[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 29 de janeiro de 2011

A Sintra dos futebóis...

quase sem dedicação

Sintra, cuja prioridade autárquica deveria ser o desenvolvimento, corrigindo as carências mais prementes para o bem-estar colectivo, acaba por ser afectada – a uma cadência regular – por diferentes técnico-tácticas do entorpecimento.

Vive-se uma ansiedade deprimente, alimentada por medias estranhamente informados: - Vai, não vai? Avança ou recua? O futebol é que está a dar! O futebol está a ser utilizado para que fins? Para o quê? Porquê? Sintra correrá o risco de uma triste orfandade, perdendo quem tanto lhe prometeu mas pouco cumpriu?

Concomitantemente, expectativas escondidas estarão a alimentar blogues com campanhas e movimentos: - Para se ir embora temos de lhe reforçar o ego! Nasceu para aquilo! É o “Movimento”, é o “Queremos”, tudo a bem do futebol nacional. Alguém, talvez para ajudar ao empurrão, vai mais longe e, no Facebook, até aponta Belém. Futebol como empurrão para outros voos.

Fica-se sem capacidade de reacção, perante o risco da dedicação ser dividida ao meio: - Metade por cá, para garantir uns subsídios e metade por lá, é uma divisão que não deslustra. É salomónica e ajuda ao retrato, mesmo que seja só conversa.

Sintra, concelho usado como o mais populoso do País, poderá ser gerido a meio-tempo – futebolisticamente em duas partes – com uns fora-de-jogo pelo meio. Não será nada do outro mundo, melhor, dessa forma as desilusões por quase 10 anos de abstinência evolutiva ficarão reduzidas em 50%.

A ementa de feitos em prol do futebol é rica, bastando que a paciência nos valha para consultarmos o site da Câmara, essa cartilha democrática que publicita as boas acções enquanto que as propostas e opiniões da oposição parece que foram banidas(*).

Lá encontramos em 2009, o tal ano de eleições, contratos-programa (um com 245.000 euros para um campo de futebol) e apoios financeiros (mais 200.000 euros para um clube). Foram instaladas balizas. A 1ª Gala do Desporto de Sintra (única até hoje) para “atletas com marcas desportivas relevantes” na "época 2008/2009", agraciou um futebolista sem as ditas, mas que tinha sido convidado a candidato para uma Junta de Freguesia.

Claro que outras coisas foram noticiadas: - O Dia dos Avós (ternura que não se repetiu); o fantástico SATU para daqui a 10 anos; a cerimónia do lançamento da primeira (e única) pedra na fase 2 do campus da Católica; um subliminar “Óscar” de um actor que, por acaso, era presidente da comissão de honra da candidatura.

Enquanto se fazia propaganda avulsa, o número de desempregados no concelho de Sintra subiu de forma assustadora, registando em Dezembro de 2009 mais 2.926 do que em 2008 (17.362/13436). Em Dezembro de 2010 voltou a aumentar, agora para 17.965.

Em síntese, passados 10 anos sem políticas de desenvolvimento que incentivem a mais postos de trabalho, com dezenas de áreas clandestinas sem solução e tanto mais, falar de futebol é um óptimo serviço aos maus políticos. As fugas de informação (estilo escapadelas) funcionam como lebres da propaganda barata.

Foi nesta dedicação total que Sintra acreditou.

Fernando Castelo

(*) -Permitam os visitantes deste blogue que sugira uma visita ao site da Câmara Municipal de Sintra, entrando nas "DELIBERAÇÕES DA REUNIÃO DE CÂMARA", depois "Propostas Aprovadas" na reunião de 26 de Janeiro de 2011.

Notarão que, das 28 propostas aprovadas, 27 indicam explicitamente os subscritores. Apenas a primeira não faz essa indicação.

Pois bem, para que fique o registo, a Proposta para um Voto de Pesar pela morte do Coronel Vitor Alves, militar de Abril, foi apresentada pelo Partido Socialista.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

IMI : Um porquinho camarário

Noutros tempos, para incentivar à poupança, os pais davam aos filhos uns porquinhos onde depositavam as pequenas economias. Com entusiasmo, as crianças guardavam naquela barriga gorda as moedas de meio-tostão, de um cruzado (custo de um papo-seco) e, por altura de festas, uma coroa. Serviria para posteriores aplicações cuidadas, coisas necessárias.

