[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Dedicação total?
Mais um episódio

No passado sábado, pelas onze e meia da noite, havia tremendo barulho no velho e desactivado ginásio da Av. Heliodoro Salgado. A escassos metros, na Rua Câmara Pestana, as traseiras do prédio onde, afinal em plena zona residencial, vivem de dezenas de famílias, entre as quais a minha. Por isso, conto este lamentável episódio na primeira pessoa.

Não sendo a primeira vez que tal acontece e, prevendo que o desmando se prolongasse pela madrugada fora, telefonei para a GNR. Pois, com a maior gentileza, pouco passava da meia-noite, e depois de, entretanto, já ter feito deslocar uma patrulha ao local, me informava nada poder fazer porque, lamentavelmente, os promotores do manifesto desacato sonoro estavam munidos de licença para o efeito E até às duas da manhã!...

O agente da autoridade que me atendeu, sempre com a máxima correcção e amabilidade, mais me esclareceu que, perante a incapacidade de actuação – uma vez que, ufanamente, os prevaricadores exibiram documento bastante à continuação da atitude tão lesiva dos direitos dos residentes na área – os seus colegas teriam apenas solicitado que, enfim, na medida do possível, tivessem em consideração a possibilidade de baixar um pouco o exagerado volume do som.

Não deixa de ser importante registar que, ao fim e ao cabo, pretendendo actuar a contento, a própria GNR se viu manietada e impedida de agir. Quantas e quantas vezes situações análogas sucederão em Sintra e um pouco por todo o país? Quantas e quantas vezes os infractores, na realidade, infringem mesmo, mas a coberto de autorizações conseguidas sabe-se lá como?

Apenas um pormenor da história. Infelizmente, também no caso vertente, os promotores do batuque não foram sensíveis ao pedido da polícia local, razão pela qual tivemos de aguentar a desagradável barulheira até cerca da referida hora limite. Em suma, através da controversa emissão de uma licença, o poder local impediu que a força policial exercesse a autoridade democrática de que está investida. Perverso? Não, em Sintra, coisa naturalíssima…

Ou seja, a Câmara Municipal de Sintra, entidade que, em princípio, seria a mais interessada em cumprir e fazer cumprir a Lei da República no concelho sob sua jurisdição, não teve a menor hesitação em autorizar que um grupo de pessoas se permitisse ofender quem, pacata e ingenuamente, confia na atenção dos serviços autárquicos. Como entender?

Não, não são sinais dos tempos, muito menos de novos tempos. Apenas se trata do seguimento dum programa que, antes e depois das recentes eleições, não conheceu qualquer pausa. Se alguns sinais haverá, não vale a pena grande esforço das meninges. É mais um manifesto da prometida dedicação total. Não tenham que eu também não tenho a mínima dúvida. Por mim, já estou à espera do próximo episódio. Convençam-se, este é um programa sem interrupções…






sexta-feira, 27 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Stuart, Bartolomeu & etc


Tanto quanto já me informei, terá sido de excelente recorte a intervenção de José Jorge Letria, sobre Stuart Carvalhais, na última Assembleia Municipal de Sintra. O destino da casa do artista atesta bem do escandaloso desinteresse da Câmara Municipal de Sintra relativamente ao património imobiliário local por onde passaram figuras da cultura nacional e regional.

Enfim nada que me espante porque há muito tempo sei o que a casa gasta. A propósito, gostaria de lembrar o caso de um grande nome da Cultura Portuguesa dos nossos dias, falecido o ano passado, Bartolomeu Cid dos Santos, acerca de quem escrevi alguns textos na imprensa da terra e neste mesmo blogue. Era meu amigo, era um grande amigo de Sintra, comigo comungava o profundíssimo desgosto por ver Sintra chegar ao escandaloso estado de abandono que temos verificado nos últimos anos.

Sintra ainda não fez justiça à sua memória. Nada, absolutamente nada, nem sequer aquela coisa corriqueira que é dar o nome a uma rua. A CDU propô-lo como patrono para o Casa da Cultura de Mira Sintra, precisamente no mesmo dia em que, eu próprio, na Assembleia Municipal, chamava a atenção para a necessidade da homenagem que tardava.

Entretanto, como o homem era comunista, a Junta de Freguesia local, que ainda não se deve ter apercebido que o Bartolomeu era um dos mais notáveis gravadores, mesmo a nível mundial, não deu seguimento à proposta. Sintomático, não é?... Não percebem que Bartolomeu, como grande artista plástico, que os ingleses consideraram emérito, está para a gravura como, por exemplo, Paula Rego está para a pintura.

A diferença é que, em Cascais, a Cultura é encarada como coisa séria e logo se fez um museu para acolher a obra da artista. Em Sintra, onde a ignorância é proverbial, mesmo ao mais alto nível, um dia mais tarde, talvez só quando José Jorge Letria for Vereador da Cultura, se faça justiça a Stuart, Bartolomeu e a outros que, nos últimos oito anos, foram parar ao rol dos esquecidos da maioria que mantém o poder no executivo local.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Luminárias 2009


Na passada sexta-feira, dia 20, houve apagão no bairro da Estefânea, na freguesia de Santa Maria. Naturalmente, a exemplo do que tem acontecido nos anos anteriores, sabe-se que tais cortes, causadores de tanto prejuízo em determinado tipo de electrodomésticos e em equipamento informático, apenas acontecem quando entra em fase de operacionalidade a instalação das iluminações da época natalícia, a cargo da empresa à qual a Câmara Municipal de Sintra tem adjudicado tal obra.

