[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 31 de dezembro de 2011


2012 -
Elevai o espírito, já!


Para início do Novo Ano, um famosíssimo cântico, na interpretação do coro juvenil da Catedral de Limburg. A esperança depositada num Novo Ano em que o poder de Deus aqui se partilha através de música especialmente inspirada.

À Maria do Rosário Billwiller, minha querida prima, uma especial palavra de gratidão por me ter sugerido momento tão adequado a esta véspera.

Von guten Mächten
[texto de Dietrich Bonheffer]

http://youtu.be/wsGu1vjSr3M

Von guten Mächten treu und still umgeben, behütet und getröstet wunderbar,
so will ich diese Tage mit euch leben und mit euch gehen in einen neurs Jahr.
Von guten Mächten wunderbar geborgen, erwarten wir getrost, was kommen mag. Gott ist mit uns am Abend und am Morgen und ganz gewiß an jedem neuen Tag.

Limburger Domsingknaben - "Von guten Mächten" www.youtube.com
Sintra,
uma lição


De facto, só agora, depois da meia-noite, tive oportunidade de visionar a reportagem completa da visita ministerial que está na origem do texto que aqui pubquei há cerca de meia hora...

Compreendi que Assunção Cristas veio conhecer e visitar exemplos de reablilitação de prédios no casco histórico. É um facto que há alguns bons exemplos. Sintra só tem que os multiplicar se quiser estar à altura do desafio.

De qualquer modo, sem razão para alterar o texto precedente, faço votos de que a referida deslocação tenha constituído oportunidade de colheita de elementos que, estou certo, o Prof. Fernando Seara não terá deixado de fornecer, no contexto das observações que subscrevi. É que, de facto, Sintra é uma lição...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011



Sintra,
arrendamento e reabilitação

Pequena nota, em cima do acontecimento. A Ministra do Ambiente, da Agricultura e da Administração do Território veio hoje a Sintra, precisamente no dia em que o país soube os contornos da Lei do Arrendamento. Há pouco, numa nota de rodapé que, teimosamente, permanecia no écran do televisor, podia ler-se que Assunção Cristas se deslocara à sede do nosso concelho a título de exemplo. De qualquer modo, terei sido levado a concluir que a deslocação ministerial se relaciona com preocupações de reabilitação urbana que, tão intimamente, se relaciona com uma boas Lei dos Solos e do Arrendamento .

Pois, na parte que me toca, como munícipe sintrense atento e muito sensibilizado para o universo de domínios em que se desdobra a actuação da Ministra, fico muito grato a Sua Exa. No entanto, como desconheço a que concreto exemplo se referia a tal nota de rodapé, faço votos no sentido de que a selecção de Sintra como exemplo tenha a ver com uma perspectiva tão abrangente quanto possível de acepções em que o conceito de reabilitação urbana deve ser conjugado.

Assim sendo, espero que a douta e polivalente governante comungue connosco, sintrenses, a ideia de que a recuperação do património imobiliário privado, em particular, e a reabilitação da urbe, em geral, numa vila com as características de Sintra, carece de estratégia que privilegie uma intervenção de articulação integrada, envolvendo sectores dependentes de vários departamentos da Administração Central e Local.

Infelizmente, como apontam a prática e experiência nacionais, o que domina é a proverbial dificuldade – para não considerar mesmo incapacidade – de trabalho interdepartamental e articulado. Bem pelo contrário, a nossa especialidade evidencia-se na capelinha ou na quinta de cada um. Porém, responsável pela gestão e administração de um megaministério como o seu, seria de esperar que começassem a aparecer os exemplos de intervenção com base na análise sistémica, âmbito em que casos como o de Sintra deveriam ser paradigmáticos. Terá passado por aqui a decisão de vir hoje a Sintra?

Será que, durante a visita se apercebeu, por exemplo, de que a reabilitação urbana também depende da resolução de complexos problemas, como o do estacionamento automóvel que, não podendo resolver-se no Centro Histórico, terá de pressupor a instalação de parques periféricos? Terá entendido que a reabilitação pressupõe diferentes registos de intervenção, consoante se trate de zonas que articulam com património edificado ou não?

No caso específico de Sintra, terá entendido aquilo que todos já sabemos, ou seja, que a sua extremamente significativa carga patrimonial – palácios, quintas, parques, áreas florestais, umas vezes de forma concentrada, nas três freguesias da sede do concelho, noutras à distância de dezenas de quilómetros, com uma serra pelo meio, ainda a braços com um microclima, a contas com uma orla marítima que é parte de um compósito território cujas marcas de ruralidade ainda são muito presentes – pressupõe distintos mas afins programas, sistemas e modos de intervenção a nível da reabilitação dos espaços?

Ah como eu gostaria de poder responder afirmativamente! É que, se assim fosse, talvez começasse a ter alguma esperança de que, entre nós, poderíamos estar a caminho de concretizar algumas das conclusões e recomendações do Congresso das Cidades Património Mundial que Sintra acolheu tão recentemente…


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011



Ontem,
27 de Dezembro e 1786


Em 27 de Dezembro de 1786, no mesmo dia em que considerava a hipótese de se estabelecer em Inglaterra, (re)compunha Mozart a Ária de Concerto Ch'io mi scordi di te? ... Non temer, amato bene para soprano com piano obbligato, K. 505. Pelo próprio punho, escrevia Amadé no seu catálogo: “(…) den 27:tem, Scena con Rondò mit klavier Solo. für Mad:selle storace und mich. begleitung. 2 violini, 2 viole, 2 clarinetti, 2 fagotti, 2 corni e Ba (…)”

Mesmo os que não sabem Alemão entendem que se trata de uma peça que o compositor escreveu para (Nina) Storace, a grande voz da actualidade por aqueles dias vienenses, “und mich” i.e., e para mim, indicando que ele próprio também a estreou. A propósito desta obra que exige irrepreensíveis dotes vocais, gostaria de vos contar o episódio absolutamente verídico, cujos meandros, como privilegiado membro do Mozarteum de Salzburg, acompanhei em 2006, ano do jubileu mozartiano, por altura do seu 250º aniversário.

Para o concerto de gala do dia 27 de Janeiro, no Grosses Festspielhaus, a Fundação do Mozarteum tinha convidado René Fleming que interpretaria esta peça acompanhada ao piano, nem mais nem menos do que por Mitzuko Ushida. Portanto, como se depreende, tudo ao mais alto nível mundial. Pois bem, praticamente sem qualquer hipótese de substituição, o agente de René Fleming informou o Mozarteum de que a diva não se sentia particularmente confortável para a interpretação da ária, sugerindo que fosse apresentada uma alternativa…

Garanto a veracidade deste documento. Eu li-o. Se bem entendem, nas entrelinhas, e, por outras palavras, preto no branco, o que René Fleming dava a entender era que, pelo menos, naquela altura, o seu gabarito não chegava para cantar Ch’io mi scordi di te. E, com indisfarçável sobranceria, ainda pedia que tratassem, isso sim, de lhe apresentar uma outra proposta, enfim, mais acessível…

Bem, com quem ela se meteu! Se lhe passou pela cabeça que o Mozarteum alteraria uma vírgula ao convite inicial, deve ter ficado siderada quando leu a resposta inequívoca – à qual eu também tive acesso – em que a Fundação reiterava o que havia proposto, esclarecendo mesmo o seu objectivo de apresentar uma obra de grande dificuldade em que, também naquela especialíssima gala, mais uma vez, o génio de Mozart estaria bem patente.

Resumindo e concluindo, a Fleming borregou. E, para a substituir, servindo-se de meios que mais nenhuma casa em todo o Mundo se poderá gabar, o Mozarteum conseguiu que, em cima da hora, Cecilia Bartoli assegurasse a interpretação da obra que Mozart compusera para a Storace duzentos e vinte anos antes. Com um profissionalismo a toda a prova, a Bartoli foi excelente, mal tendo tempo para se preparar.

Tendo tido oportunidade de assistir, até posso confirmar, como então escrevi numa crítica, que a Bartoli cantou a ária evidenciando uma coloratura mais floreada que o exigível, fugindo algo ao classicismo da peça, e propondo contornos mais barrocos, registo em que é exímia. Como o YouTube já não conserva o registo gravado daquela noite memorável, em que Mozart foi honrado ao mais alto nível, proponho outra interpretação, com o soprano Sandrine Piau e Helène Grimaud. Asseguro-vos que não ficam menos bem servidos.

Boa audição!


SANDRINE PIAU Mozart - Ch'io mi scordi di te? Non temer, amato bene http://www.youtube.com/
Mozart - Ch'io mi scordi di te? Non temer, amato bene - Recitative and Aria for Soprano, Piano & Orchestra K.505 SANDRINE PIAU (Soprano) HELENE GRIMAUD (Piano).

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011


Emigrem,
vão bugiar,
não chateiem!

De palavras e obras se faz a actuação de um político. Ao fim de seis meses, quanto às obras, já sabemos o que a casa gasta. Quanto às palavras, ao menos, alguém podia aconselhar a que se calasse. Ao fim e ao cabo, as suas palavras e obras, altamente criticáveis, decorrem do facto de este Primeiro-Ministro não ser um político.

A última coisa que qualquer político a sério fará é abrir a boca para propor aos cidadãos alternativas que os ofendam. E este homem fá-lo constantemente, não só em prejuízo dos cidadãos que governa mas também a si próprio.

É tão inábil que se permite malbaratar a única atenuante que poderia reivindicar em relação aos sacrifícios que está a pedir aos portugueses, ou seja, o facto de o país ter chegado à bancarrota na sequência da gestão demencial de Sócrates e do seu governo de perfeitos tarados.

Por outro lado, Se nunca foi tão fácil governar - já que o faz na base de um compromisso com credores que o obriga à gestão de um programa da maior rigidez - não se percebe como Passos Coelho faz e diz tanta asneira. Muitas vezes, a falta de contenção verbal abre a porta à ofensa tão contundente como evitável.

Quanto à ineficácia da palavra, o facto de pretender ultrapassar os objectivos do Memorando de compromisso com a 'troika', sem um discurso convincente que mobilize os cidadãos para a esperança, está a minar a frágil base de sustentação de civismo indispensável à resistência da sacrificadíssima classe média.