Hoje, o conceito do porquinho, de cujo pecúlio se beneficiava, mas se sabia aplicar, foi completamente ultrapassado e substituído por impostos cuja aplicação, tantas vezes, deixa as mais sérias reservas.

Claro que o IMI e as novéis Taxas, passaram a ser os porquinhos camarários da nova vaga, sacando (pode dizer-se assim) o mais possível aos contribuintes, para depois pouco se saber da forma como serão gastos, não nos devendo esquecer de alcunhados investimentos como é o empenho na compra da Quinta do Relógio.

Sintra não escapa à visão que temos de quem nos governa, já que os autarcas da Coligação Mais Sintra, com a maioria absoluta conseguida, rapidamente passam de gestores da pobreza para sê-lo da riqueza, quando é preciso decidir sobre matérias tributáveis que lhes interessa.

Ao aprovarem as taxas máximas do IMI para 2011 (imposto criado por Ferreira Leite e PSD) – recusando uma proposta mais baixa do PS – pouco se preocuparam com o facto de isso agravar os encargos de milhares de agregados, nos quais vivem crianças que, amiúde, são invocadas quando é preciso dar uma imagem de bondade social.

É certo que a actualização do património está atribuída às Finanças, mas na verdade não se conhecem medidas a pressionar esses serviços para a rápida e completa avaliação do património edificado e rústico, de onde resultaria a equidade fiscal que permitiria a redução generalizada da taxa anual aplicável.

A injusta situação existente deveria merecer mais sensibilidade por parte dos autarcas se nisso tivessem interesse. Por um lado, incentiva aos terrenos abandonados em zonas urbanizadas, já que os proprietários têm na mira a valorização e, por outro, não contribui para a regularização de importantes áreas consideradas clandestinas.

Ao mesmo tempo, com o arrastar das avaliações previstas na Lei, é possível que em Condomínios Privados e Clubes de Campo se consiga pagar menos Imposto do que em vulgares habitações onde vivem famílias que se viram obrigadas a adquiri-las e sentem as maiores dificuldades em pagá-las. Tal como ao penalizador Imposto.

São, pois, em boa medida, as camadas mais débeis – onde se incluem os trabalhadores – que engordam as receitas camarárias, apesar de em nada terem contribuído para a crise que atravessamos.

Obviamente que, face à elevada receita, proveniente da taxa mais alta aplicada, o IMI é um determinante porquinho que alimenta os cofres camarários, mas nem por isso tal mealheiro se repercute em melhores condições de vida no concelho.

Fernando Castelo

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Política à portuguesa,
o despudor à solta

Como foi possível acontecer na nossa pátria? Que traições se sucederam? Ao mais alto nível que impostores mascarados de políticos, nos intrujaram tão vilmente?

Enxames de maus políticos têm chegado ao poder, isolando a acção dos poucos empenhados na causa pública. Esbarramos com charlatães, artistas nas promessas, gente de palavreado fácil e ilusório, esbanjadores de dinheiro (nosso) para objectivos (deles), bem distantes do bem-estar e desenvolvimento da sociedade.


A ânsia de poder não os inibe de se tornarem reles mentirosos compulsivos, disfarçando tendências de domínio com aparente generosidade pessoal ou de recorte social. A busca de protagonismo é proporcional à sua insignificância.


Uma desqualificada casta de trapaceiros chega a recorrer à citação fácil de palavras de gente ilustre, na vã tentativa de engrandecer a sua pobre imagem de ignorantes.


É vê-los. Em períodos curtos de vida activa (?), através de habilidades manhosas, alcançam chorudas pensões que, paradoxalmente, lhes são garantidas pelos descontos feitos durante quarenta e mais anos a uma maioria de trabalhadores.


Como a principal virtude de tal gente é mostrar-se para pressionar a ascensão política, dedicam-se com afinco ao planeamento da imagem, preparada ao ínfimo pormenor. Os erros, com custos inimagináveis, ficam para outros resolverem.


A progressiva degradação do país resulta de, em todos os quadrantes, surgirem vozes leoninas que logo amansam segundo os interesses, águias a querer voar mais alto do que o tamanho das asas, coelhos que fogem para as suas confortáveis tocas. São espécies conhecidas e não é que os seus objectivos sempre colidem com os da comunidade?