Há três anos que, devido a ocorrências análogas, venho reclamando junto da autarquia. Em 2008, o Chefe do gabinete do Senhor Presidente da Câmara teve a amabilidade de me responder que, futuramente, teria em conta a lamentável experiência de factos inequivocamente atribuíveis nos termos do parágrafo anterior. Como se demonstra pelo sucedido na semana passada, o propósito anunciado foi ultrapassado pelas circunstâncias.

Naturalmente, este não passa de apenas mais um episódio a confirmar o lamentável estado de coisas decorrente da cultura do desleixo tão enraizada entre nós e, em especial, nas três freguesias da sede do concelho. Ninguém duvida de que, neste território restrito onde se situa o mais prestigiado e significativo património natural e edificado de Sintra, a jóia da coroa, infeliz e paradoxalmente, é uma das zonas mais desprezados do concelho.

No entanto, as luminárias nesta altura montadas, adquirem um particular significado. Se quiserem, analisemo-lo em três vertentes. Em primeiro lugar, porque o barulho das luzes contribui para a atenuação dos efeitos mais evidentes do descuido que, tão flagrantemente, atinge estas zonas. Por analogia, logo ocorre o anedótico exemplo da dona de casa badalhoca que atira para debaixo do tapete o lixo do qual não consegue libertar-se.

Por outro lado, no que concerne ao investimento em causa, dificilmente se admite que, em tempo de tanta restrição, a Câmara se permita despender, para efeito de efémera decoração urbana, significativas verbas com as quais poderia acudir a sectores tão carenciados como o social, que o Senhor Presidente da Câmara constantemente reclama, na medida em que tem de matar a fome a tanta criancinh. A dedicação total a isto também obriga...

Ninguém duvida de que, com muitíssimo menos dinheiro, é possível apresentar discretas iluminações que não deixariam de sublinhar o especial carácter do tempo de Natal cristão. Também por esta via, a Câmara Municipal de Sintra poderia fazer uma certa pedagogia junto dos cidadãos, demonstrando como, ao privilegiar uma certa contenção, que deverá acontecer em todas as áreas de intervenção, é possível dignificar a administração que compete exercer por mandato popular.

Finalmente, há a considerar o factor estético. Infelizmente, em Sintra, ainda há quem aprecie este tipo de decorações, à laia de arraial minhoto, com que o centro de Sintra é sobrecarregado nesta altura do ano. Enfim, é um sintoma do gosto prevalecente numa significativa percentagem de cidadãos que ainda levará muito tempo a alterar. De facto, trata-se de uma proposta extremamente agressiva que, afinal, somos obrigados a suportar em acumulação com as nefastas consequências destes
incidentes.

NB: A propósito, ler neste blogue os textos publicados em 29.11.07, 22.11.08 e 23.11.08.





terça-feira, 24 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Já vale tudo?

Ou muito me engano ou a comunidade portuguesa estará a viver um dos momentos de maior perplexidade que já lhe foi dado atravessar depois do 25 de Abril. E assim será porque, na realidade, não é fácil ser governado por um Primeiro Ministro, cujo polémico currículo pessoal e inerentes atitudes algo controversas, no-lo apresenta como alguém que não é habitual considerar no desempenho de tão altas funções.

Primeiramente, foi a assinatura de uns projectos de duvidoso enquadramento legal e de horrorosa arquitectura na Câmara da Covilhã. Depois, o ziguezaguear entre institutos e universidades à procura da boleia mais eficaz para alcançar um canudo de licenciado. Seguidamente, o eventual envolvimento num processo de licenciamento de um aterro na Cova da Beira, em que se cruza com um técnico, que acabaria por ser o professor que mais cadeiras lhe certificou, no tal curso de engenharia, terminado num santo domingo do Senhor.

Posteriormente, ainda nos apareceu referido numa complicadíssima rede de contactos providenciais, afins da concretização do processo Freeport. E, agora, foi apanhado em escutas telefónicas com Armando Vara, arguido este num processo de corrupção, cujo principal protagonista, preventivamente preso, é um sucateiro de Aveiro de quem há suspeitas de ter recebido verbas para, através de tráfico de influências, desbloquear circuitos e favorecer concursos em empresas públicas.

Por seu turno, o mesmo Vara, oportunamente despedido pelo Presidente da República Jorge Sampaio, por indecente e má figura, como mentor da entretanto extinta Fundação para a Segurança Rodoviária, é alguém cuja licenciatura e pós- graduação serão, pelo menos, tão controversas como o diploma do actual PM, de quem, aliás, foi colega num governo de Guterres.

E, como poderão verificar, não estou a ser exaustivo. Pois, mais recentemente, muito agastados com o desconforto de que foi vítima o PM, Vieira da Silva e Santos Silva, respectivamente, Ministros da Economia e da Defesa, permitiram-se afirmar que as escutas telefónicas faziam parte de um processo de espionagem contra o Chefe do Governo. Todavia, no desgraçado estado em que este país se encontra, isto que é gravíssimo, aparentemente, não tem consequências.

Estou em crer que, apesar da natureza dos deveres decorrentes do seu específico estatuto, nada impede que os juízes venham a terreiro reclamar o ressarcimento por uma ofensa de que, eventualmente, se sintam objecto. Tal é a situação em que se encontra o juiz de Aveiro que terá encontrado matéria susceptível de enquadrar na figura de um crime contra o Estado de Direito, no conteúdo da escuta telefónica em que o PM foi apanhado.

