denunciado através de órgãos da imprensa de âmbito nacional e regional, nomeadamente pelo JS, para além das reclamações remetidas aos Presidente da CMS, Ministro da Cultura, IGESPAR, e UNESCO em Lisboa e Paris.


Chamaria ainda a vossa atenção para um curioso pormenor da foto que Idalina Grácio destacou para o centro gráfico da referida página do seu jornal. A única pessoa que enfia as mãos nos bolsos é o Ministro, ex-empregado de Ricardo Espírito Santo, concessionário da exploração hoteleira de Seteais. Olhem que talvez valha a pena fazer o breve esforço de interpretação do flagrante à-vontade de Manuel Pinho.


Por último, fique bem claro que apenas a verdade norteou os meus textos sobre o assunto. E, caros leitores do Jornal de Sintra, queiramos ou não, tudo quanto se publica, fica para memória futura. Tão certo como dois mais dois serem quatro, chegará o dia em que, também através destas páginas, se saberá onde parava a dignidade, nos conturbados dias sintrenses da primeira década do século vinte e um.


* publicado no Jornal de Sintra em 8 de Maio de 2009


Nota de esclarecimento

Na realidade, não apreciei a ligeireza do artigo de Idalina Grácio. E, acreditem, se assim acontece, não é tanto pela circunstância de estar envolvido como autor das recentes denúncias. Considero que, de modo algum, o tal tom da notícia seria incompatível com uma naturalíssima, ainda que breve, alusão a um passado tão próximo. Foi uma opção que, seja como for, suscita mais do que uma interpretação.

Como princípio geral, relativamente a determinado acontecimento que originou grande controvérsia, a minha opinião vai no sentido de que o jornalista não pode perder a oportunidade de, explicitamente, o referir. Por isso escrevi o artigo. Através de correio electrónico, Idalina Grácio reagiu, dando-me a entender que os meus artigos, de colaboração no Jornal de Sintra, a propósito do assunto, tinham tido o seu tempo e que, no caso vertente, o importante era dar conta da festa de reabertura.

Claro que foi pior a emenda… Então, a directora do Jornal de Sintra, se bem que relatando um ambiente de festa, não encontra maneira de fazer uma alusão que teria a maior pertinência? Se, na sua qualidade de jornalista, directora e administradora, assim considerou que deveria escrever e subscrever, lá terá as suas razões.

Como, no Jornal de Sintra, órgão de imprensa regional onde escrevo desde a década de setenta, continuo a reconhecer um hebdomadário sem compromissos locais, permito-me permanecer fiel aos princípios perante os quais os leitores me têm dado prova de apreço, ao longo de centenas de páginas, sempre no âmbito da intervenção cultural, quer nos domínios de crítica musical ou, de modo integrado, sistémico e brangente, da defesa do património, através de artigos de opinião e crónicas de diversa índole.

Por não pretender alimentar qualquer polémica com Idalina Grácio, nas páginas do Jornal de Sintra, decidi transferir o assunto para este suporte electrónico, dando oportunidade, aos habituais leitores do sintradoavesso, em directo e em cima da ocasião, de expressarem a sua opinião.

sexta-feira, 8 de maio de 2009



magalhães, a festa do paradoxo

Convir-me-ia começar este pequeno texto lembrando, mas sem puxar e quaisquer galões, que, como Técnico de Educação, professor, formador, autor e co-autor de materiais escritos e audiovisuais, tenho obrigação de saber acerca do que me pronuncio quando, referindo-me ao magalhães, o reduzo apenas à condição daquilo que não passa, ou seja, de mais uma ferramenta a utilizar, com os devidos cuidados, nos contextos escolar e familiar.

Tenho-o escrito e, como deverão estar ao corrente, estou muitíssimo bem acompanhado por pedagogos de todos os quadrantes do espectro político, nacionais e estrangeiros, cujas mais pertinentes considerações são positivamente ignoradas por um Governo sem estadistas dignos de tal designação, com lamentável e proverbial falta de sentido de Estado.

Vem acontecendo que, a contrario sensu das recomendações mais avisadas, continua o Governo a impor, aos alunos das escolas do primeiro ciclo do básico, o envolvimento com o tal minicomputador. Fê-lo e continua a fazê-lo, sem olhar a despesas e recorrendo a práticas de duvidosa deontologia, no contexto de uma bem orquestrada campanha de marketing, marcada por inequívoco ambiente festivo.

Contudo, no sentido de enquadrar convenientemente a questão, cumpre recordar que, em geral, não estão presentes na sociedade portuguesa, as condições mínimas de base que, a montante, poderiam facilitar o acolhimento do magalhães. Primeiramente, reparem que, não sendo um país de terceiro mundo, Portugal está muito abaixo e cada vez mais longe da média europeia. Aliás, em muitas situações, é o protótipo do país charneira, que a péssima classe política nacional não tem sabido governar de acordo com os perfis cultural, económico e sociológico.