À frente de um governo de tipos perfeitamente banais, sem qualquer rasgo de criatividade, temos um Primeiro-Ministro não à altura das circunstâncias mas, isso sim, à altura da banalidade mais corriqueira dos seus comparsas. E, sob a aparência de sujeito encaixável na moldura do medíocre decisor europeu falho de clarividência, Passos Coelho consegue ser pior, muito pior.

Para que o ramalhete se componha em toda a sua exuberância, cumpre recordar que tudo isto se passa no contexto da democracia, que subjaz ao Estado Democrático de Direito, na sequência de processos eleitorais ditos regulares. Além de extremamente preocupante, é igualmente perverso.

Em Portugal, parece nos temos especializado na eleição de medíocres que, chegados ao poder, além de se portarem como os seus congéneres europeus, ainda se transformam em ogres, nem gigantescos nem disformes, antes conformes aos mais elegantes figurinos de Armani, mas que nos comem, comem e chupam até ao tutano. E o banquete continua…

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011



Bilhete de Natal
para a Monte da Lua


Parque e Palácio da Pena, com o recém reconstruído Chalet da Condessa, Parque e Palácio de Monserrate, Convento dos Capuchos, Castelo dos Mouros, Palácio Nacional de Sintra (Palácio da Vila), Palácio Nacional de Queluz e ainda outras jóias do mais sofisticado património edificado e natural de Sintra estão confiadas à Parques de Sintra Monte da Lua. Que responsabilidade! Que honra!

Tenho-o dito, escrito e, já não sei quantas vezes, repetido que não poderiam estar em melhores mãos. É inapreciável o crédito da Monte da Lua em relação à defesa e recuperação de peças patrimoniais que, afinal, sob a alçada da mesma empresa, mas sob a anterior administração de gente desqualificada, continuava a degradar-se perante a perplexidade de nacionais e estrangeiros.

As intervenções já efectuadas e em curso, nos diferentes e referidos lugares, de acordo com um programa que os cidadãos conhecem e, inclusive, podem acompanhar, constituem a afirmação de um saber fazer, de um estar à altura dos desafios que não é comum acontecer em Portugal. Muito naturalmente, tudo é fruto de um trabalho de equipe que, de tão raro, quase deveria merecer o devido estudo…

Se, de facto, não terá sido fácil juntar tanta gente competente, julgo que não menos difícil foi o modo como o grupo se motivou e continua a responder às solicitações, sempre ao mais alto nível. À frente do empreendimento, o Prof. António Lamas - vão autorizar que utilize terminologia musical do domínio da orquestra, é um Maestro cujo trabalho de bastidores, de estafantes ensaios, se imagina para que os resultados sejam os que a audiência pode desfrutar.

Os maestros assistentes, Dr. João Lacerda Távares e Engº Manuel Baptista e os chefes de naipe, Arqºs. Luísa Cortesão, Arq. Lopo de carvalho, Engºs. Jaime Ferreira, Daniel Silva, Nuno Oliveira, Dra Ana Oliveira Martins, em articulação com intérpretes de primeira água que, no terreno, são operacionais inexcedíveis, dão provas evidentes de uma qualidade de trabalho que causa assombro aos visitantes e a nós sintrenses, primeiros privilegiados de tanta dedicação a Sintra e aos seus tesouros.

Assim sendo, o meu bilhete de Natal não pode ser mais cordial. É isso, vem mesmo do coração e diz um imenso obrigado a estes amigos cujo nome é bom que conheçam. As obras têm autores que, diariamente, trabalhando em lugares incrivelmente belos, nos vão devolvendo o fruto de tanto e comovente empenho.

ilhete de Natal de melómano inveterado, que acima se serviu e abusou de léxico musical para se referir à boa gente que tanto estima, pequeno texto de agradecimento e de homenagem, esta mensagem não poderia deixar de propor a audição de uma peça que, de algum modo, se relacionasse com o dia de Natal.

Pois bem, acontece que o aniversário de Cosima Wagner (1837-1930) passa a 25 de Dezembro. Em 1870, estando o casal e dois filhos, Eva e Siegfried, a viver em Luzern, na vivenda Tribschen, cuja situação sobre o lago é de sereníssima beleza, o compositor ofereceu à mulher a celebérrima música do Idílio de Siegfried que integra a ópera Siegfried, terceira jornada da Tetralogia.

No Natal daquele ano, um pequeno conjunto de câmara, estreava a peça, tendo a apaixonadíssima Cosima como único e ávido público. É uma história de Natal que, em simultâneo, é parte da história de amor que uniu duas pessoas excepcionais.

Quem conhece a obra e o seu enquadramento na ópera e no todo que é o Ring, não se espantará por eu relacionar o Idílio de Siegfried com determinados e tão germânicos cantos e recantos dos bosques de Sintra. São lugares que estão confiados aos meus queridos amigos da Monte da Lua a quem, em primeira instância, dedico a audição de momento musical tão precioso.

Para eles e, igualmente para todos,

Santo Natal!
Bom Ano Novo!


Boa audição!


http://youtu.be/rv_Zbpdd4oQ Richard Wagner -
Siegfried Idyll - Part II http://www.youtube.com/
Siegried Idyll - 2. Teil (für Streichorchester) Württembergisches Kammerorchester Heilbronn Dirigent: Paul Meyer

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011



Amor,
êxtase e morte

Richard Wagner registou os primeiros esboços musicais de Tristan und Isolde em de 19 de Dezembro de 1856. O seu affair com Mathilde Wesendonck e as leituras de Schopenhauer, em articulação com o famoso texto do poeta medieval Gottfried von Strassburg (sec.XII-XIII) constituem o lastro pessoal, literário e filosófico em que se alicerça uma das mais radicais experiências do drama lírico de todos os tempos.

É na dialéctica Eros-Thanatos - mais tarde tão bem estudada por George Bataille, e, mais recentemente, num estupendo ensaio de Sebastian Urmoneit, especificamente a propósito desta ópera - que cumpre enquadrar a totalidade da obra e, muito especificamente, a famosa cena final do êxtase de Isolde.

Fiel à prática de vos propor a audição de peças musicais, não deixando de observar um evidente nexo de relação, por exemplo, com a data do calendário, eis que, para a efeméride de hoje, aí tendes a habitualmente designada Liebestod, interpretada por uma excelente wagneriana, Waltraud Meier.


Eu até talvez prefira outras prestações, como as de Kirsten Flagstad ou Birgit Nilsson mas esta, de qualquer modo, absolutamente superlativa, ainda tem a vantagem de apresentar o texto em alemão e, para os que não o dominam, a tradução em IngLês.

Boa audição
!

Isoldes Liebestod - Waltraud Meier http://www.youtube.com/

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011



Parabéns, sempre ...




Ludwig van Beethoven foi baptizado no dia 17 de Dezembro de 1770. Embora não se tenha a certeza, tudo leva a crer que terá nascido no dia anterior, portanto, há precisamente duzentos e quarenta e um anos. Celebrando o aniversário, a peça cuja audição vos proponho é uma das suas obras mais espantosas, a Sonata para Piano no. 32, op. 111, que perdurará como intemporal.


A interpretação é de Rudolf Serkin e está tudo dito. Trata-se de um excerto da Arietta. Estejam atentos ao que acontece aos 6'36". É um autêntico voo para o infinito, um daqueles raros saltos cósmicos, furando as categorias de tempo e espaço, apenas ao alcance do génio e que fazem do intérprete um verdadeiro demiurgo.


Claro que é para ouvir, ouvir, na totalidade, e repetir sem que, jamais, se chegue à exaustão. O espanto - sim, o espanto, estão a ler bem - não tem um só lugar geométrico musical. Deve ter uma boa dúzia, entre vários momentos de Monteverdi, Händel, Bach, Mozart, Haydn, Beethoven, Wagner e alguns mais. Não tenham a menor dúvida de que um desses grandes momentos é a op. 111. Ouçam comigo e, se tiverem um bom copo à mão, não hesitem! Eu, como já tinha aberto um Vidigueira para o jantar...



Boa audição!



http://youtu.be/KsLojxzbuFM
Rudolf Serkin - Beethoven Sonata No. 32, Op. 111 - 2nd Movement - Part I http://www.youtube.com/
Live performance 1987




Efeméride mozartiana


Em 16 de Dezembro de 1785, Mozart dava entrada no seu catálogo manuscrito do Concerto para Piano e Orquestra em Mi bemol Maior que veio a ser referenciado como KV 482. Como só ofereço o melhor que posso eis que vos proponho esta interpretação, tão mozartiana, de Sviatoslav Richter.

Boa audição!

http://youtu.be/36dqi6cOfiI
Sviatoslav Richter plays Mozart Piano Concerto KV 482 in E flat http://www.youtube.com/



quarta-feira, 14 de dezembro de 2011


As árvores?
-Também se abatem...

Nos últimos dias, muitos sintrenses foram alertados para a hipótese do abate de umas quatro árvores na Rua Barão de Almeida Santos – artéria do Bairro da Estefânea, que coincide com a área da designada Correnteza – junto à Casa Mantero e Biblioteca Municipal, na Freguesia de Santa Maria e São Miguel, bem no coração da sede do concelho.

Desloquei-me ao local, deparando com uma cinta vermelha e branca cingindo a série de árvores que seriam objecto de intervenção. Pendurado em cada um dos troncos, inserido em saqueta de plástico, havia um aviso em folha A4, muito tosco, solicitando aos condutores que ali costumam estacionar as suas viaturas o favor de não o fazerem em determinado dia devido a trabalhos de poda que, assim, eram anunciados.