Então, tendo actuado em conformidade com esta interpretação – e independentemente do resultado das diligências que promoveu – subsequentemente, sendo alvo do desrespeito consubstanciado na acusação de agente de espionagem contra o PM, não assiste ao magistrado o direito de reacção, em defesa da honra, do seu bom nome e da própria Justiça?

Os referidos senhores Ministros da Economia e da Defesa, membros de um órgão executivo, num Estado democrático de Direito, cuja origem decorre do resultado de um processo eleitoral, permitiram-se afirmar uma tal enormidade, contra um qualificado agente da Justiça, e não sofrem as consequências de tal atitude de ofensa? Estarão acima do comum dos mortais? Ninguém se insurge? O próprio Presidente da República, precisamente na sua condição de mais alto magistrado da Nação, nada terá a dizer? Em Portugal, até isto já vale?



sábado, 21 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra


Exposição muito mista


Em dia de chuva, sair de casa é algo que tem de ser muito bem justificado. Assim sendo, se me permito vir desassossegar-vos para irem até ao Maggie´s Tea Spot é porque, de facto, vale a pena.

Com materiais tradicionais tais como lãs, algodões, sedas, pedras, metais, papel, barro e outros produzidos pelas próprias artistas, Ana d’Oliveira, Emília Reis e Anna Westerlund propõem articulações extremamente originais em que o bordado é comum traço de união.

Não me compete e, aliás, nem sei como faria a promoção da exposição que, sendo hoje inaugurada, pelas quatro da tarde, vai permanecer até dia 29, naquele espaço tão interessante, à Rua da Costa do Castelo, 1 em pleno casco do centro histórico de Sintra. Todavia, julgo saber onde pára o bom gosto e a sofisticação de uma Arte que, cada vez mais, conquista adeptos rendidos aos encantos da mistura de suportes.

É nesta linha das técnicas mistas que estas três amigas trazem propostas estéticas cuja sinceridade é tão discreta como surpreendente. Trata-se de coisa séria, Arte mesmo, que não pode confundir-se com certas coisas que para aí se vendem, fingindo algo que, na verdade, não são. É uma Arte que se consome, que, nuns casos, se veste sobre o corpo, noutros se escreve, noutros serve de adorno a lugares que, sem eles, não têm graça nenhuma.

Vão. Mas não confundam. Apesar de se anunciar como afim do tipo de venda de Natal, não esperem um vulgar comércio de ocasião, assim como coisa expedita em época tão propensa ao rápido negócio de vão de escada. Vão até lá, em busca de um presente para gente especial ou, então, concedam-se o privilégio de uma daquelas peças.

Ah, é verdade, verão como os preços até ficam muito aquém do perfil dos artefactos cujo anúncio aqui vos trouxe. E, vamos lá, como as autoras de todas aquelas peças absolutamente únicas, convidam para um bom chá, hoje mesmo ou numa das próximas tardes outonais, parvos seríamos se não aproveitássemos o ensejo.



PS:
Só um pormenor. Não ficaram curiosos, por exemplo, quanto à proposta da sintrense Emília Reis? Sendo ela a mais acérrima defensora da causa da Condessa d’Edla, talvez não se enganem se imaginarem que, por ali, ainda andará a mão da senhora…



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Na pasta das dúvidas


Foi hoje, cerca da uma da tarde, no café e pequeno restaurante da minha rua. Logo na primeira mesa, a pouca distância do balcão onde bebia o meu café, almoçava um casal com a filha, miúda dos seus doze anos. Conheço-os aqui da vizinhança, cumprimentamo-nos e pouco mais.

Na televisão, uma locutora debitava não sei o quê sobre o processo Face oculta. Agora, com um filão destes sob as garras, a comunicação social não larga a presa. E, não raro, até nos vemos envolvidos em diálogo com desconhecidos que emitem a sua opinião e pedem a de quem se encontra por perto. Foi o que aconteceu durante a cena que passo a partilhar convosco.

Manifestamente tentando que eu metesse a colherada, dizia a senhora que tudo isto já cheira mal. Tanta corrupção, tantos maus exemplos para a gente mais nova. Seguiu-se o marido, alto e bom som, arengando uma daquelas habituais sentenças em circunstâncias que tais. Segundo ele, isto é a vida dos políticos que estão lá para isso mesmo, para se encherem eles e aos partidos.

E continuou. Que o Sócrates e o Vara por um lado, que o Dias Loureiro e o Oliveira Costa por outro e esse Nunes qualquer coisa que até foi cá vereador com a Edite… Aqui parou. Então, ostensivamente para mim voltado e de garfo em riste, quis saber, na sequência de tão definitiva acusação, o que achava eu da sua razão.

Todavia, a minha opinião não era para aquele contexto. Perante tanto azedume, à mistura com tanta confusão, olhando eu a miúda que também esperava a minha resposta ao pai, consegui dizer que o melhor era pôr a questão na pasta das dúvidas. Tal era a frase com que o meu avô rematava cenas análogas, sempre que ouvia dizer mal de alguém ausente.

Ainda lembrei, quanto mais não fosse por respeito à criança, cuja presença pura e simplesmente ignoravam, que se impunha um certo cuidado. Falar acerca de corrupção, na presença de infantes, não é coisa proibida mas exige especial atenção.
E, muito especialmente, num momento em que urge que os corruptos sejam de facto acusados e punidos.