Não raro e, sempre que oportuno, há os que estão à coca de benesses legislativas das quais possam tirar vantagens, ainda que, sob o diáfano manto da aparência, cheguem a manifestar-se como opositores. Como exemplo, cite-se a Lei 55/2010, recentemente promulgada, cujo perfil, nesta época de crise, beneficiará os partidos em detrimento de quem trabalha. Ao que se saiba, nenhum partido recusou as benesses. Sintomático? Não. Apenas mais do mesmo...


Neste cenário, não admira a pobreza franciscana que se sente na actual campanha eleitoral, em que alguns candidatos, entre acusações mútuas, falam das idas ao cabeleireiro da consorte, gracejam (com mau gosto) sobre a utilidade das foices, misturam promessas como se em vias de formarem governo, mas não dizem o que fariam se eleitos Presidente da República.


Este o espelho do ponto negro a que chegámos, em que ao vilão basta ter um olho na testa e pés para se elevar na montra de candidato a qualquer coisa.


Tudo em nome da democracia. Que perversidade! O que seria com outro regime?!


Perante um quadro tão preocupante, como não transformar em imperativo nacional a inequívoca manifestação de repúdio pelos maus políticos que mantemos?


Será preciso esperar por mais evidências de incompetência e oportunismo?


Fernando Castelo


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Salzburg,

dias de fascínio


Como sempre acontece por esta altura, entre a última quinzena de Janeiro e primeira semana de Fevereiro, Salzburg é o meu poiso para assistir ao Mozartwoche, o mais importante dos festivais dedicados ao universo da música de Mozart. Durante estes dias, estou mergulhado num conjunto de dezenas de eventos, distribuídos por concertos sinfónicos e coral sinfónicos, música de câmara, ópera, música sacra, etc, que me mantêm no mais maravilhoso desassossego.

É um tempo em que a música acontece de manhã, à tarde e à noite, num tal quadro de solicitações que difícil é conjugar com as conferências, visionamento dos mais diferentes audiovisuais e suportes informáticos, lançamento de publicações e de edições discográficas, exposições de artes plásticas em inúmeras galerias e contacto com pessoas do maior interesse cultural que, além deste momento mozartiano tão forte, apenas tenho oportunidade de me relacionar mais uma ou duas vezes por ano.

É um privilégio enorme o facto de ser membro efectivo da Fundação Internacional do Mozarteum de Salzburg, onde tenho acedido a fontes documentais de indesmentível fascínio. Absolutamente excepcional é o caso do monumental acervo da Bibliotheca Mozarteana cuja directora, Prof. Geneviève Geffray, amiga pessoal de longa data, pontifica como autoridade de reconhecido gabarito a nível mundial e guardiã de tesouros inestimãveis.

Ando numa roda viva, é certo, mas tenho tempo para tudo o que me interessa, sem stress de qualquer ordem. Não dispenso os meus lugares de culto e, naturalmente, a Katholnigg, a mais célebre casa a vender discos nesta cidade austríaca que é Meca da música, onde conto com a especialíssima assistência da sua gerente, Astrid Rothauer, outra boa amiga a quem tanto devo e com quem tanto tenho aprendido.

A minha casa, em plena Linzer Gasse, é no Institut St. Sebastian, instalado num antigo convento do século dezassete. Quem conhece, sabe como é lugar central, sossegado e onde se pode conviver com músicos, melómanos, estudantes, gente de todos os cantos do mundo que, tal como eu, demandam este alojamento, sem qualquer hipótese de considerar outra alternativa. St. Sebastian é um vício que se entranhou.

Entre o Grande Auditório do Mozarteum ou na sua Wiener Saal, no Grosses Festspielhaus, na Haus für Mozart, na Catedral e noutras igrejas como a dos Franciscanos, St. Peter ou na da Universidade, na Grosse Aula, a música acontece com a melhor qualidade que é possível encontrar, assim concentrada, como só um grande festival permite. Como não sou rico, acreditem que renuncio a muita coisa, de facto não essencial, para poder frequentar este e outros festivais, como os de Bayreuth, Lucerna, Verona.

Imaginam a dificuldade que é regressar? Olhem, difícil não é perceber porquê...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Seteais,
omissões pouco honrosas


"(...) Toda aquela vivenda, com a sua grade enferrujada sobre a estrada, os seus florões de pedra roídos da chuva, o pesado brasão rococó, as janelas cheias de teias de aranha, as telhas todas quebradas, parecia estar-se deixando morrer voluntariamente naquela verde solidão-amuada com a vida, desde que dali tinham desaparecido as últimas graças do tricorne e do espadim, e os derradeiros vestidos de anquinhas tinham roçado essas relvas (...)"