Governa-se Portugal como se este fosse um país coincidente com a média europeia e, de facto, não é, está muito longe disso. A propósito, convém não esquecer que, por exemplo, no tempo do consulado cavaquista, logo no princípio dos anos oitenta, se procedeu a uma deliberada e sistemática política de acabar com as acções de educação de base de adultos.

Não convinha, dizia-se à boca pequena, no período imediatamente precedente ao da plena adesão à CEE, mostrar as tripas de um pobre país, de gente atrasada, pobre, país cheio de dificuldades, de toda a ordem, que poderiam empecilhar o processo. Como resultado de tão esquecida e condenável estratégia, perpetuou-se, até ao presente, uma situação de analfabetismo pleno e regressivo e de iliteracia, cujos índices superam tudo quanto há de mais negativo na União Europeia.

Ora bem, sem grandes alterações, é este o quadro de referência de uma substancial percentagem das famílias de muitos dos meninos que frequentam as escolas do país, objecto desta campanha de distribuição do magalhães. Por outro lado, além de uma moldura sócio-cultural tão desfavorável, chega-se ao ponto de também não haver cobertura de rede que permita a operação dos computadores na Internet.

Não admira, pois, que haja pais a vender o magalhães nas feiras. Muito menos surpreende que, na maioria dos casos, quando o aparelho funciona, os miúdos passem o tempo nos jogos que lhes interessam sobremaneira. As comunidades acabam sempre por solucionar o problema da melhor utilização de um bem que, embora lhe tenha sido concedido com a melhor intenção, não lhe fazia a mínima falta.

Muito gostaria de, neste contexto, recomendar o visionamento de um filme, extremamente interessante, que tudo tem a ver com estas considerações. Trata-se de O Piano que, datado de 1973, tem argumento e realização de Sinde Filipe. É um documento notável, absolutamente recomendável, que bem atesta como o conhecido actor é um homem de bagagem cultural fora do comum.

Vejam e/ou revejam O Piano, percebendo como aquela circunstância específica, vivida pela população do Piódão, é algo de muito mais abrangente. Percebam como O Piano, tem tudo a ver com o magalhães e a especial coincidência com um fugaz clima e ambiente de festa que não passa de um paradoxo.





quinta-feira, 7 de maio de 2009



Mais do magalhães*



Ao contrário do que os leitores poderiam ser levados a pensar, não foi só na Feira da Ladra de Lisboa, que alguns paizinhos de pobres criancinhas portuguesas, puseram à venda aquela coisa que lhes fazia tanta falta lá em casa como uma viola num enterro. Um amigo aqui de Sintra e um dos meus irmãos, residente que em Tondela, me deram conta de que, em ambos os lugares, foram abordados por outros potenciais vendedores do dito cujo.

O descontentamento social, o desemprego, e, sem ponta de ironia, a fominha que por aí vai, não deixam que políticos tão patuscos, como estes que nos (des)governam, continuem a fazer das suas sem que a realidade dos factos acabe por lhes devolver – e tão rapidamente como não seria fácil prever – o pífio resultado das suas rápidas e imediatas, assim apregoadas, apostas na mudança

Vale a pena que, por ordem cronológica, lembremos o despautério. Em primeiro lugar, provincianamente rendidos às habilidades da maquineta, o PM e alguns acólitos ministros, apresentaram o magalhães, como se viesse resolver os problemas da Educação em Portugal. Embora se soubesse que se tratava de coisa já mais que conhecida em distintas latitudes, tão bom era, que até seria exportado com a marca made in Portugal, não no Allgarve de Manuel Pinho, mas mais a Norte…

A começar pela própria Senhora Ministra da Educação e a acabar nos seus colegas, que, de pedagogia e didáctica, percebem menos do que qualquer de nós acerca de lagares de azeite, ainda não entenderam Suas Excelências – apesar do alerta de vários especialistas – que o pequeno computador, não passa de mera ferramenta, a utilizar com as devidas cautelas. Mas, como convinha dar uma de modernidade e o magalhães dos Sá Couto era a coisa que estava mais à mão…

Depois, a história da enorme carga de erros de Língua Portuguesa com que o magalhães tinha sido generosamente fornecido. Grande alarido, aqui d’el rei! E, como sempre, ninguém naquele assombrado edifício da 5 de Outubro, é responsabilizado por tamanha falta de controlo.

Mais recentemente, a confusão entre instâncias oficiais do Ministério da Educação e estruturas locais e nacionais do Partido Socialista que, obscenamente, se envolveram naquele vergonhoso processo de Castelo de Vide, traduzido pelo uso e abuso de inocentes criancinhas de escola do Ensino Básico, como figurantes de campanha publicitária da força partidária que suporta o governo.

Caramba! Não acham que são disparates a mais?


* assim mesmo, minúsculo e itálico, a ver se, onde estiver, o navegador não se ressente com a ofensa em que resultou homenagem tão desgraçada, enfim, à portuguesa...


PS:
amanhã, ainda há mais do magalhães


terça-feira, 5 de maio de 2009



Ah, as massas…


Há que tempos, se bem se recordam, tinha o Partido Comunista Português, pendente de resolução, o sério problema do enquadramento legal das verbas apuradas durante a Festa do Avante, a sua mais bem conhecida e sui generis forma de financiamento anual. Até à semana passada, de acordo com a legislação vigente, aquilo era um verdadeiro quebra-cabeças.