Felizmente, tinha dinheiro trocado. Não esperando pela réplica, acenei uma despedida estratégica e pus-me ao fresco.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Significado
das insignificâncias



Para que se tenha uma pequena ideia da lamentável negligência dos serviços camarários que vai por esta terra, trago hoje duas situações exemplares. Por acaso, são ambas em São Martinho. Enfim, umas insignificâncias. Todavia, a natureza das mesmas leva-nos a admitir, com toda a probabilidade de certeza que, neste preciso momento, e, simultaneamente, em todas as outras freguesias do concelho estarão a ocorrer coisas perfeitamente idênticas.

Em primeiro lugar, na estrada que bordeja Seteais, a uns metros do portão central de acesso ao relvado, permanece um orifício no pavimento donde borbulha uma água, cuja natureza e origem desconheço, que se vai perdendo sem que ninguém acuda. Pelo menos, há cerca de dois meses. Uma dor de alma! Difícil não é imaginar que, em lugar tão impróprio, com as obras de construção da polémica mansão de Miguel Pais do Amaral, em curso na Quinta do Vale do Anjo, alguma canalização teria de ceder não aguentado tanta pressão…

Outro caso é o que, também há várias semanas, acontece na íngreme descida do Caminho dos Frades, muito perto da entrada da Quinta do Castanheiro. Mais um buraco, mais líquido escorrendo, talvez de esgoto, pois o fedor assim o dará a entender. Nesta situação, maior é o escândalo porque, muito recentemente, não sei que entidade se terá entretido a lançar uns lambiscos de alcatrão, sem qualquer lógica que não fosse a do proverbial serviço à trouxe-mouxe, não cuidando sequer de remediar o que era evidente.

Por estes dias, com as chuvadas que têm caído, menos fácil é dar com os buracos e respectivos líquidos emergentes. Julgo que competirá aos SMAS remediar. Julgo, escrevi eu, pouco me interessando a atribuição da culpa por descuido tão grande. A face oculta, sabem, tem muitas facetas e, não tenho a mais pequena dúvida, o desleixo é uma delas.

Não, o problema é geral e, afinal, estes são apenas dois episódios da reinante, permanente e endémica cultura do desleixo. Passará pela cabeça que ninguém se mexa? Há tanto tempo?! Passa, sim senhor. Em Sintra, é assim. Sempre. As insignificâncias com significado são aos milhares. Minam o ânimo, desmobilizam qualquer movimento de cidadania porque os responsáveis encaram a denúncia cívica como incómodo e manifesto de pessimismo militante. O contrário é apenas a excepção que confirma a regra.




domingo, 15 de novembro de 2009

"DEDICAÇÃO TOTAL"
CHUMBA PROPOSTA DO PS
PARA REDUÇÃO DO IMI

É bom recordar que Ferreira Leite, quando ministra, foi a madrinha do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre Imóveis) elaborado com o recurso à onerosa colaboração de Paulo Macedo, agora administrador bancário.

A aplicação do Imposto Municipal Sobre Imóveis tem sido uma das maiores fontes de injustiça entre contribuintes proprietários, originando elevadas contribuições pars uns e baixas para outros, consoante são aplicados os princípios de actualização.

Digamos, então, que os compradores ou os que estiveram envolvidos em transmissões mais recentes, pagam impostos muitas vezes incomportáveis. Admitindo a existência de divergência, a Lei dá a faculdade dos municípios aprovarem reduções, se estiverem realmente preocupados com a situação existente nos seus territórios.

Sabe-se que, com conhecimento da realidade sintrense, o Partido Socialista apresentou na última Sessão Camarária uma proposta para a redução do IMI em 3% e Isenção da Derrama para pequenas empresas. A Coligação Mais Sintra, que todos recordamos pela "Dedicação Total" prometida, VOTOU CONTRA.

Se tivermos em conta a facilidade com que, por tudo e por nada, se alude ao "apoio social" e se envergonham muitos pais com a sistemática invocação das refeições garantidas nas escolas, o voto contra para a redução do IMI é uma pedrada no charco.

Ainda recentemente Fernando Seara dizia em Pero Pinheiro "Não me peçam obras (...) peçam todo o dinheiro disponível para ajudar aqueles que mais necessitam (...) este é o tempo de sermos suficientemente sagazes para sermos totalmente solidários".

Tudo leva a crer que a sagacidade da "Dedicação Total" ainda não conseguiu avaliar a incidência do elevado IMI nas finanças de muitos pais de crianças...que depois são usadas como beneficiárias da comida escolar.

Fernando Castelo



quinta-feira, 12 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Vai um prato de lentilhas?


Já lá vão uns bons anos, era presidente da Câmara Municipal de Lisboa o Dr. Jorge Sampaio, quando vieram a público alguns indícios de que a Epul teria incorrido na prática de lamentáveis actos de corrupção. Não vem ao caso sequer esboçar aqui os contornos e muito menos esmiuçar detalhes das actividades menos recomendáveis que levaram o futuro Presidente da República a demitir liminarmente o conselho de administração daquela empresa pública.

Uns tempos mais tarde, já no exercício de funções de supremo magistrado, não esteve com demasias e, perante o que se soubera da irregular actuação da Fundação para a Prevenção Rodoviária, exigiu ao Primeiro Ministro António Guterres o imediato afastamento de Armando Vara do Governo.

Num país em que impera a famosa cultura do desleixo, que o mesmo Jorge Sampaio tão bem tem sabido caracterizar e alertar para o seu combate, não admira que, em ambos os casos aludidos, nada tivesse impedido que os membros do órgão de gestão e o multifacetado e talentoso rapaz, continuassem a merecer o crédito da classe política para o desempenho de outros cargos.