(Os Maias)


À época em que faz de Sintra cenário parcial de Os Maias, era assim que Eça de Queiroz dava conta do estado de degradação a que chegara o Palácio de Seteais. Dói a alma só de imaginar a cena. E, muito naturalmente, como não sentir-nos reconfortados pelo caminho feito, desde então até à actualidade? Indubitavelmente que, entre muitos outros, o Palácio de Seteais é um notável caso de recuperação que cumpre evidenciar.

Entretanto, por assim acontecer, nada autoriza que devamos baixar a guarda, neste e nos outros locais em que os nossos bens patrimoniais classificados beneficiaram de obras de restauro e ou de preservação. Ora bem, para encurtar razões, é isso mesmo que está a acontecer na zona de Seteais. Estamos a deixar que gente pouco preocupada com os interesses da comunidade e, isso sim, apenas olhando para as suas próprias vantagens, desqualifiquem um local que nos é tão caro.

Deixámos que o concessionário do Palácio destruisse o tanque. Também parece que não sentimos a dor de nos ter sido vedado o acesso ao Penedo da Saudade. Agora, não vejo alguém de direito insurgir-se contra a instalação do picadeiro e colocação de placas comerciais nos pilares dos portões junto à estrada. Por outro lado, como tenho vindo a denunciar, mesmo em frente, na Quinta do Vale dos Anjos, continua o escândalo da construção de uma casa, só possível com a conivência de autoridades que deviam ter zelado pela preservação do espírito do lugar e, concomitantemente, em sintonia com o bem comum.

Estarão os sintrenses assim tão mal e num tão agudo estado de tabloidização dos quadros mentais que não reparam no que está mesmo debaixo dos olhos? Na falta de autarcas à altura da defesa destes lugares, deixam caír os braços como se isso fosse uma inevitabilidade? A sintonia dos responsáveis locais com as revistas cor de rosa, donde saem esses conhecidos fenómenos de género duvidoso, perturbaram assim tanto as gentes de Sintra que já não conseguem assestar as armas às lutas em defesa das suas riquezas culturais? Ou, muito simplesmente, será que estão nas tintas ou não sentem como seus esses mesmos bens?

Sejam quais forem as razões a montante, o mínimo que se pode afirmar é que correspondem a omissões muito comprometedoras e, por isso mesmo, nada honrosas. Aingem-nos a todos. A todos, sem excepção. Entretanto, mais cedo ou mais tarde, um dia virá em que, ainda estejamos por cá ou não, os nossos netos nos cobrarão esta atitude tão lamentável.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Seteais,
que espírito para o lugar?


A mais recente ofensa ao espírito do lugar em Seteais relaciona-se com a instalação de um picadeiro. Acerca do caso, já eu me referi no texto Setais, que desassossego… [II], aqui publicado em 21 de Novembro de 2010. Ainda desconheço se, mais uma vez, o facto se deve a agressão do Grupo Espírito Santo, concessionário do hotel, continuando a profícua atitude de desrespeito que tem caracterizado a sua intervenção no espaço exterior, habituado que está a impor a vontade sem que, na defesa do interesse da comunidade, as autoridades reajam ao seu manifesto poder.

Também poderá ter sido fruto da actividade de alguma entidade à qual tenha sido outorgada autorização para o efeito através de subconcessão. De qualquer modo, muito me custa verificar que a empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua, representante dos interesses do Estado na relação com o concessionário, ainda não se tenha pronunciado quanto a este caso que, tão manifestamente, é razão para a perplexidade que suscita a qualquer preocupado observador.

Desta vez, o desplante chegou ao ponto de implantar um pavilhão coberto com oleado branco, cuja volumetria, em articulação com a casa das máquinas e lixo circundante, a poucas dezenas de metros do palácio, chega a impedir o avistamento do edifício classificado, em determinado ângulo de visão, junto à curva da estrada. Depois da destruição do tanque e da descaracterização de um lugar que funcionava em coerência com todo um dispositivo de lazer, agora agride-se com a montagem de um negócio cujo impacte é tão significativo.

Afirmar e marcar a propriedade

Estou em crer que, tal como já afirmei e sugeri em devido tempo, se impõe que, sem mais delongas, o Estado desenvolva uma inequívoca atitude de afirmação de propriedade daquela Quinta de Seteais e, nomeadamente, daquele estupendo terreiro arrelvado. Tal espaço, entre a estrada e a fachada do palácio, tão caro ao povo de Sintra, é nosso, desde que, há mais de duzentos anos, assim foi determinado.