Duvido que, efectivamente, houvesse intenção de abater as referidas árvores. De facto, o que se anunciava, era, repito, uma intervenção no âmbito da poda. Muito estranharia que, conhecedores da sensibilidade dos cidadãos na sua relação com as árvores, os serviços camarários ousassem anunciar um objectivo absolutamente pacífico que, afinal, em plena operação, se transformaria num corte radical. Enfim, em Sintra, tudo é possível. No entanto, apesar de habituado à surpresa perante os mais dissimulados desmandos, ainda não cheguei ao ponto de prever perfídia que tal…

Porém, a abordagem deste assunto, suscita que, a propósito, traga outro à colação no sentido de alertar para a necessidade de resolução de um grave problema de circulação de peões. Moro na zona há mais de quarenta anos, sei do que falo, confronto-me com o problema e, no local, tenho visto tanta gente em apuros, que não imagino como ainda não ocorreu algum lamentável acidente.

Tendo em consideração que os passeios estão pejados de árvores, cujo porte obriga ao desvio das pessoas para a faixa de rodagem, impõe-se zelar e, de todo em todo, não descurar qualquer detalhe que possa pôr em causa a sua segurança. Mais especificamente, trata-se de zona frequentada por muita gente, em especial, imensas senhoras acompanhadas de crianças de tenra idade, em carrinho de bebé, ao colo e pela mão, deslocando-se entre a estação de caminho de ferro, terminais rodoviários e as instalações da Segurança.

Tanto quanto alcança a minha capacidade de discernimento, obrigada a equacionar os interesses dos peões, das árvores e dos condutores que ali encontram uma informal área de estacionamento, parece óbvio que, optando por não abater as árvores, apenas resta a solução de, definitivamente, cancelar a hipótese de ali arrumar os veículos automóveis, provendo à instalação de um corrimão com baia de protecção que impeça alguma criança mais irrequieta de fazer qualquer disparate.

Comunicar, é preciso

Por outro lado, não resta a menor dúvida de que a controvérsia gerada pela questão em apreço teve origem na falta de uma estratégia de comunicação entre os serviços municipais e os munícipes. É perfeitamente previsível que se tenha de podar, de desbastar e de realizar não sei quantas mais intervenções, inclusive a do abate destes maravilhosos seres, muitos dos quais já cá estavam quando nascemos e que por aqui continuarão depois de partirmos.

As árvores tudo merecem. É óptimo perceber até que ponto estão os cidadãos tão sensíveis às suas necessidades e preocupados com o seu bem estar. Sendo isto mesmo assim e não recurso de mera retórica, há que saudar a relação, cada vez mais forte, entre as pessoas e as árvores. Nestes termos, já se sabe que a necessidade de qualquer manobra, em benefício das próprias árvores, se não for oportuna e devidamente justificada e muito bem explicadinha, pode suscitar os mais perversos efeitos.

Se este terreno é tão sensível, se a hipótese de fricção está sempre iminente, ninguém pode dar-se ao luxo de lançar evitáveis rastilhos. Então, como entender que os serviços camarários – actuando em benefício último dos munícipes e, em geral, de todos os cidadãos contribuintes – se tenham permitido descurar o importantíssimo factor da comunicação que, para os cidadãos, se traduz na necessidade de satisfazer o inalienável direito à informação?

Vão deixar que passe o exagero mas, perante a eventualidade do abate, quase vi jeitos de um levantamento popular. Tudo isto porque, ao fim e ao cabo, algum (ir)responsável da Câmara Municipal de Sintra não esteve à altura das circunstâncias. Numa época em que, com a maior eficácia, os mais variados suportes de comunicação permitem que as mensagens cheguem aos destinatários sem qualquer problema, admite-se que significativa parte da comunidade sintrense quase tivesse entrado em polvorosa devido à incompetência de alguém que, está visto, há-de escapar-se por entre as malhas da reinante irresponsabilidade?

Aqui deixo ao Presidente Seara uma especial chamada de atenção para a necessidade de repensar a estratégia de comunicação entre os diferentes serviços
e os munícipes que, uma vez conseguida, certamente evitará a ocorrência de muitos episódios, mais ou menos caricatos. Então, neste caso de pretensos atentados às árvores, o que não falta é aquele habitual dose de histeria à solta dos defensores de pacotilha...


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011



Sonata ao entardecer

Também numa segunda-feira calhou o dia 12 de Dezembro de 1785, data em que Mozart deu entrada no seu catálogo manuscrito da Sonata para Violino e Piano, em Ré bemol Maior (e não em Lá Maior, como é anunciado na gravação que proponho), sonata que, mais tarde, faria parte do Köchel com a referência KV 481.
Trata-se de uma composição muito interessante, para dois instrumentos, violino e piano, que Amadé dominava em termos virtuosísticos. Aos andamentos Molto allegro, Adagio, Thema (allegretto), seguem-se as seis variações muito sofisticadas desta obra cuja audição completa aconselho vivamente.

No que respeita aos instrumentos, tenho tido a felicidade, em datas muito especiais, durante as minhas estadas em Salzburg, de poder assistir à interpretação de peças da sua autoria, por grandes artistas, nos violino e pianos que pertenceram ao compositor. São momentos absolutamente únicos que, na minha qualidade de membro do Mozarteum, não perco de modo algum.

É a respeito do violino, um Klötz, que posso contar-vos uma história da minha família. Tanto o meu pai como uma das minhas tias, que fizeram o curso superior de violino do Conservatório, tocavam em violinos Klötz que o meu avô adquiriu a judeus alemães, na sua passagem por Lisboa a caminho da América, entre 1935 e 1940. Infelizmente, num momento muito difícil da sua vida, o meu pai viu-se obrigado a vender o seu Klötz, por acaso, a um grande violinista português, Antonino David, que foi concertino da Orquestra da Emissora Nacional.

Mas a tia Ladi, cujas provas finais do curso foram presididas por Vianna da Motta, que a saudou como grande virtuose, beijando-lhe a mão, antes de o júri lhe atribuir a nota máxima - mãe da minha prima Maria do Rosário Billwiller, que aparece a comentar alguns dos meus textos aqui no facebook - a tia, escrevia eu, hoje com uns saudáveis 92 anos, ainda tem o seu precioso Klötz, portanto, manufacturado pelo mesmo luthier que concebeu o violino de Mozart.

Bem, volto a peça, propondo a audição do Adagio, mas esperando que fiquem motivados para acederem à obra completa. Como verificarão, é excelrente música, com o divino Mozart - divino, acertadíssimo adjectivo com que José Manuel Anes costuma qualificar o nosso queridíssimo Amadé - a exceder-se em recursos da maior eficácia e extrema beleza.

Boa audição!

http://youtu.be/9RItF8oB3yM

Wolfgang Amadeus Mozart - Violin Sonata in A major KV 481 - II. Adagio http://www.youtube.com/






Sintra,
tempo de Natal


Este ano, em Sintra, não há luminárias natalícias. As ruas e os edifícios, desde os mais desinteressantes prédios aos conhecidos palácios do seu património, as árvores das alamedas, tudo permanece com o aspecto de todos os dias. Reina o sossego. Vive-se um espaço livre de arremedos, sem agressivas armações metálicas, sem pirosas decorações e sem a carga de milhões de lâmpadas que, durante anos e anos, queimaram, e não deviam, o dinheiro que escasseia para o essencial.

Desta vez, não cedendo a um habitual e estafado argumento, a Câmara Municipal de Sintra recusou alinhar na estratégia da aparente promoção comercial que, em sucessivas épocas natalícias, pouco ou nada terá beneficiado o comércio local. Aliás, se alguma vantagem houve, essa foi para a firma de Espinho, universal especialista do mau gosto em arranjos de urbana decoração em épocas festivas...

Se tão feliz decisão deve ser devidamente saudada, por outro lado, não se pode deixar de concluir que a autarquia foi obrigada a render-se à evidência de uma instalada crise, que não lhe concede a mínima hipótese de gastar um cêntimo para o boneco. Em qualquer dos casos, sinto-me particularmente confortado porque veio ao encontro da opinião que tenho evidenciado há anos a esta parte.

De facto, estamos a viver um momento particularmente exaltante uma vez que os efeitos da austeridade reinante estão a resultar, efectivamente, na supressão de atitudes despesistas que, ainda em tempos recentes, por se terem transformado em prática corrente, causavam o maior escândalo, contribuindo decisivamente para a situação de ruptura em que o país incorreu.

Livre de uma agressão que tanto me negativava, resta juntar a minha particular saudação à dos que agradecem ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra por decisão tão acertada. Mais uma vez, também neste assunto, o Prof. Fernando Seara soube arrepiar um caminho que nada dignificava esta terra. Estamos todos de parabéns e coincidentes na conclusão de que, na realidade, só mesmo os burros é que teimam no erro...

Naturalmente, nos tempos que correm, é de esperar que as verbas poupadas em mise en scène tão criticável revertam em benefício dos munícipes mais carenciados. Se assim for, podemos ficar um pouco mais tranquilos, certos de que a comunidade sintrense viverá um tempo de Natal bem mais de acordo com o espírito da celebração do nascimento de Jesus Cristo.

domingo, 11 de dezembro de 2011

No Tua,
a minha e a tua dignidade

Estragar o pouco que resta, é o sugestivo e inequívoco título do artigo de José Pacheco Pereira ontem no jornal Público, a propósito do que poderá estar prestes a acontecer no vale do Tua se, como tudo indicia, se concretizar a construção da controversa barragem. Trata-se de um texto de belíssimo recorte, em que as suas impressões actuais, suscitadas por vivências pessoais daquele espaço ímpar que a memória lhe registou, impregnam e vitalizam a denúncia de uma degradação ambiental que marca Portugal de lés a lés.

“(…) O que temos no vale do Tua, o rio, o vale, a linha ferroviária, o equilíbrio da terra, da água, das escarpas, da vegetação, do vento, da solidão agreste, é hoje único em Portugal. Ou seja, não há mais. Acaba-se com o vale do Tua e, com excepção de alguns trechos fluviais, muito mais pequenos e sem a dimensão agreste do Tua, já não existe nada de semelhante em lado nenhum. Estamos diligentemente a acabar com outro destes vales, o do Sabor, pelo que sobra apenas o Tua (…)”.

É bem verdade. Só quem não teve o raro privilégio de ainda ter viajado por aqueles carris, não pode dar este testemunho. Contudo, apesar de encerrada a linha, ainda se mantém intacta a mesma rude afirmação dos elementos, que Pacheco Pereira refere no parágrafo supra do texto aludido, que importa salvaguardar a todo o transe, numa luta que sendo já tremendamente tardia, ainda é possível coroar de êxito.