Ora bem, bastou que a questão tivesse sido hábil e subtilmente ventilada, para que, tão pressurosos quanto os vimos, todos os partidos com representação no hemiciclo, logo tivessem corrido para acolher, de braços abertos, o pretexto que se lhes apresentava, assim, de mão beijada, tão a propósito, em vésperas de uma importante tríade de eleições.

Não deixou de ser comovente o modo como, desde o Bloco De Esquerda ao CDS, todos se solidarizaram para, definitivamente, resolverem aquela maçada. Coitado do PC! Então alguma coisa justificava que, por virtude de tão desumana lei, ficasse privado da substancial fonte de rendimento? Não senhor. Pois havia que fazer qualquer coisa, e urgentemente, pela rapaziada da Soeiro Pereira Gomes.

Parece impossível como, afinal, a coisa revestia tanta simplicidade. Se o problema era o de arranjar um modo de acolher dinheiro vivo, a solução, em poucas palavras, passaria por tornar acessível e generalizável aquilo que, à primeira vista, apenas era suposto beneficiar o partido que se via em palpos de aranha. Portanto, à pala da resolução do problema do PC, e, como havia moralidade, todos comeriam… Podem os particulares contribuir à tripa forra que já deixou de haver impedimento.

O fiscalista de serviço, Doutor Saldanha Sanches – que jamais será professor catedrático porque abre demais a boca – veio afirmar que, com toda a lógica, a nova Lei, aprovada por unanimidade no Parlamento, vai abrir a porta a todas as imagináveis irregularidades, nomeadamente, às malas e aos famigerados envelopes que não carecem de justificativos. Tal como ele, e para desgraça minha, que também abro demasiado a boca, eu estou de acordo.

Como se ainda fosse preciso lembrar, poucas coisas concitam tanta concertação entre os diversos partidos do luso espectro político. As massas, ah as massas, pois com certeza, claramente, encabeçam a lista. Como sempre, aliás. Pois não! Na realidade, não fora esta, que outra estratégia permitiria multiplicar, por quase sessenta vezes, a verba que, até ao presente, era permitida receber em contado?

Já que ao processo atribuí o qualificativo de comovente, então permitam-me que estenda o adjectivo à forma como Alberto Martins se tem desdobrado para contradizer todos os palermas que, como eu, consideram ter o PC dado uma fenomenal e formidável mas escusada boleia, tanto à sua esquerda como à direita. E tudo por via daquela, chamemos-lhe assim, fragilidadezita. Ah, as massas…


domingo, 3 de maio de 2009

Primeiro de Maio



Foi o primeiro de Maio de 2009 marcado por um incidente, durante a habitual comemoração da data pelos cidadãos da capital. Objectivamente, tratou-se de coisa absolutamente repudiável, concretizada através de agressão física ao cabeça de lista do PS às eleições para o Parlamento Europeu.

Em primeiro lugar, considero da maior imprudência a designação de Vital Moreira para se apresentar liderando aquela delegação na manifestação da CGTP. Como se já não tivesse bastado o erro flagrante da sua indigitação para encimar a série dos candidatos, está-se mesmo a ver que, com o seu perfil de trânsfuga, e, não sendo ele um pobre cordeirinho, acabaria por meter-se na boca do lobo…


Para além daquela extrema falta de cuidado e insensibilidade política, o PS também demonstrou incapacidade de avaliar – porque não quer nem lhe convém assumir – a enorme escala de dificuldades, de toda a ordem, por que estão passando muitos portugueses, em resultado das desadequadas políticas nacionais ao longo dos últimos anos e, coisa diferente, no turbilhão da crise global.

Desempregados recentes e de longa duração, metade dos quais não auferem subsídio de desemprego, jovens pais sem hipótese de acudir ao sustento das famílias, muita, muita gente descontente, a sofrer o inimaginável, à beira do desespero, eis muitos dos novos pobres que não hesitam em dar sinal público, na rua, da sua condição e da sua indignação.

Não tenho a mais pequena dúvida de que uma parte do que aconteceu na agressão verbal e nos encontrões a Vital Moreira, pressupunha tal enquadramento, e mais não é do que os primeiros passos da procissão que ainda vai no adro. Mário Soares, por exemplo, está farto de alertar para a possibilidade de o mínimo rastilho poder atear fogos perfeitamente indesejáveis, ainda que dificilmente evitáveis. De facto, há que evitar chegar a palha à chama, como aconteceu no Primeiro de Maio, na manifestação da Intersindical.

Oxalá que cena tão lamentável não seja pretexto para sábio aproveitamento, confundindo-se com um processo de vitimização cujos dividendos, em vésperas de eleições, rendem o que todos sabemos. Pelo que já assistimos, parece que a intenção era mesmo essa. Se assim for, constituirá pura perda de tempo e muito primária manobra de diversão, para desviar a atenção dos evidentes sintomas da fragilidade social que o país atravessa.