Sendo nosso, justo é que o usufruamos em plenitude, sem constrangimentos e sem que tenhamos de sujeitar-nos às ofensas de quem, tão somente, não passa de um negociante autorizado a explorar o hotel durante um determinado período. Urge afirmar a propriedade do Estado numa área que – deixai passar o recurso ao pleonasmo – não estamos dispostos a conceder ao concessionário.

Para o efeito, nada de melhor me ocorre que não seja a promoção de uma atitude facilitadora do acesso à memória do lugar, ao espírito que ali se vive e à interpretação da Beleza ali suscitada. É imperioso montar um dispositivo de manifesto interesse e recorte cultural que permita ao visitante, que não é nem pretende ser hóspede do hotel, uma especial e específica relação com aquele espaço tão simbólico da ecléctica e tão sui generis atmosfera sintrense.

É assim que me permito voltar a partilhar convosco a ideia de seleccionar um significativo conjunto de textos de vária índole, cuja articulação, lógica e coerência interna, sempre respeitando o tema das afinidades implícitas e explícitas com o lugar, permitisse um convívio cúmplice e enriquecedor a quem escutasse a sua leitura. Tal leitura, a concretizar através de montagem audio, com adequado enquadramento musical, seria acessível através de gravador com auscultadores, semelhante aos disponíveis para as visitas aos museus.

Tal como, desde o início me ocorreu, continuaria a propor que se solicitasse a leitura sugestiva de tais textos a Maria de Jesus Barroso, Maria Germana Tânger e Maria Almira Medina, três mulheres de cultura, inequivocamente relacionadas com Sintra. Resta-me esperar que, uma vez de acordo com esta proposta, os leitores possam intervir, na justa medida das suas possibilidades, para que o projecto se concretize no contexto das actividades da Parques de Sintra Monte da Lua.

Contactem a PSML, lembrem ao Prof. António Ressano Garcia Lamas, seu Presidente do Conselho de Administração, a conveniência de promover a afirmação da propriedade. Não é que ele não o saiba e não esteja sensibilizado. Mas, como sabem, a visibilidade da vossa atitude de defesa dos interesses que ali se jogam só pode acrescentar razão à causa.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cavaco,
ave de asa ferida?

A candidatura de Cavaco Silva seria assunto que, em princípio, jamais me mobilizaria para qualquer trabalho de reflexão. É, de facto, pessoa muito pouco interessante ainda que, logo como Ministro das Finanças de Sá Carneiro, mais tarde Primeiro Ministro e Presidente da República, se trate da figura institucional da vida política nacional mais responsável pelos caminhos ínvios que a democracia portuguesa passou a trilhar desde meados dos anos oitenta.


Parece algo paradoxal, como uma figura apagada, tão falha de carisma, desinteressante e inculta – ainda se lembram que revelou desconhecer quantos cantos tem Os Lusíadas e confundir Thomas More com Thomas Mann? – terá adquirido tal notoriedade. Muito provavelmente, a ignorância, a iliteracia, o geral atraso popular e do país acabarão por justificar esta saliência que jamais alcançaria noutra latitude mais desenvolvida.


De facto, foi a anunciada atitude do actual candidato, de se recusar responder a perguntas pertinentes relativas ao seu comportamento no passado recente, nomeadamente em relação à aquisição e venda das acções da SLN, que me deixou perplexo e até escandalizado, determinando-me à escrita destas linhas.


Na realidade, o que este senhor mais tem a fazer é explicar tudo muito bem explicadinho. Porque, meus amigos, o que este senhor pretende é continuar a representar-nos ao mais alto nível, a nós que lhe conferimos o poder bastante para o efeito, um poder que não é pouco na medida em que pode dissolver o Parlamento, ser o supremo magistrado da Nação e comandante supremo das Forças Armadas.

Se o que este senhor pretende é a continuação de um protagonismo político para o qual julga estar à altura, então, com toda a humildade democrática, o que tem a fazer é explicar aquilo que suscita dúvida aos eleitores. À partida para uma campanha eleitoral, num Estado Democrático de Direito, um candidato tem de ser tão impoluto como qualquer cidadão anónimo que nele poderá votar.