Bem sei, em relação ao que há década e meia, aconteceu em Foz Coa, que, actualmente, o quadro socioeconómico e político, o próprio perfil dos protagonistas, constituem factores altamente desmotivadores de qualquer esperança do sucesso que gostaríamos de alcançar no Tua. De facto, apesar de muito medíocre, naquela altura, a nível do executivo, a classe política nacional estava representada por um governo do Partido Socialista, liderado por António Guterres.


Um António Guterres, Primeiro Ministro, Manuel Maria Carrilho, Ministro da Cultura, tinham gabarito para suster a barragem. E demonstraram-no, como homens de Estado, por palavras e actos. Já José Sócrates e Gabriela Canavilhas – cujo estatuto de Ministra, neste e noutros casos, de nada lhe valeu – estavam muito longe da capacidade dos primeiros. Em relação ao vale do Tua, Sócrates e Canavilhas, por palavras, actos e omissões, não só confirmaram a responsabilidade pelo desmando, mas como se ainda preciso fosse, também o baixo estrato da classe política a que pertencem.

Nada mais. Como seria de esperar, muito naturalmente, quanto ao governo actual, apenas houve alteração de matizes cromáticos, substituído que foi o rosa pelo laranja… Nada mais. A mediocridade continua. Acerca do caso vertente, Passos Coelho nem se pronuncia, num silêncio que grita o chocante alheamento. Francisco José Viegas, Secretário de Estado bem tenta salvar a face mas, nitidamente, não está municiado.

E nós, cidadãos eleitores desta gente desqualificada, que fazemos? Vamos continuar a autorizar que estes eleitos continuem na senda do crime ou, na atitude cívica que podemos assumir, vamos juntar-nos a quem já está organizado na luta contra projecto tão pernicioso? Para quem ainda não tomou consciência, cumpre lembrar que, por aqui, passa a cidadania, a participação cívica, a migalha que pode fazer a diferença entre a indiferença e a dignidade. Tão simples como isto!


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Só em Lisboa,
um perdível Isserlis…


Ontem, na Gulbenkian, assisti a uma prestação absolutamente memorável de Steven Isserlis interpretando Variações sobre um Tema Rococo de Tchaikovsky. Repito o adjectivo: memorável! Pena foi que aquele extraordinário violoncelo Stradivarius apenas tivesse soado para uma audiência que apenas ocupava um terço do Grande Auditório....

Habituado que estou a outros ambientes, de grande vibração estética, por essa Europa fora, em salas completamente esgotadas para ouvirem autênticos portentos, como é o caso de Isserlis, não consigo deixar de manifestar o meu desgosto por aquilo que, sistematicamente, acontece na capital do meu pobre país, onde os designados ‘melómanos’ desperdiçam oportunidades que tais.

Na realidade, também neste domínio da música erudita, Lisboa não emparceira, já não digo, com Paris, Viena, Londres ou Milão mas, de facto, nem com Madrid, Barcelona ou mesmo La Coruña, ibéricos lugares que muito tenho no coração onde, de vez em quando, tenho de ir em busca de melhores ares musicais… De facto, não é por qualquer razão de somenos que, por exemplo, Elisabete Matos, a nossa maior e melhor voz de soprano, se radicou em Madrid…

De regresso às ‘ariações sobre um Tema Rococ’, não tendo encontrado no YouTube uma gravação com Isserlis, propor-vos-ei esta, com o igualmente estupendo Yo Yo Ma, que, estou certo, vos proporcionará momentos de altíssimo gozo. Boa audição!

YO-YO MA - TCHAIKOVSKY´S ROCOCO VARIATIONS http://www.youtube.com/


Sócrates,
a dívida de um desgraçado

Em primeiro lugar, uma referência ao domínio das línguas estrangeiras. Se já estávamos perfeitamente identificados quanto às suas inconcebíveis palhaçadas com Castelhano e Inglês, agora, mesmo depois de vários meses em Paris, ficámos a saber o miserável nível do Francês com que José Sócrates se exprimiu, durante a introdução a uma conversa com alunos da Universidade de Poitiers, no passado dia 3 de Novembro.

Apesar de bem conhecermos o seu patusco e sinuoso percurso académico que, inclusive, pressupôs a realização de exames e a obtenção de certificados em feriados e dias santos de guarda, ainda não sabíamos que, pelos vistos, havia a acrescentar alguns sofisticados estudos de Economia que lhe permitiram aquela surpreendente afirmação acerca da liquidação da dívida do Estado. E não vale a pena vir agora com remendos mal acabados porque toda a gente percebeu perfeitamente o alcance do disparate inicial.

Dei-me ao desconforto de ouvir toda a gravação. Durante alguns longos minutos de conversa – afinal, em Português, perante uma plateia, também com estudantes lusófonos que, na semana seguinte, estariam na Universidade Nova de Lisboa em visita de trabalho – Sócrates foi apresentando índices estatísticos com o objectivo de demonstrar que Portugal é um moderno, desenvolvido e esclarecido país que, vá lá perceber-se o paradoxo, tem o grande objectivo de que os parceiros europeus o reconheçam como um moderno, desenvolvido e esclarecido país europeu…

Se preciso fosse demonstrar como este argumento cai liminarmente pela base, bastaria a circunstância de o próprio Sócrates ter sido eleito por um povo que é tudo menos moderno, desenvolvido e esclarecido. É que, de facto, se o fosse, jamais teria escolhido o então Secretário Geral do Partido Socialista, como o futuro Primeiro Ministro de Portugal que, sem tramenhos para se enxergar, acabaria por governar como se o nosso fosse um país sem dois milhões de analfabetos, sem significativas franjas de subdesenvolvimento, fruto de evidentes traços de iliteracia.

Sócrates convenceu-se de que governava um país médio europeu, capaz de gerar a riqueza necessária à liquidação das dívidas que suscitou. Fê-lo com tanta falta de lucidez que, irremediavelmente, comprometeu o futuro de Portugal. Anedoticamente. pensou que resolvia os problemas da modernização, do esclarecimento e do desenvolvimento do país instalando a banda larga e entregando uns Magalhães aos miúdos que, lá em casa, na realidade, não têm o enquadramento das crianças francesas, alemãs, austríacas ou dinamarquesas…

Só quem não pôde ou não quis, não percebeu que, estando há demasiado tempo em desgraça, o desgraçado Sócrates tudo fez para desgraçar Portugal. Bem pode gabar-se de ter atingido o objectivo. Quanto ao que eu podia fazer para contrariar o propósito, na modéstia de limitadíssima capacidade de intervenção cívica, durante anos, não me acusa a consciência de não ter chamado a atenção para o descalabro da actuação política deste homem que, paradoxal mas democraticamente eleito, arrastou milhões de cidadãos portugueses para a desgraçada situação a que os condenou.

Sem o gabarito nem a grandeza das figuras trágicas, o desgraçado Sócrates, um coitado, um pacóvio deslumbrado, muito limitado mas habilidoso, descido de umas berças espertalhonas de Vilar de Maçada, convenceu-se de que o país só estava à sua espera para poder progredir. Quem é que, por exemplo, em Eça, já não viu este acabado produto? Como era previsível, em roda livre, rodeado de papalvos oportunistas, deu com os burrinhos na água. Sócrates desgraçou-se mais do que já era e, pior, ainda agudizou a desgraça de quem não o merecendo, também não dispõe das suas hipóteses de defesa perante a adversidade.

Para rematar o ramalhete de socratices manhosas, fomos atingidos por aqueles salpicos da fama cadente do ex-Primeiro Ministro perorando em Poitiers. Apetece pedir-lhe que, em definitivo, se remeta ao silêncio. Depois de, manifestamente, tão bem ter demonstrado que está nas tintas para o bem estar dos portugueses, não caia mais no ridículo, que assim justifica o crédito de incomensuráveis asneiras que contraiu perante os portugueses. Portanto, com silêncio, vá pagando a dívida. Parece que não é pedir muito...



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011


Mozart,

paradigma do génio


No dia em que se recorda a morte de Mozart, que ocorreu há precisamente duzentos e vinte anos, deixem-me que vos proponha uma fuga. Não me refiro à forma musical que ele dominava magistralmente, mas, neste dia, fuga ao hábito de muito falar acerca do Requiem que, como sabem, deixou inacabado, exactamente no oitavo compasso do Lacrimosa. Porém, não confundam. Deus me livre impedir-vos de ouvir uma boa gravação da peça terminada por Süssmayr!

Se assim o fizerem, optem por uma das alternativas que passo a recomendar. Como registos audio, a gravação histórica, ao vivo, em Viena, na Catedral de Sto. Estêvão, em 5 de Dezembro de 1991, etiqueta Decca, com a Filarmónica de Viena, o Wiener Staatsopernchor, Cecilia Bartoli, Arleen Auger, Vinson Cole e René Pape, sob a direcção do saudoso Sir Georg Solti.

Outra, da Philips, é a que reuniu Barbara Bonney, Anne Sofie von Otter, Hans Peter Blochwitz , Sir Willard White, Monteverdi Choir e os English Baroque Soloists sob direcção de Sir John Eliot Gardiner.

Em DVD, da Arthaus Musik, gravado na Catedral de Salzburg, ao vivo, em 16 de Julho de 1999, por ocasião dos dez anos do falecimento de Herbert von Karajan, reunindo Karita Mattila, Rachel Hamisch, Bryn Terfel, a Filarmónica de Berlin e o Swedish Radio Choir, sob a direcção de Claudio Abbado. Como estive lá, posso afirmar, na primeira pessoa, que foi foi um evento inesquecível.

A fuga que comecei por anunciar também tem a ver com a peça que hoje vos proponho que escutem. Tem a particularidade de também considerar o mesmo dia, 5 de Dezembro, mas de 1786, data em que o próprio compositor estreou o seu Concerto para Piano e Orquestra K. 503 em Dó Maior, no. 25, obra que entrara no seu catálogo manuscrito na véspera, dia 4.