O problema é que a classe política é de péssima qualidade e, salvo raríssimas excepções, de baixo estrato. Abundam os casos em que uns pobres diabos, balconistas ou obscuros técnicos de autarquias de segunda, se muniram do providencial cartãozinho para – depois do laborioso e devido trabalho de base lá pelas berças, e de rapidíssimas e tortuosas passagens por faculdades de terceira, para obtenção de duvidosas qualificações universitárias – demandarem a capital, colhendo o fruto de tanto empenho nos mais variados enquadramentos institucionais. Trata-se de indivíduos que abastardam a nobre noção de serviço público, de serviço à República. Nada de confusões, só a estes me refiro.


Mesmo em Portugal, em circunstâncias mais propícias, e apesar de eventuais motivações pessoais menos recomendáveis, não teriam oportunidade de aparecer na ribalta do poder. Não passariam de obscuros mas digníssimos amanuenses mangas de alpaca, quando muito, de chefes de secretaria, ou de incógnitos mas diligentes mestres de criancinhas. No entanto, como as cicunstâncias não são as mais propícias, conseguem alcandorar-se aos mais altos cargos do poder central e local, da banca, das empresas públicas, satisfazendo a avidez da sua patológica ambição, em sórdidas gamelas, designadas por famosas siglas que o povo, enojado, já conhece de ginjeira, no âmbito dos processos de investigação que enchem as páginas da comunicação social.

Os rígidos valores da dignidade subsumidos no da honestidade, são liminarmente postergados, em detrimento da sui generis protecção da abóbada tão conveniente da dura lex… Os tão apregoados princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que sustentam os modernos Estados Democráticos de Direito, são atropelados, a toda a hora e momento, sem que o escândalo geral baste para suster a sua sangria.

Hoje em dia, se a Lei sancionar aquilo que o legislador propôs como correcto – tantas vezes, por ínvia encomenda do poder executivo, vd. caso Casa Pia e alterações legislativas de 2007… – tudo se apresenta como liso e susceptível de descansar as consciências. Parece ser tão grave este caldo de sofisticado desleixo que, provavelmente, vivendo sob a capa de um regime democrático, estaremos a assistir ao espectáculo da mais nociva inversão de valores que já desafiou as sociedades modernas desde a Revolução Francesa.

Afinal, o que faz falta?

Volto ao parágrafo inicial. Com a legislação vigente na altura, Jorge Sampaio não teve dúvidas. Numa situação, independentemente dos subsequentes apelos e agravos, demitiu quem considerou conveniente e na outra, igualmente cortando a direito, deixou de patrocinar a presença de um governante que fazia parte de um executivo a que ele próprio dera posse. A isto se chama estar à altura das funções.

Devem ser raríssimos os casos em que os dispositivos legais vigentes não estão servidos por mecanismos de operacionalidade que permitam, a quem de direito, actuar perante estes e outros prevaricadores institucionais. Todavia, não tenho a menor dúvida de que, enquanto imperar a dominante cultura do desleixo, sempre faltará, a tal vírgula que, quanto mais não seja, facilita o contorno da interpretação mais conveniente da Lei.

Mas quem sou eu, anónimo filólogo, para me arrogar meter a foice na seara alheia da legislação? Pois vos direi que a discreta mas permanente intervenção cívica em que estou envolvido foi especialmente desafiada pelas oportunas e sempre tão certeiras palavras da minha amiga Ana Gomes, no seu blogue Causa nossa, ela que também é mulher de Direito, habituada a dirimir causas à luz e com base no império da Lei.

Lembra Ana Gomes impor-se a retoma das propostas do Engº João Cravinho, que tanto se bateu pela necessidade de um combate sério e sem tréguas à corrupção. É aqui que me rendo. Se, efectivamente, falta preencher algum buraco da Lei, por exemplo, no respeitante ao enriquecimento ilícito, pois que actue o Parlamento, no exercício do poder que outorgámos aos seus membros, no sentido de nos defenderem contra as invectivas desses indecentes que, muito raramente, deparam com um Jorge Sampaio pela frente.

E assim finalizo, na boa companhia desta tríade em que Sampaio, Cravinho e Gomes me concedem a esperança de prever que, apesar de sinais tão desanimadores, o prato de lentilhas dos corruptos não vai transformar-se em mais Mercedes topo de gama… Urge dar sinais diferentes aos miúdos, aos nossos filhos, netos e alunos. Especialmente eles, não merecem este lodaçal.



segunda-feira, 9 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

O melhor de Sintra

É natural que alguns dos habituais leitores ainda desconheçam que a Parques da Sintra Monte da Lua (PSML) aumentou recentemente o seu património, através da incorporação de três novas propriedades que, tal como todas as restantes parcelas, se incluem na zona classificada como Paisagem Cultural.

Lembremos que Convento dos Capuchos, Tapada D. Fernando II, Parque de Monserrate, Tapada de Monserrate, Tapada do Mouco, Parque da Pena, Tapada dos Bichos, Castelo dos Mouros e Quinta de Seteais somam 361 hectares, um conjunto cujos contornos e respectiva toponímia tão grato nos é registar por saber como tudo tem estado tão bem entregue.

Pois, a partir de agora, a PSML passa a responder por um total de mais de quatrocentos hectares de terras naquela zona, uma vez que, à área precedente, foram acrescentadas a Tapada das Roças (43 ha), a Mata da Trindade (1,9 ha) e a Tapada da Quinta do Ramalhão (4,75 ha). No caso em apreço, aquilo que, para outra empresa não passaria de um saudável aumento de propriedade, foi oportunidade para uma atitude que saúdo com o maior apreço.