Voltemos ao negócio que carece de esclarecimento. Remonta ele a um período antes da eleição para o primeiro mandato como Presidente e, portanto, já nessa altura, se teria imposto que o Doutor Cavaco Silva tivesse esclarecido o que continua por elucidar. Reparem que, em relação a qualquer dos outros candidatos, nada de semelhante ocorre exigir. Todos se apresentam ao eleitorado com um passado impoluto, aliás como deve acontecer a quem tão alto aspira.


E, por outro lado, meus amigos, não basta ao Doutor Cavaco Silva dizer-se honesto. Agora, é preciso prová-lo inequivocamente. Portanto, provar que, ao comprar as acções, não beneficiou de um preço de favor e que, ao vende-las, não foi privilegiado por informação reservada. Tal como a Pompeia, mulher de César, não bastava ser honesta, já que também devia parecer, assim acontece com o candidato. E, já que invoco o que se passou em Roma cerca do ano 60 a.C., não esclarecerei se desejo ao candidato o ostracismo a que foi condenada a mulher do imperador…

Portanto, para já, e até evidência em contrário, só o Doutor Cavaco Silva tem um rabo de palha deste calibre. No entanto, nada me impede de admitir a reeleição do actual Presidente da República. Mas não deixa de ser curioso que, depois de toda esta controvérsia, isso já é algo que não tenho como tão certo como há umas semanas. Se os eleitores o obrigarem a uma segunda volta, tudo pode ficar em aberto, e até pode acontecer a vitória de Manuel Alegre.


De qualquer modo, seja ele reeleito, ficará sempre refém das palavras por dizer. Sobra-nos o direito a ouvir e que ele pretende calar. Manuel Alegre compara a eventualidade da reeleição com a ave de asa ferida que, portanto, jamais poderia voltar a voar normalmente. Eu acho que, neste caso, a comparação não foi feliz. É que o Doutor Cavaco Silva – e agora uso metáfora, não a comparação – nunca foi ave voadora. Quanto muito, de asas rudimentaríssimas, é uma pernalta, deselegante mas hábil no salto das barreiras que se lhe atravessarem à frente, mesmo que, para tanto, tenha de se ferir ligeiramente…




sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cavaco, fariseu
apanhado em campanha
Alegre


Decidi suspender a continuação do texto precedente, apenas por mais dois ou três dias, em função da premência com que me sinto interpelado pela questão das acções do BPN, oportunamente detidas e posteriormente vendidas pelo candidato às eleições presidenciais Prof. Aníbal Cavaco Silva.

Quando, em determinada altura do passado recente, e também já em período de pré campanha eleitoral, o actual Presidente da República deu a entender que, todos quantos tivessem dúvidas relativamente à questão em apreço, mais não tinham que fazer senão consultar a sua declaração de rendimentos, logo confirmei o que sempre tive como certo, ou seja, que o apregoado catolicismo do candidato mais se confunde com manifesto farisaísmo.


De facto, ninguém duvidará que o Senhor Prof. Cavaco Silva terá cumprido com todas as determinações que impendem sobre os detentores de cargos públicos. Em termos legais, tal como acontecia com o fariseu que observava escrupulosamente a letra da lei, nada deverá ter escapado, tudo estará irrepreensível. No entanto, para quem, tão radicalmente, confessa um apego cego às virtudes da dignidade e da honestidade, o que se impõe é a cabal demonstração de que à legalidade invocada, subjaz uma prática inequívoca daquelas mesmas virtudes.


Em 2001, este docente universitário, decidiu investir algumas economias em acções de uma entidade cujo Presidente do Conselho de Administração, o Dr. Oliveira Costa, era seu amigo pessoal e, inclusive, por muitos considerado como um produto daquilo que passou a designar-se como cavaquismo.


É do conhecimento geral que o sucesso do investimento foi de tal ordem que o rendimento das tais acções, ao portador, transaccionadas fora do mercado bolsista, ultrapassou tudo quanto imaginar se possa. Cento e quarenta por cento! Vejamos o que consegui apurar num documento subscrito pelo advogado Arnaldo Homem Rebelo, da Associação de Lesados do BPN que, em determinado parágrafo, refere o que o Expresso online anteriormente publicara, portanto, já do domínio público:


“(…) Cavaco Silva e a filha deram ordem de venda das suas acções, em cartas separadas, endereçadas ao então presidente da SLN (…) Ou seja, Oliveira Costa praticamente ofereceu de mão beijada 72 mil contos de mais-valias à família Cavaco (…) Que terá acontecido entre 2001 e 2003 para as acções de uma empresa que andava a ser importunada pelo Banco de Portugal terem «valorizado» 140%? (...) Terá tido [Cavaco Silva] algum palpite, vindo do interior do universo da SLN, só amigos e correligionários, para que vendesse, antes que a coisa fosse por água abaixo? (…) Como fixou a SLN Valor o preço de compra com uma taxa de lucro bruto para o vendedor de 140% em dois anos, a lembrar as taxas praticadas pela banqueira do povo D. Branca? (…)”

Entre as muitas questões que poderia suscitar a propósito deste assunto, uma avulta com especial acuidade. Prende-se ela com a própria profissão do candidato que, além de economista, é professor de finanças, portanto, da mesma área científica e, naturalmente, também com a sua condição de católico praticante, como faz questão de assumir publicamente.

O que parece – e parecerá até que o visado se explique sem margem para quaisquer dúvidas – é que o crente Cavaco Silva, perfeito conhecedor de todos os meandros dos negócios de aquisição e venda de acções de empresas, dentro e fora do mercado bolsista, conseguiu destacar-se a si próprio desta dupla perspectiva profissional. Assim, aparentemente, repito, passa de cristão católico à posição do vulgar oportunista, que se aproveita de informação privilegiada, sacando o que pôde num mercado ausente de moral…


Vendilhão ou vendedor

A César o que é de César e a Deus o que é de Deus, ao contrário do que poderá entender-se a partir de certa interpretação reducionista das próprias palavras de Jesus Cristo no Evangelho [Mateus, 22, 15-22], jamais significaria e, muito menos, neste caso, que, depois da transacção, bastaria entregar a declaração de rendimentos e o imposto ao fisco, i.e., a César/Estado, para que a outra perspectiva da dicotomia, a de Deus, tivesse sido cumulativamente respeitada.


Como qualquer comum cidadão e político – na acepção etimológica de politikos, homem da polis, da cidade – Cavaco Silva cumpriu o dever a que está condicionado pela res publica, a coisa publica, ou seja, pelo facto de viver em República, ele que é o seu supremo magistrado e mais destacado representante. Contudo, a menos que nos convença definitivamente do contrário, ter-se-á aproveitado, em benefício próprio, das subtilezas perversas do mundo da economia.


Ora bem, se assim, efectivamente, tiver acontecido, então terá posto em causa os valores da própria democracia, que impedem seja quem for de prejudicar o interesse geral para apropriação de benefício individual. Para que nos mantenhamos no registo das considerações que interessam à economia deste texto, importa lembrar que, aparentemente, e, até demonstração em contrário, Cavaco Silva terá usado de informação privilegiada para sua própria vantagem e da família.


Porém, como este mesmo cidadão se reclama do estrito cumprimento de valores que ultrapassam a condição material, remetendo-o para uma relação outra, com uma dimensão espiritual que, por outro lado, é exigentíssima na correspondência e observância estrita na prática da vida quotidiana, [o praticante, cristão católico é isto mesmo, doa a quem doer, incomode o que e quem tiver de incomodar…] então, para Cavaco Silva, a coisa seria ainda mais grave, porque transmitiria publicamente a imagem de alguém que não corresponde, em coerência e verdade, aos valores que apregoa.

Na sua persistência em não explicar o que lhe tem sido tão instantemente solicitado, o candidato permitirá que se interprete a sua atitude, no caso da compra e venda das acções em apreço, como coincidente com a dos vendilhões que Jesus Cristo, de chicote na mão, expulsou do templo [Marcos,11, 15,16,17]. É que, até definitivo esclarecimento, trata-se de um negócio mais de vendilhão do que simples vendedor

E, por favor, não esqueçamos que o negócio em que Cavaco Silva se terá envolvido faz parte daqueles que, manipulados por energúmenos, sem espalda substancial em valor efectivamente gerado, conduziram o BPN ao conhecido descalabro, à sua nacionalização, tida como necessária de acordo com o parecer do inerte Governador do Banco de Portugal, decisão do Governo e promulgação pelo Presidente da República, tudo num cúmulo de sucessivas polémicas a resultarem em milhares de milhões de euros que os contribuintes pagarão.