Dá-se o facto de se tratar do mais longo dos concertos de piano de Mozart, em três andamentos, Allegro maestoso, Andante e Allegretto em que, só o primeiro, tem 432 compassos, pressupondo um tempo de interpretação de mais ou menos dezassete minutos, para um total de trinta e cinco da obra completa. Acontece ainda a curiosidade de o acorde da mão esquerda, no compasso 60 do terceiro andamento, dever ser corrigido já que entra em conflito com a orquestra…

A gravação proposta, de um excerto do Allegro maestoso, tem Gulda como solista. Peço-vos a maior atenção para 1:15, momento em que o primeiro violino, segundos violinos, contrabaixos e sopros estão todos tocando melodias diferentes... É quase impossível que o humano se possa concentrar, ao mesmo tempo, em cinco melodias diferentes. Pois é, mas, por essas e por outras, é que Mozart estava, nitidamente, além do humano. Por isso, nele, celebramos o paradigma do génio. Hoje e sempre…

http://youtu.be/FO2_MwAf40E

Mozart K.503 Piano Concerto #25 in C 1st mov. Allegro maestoso : Part 1
http://www.youtube.com/

domingo, 4 de dezembro de 2011



Patricia Petibon,
Rosso


Rosso é o mote do recital que Patricia Petibon ontem trouxe à Gulbenkian, acompanhada pela Venice Baroque Orchestra. Este é apenas um exemplo, por acaso, o da última peça* que cantou, confirmando a extraordinária capacidade expressiva desta voz de soprano que habita uma mulher absolutamente fascinante. Quem não conhecia senão, eventualmente, de gravações e ontem assistiu, confirmou em absoluto a correcção da minha avaliação.

Tenho acompanhado a sua carreira, desde 1997 e, em Salzburg, não costumo perder uma oportunidade de verificar o cuidado com que tem sabido gerir a bela voz, ao serviço de uma carreira que contempla a ópera barroca, Mozart e Alban Berg, por exemplo. Muito ligada a Harnoncourt, e, por isso, às iniciativas do maestro em Graz, Viena e Salzburg, ocasiões não lhe faltam para espalhar o benefício das suas notáveis capacidades vocais e histriónicas já que é um incrível
animal de palco.

Quanto ao modo como a Petibon aborda as peças, há uma saudável heterodoxia a que só os grandes intérpretes se podem permitir. Entra em terrenos cuja única defesa é a que resulta de uma ousadia totalmente controlada, jamais permitindo ultrapassar os limites de uma sofisticação onde aspectos de cena, de marcação, de figurino, ditam uma atitude que sempre surpreende.

Não se espere de Petibon o repouso em receitas consabidas. Ontem, nesta mesma peça, por exemplo, os sinais de sedução, de sensualidade, não podiam ser, a um tempo, mais evidentes e insinuados. De facto, quem não foi – e o Grande Auditório estaria a três quartos da lotação – nem sabe o que perdeu… Palavra de honra que gostaria de saber o que, em alternativa à presença neste evento, estariam fazendo, à mesma hora, aqueles que se dizem melómanos…

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*Georg Friedrich Händel
Da ópera
Giulio Cesare in Egitto

Quando voglio

Quando voglio, con un vezzo
so piagar, chi mi rimira,
ed al brio d'un mio disprezzo
ha un gran cor, chi non sospira.

Quando voglio, con un riso
saettar so, chi mi guarda,
ed al moto del mio viso
non v'è seno, che non arda.

[Quando quero

Quando quero, por um capricho,
sei ferir quem me contempla,
e o meu desprezo é tão forte
que tem um bravo coração quem não suspira.

Quando quero, com um sorriso
sei seduzir quem me olha,
e à expressão do meu rosto
não há coração que não se inflame.]


http://youtu.be/MxzCnNqcWnA

sábado, 3 de dezembro de 2011

Iberismo,
ainda a propósito

A propósito da supressão do feriado do Primeiro de Dezembro, o Senhor D. Duarte Pio de Bragança*, em entrevista hoje publicada pelo Expresso, referiu-se a uma série de questões, sempre muito ‘en passant’, já que os incontáveis afazeres de Sua Alteza, não lhe deverão conceder disponibilidade mental bastante, digamos assim, para ir um pouco mais longe.

A propósito do iberismo limitou-se a afirmar que “(…) Há uma corrente iberista que vai passando a sua mensagem (...)” Apenas isto, sem qualquer enquadramento. No entanto, numa frustrada tentativa de condenar o iberismo, D. Duarte acrescentaria, de imediato: “(…) As pessoas tentadas por estas ideias deveriam visitar a Catalunha, o País Basco, a Galiza e ver como é bom ser dominado pelos castelhanos! (…) Quando eles começam a mandar noutros povos são sempre problemáticos. (…)”

De facto, não deixa de ser lamentável que, por vezes, S.A.S. o Senhor D. Duarte assim perca a serenidade. Que simplismo! Que confusão! Talvez lhe conviesse inteirar-se um pouco mais acerca das questões inerentes às reais ou aparentes hegemonias, não só em relação à Espanha, mas também à Bélgica, ao Reino Unido onde, por exemplo, quem já ouviu os escoceses queixarem-se dos ingleses, até deve achar que galegos e catalães devem ser uns meninos do coro…

Em definitivo, porém, de uma coisa se esquece ou, provavelmente, não lhe conveio ter presente. É que, entre iberistas, tão ou mais convictos do que eu, haverá uma boa percentagem de monárquicos que não teriam o mínimo problema e, provavelmente, até prefeririam ter como seu Chefe de Estado, Sua Majestade Don Juan Carlos I. E, mesmo os iberistas que não são monárquicos, teriam tanto problema com esta questão do regime monárquico ou republicano, como os milhões de europeus que, não sendo monárquicos, vivem em Estados que são reinos…

[*O nome próprio do Duque de Bragança não é Duarte Nuno como, erradamente, a jornalista Rosa Pedroso Lima refere mas, isso sim, Duarte Pio. E assim é em homenagem a Eugenio Pacelli, o Papa Pio XII, que foi padrinho de baptismo do principezinho nascido em Berna em 1945. Duarte Nuno era, de facto, o nome do seu pai.]

A propósito, a música

Vamos a questão muito mais interessante. Como sabem, foi D. João IV, o Rei de Portugal que reinou a partir do Primeiro de Dezembro de 1640. Sempre que dele me lembro, também recordo a controvérsia acerca da autoria do cântico natalício Adeste Fideles ou Hino Português, como era conhecida, em Londres, a composição atribuída a este monarca. A autoria da peça é reivindicada por muita gente, desde Händel, Gluck, Marcos Portugal e, com muita frequência, a John Wade. Como verificam, se bem fizerem as contas, há por aqui um século de diferença que, para o efeito, não tem importância alguma...


Seja como for, certo é que o Rei D. João tivera esmeradíssima educação musical, tinha uma biblioteca musical famosa e, de facto, era compositor. Independentemente da certeza da autoria, já em tempo de Advento, apetece-me propor-vos esta peça tão conhecida, aqui interpretada pelos Wiener Sängerknaben.


http://youtu.be/pWrMDd-_sp8



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011



Primeiro de Dezembro
e o meu iberismo


Encaro o episódio do Primeiro de Dezembro de 1640, por exemplo, não como a comemoração da libertação de um jugo vergonhoso, pasto fértil ao alimento de ódios atávicos, mas no quadro de movimentação muito mais global, que se inscreveu na sofisticada estratégia de apoio às revoltas antiespanholas, desenhada pelo espantoso Homem de Estado que foi Armand Jean du Plessis, Duque de Richelieu, Cardeal e Primeiro Ministro do Rei de França, Luís XIII.

Naquele contexto, sim, forçoso é enquadrar o que aconteceu há precisamente trezentos e setenta e um anos. Ora bem, se a data que assinala um facto histórico tão determinante para o destino das duas nações peninsulares é muito estimável, então, merece o entendimento desvinculado dos calores vibrantes de um patriotismo que, às tantas se confunde com patrioteirismo, tudo ou quase tudo perdendo com a paixão dos ânimos exacerbados.

Entretanto, no Primeiro de Dezembro de cada ano que passa, não consigo deixar de conjecturar nas diferenças que a História registaria se o Primeiro Ministro da França de então não tivesse mexido uns certos cordelinhos. De facto, a coisa correu muito bem para a França, acabando por resultar na designada ‘recuperação da independência’ do reino de Portugal, independência esta que, em termos do Direito, nunca esteve em causa.

Convém não esquecer que, de acordo com a resolução das Cortes de Tomar, reunidas em 16 de Abril de 1581, afinal, o reino apenas se limitou a aclamar, como monarca, aquele que também era rei de Espanha, ou seja, Filipe II – filho do Imperador Carlos V e da Imperatriz D. Isabel – filha esta do Rei D. Manuel de Portugal – portanto, aclamar, para depois acolher um rei que, muito longe de ser o usurpador que continuam a impingir nos bancos da escola, tinha direito a reinar em Portugal, neto que era do ‘Venturoso’, por via absolutamente legítima, e não, como acontecia com D. António, Prior do Crato, também neto de D. Manuel, mas como filho bastardo do Infante D. Luís.

Durante os sessenta anos passados num quadro muito propício ao renascimento de quezílias ancestrais, não é difícil entender como, à França, em particular, convinha aproveitar terreno tão fértil e promissor. Apenas faltava que a inteligência superior de um Richelieu estivesse à altura do momento. E de tal modo esteve que, décadas de intrigas, traições, negócios claros e escuros, traficâncias e interesses de toda a ordem, acabaram por revelar o lastro ideal à conjura delineada a partir de Paris. Por outro lado, julgo ser pacífico afirmar que as consequências do acontecimento, a curto, médio e longo prazos – tão longo que atingem os nossos dias – foram altamente nefastas tanto para Portugal como para Espanha.