Ora vejamos o que me leva a este encómio. É que, desta vez, a PSML veio ao encontro de alvitres que apontavam no sentido de privilegiar uma estratégia de comunicação com os cidadãos de Sintra, na tentativa de esclarecer inequivocamente o que, por exemplo, estava a montante das decisões que levaram às manobras de limpeza e desbaste florestal nas tapadas sob sua alçada.

Ainda não há muito tempo, estarão lembrados, armou-se para aí uma controvérsia dos diabos a propósito de tal actividade. Meia dúzia de pseudo defensores do ambiente, autênticos ecologistas da treta, implícita ou explicitamente, na peugada de um grupo – (infelizmente) sem dimensão que, volta não volta, aparece à luz do dia como arauto da defesa do património sintrense – insinuou ou acusou mesmo aquela empresa de crimes cuja existência apenas tem cabimento na sua incomensurável ignorância.

Afinal, como tive reiterada oportunidade de confirmar, esclarecer e justificar,** tratou-se de concretizar atitudes radicais de gestão florestal, absolutamente fundamentais e indispensáveis à saúde e segurança das espécies em presença, que foi desempenhada com o maior cuidado e inexcedível competência por parte de quem a tarefa foi cometida, sob coordenação do Engº Jaime Ferreira, um amigo de Sintra que apraz aplaudir.

Faltava fazer alguma coisa? Faltava sim senhor. Faltava mostrar, à saciedade, a razão que assiste à PSML para fazer e continuar a fazer aquilo que tem feito, e tão capazmente, no âmbito da gestão da floresta, nos terrenos em que não pode deixar de intervir. É neste contexto, portanto, que acabou por ser colmatada a falta a que me refiro.

Com a avisada descrição que o caracteriza, o seu Presidente convidou quem lhe aprouve, para mostrar e demonstrar, perante a obra por fazer na Tapada das Roças, em comparação com a que já foi realizada, por exemplo, na Tapada de Monserrate, como está certo o caminho traçado. Lá diz o povo, na sua proverbial sabedoria, que não há nada como realmente… É a atitude de São Tomé, ou seja, ver para crer. E assim se fez.

Das trevas para a luz

O Prof. Lamas concentrou as dezenas de convidados no topo da Tapada das Roças e, acompanhado da sua equipa de técnicos, conduziu toda aquela boa gente através de um matagal praticamente intransitável, com uma perigosíssima carga de biomassa, onde a luz do Sol mal chega, até à vizinha Tapada de Monserrate onde idêntico cenário ao que acabei de aludir, tão pela rama, foi devidamente corrigido.

Depois de uma experiência tão esclarecedora, pelo caótico inferno da Tapada das Roças, o que a vista alcançou, uns hectares mais à frente, na Tapada de Monserrate, claro que não sendo o céu, é um inequívoco descanso que, ao contrário do que alguns incautos poderiam ser levados a julgar, não dá tréguas seja a quem for. Para assim se manter, não se pode parar pois, caso contrário, repetir-se-á o dantesco ambiente tão caro aos tais apressados ambientalistas.

Para que todos pudéssemos ficar perfeita e totalmente identificados com as questões que fomos levados a partilhar naquela tarde, foram distribuídos dois mapas esclarecedores. Um primeiro, que fornece todas as coordenadas relativas às propriedades da PSML. O outro refere-se ao loteamento da Tapada do Saldanha que, para quem não se lembre, fica exactamente do outro lado da estrada, em frente à Tapada das Roças, servida esta pelo portão que dá acesso à Quinta das Sequóias, na estrada entre a Pena e os Capuchos.

Milagres em Sintra

Basta olhar, cá de fora, para a Tapada do Saldanha para perceber porque razão se lhe chama a mãe do fogos da Serra de Sintra… Aquilo, tal como a Tapada das Roças, é um paiol de autêntica pólvora. Enfim, oxalá (passe a ecuménica evocação a Alá, nesta companhia com a Santa Mãe de Jesus…) que Nossa Senhora de Fátima não se distraia. Se calhar, já terá sido por sua intercessão que, na sequência do 25 de Abril, ao loteamento não se seguiu a concomitante construção. Nesta coisa de milagres, preciso é respeitar uma certa reserva, não vá dar-se o caso de acabarmos por meter a foice em seara alheia…

De qualquer modo, a divisão daquela propriedade, em tão pequenas parcelas, tem inviabilizado a intervenção que se impõe no sentido da salvaguarda de uma zona crítica que, durante tantos anos foi descurada. Vale-nos a certeza de que, de facto, o Prof. António Lamas está atento a tudo quanto se passa ali à volta, pelo que tudo estará fazendo com o objectivo de que a questão se resolva a contento da comunidade.

Na realidade, o advento do Conselho de Administração presidido por este homem providencial, foi determinante para Sintra. É por esta e por outras que não me canso de salientar como o Prof. António Lamas e a sua equipa fazem tanta diferença dos gestores de pacotilha e de cartãozinho, tão medíocres na forma como, sem excepção, dirigem as empresas municipais de Sintra e a própria Câmara Municipal, sem um rasgo de originalidade, sem definidas estratégias. De facto, os milagres de Sintra não estão ao alcance de quem se move sob a fasquia da vulgaridade… De facto, o melhor de Sintra está na Parques de Sintra Monte da Lua!