A acumulação de todos estes ingredientes carece de urgente explicação. Cavaco Silva foi eleito Presidente da República, para um primeiro mandato que agora termina, na sequência cronológica destes factos já então ocorridos. Tais factos, precisamente os mesmos factos, subsistem. Em vésperas de novo escrutínio ao qual se apresenta o mesmo candidato, impõe-se o conhecimento de todas as circunstâncias. Estou farto, estamos fartos de farisaísmo.


Não se trata de lana caprina ainda que a matéria sirva para vender comunicação social em barda. O que, de facto, está em causa é a própria dignidade da representação da nação e, jamais, que fique bem claro, o julgamento do carácter de alguém. Nada de confusões!




terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Espírito do lugar:
outras ofensas



“(…) No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo do céu azul-claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta-escura, coroada pelo Palácio da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro (…)”

(Os Maias)


Continuo no âmbito do texto precedente, aqui publicado no penúltimo dia do ano passado. A mesma obra literária, mais um trecho da mesma Sintra que, neste excerto de página absolutamente imperdível, o autor eleva à excelência dos mais belos lugares.

Certamente, a exemplo do que terá acontecido a muitos de vós, esta descrição condicionou, total e decisivamente, a minha interpretação de um cenário que conheço desde criança. E, meu Deus, ainda bem! Que bom ter ficado, não pejorativamente condicionado, mas tão enriquecido pela arte de Eça! Que privilégio poder partilhar as palavras do autor, no preciso local onde coincidimos com o seu particularíssimo olhar que acabou por consignar à paisagem uma nova dimensão da realidade.


Se o cenário permanecesse imutável, tratar-se-ia de um espectáculo de eterno usufruto. Ora, meus amigos, perante tão pacífica sentença, eis que, em sentido adverso e perverso, se agiganta um poderoso óbice. Apenas movido por inqualificável egoísmo, a verdade é que há quem esteja perfeitamente nas tintas para que o lugar mantenha o carácter ganho pela intervenção do homem, tal como o verbo queirosiano o imortalizou.


Ora vejamos o exemplo mais concludente do que acabo de afirmar. Nesta altura, mais de dois anos passados sobre a denúncia que eu próprio trouxe a público, na quinta do Vale dos Anjos, Miguel Pais do Amaral continua a construção da sua desmesurada casa, polemicamente autorizada pela autarquia, na sequência dos mais suspeitos mas favoráveis pareceres, formulados e emitidos por entidades que com eles se emporcalharam. Sintomática mas não surpreendentemente, ignora-se ainda a natureza do despacho do douto Tribunal Administrativo de Sintra ao qual, há cerca de dois anos, o processo foi submetido para apreciação.


Como a obra de construção não foi exemplar e oportunamente suspensa, o quadro maravilhoso referido por Eça deixou de o ser. Foi alterado. Inapelavelmente. Ainda com muito trabalho por concretizar, já é bem visível o volume da mansão. Para maior vergonha de todos quantos são cúmplices do despautério, quando as paredes exteriores receberem o tratamento cromático final, tudo ficará bem mais à vista, poluindo aquilo que deixámos fosse tão vilmente desrespeitado.


O outro lado do desassossego

Nos últimos três anos, Seteais vai acrescentando ofensas de um triste fado. Mais um caso extremamente controverso é o da destruição do tanque, pelo grupo Espírito Santo, concessionário do hotel, que resultou no sucedâneo travestido de uma prosaica casa de máquinas, a qual, sob o beneplácito do IGESPAR, subscrito pelo Arquitecto Assessor Principal Luís de Pinho Lopes (presentemente Chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Cultura) era suposto receber, na respectiva placa de cobertura, um lamentável e bacoco espelho de água ilusionista.*

Num local tão simbólico de Sintra, à beira da velha estrada de Colares, cuja largura é o traço da união entre dois magnatas da mesma escola, à compita em sucessivas campanhas de asneiras, a actual casa das máquinas é a desqualificada imagem de uma situação bem exemplificativa da miserável situação a que chegou a defesa do património em Sintra, directa e indirectamente nas mãos de autoridades às quais competia ter assegurado os interesses gerais de uma comunidade que – oh ilusão e santa ingenuidade! – para todos os efeitos, continua convicta de que o seu quadro político de referência é o Estado Democrático de Direito…


Como continuaremos a verificar, em matéria de desacatos, perpetrados num espaço que é património do Estado, também deste lado da estrada não estamos nada mal servidos…


(continua)


*vd. texto aqui publicado em 13.11.2008, Seteais, pobre tanque…