Mesmo que vingasse a tese de que os conjurados de 1640 teriam libertado o país de um jugo estrangeiro, então seria imperioso aceitar a ideia de que, ao fazê-lo, acabariam por entregar a Pátria à mercê dos interesses de outras potências. Tal continuava sendo o caso da França – que, durante todo o reinado de D. João IV, patrocinou a Guerra Peninsular a troco de compromissos avultados, no âmbito dos quais, mais tarde, já com D. Afonso VI, impõe o casamento deste com Maria Francisca Isabel de Sabóia, prima do próprio Luís XIV – e passou a suceder com a Inglaterra, como veio a acontecer com o casamento de D. Catarina, implicando num dote estrondoso que incluiu as praças de Tânger e de Bombaím com as consequências da perda do comércio e do império do oriente.

O meu iberismo

Naturalmente, pela proximidade do feriado de ontem, socorri-me de um episódio que, aliás, como muitos outros, não abalou qualquer factor da enorme estima que nutro pela Espanha desde miúdo, levando-me a assumir como iberista confesso e irredutível. Este sentimento de pertença ao grande país que é a Ibéria, identificando-me no idealismo levado à loucura de um Don Quixote, em perfeita simbiose com o realismo mais terra a terra de Sancho Pança, é crença e convicção herdadas na minha casa de família, afinal, coisa muito concreta e vivida, na experiência de todos os dias, já que o pai tinha casa e empresa em Espanha, em pleno coração de Madrid, Calle de Carretas, esquina com a Puerta del Sol.

De facto, na Espanha fascista, muito mais do que no Portugal igualmente fascista, era muito mais fácil negociar com determinados países. Os negócios da empresa da família, no campo da alimentação, da agricultura, da pesca e da pecuária, ganharam uma dimensão de escala que só a sede em Madrid permitia. O meu pai foi um empresário ibérico, à altura das circunstâncias, com uma visão culta e abrangente da actividade económica em que se movia. Dele me ficou uma perspectiva da realidade peninsular que, ainda hoje, infelizmente, está longe de ser dominante.

Habituei-me a considerar, como Pátria, a grande Ibéria, onde a minha terra, Portugal, é uma das grandes regiões, tal como o são, por exemplo, a Catalunha, Castela, Andaluzia ou a Galiza. Para mim, D. João II é tão grande e especial como Filipe I. Luís de Camões e Miguel de Cervantes, Velasquez e Grão Vasco, Juan Crisostemo de Arriaga e João Domingos Bomtempo, Miguel de Unamuno e Manuel Pedro de Oliveira Martins, Fernando Pessoa e Federico Garcia Lorca, todos estes e tantos, tantos mais, na sua ibérica grandeza, são massa da mesma farinha.

Habituei-me a amar o meu rincão alentejano, as terras do Ribatejo e das Beiras, donde são oriundas as minhas famílias paterna e materna, e nesses lugares me sentindo ibérico, até à medula, tal como em Córdoba, na minha Granada, onde me perco de amores, ou nos montes e estreitos desfiladeiros das Astúrias, que me apertam e afagam, com braços enormes, a estenderem-se entre o Oceano e telúrico coração da Meseta, numa arreigada pertença, que não concede a mínima hipótese de ruptura ou de separação.

ão bem me tenho dado com estas afinidades, que não me passa pela cabeça qualquer razão contrária. E, na realidade, não são alguns episódios históricos, de maior, menor ou aparente importância, que me afastarão de convicções já muito radicadas. Tento, o mais possível, não ceder à força de atavismos seculares, que se impuseram só porque muito se repetiu uma e única perspectiva, absolutamente parcial, dos eventos, transformada em verdade conveniente e oficial.

Assim sendo, tão lucidamente quanto me é permitido, procuro beneficiar da verdade global, que ultrapassa o risco das fronteiras ou dos campos onde ocorreram lutas cuja moldura escapa a quem, mais comodamente, não põe em causa a facilidade das versões correntes, sabidas e consabidas, desde os tempos em que começavam a circular nos bancos da nossa instrução primária, do torneio de Valdevez até Ourique, Aljubarrota, Alfarrobeira, Toro, de Alcácer Quibir a Chaimite e não sei a quantas mais, todas cabendo na mesma pacotilha fatalista, nacionalista, patrioteira e santificada. Não, decididamente, cá por casa, não gasto desse produto...

A propósito, penso eu, gostaria de vos propor esta maravilha.


http://youtu.be/n3Ek5kZr8Yc

quarta-feira, 30 de novembro de 2011


Gulbenkian,

Ciclo de Música Antiga


Ontem Balthasar Neumann Choir and Soloists, Balthasar Neumann Ensemble, sob a direcção de Thomas Engelbrock, fizeram a Missa dei filii, ZWV 20, de Jan Dismas Zelenka e o Magnificat, BWV 243a de J. S. Bach. Quem não foi jamais saberá o que perdeu. A sofisticação da Missa de Zelenka, a ingenuidade e simultânea magnificência do Magnificat de Bach, na sua expressão mais limpa, superior, sem quaisquer concessões à facilidade.

Há pouco, Michel Corboz dirigiu o Coro Gulbenkian num programa incluindo Jauchtzet de J. S. Bach, Magnificat, Beatus Vir e Justus ut palma florebit de Francisco António de Almeida e Stabat mater a dez vozes de Domenico Scarlatti. Em formação reduzida, adequada às características das obras, o coro esteve muito bem. Como cantores solistas, Charlotte Müller Perrier, soprano, que não me impressionou especialmente, e Fernando Guimarães, tenor, em grande forma.

Aqui tendes uma excelente interpretação - com os The BBC Singers, Elizabeth Poole, soprano, Neil MacKenzie, tenor, David Miller, teorba, Frances Kelly, harpa e Gary Cooper, órgão - desta última peça que o compositor escreveu em Roma, pouco tempo antes de vir para a corte de Lisboa como mestre da Princesa Maria Bárbara.

http://youtu.be/soz-nsntNQg

Domenico Scarlatti: Stabat Mater I-III www.youtube.com

Agora, atenção ao que aí vem. Um dos melhores momentos deste ciclo de Música Antiga, acontecerá no próximo dia 3 de Dezembro, quando Patricia Petibon, soprano, se apresentar com a Venice Baroque Orchestra, para interpretar peças de Händel, Stradella, A. Scarlatti, Vivaldi, Geminiani, Merula e Sartorio. Não tenho a menor dúvida de que será mesmo um grande acontecimento.

Acerca da minha opinião sobre esta cantora, gostaria de vos contar que, há uns sete ou oito anos, tendo-a já ouvido várias vezes em Salzburg, sempre em programas com o Concentus Musicus e Harnoncourt, o meu parecer já era extremamente positivo. Na altura, tendo tido hipótese de intervir num programa de rádio da RDP2, ao tempo em que Jorge Rodrigues era o responsável pelo programa do fim de tarde, interpelei o Jorge Calado - cuja opinião tenho no maior apreço -acerca do seu parecer sobre a cantora francesa.

Para meu espanto, Calado referiu-se a Petibon como coisa secundária, enfim, pouco digna de reparo. Pois, como veio a verificar-se, quem tinha razão era eu. Confirmo, aliás, que além de voz muito bem trabalhada, tecnicamente irrepreensível, com a extensão necessária ao repertório que mais se lhe adequa, Petibon, ainda acrescenta capacidades histriónicas absolutamente notáveis. É completa, em suma.

Claro que já estou numa enorme expectativa por voltar a vê-la no sábado. Mas, amanhã, noutro contexto, teremos Angela Kirchschlager, num programa completamente diferente, subordinado ao tema Viena-Paris-Broadway, interpretando von Suppé, J. Srauss, Léhar, Heuberger, Offenbach, Bernstein, K. Weill, Gershwin e C. Porter.

Desde sexta-feira passada até ao próximo sábado, terei assistido, sempre na Gulbenkian, a seis concertos absolutamente excepcionais, perfeitamente ao nível do que tenho em Salzburg, Viena ou Luzern mas a preços escandalosamente baixos se comparados com os que me pedem naqueles famosíssimos lugares. Sabem que mais, fico atónito como é possível que, em Lisboa, o auditório da Fundação registe audiências a metade, três quartos. É incrível e demonstra bem o que a casa gasta...








Sede meticulosos!


Alegrai-vos, meticulosos falantes e escreventes do Português! Ainda não se atingiu o ponto de não retorno… Ficai sabendo que, em tempos tão propensos à divulgação e, inclusive, à institucionalização do pontapé na gramática, através dos meios de comunicação social, continua havendo gente preocupada com a correcção da expressão do seu discurso falado e escrito.

Confirmando como assim acontece, eis que vos trago um exemplo colhido nas páginas do facebook, onde, geralmente, tão mal se escreve. Trata-se de alguém que se atreve à formulação de uma dúvida, e, maravilha das maravilhas, articulando aquela tão rara atitude com um pedido de conselho. Tão pouco habituado estou a tais eventos que exultou a minha alma de filólogo. No entanto, não deixei de reparar que o subscritor da dúvida é pessoa normalmente cuidadosa. Por isso, coitado, tem dúvidas…

Vamos, então, ao problema colocado. Trata-se do caso paradigmático do verbo «ter» que tanto pode reger preposição «de» como construir-se com oração introduzida pela conjunção «que». É neste contexto que, concretamente, perguntava o meu consulente(1) se deve dizer e escrever «ter que» ou «ter de». Apesar de não se tratar de questão particularmente bicuda, passo a recorrer ao tira-teimas do Sá Nogueira:

“(…) «Ter que» emprega-se como «Tenho que fazer», que é elíptica por «Tenho alguma coisa que fazer», onde o «que» é um pronome relativo, cujo antecedente é, clara ou ocultamente, «coisa». «Ter de» emprega-se em frases como «Tenho de fazer alguma coisa», onde o «de» é uma preposição que precede o substantivo verbal «fazer». Não obstante ser bem clara a distinção entre as duas expressões, há uma tendência muito acentuada para só se empregar a primeira, quer numa, quer noutra acepção. Assim, diz-se correntemente: «Tenho que fazer alguma coisa, construção que os meticulosos evitam (…)” (2)

Nestes termos, a todos, o meu que também é o implícito conselho de Sá Nogueira, ou seja, privilegiar a meticulosidade… Sempre!