Amizade iniciática

Mas voltemos à tarde daquele dia 4, durante a qual ainda foi possível constatar quanto valem o companheirismo militante e a amizade de gente como Ema Gilbert, da Associação dos Amigos de Monserrate, Maria José Rau, da Associação dos Proprietários de Quintas da Serra de Sintra, de José Manuel Carneiro, director do Palácio da Pena, do Fernando Castelo, senhor de tantas lides e lutas, e de muitos outros que, tão gostosamente, continuo a encontrar nas periódicas cenas edificantes patrocinadas pelas iniciativas da PSML que, elas sim, nos animam e compensam do destempero da Sintra que sobra e soçobra.

Falta registar que, naquela vespertina caminhada, muito contei com o profundo conhecimento do jubilado e célebre biólogo, Prof. Doutor Fernando Catarino, outro amigo do Prof. António Lamas que, ao meu lado, ia caucionando, em amena conversa, todo o trabalho que por ali se processou e vai continuar. Era o Mestre que, seguro, ia conduzindo à Sabedoria o Aprendiz, beneficiando eu daquele percurso iniciático, através das trevas e dificuldades da Tapada das Roças para, finalmente, ver a Luz da Tapada de Monserrate.*

Não há dúvida, se preciso fosse, era o contraponto da descabelada ignorância dos mentores da campanha de desinformação que, pasmemos todos, apesar de radicar em tão frágeis bases, não deixa de ter quem lhe dê ouvidos e crédito. Exagero da minha parte? Mas, então, assim não sendo, acham que a imprensa local perderia tempo procurando colher a opinião do tal grupúsculo, cuja inactividade é prova cabal da sua falta de qualificação e só proporcional, aliás, à fraquíssima penetração numa comunidade, como a de Sintra, que se depara com tão bicudos problemas de defesa do património natural e edificado?

Aqui chegados, entraríamos já noutra questão, relacionada com certos meandros do quarto poder em Sintra. Todavia, sendo este mesmo o derradeiro parágrafo – embora a funcionar como um epílogo entre parêntesis – apenas me limitarei a remeter os meus leitores, eventualmente interessados na matéria, para um breve exercício de análise e interpretação da última página dos jornais locais, de há uns meses a esta parte. Verão como o patrocínio é deveras concludente…
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*Vão deixar que aqui introduza a componente musical que ali faltou. Nem mais nem menos do que, em A Criação, de Joseph Haydn, o momento em que, logo na introdução, do caos inicial, Deus fez a Luz. Neste ano jubilar do ducentésimo aniversário da morte do compositor, ouvir esta obra máxima da Cultura ocidental é a melhor homenagem que se lhe pode prestar.

**A propósito, ler neste blogue: Incoerência, 04.09.09; Na Serra, o descanso, 03.04.09; Monserrate, o cinco de Março, 06.03.09; Tomar a árvore pela floresta, 06.02.09; Monserrate, o castigo do sucesso; Paisagem Cultural, 09.10.08; À Cruz Alta, a pé, 25.07.08. Entre muitos outros que tenho escrito sobre a actuação do presente Conselho de Administração da PSML, nestes textos aludo à actividade relacionada com os desbastes florestais.



terça-feira, 3 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Uma aventura

com Isabel Alçada

Hoje, para falar de Isabel Alçada, tenho de recuar cerca de vinte anos, lembrando que, no âmbito das minhas atribuições como Técnico Superior do Ministério da Educação, estava afecto aos Serviços de Ensino de Português no Estrangeiro onde, entre outras tarefas, também me competia a concepção de materiais didácticos e a formação dos professores em actividade junto das comunidades portuguesas emigradas por esse mundo fora.

Não é fácil imaginar como, naquela altura, eram escassos os materiais disponíveis de suporte à actividade pedagógica em questão. Se, actualmente, a situação não é brilhante, então era de quase indigência. Na maior parte dos casos, acrescia a dificuldade de comunicação e, tantas vezes, a resposta dos serviços era lenta e burocratizada.

Nestes termos, o preenchimento de tal lacuna evidenciava-se, não só como o cumprimento de um assumido objectivo institucional mas também, para quem como eu tinha o privilégio de trabalhar em tal enquadramento, um desafio pessoal que procurava corresponder o melhor possível.

Um dos projectos que consegui concretizar, radicava na utilização de alguns livros da Colecção Uma Aventura, cujas bem conhecidas autoras, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, me concediam a rara oportunidade de trabalhar tais obras, com objectivos muito específicos, pela circunstância de proporem conhecidos lugares de Portugal como cenário dos enredos das suas histórias.

De facto, para além do inequívoco sucesso de uma obra que conta com várias dezenas de títulos, as referidas autoras, que também são professoras, produziram um enorme manancial de situações de ficção, sempre em lugares do maior interesse, cujos protagonistas, sabiamente caracterizados, tomam conta do leitor alvo através de uma cumplicidade fácil, que sintoniza na idade, no espírito de aventura, na necessidade de alcançar a autonomia possível.

Reparem, no entanto, que os destinatários do trabalho que me propus concretizar eram, em primeira instância, os professores de um universo especial alunos-leitores que constituem um grupo extremamente heterogéneo. Os miúdos com quem trabalham estão longe, muitos já não nasceram em Portugal, fazem parte de segunda e terceira gerações de portugueses instalados em determinadas comunidades estrangeiras, em diferentes continentes. Alguns desses potenciais e reais leitores são bilingues, para outros o Português é ensinado como língua estrangeira ou ainda como língua segunda.

Pensemos num exemplo muito concreto. Para eles, a Sintra e o Palácio da Pena de Uma Aventura no Palácio da Pena são coisa bem diferente daquela que conhecem (ou não) os miúdos portugueses que estão e permanecem em Portugal. Portanto, havia que ajudar os professores a facilitar um diferente acesso a Sintra por parte dos seus alunos.