____________________________


(1)Luís Miguel Correia Lavrador, há dois dias, no facebook.
(2)SÁ NOGUEIRA, Rodrigo de, Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1974, p.356.

domingo, 27 de novembro de 2011


Rui Vieira Nery,
musicólogo de serviço


No dia em que o fado passou a ser considerado Património Imaterial da Humanidade, como não associar-me à comemoração? Há no fado excelente música, excelentes poemas e a alma de um povo sui generis.

A alma mater da candidatura, não esqueçam, Rui Vieira Nery, é um musicólogo de gabarito indiscutível. Filho do grande Raul Nery, tem a alma do fado nos genes. É uma autêntica enciclopédia viva do fado. Foi o homem certo no lugar certo, merece o aplauso de todos. Parabéns Rui!

Tenho a certeza de que Rui Vieira Nery concorda comigo quando proponho que os meus amigos ouçam Amália, Maria Teresa de Noronha, Teresa Tarouca - estas duas últimas algo esquecidas - interpretando fados muito especiais, com poemas de José Galhardo, Pedro Homem de Mello e da própria Amália. Eles aí estão, agora ainda com maior pertinência.

http://youtu.be/IHoeF084JDQ (Maria Teresa de Noronha)

http://youtu.be/avXeM7WsKt0 (Teresa Tarouca)

http://youtu.be/5YBS7x4jWi0 (Amália)



Com os Hagen,
Beethoven e melomania


Ainda mal refeito estou do estupendo concerto de ontem à noite na Gulbenkian. Foi mesmo sensacional. Para quem não sabe e/ou não percebe o que é o trabalho de um bom maestro, nesta récita de As Estações, teria muito a aprender. Mesmo sem assistir aos ensaios, mas conhecendo o que a casa gasta, se percebe que, a montante do que ontem e anteontem aconteceu naquele palco da Gulbenkian, McCreesh conseguiu um 'produto' verdadeiramente notável, ao nível dos melhores que me foi dado assistir com esta peça. Expressividade, ritmo, dinâmica, subtileza, tudo ao mais alto nível.

Pois, como comecei por afirmar, ainda sob o efeito do privilégio de ontem, eis que, ao fim da tarde de hoje, outro momento excepcional se avizinha com a possibilidade de assistir ao concerto de música de câmara, com o Quarteto Hagen, que vem apresentar a sua leitura daquele que não tenho a menor dúvida em considerar como o melhor segmento da música de Beethoven, precisamente, dois dos seus últimos Quartetos de cordas, op. 130 e op. 131, bem como a Grande Fuga, op. 133.

Por exemplo, tanto Schubert como Stravinsky, expressaram a sua convicção de que estas obras eram monumentos musicais inultrapassáveis. Perante estas peças, diria o primeiro não ser possível escrever algo de superior, confirmando o outro ser a Grande Fuga uma daquelas raríssimas obras que permanecerá contemporânea para sempre.

Os irmãos Lukas, Clemens e Veronika Hagen, naturais de Salzburg, juntamente com Rainer Schmidt, constituem um dos conjuntos de câmara mais homogéneos e sólidos do mundo, há precisamente trinta anos. Pessoalmente, conheço Veronika, tal como os restantes, uma virtuose que também é professora no Mozarteum. Não há Festival de Salzburg, no Verão, não há Mozartwoche, no Inverno, que não conte com a presença do Quarteto Hagen.

Devo a estes músicos alguns dos melhores momentos da minha longa vida de melómano. Claro que não posso estar mais expectante em relação ao que vou ouvir dentro de umas horas. Conheço as obras, perdoem-me a vulgaridade, por dentro e por fora, soletro-as, sofro e gozo o que Beethoven quis que eu sentisse. Pela mão dos Hagen, vou reviver o que me é imprescindível.
No entanto – que bom!... – como dizem os meus mais próximos familiares e amigos, o que eu arrisco é viver noutra dimensão.

De facto, ao longo dos anos, o meu quotidiano, entre Sintra, Gulbenkian e outras salas, cá dentro e lá fora, em Salzburg, Viena, Bayreuth, Luzern, etc, onde só se faz a melhor música do mundo, mantém-me em ilhas de um arquipélago de cultura, com uma fasquia tão alta, que o melhor é mesmo nem falar muito porque a maior parte das pessoas, sem referências de comparação, nem sequer imagina o que possa ser… Depois de já me ter passado o efeito de alguma pancada com que fui brindado, por alguns invejosos da nossa praça, eu insisto nesta atitude de partilha.

NB. Não consegui encontrar uma gravação com uma das peças que os Hagen vão hoje interpretar. Por acaso, o excerto da peça que vos proponho - igalmente, de um dos últimos quartetos de cordas de Beethoven - fez parte de um concerto a que assisti. O auditório é o da Grosse Sall do Mozarteum de Salzburg. Boa audição.

http://youtu.be/t8WUJYfNBug

Beethoven String Quartet Op 135 Mvt4 Muss es sein http://www.youtube.com/


Violência doméstica:
e a coerênciazinha?...

Soube-se que, em Istambul, houve uma série de manifestações contando com a participação de muitos homens, contra o fim da violência doméstica sobre as mulheres. Segundo a notícia veiculada pelo Euronews, o facto seria tanto mais relevante quanto é a Turquia um país onde, no ano em curso, já morreram cento e duas mulheres às mãos de familiares.

Considero conveniente manter uma prudente reserva e não embandeirar em arco com alguns sinais exteriores, veiculados em manifestações, facilmente confundíveis com convicções radicadas no viver quotidiano. Manifestar esta causa, na rua, é excelente e muito cívica atitude mas forçoso é ter em consideração o reverso da medalha. Cento e tal mulheres, só este ano, assassinadas no quadro da violência doméstica, é um horror inominável.


Por outro lado, não pode confundir-se o que se passa em Istambul e Ankara – cidades onde, é bom não esquecer, florescem manifestos preocupantes de radicalismo fundamentalista – com o resto do território, em que o subdesenvolvimento anda a par com aquilo que, aos nossos olhos, são os incompreensíveis privilégios masculinos. Bem podem os homens turcos vir para a rua prenunciando que algo estará a mudar...

Fico de pé atrás. E, neste ponto do escrito, convém que me volte para a doméstica realidade portuguesa que se vive em círculos que me são próximos. Sabem, é que estou farto de hipócritas, que gritam na rua e afirmam, em reuniões de gente bem pensante, aquilo que é bem partilhar ao nível das ideias, em flagrante incoerência com a prática quotidiana.

Fico de pé atrás porque, entre esses casos da mais abjecta incoerência, conheço homens que pregam os mais dignos valores civilizacionais, da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade e que, portas adentro das suas domésticas vidinhas, tratam as mulheres abaixo de cão, não só através de «simples» agressões verbais mas, por vezes, chegando à mais vil agressão física. É bom não esquecer que se trata de crime público pelo que, só não apresento queixa contra esses biltres, porque não estou de posse de todas as informações.

PS

Proporcionalmente ao total da população, as consequências trágicas da violência doméstica em Portugal revelam números tão ou mais escandalosos do que na Turquia. Infelizmente, de modo algum, podemos estar mais ou menos tranquilos relativamente ao que, neste domínio, se passa em qualquer latitude. Inclusive, mais preocupados deveríamos estar porque, vivendo uma crise com as características daquela em que estamos mergulhados, sabido é que se agravam estes fenómenos de instabilidade social.

sábado, 26 de novembro de 2011


Joseph Haydn,
Die Jahreszeiten [As Estações]

Ontem e hoje na Gulbenkian, Die Jahreszeiten, [As Estações], oratória em quatro partes, Hob.XXI, 3 de Joseph Haydn, com libreto do Barão Gottfried van Switten, segundo um poema de James Thomson, traduzido por Brockes. A obra foi composta entre 1799-1801 e, apesar de o autógrafo ter desaparecido, existe em Viena uma cópia corrigida pelo próprio compositor.

A primeira apresentação aconteceu em privado, no palácio Schwarzenberg, em 24 de Maio de 1801 e a estreia pouco mais de um mês depois, em 29 de Maio, no Burgtheater, ambas em Viena.
Os solistas encarnam três camponeses, Hanne, Lukas e Simon que vivem o desenvolvimento das quatro estações, através das quatro componentes concebidas por Haydn, cada uma das quais precedida por uma introdução sinfónica. Van Switten não foi particularmente feliz com o texto, um mero encadeamento de quatro poemas de cantatas que o compositor considerou «uma vulgaridade à francesa».

Fosse como fosse, Haydn compôs uma peça esplêndida, com uma unidade e um cunho dramático verdadeiramente notáveis, numa sofisticada articulação entre temas populares e eruditos, de canções tradicionais, coro de pastores e de fiadeiras, um compósito mosaico servido por uma partitura ainda mais brilhante que a da Criação, muito embora se tivesse esgotado, com risco da própria saúde.

Sucedem-se os momentos de especial efeito, com grandes frescos corais, como a fuga final da Primavera, a divertida fuga dos vindimadores no Outono ou a grande fuga final do Inverno, considerada por vários musicólogos como uma das mais belas páginas de toda a obra de Haydn. Mas, ainda outras passagens, como a cavatina de Lukasdem druck erliegt die Natur” no Verão, a canção de Hanne, lembrando Papageno, no Inverno ou ainda as grandes peças descritivas, tais como o nascer do Sol e tempestado no erão, hino ao trabalho, caça e vindima no Outono são marcos indeléveis.

Na cena de caça, Haydn introduz fanfarras austríacas e francesas - Le Débuché, Le Vol-ce-l’est, L’Hallali sur pied. Igualmente, insere o tema do segundo andamento da sua Sinfonia no. 94, A Surpresa, sob a forma de ária – Schon eilet froh der Ackersmann.*

Bem pode afirmar-se que As Estações fecham com chave de ouro a carreira de Haydn. Mesmo no início de oitocentos, há quem nela veja a primeira grande obra romântica do século dezanove, prenunciando Freischütz e O Navio Fantasma. Parece-me que afirmá-lo não é grande ousadia.




* Aí tendes uma belíssima interpretação. Boa audição.



Die Jahreszeiten, Aria de Simon da Primavera, direcção de Nikolaus Harnoncourt, Concentus Musicus, Coro Arnold Schönberg, baritono : Christian Gerhaher.

http://youtu.be/JT1Y9s4P6UY







sexta-feira, 25 de novembro de 2011


Congresso certo
em lugar certo


Começou no passado dia 22 e termina hoje, em Sintra, um encontro internacional que me interpelou de modo muito especial. Território vasto, com tantos problemas por resolver no âmbito da defesa e preservação de um património natural e edificado riquíssimos, Sintra tem todas as características, mais e menos positivas, para acolher uma iniciativa com o alcance deste XI Congresso Mundial da Organização das Cidades Património Mundial.

Na sua qualidade de anfitrião, ao dirigir-se a todos os interessados, através de sucinta introdução publicada no impresso geral deste Congresso, que se subordina ao grande tema das Cidades Património Mundial e as Alterações Climáticas, muito bem soube o Presidente Fernando Seara posicionar-se entre o júbilo e uma justificadíssima apreensão.

Muito naturalmente, por um lado, era a satisfação de poder abrir as portas, mostrando o que se tem feito em Sintra, no âmbito da defesa do património em articulação com as preocupações ambientais, dando as boas vindas a centenas de autarcas participantes, representando cidades de muitos países dos vários continentes, bem como aos peritos nas matérias em apreço. Por outro, citando as suas palavras, uma pertinente dúvida quanto ao “(…) legado que vamos transmitir às gerações vindouras e quais as medidas que iremos ou poderemos tomar para proteger um património que é, afinal, de todos nós (…)”

Enquanto Património Mundial, na condição de Paisagem Cultural da Humanidade, que articula e integra elementos urbanos, Sintra bem pode fornecer elementos preciosos de estudo que contribuam para a correcta compreensão das consequências resultantes das alterações climáticas. Multifacetada, entre a montanha e o oceano, ainda com assinalável actividade agrícola, igualmente marcada por nefastos efeitos de indústrias indisciplinadas, Sintra é um espantoso mosaico que, a céu aberto, escancara os interstícios a quem os souber ler e interpretar.

Estou perfeitamente convencido de que, nesta ocasião ímpar, em que pode evidenciar o que de muito bom por cá acontece, nomeadamente sob a responsabilidade da empresa Parques de Sintra Monte da Lua, ou a acção pedagógica da Escola Profissional de Recuperação do Património, Sintra também saberá evidenciar erros clamorosos que, em abono da verdade, se cometem em todas as latitudes – deixai que apenas cite um entre os vários que, certamente, serão abordados – como o da construção em leito de cheia, prática que, a montante e a jusante, compromete a gestão de factores essenciais a uma eficaz defesa e preservação do património natural e edificado.

Enfim, muito trabalho para estas jornadas. Sem dúvida, mais um cartão de apresentação para Sintra que, deste modo, através do trabalho desenvolvido, ficará conotada com uma preocupação global, inequivocamente definidora dos conturbados tempos que tivemos a sorte de viver. Todos desejamos que o trabalho destes dias contribua, decisivamente, para o apontar de soluções que as conclusões do Congresso não deixarão de registar. Aguardemos as notícias.



quinta-feira, 24 de novembro de 2011



Greve geral,
atitude global


A greve geral que, neste início da manhã, já vai num terço do total das horas de protesto nacional, acabará por revelar o mais sério avisos no sentido de que o governo não pode e não deve mesmo puxar mais a corda. A capacidade de resistência dos trabalhadores e do povo em geral tem limites. Os sacrifícios não foram pedidos a todos. Os objectivos do esforço solicitado, sempre aos mesmos, não foram claros. Está longe de se saber que resultado se obterá com tantas renúncias.

De facto, é perfeitamente inadmissível que o esforço mais desmesurado esteja concentrado, precisamente, no mais fragilizado dos segmentos populares, por exemplo, nos pensionistas. Por outro lado, apesar da farsa protagonizada pelo Ministro das Finanças, anteontem, no Parlamento, é flagrante o espectáculo de diabolização dos trabalhadores da Função Pública, agora transformados em bestas de carga de decisores políticos com falta de rasgo.

Até agora, é enorme a dimensão do protesto e, sejam quais forem as manobras na manipulação dos números, os factos são indesmentíveis. Hoje, o trânsito a mais ou a menos, escolas e hospitais parados, repartições públicas e fábricas reduzidas à mínima expressão de funcionamento, aviões que não partem nem chegam, barcos que não atracam, em suma, a desorganização de um quotidiano que, em Portugal, nunca é fácil, são sinais evidentes da esgotada paciência do povo.

Esta é uma greve geral diferente de outras que a sociedade portuguesa já viveu. Esta inscreve-se num mal de viver que ultrapassa os limites das fronteiras nacionais internas de uma Europa esgotada, para se inscrever num quadro mais global de repúdio dos cidadãos. Na realidade, não são só os portugueses que, em particular, estão confrontados com soluções decididas por poderosíssimas forças que transformam os políticos eleitos em títeres sem qualquer gabarito, pervertendo, ainda mais, os mecanismos de uma democracia europeia enfraquecida.

Hoje, os portugueses dão este grito de inequívoco desespero. É um sinal de civismo, já no limite da sua tão reduzida capacidade de intervenção. Porém, imprescindível se torna entender que esta jornada cívica se inscreve num movimento muito mais global. Há meses, os gregos, há semanas, os italianos e, em contínuo, o movimento dos indignados, um pouco por toda a Europa e América, ocupando as grandes praças e ruas mais simbólicas das capitais, são outros sintomas de uma síndrome global de grande incomodidade que, ensina a História, costuma ser o lastro de desgraças que os europeus bem conhecem.

Hoje, de facto, o alerta é nosso. Há imensas e importantes mensagens a circular nas ruas de Portugal. Façamos votos no sentido de que os destinatários das mensagens as entendam em toda a sua intencionalidade. É tão urgente quanto vital.




domingo, 20 de novembro de 2011



Poder local,
concelho adiado


Concelho adiado era o título de uma rubrica que, durante anos, mantive no saudoso 'Jornal de Sintra', justificado pela minha convicção de que este será sempre um município por resolver enquanto se mantiver tão ilógica concentração de freguesias, tornando radical e perfeitamente ingovernável um território que, teimosamente, continua a apregoar Sintra como sede.

Durante os últimos dez anos, não terá havido outro munícipe que mais se tivesse pronunciado, por escrito, acerca deste tema. Basta consultar o arquivo dos jornais regionais para confirmar a publicação dos inúmeros artigos que subscrevi acerca da matéria. Naturalmente, também neste blogue há textos abordando o problema.

Sempre advoguei que o concelho se deveria cindir, pelo menos, em duas unidades – preferencialmente, em três – portanto, dando origem a dois, três novos concelhos, agregando freguesias que, pelas afinidades múltiplas de algumas das suas características, suscitassem a constituição de tais novos conjuntos, resultantes dos agrupamentos sugeridos. Como, há muitos anos, considero que o concelho é ingovernável – e também justifiquei esta opinião através de argumentos razoáveis – escrevi imenso acerca da conveniência de agregação das freguesias, de acordo com o figurino que mais operacional sempre se me evidenciou.

Em relação à reunião que ontem se realizou no Palácio Valenças, promovida pela Alagamares, resolvi não comparecer, não porque subestime os organizadores ou a iniciativa mas, tão somente, porque, à partida, o jogo está viciado. Repare-se que, numa altura em que se devia aproveitar para introduzir as mudanças indispensáveis à operacionalidade do Poder Local, tudo se comprometeu com a determinação de, liminarmente, a todo o transe, suprimir freguesias e concelhos.

Quem pode afirmar que tal é a única solução? Eu não tenho a menor dúvida de que, em Sintra, por exemplo, a solução não passa por suprimir freguesias e, ao contrário do que é advogado pelo Governo – no quadro do designado Memorando da Troika – este mastodôntico concelho, que não passa de manta de retalhos desarticulados, até deveria dar origem a mais um ou dois...

Decidi não aparecer porque esta minha perspectiva e consequente proposta não tem a mínima hipótese de vingar, numa terra em que os mais lúcidos – portanto, todos quantos se reivindicam de mais luz – já se submeteram a imposições exteriores, pouco ou nada consentâneas com a realidade que o terreno aponta, reduzindo-se à condição de cegos para que um qualquer reizito possa vir a reinar…

Tenho idade e experiência bastantes para já poder ter chegado à conclusão de que as lutas só devem ser encaradas desde que haja o mínimo de viabilidade de pôr em comum uma alternativa que, seriamente, possa ser equacionada. Caso contrário, quem tenha opinião radicalmente oposta àquela que a onda do momento suscita e sugere, como é o meu caso, o melhor é reservar-se, não arriscando o protagonismo de uma luta quixotesca, nada mais do que desgastante para o próprio.

A propósito da decisão que tomei, lembro o Dr. Amílcar Ramada Curto, bom amigo do meu pai, advogado, político, jornalista e dramaturgo que, como todos sabem, foi um grande democrata e oposicionista ao regime instaurado pelo Estado Novo. Uma das frases que dele herdei e que, cada vez mais, vou degustando, é aquela em que afirmava ser preferível, em muitas circunstâncias, a ausência de físico pela presença de espírito…

Raras vezes, como ontem, me senti tão bem representado pelas palavras que dão substância a tal opinião. Enfim, fica-me o consolo de saber que, não tendo estado ontem presente no Palácio Valenças , não deixei – como acima referi – de registar a minha opinião, em tempo oportuno, copiosamente, em dezenas e dezenas de páginas de jornais regionais e no blogue, acerca da matéria em apreço. A minha participação, portanto, já estava civicamente assegurada. Quem estiver interessado, não terá a mínima dificuldade de consulta.

Nestes termos, creio que compreenderão as razões da minha ausência. De qualquer modo, não posso deixar de confessar a pena que sinto porquanto, num período que foi anunciado como de reforma do Poder Local, tudo está inquinado à partida. Pena, na realidade, por se estar a perder mais uma oportunidade. E, talvez, ainda pior, por mais um manifesto de falta de capacidade.