O que se me impunha – se a essa gente eu queria chegar – era aproveitar a oportunidade da existência daquela obra bem concreta e, para além da componente lúdica suscitada pela sua leitura, propô-la aos referidos docentes numa mala pedagógica cujo conteúdo incluiria, não só o próprio livro mas também um diversificado conjunto de materiais conotados com o lugar. Mas, cumpre esclarecer, foram trabalhados outros títulos da mesma colecção.

Era suposto que, longe de Portugal, pudessem trabalhar o lugar Sintra em termos pedagógicos. Para tanto, concebi um kit de materiais que iam desde folhetos originais de índole turística à fotocópia de notícias de jornal acerca de concretos e preocupantes problemas de Sintra, também sobre projectos relativos ao Palácio e Parque da Pena que se perspectivavam na altura, plantas e mapas, receitas de doçaria regional, um videograma da autoria da Editorial Caminho de promoção de Uma Aventura no Palácio da Pena, um vasto conjunto de diapositivos sobre Sintra, cassete áudio com várias hipóteses de música de fundo, etc.

Naturalmente, pedi às autoras que subscrevessem uma carta, muito informal, dirigida a todos os colegas que iriam receber as tais malas pedagógicas, de estímulo à actividade tão desgastante em que estavam empenhados. Pois a carta veio praticamente na volta do correio, sob a forma de manuscrito, qual diálogo entre gente do mesmo ofício que, como calculam, constituía um forte elemento afim do sucesso de utilização daquele dispositivo de animação da leitura, pretexto para a abordagem de um lugar em termos relativamente abrangentes.

Sob os auspícios da amizade

Sei que Isabel Alçada me considera seu amigo. E não se engana, eu retribuo. De facto, temos em comum o mais intenso desejo de aplicar todas as nossas capacidades ao serviço das crianças e jovens deste país, com particular destaque para a promoção do gosto pela leitura, eu de forma muito modesta como Técnico de Educação, actualmente aposentado, ela não só como autora mas também no desempenho de funções tão importantes como as de Comissária do auspicioso Plano Nacional de Leitura.

A música leva-nos quer à Gulbenkian quer ao Grosses Festspielhaus de Salzburg, à volta da obra dos grandes compositores, sempre interpretada pelos melhores entre os melhores do mundo. É uma grande mulher, determinada, competente, discreta e – factor absolutamente determinante nesta avaliação de amigo – sempre de uma irrepreensível elegância.

Quando, recentemente, se começou a falar no seu nome para substituir Maria de Lurdes Rodrigues, achei perfeitamente natural. A competência e dignidade que têm pautado o seu percurso continuarão a prevalecer no desempenho destas funções de Ministra da Educação. Mas entendam que, igualmente, fiquei apreensivo e com imensa preocupação por ela. Aquilo não é coisa que se deseje a ninguém e, muito menos, a um amigo…

Vão deixar que faça um parêntesis para lembrar que, há precisamente trinta anos, fiz parte do Gabinete do Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário de uma outra grande mulher da Educação deste país, Maria Alice Gouveia, também uma amiga, infelizmente já falecida, a quem o Sistema Educativo ficou a dever serviços inestimáveis em períodos críticos, antes, durante e na sequência do 25 de Abril. Pude aperceber-me da violência quotidiana que é estar naquele lugar do poder executivo, da exigência ética de fazer política àquele nível. Fecho o parêntesis.

Como, à minha limitada medida, sei o que é, o que já estará a viver e o que espera esta amiga, maior não pode ser a expressão da estima e consideração que aqui registo. Por isso mesmo, recebo muito mal os sinais que certa imprensa não se coibiu de manifestar sobre Isabel Alçada, desde o Público ao Expresso que, enfim, não sendo uns quaisquer pasquins, por vezes, até parecem…

Como se mais nada de interessante houvesse para dar notícia, mesmo num registo ligeiro, já se entretiveram na investigação e subsequente publicação dos seus rendimentos, destacando os cinquenta mil euros de direitos de autor, com comentários de duvidoso nível ou interesse sobre os proventos do casal Vilar. Noutra oportunidade, o destaque para a caneta Montblanc com que assinou o termo de posse…

Que indigência, meu Deus! Será que tão doutos jornalistas (??) conseguirão perceber que, por muito significativos que possam ser os valores em questão, não há qualquer interesse jornalístico na sua divulgação porquanto se referem a rendimentos de inequívoco trabalho? Será que tal espécie de escrevinhadores terá feito coisa idêntica quando, por exemplo, o tão célebre quanto lamentável Dr (?) Armando Vara tomou posse e deixou os cargos de Secretário de Estado e de Ministro?

Quanto às Monblanc, o que dizer? Como eu a compreendo. Adoro. Porque são óptimas, refinadíssimas e fazem a diferença. Não por se terem transformado em ícones de prestígio mas, isso sim, porque até permitem distinguir quem as merece dos ordinários que, desde locutores a comentadores, políticos, etc, não perdem a oportunidade de as exibirem, rolando-as entre os dedos, perante as câmaras… De facto, um piroso será sempre um piroso, mesmo armado de Montblanc.

Não. Jamais verão Isabel Alçada em cenas que tais. E não a macem para além do que é suposto aguentar. Senão acaba por se fartar deixando o lugar a uma qualquer Lurdinhas, que para aí ande à espera de uma oportunidade para atacar na 5 de Outubro…