[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 27 de novembro de 2012

 
Fora do contexto

A propósito do artigo

http://reinodeklingsor.blogspot.pt/2012/11/que-autarquias-iremos-ter.html

da autoria de Fernando Morais Gomes, publicado no seu blogue 'No Reino de Klingsor', no passado sábado, dia 24 de Novembro, escrevi um comentário que, hoje, (vd. Mural de Fernando Morais Gomes) suscitou a Margarida Mota algumas palavras que avalio como descontextualizadas. Cito:
 
"Não gostei mesmo nada desta sua referência às pessoas que vão para a rua fazer figura de corpo presente,João,lamento ter de o informar que as pessoas que foram para a rua no sábado,debaixo de chuva intensa,sabiam muito bem porque ali estavam e o motivo que as levou a arriscar ficar doentes para se fazerem ouvir.Lamento muito que veja tudo sob esse prisma e que esteja a minimizar o valor de quem se manifesta e a valorizar aqueles que «supostamente»fazem estudos que não levam a nada ,nem tem esse objectivo sequer.Como as pessoas mudam,João..."
 
 
Eis a minha resposta:
Cara Margarida,

Lamento que as minhas palavras possam ter sido objecto de descontextualização tão flagrante. Por favor, tenha em consideração que são antecedidas de elementos essenciais no sentido de que a mensagem subsequente não seja interpretada como a Margarida o fez.

No comentário que subscrevi, a propósito do bom trabalho do Fernando Morais Gomes, considerei - ACERCA DE UM PROJECTO DE LEI DO REGIME JURÍDICO DAS AUTARQUIAS LOCAIS E DAS ENTIDADES INTERMUNICIPAIS, QUE A SER LEVADO POR DIANTE PODE VIR A BARALHAR AS RELAÇÔES DE FORÇA ENTRE DIVERSOS NÍVEIS DOS PODERES LOCAIS (FREGUESIAS, CÂMARAS E AS NOVAS ENTIDADES INTERMUNICIPAIS - que as dúvidas que ele formulava eram, e passo a citar as minhas próprias palavras "(...) mais que pertinentes mas, lá está, não vejo nem prevejo que, em sede própria da intervenção cívica, haja quem faça o trabalho de sapa, de estudo, reflexão, debate que a matéria deveria suscitar. Em Portugal, pelo menos no quadro da intervenção cívica, parece haver horror ao estudo. Aliás, goza-se, despreza-se, desconsidera-se o trabalho de estudo que sempre deve ser concretizado a montante de qualquer atitude.(...)"

Só depois deste enquadramento – repito, ACERCA DE UM ASSUNTO ALHEIO ÀS MOTIVAÇÕES QUE LEVARAM AS PESSOAS PARA A RUA NO SÁBADO PASSADO - é que escrevi as outras palavras que a Margarida Mota citou, i.e., “(…) Às tantas, na ausência desse trabalho, indevidamente preparados, mal esclarecidos, os cidadãos ou escrevem os maiores disparates nas redes sociais ou acabam por ir para a rua, fazendo figura de corpo presente em manifestações que, isso sim, deveriam engrossar com o esclarecimento cabal e a lucidez de quem a elas adere. (…)”

Não tenho a mínima razão para alterar uma vírgula que seja às palavras que escrevi, não só as que precedem a sua citação mas também as citadas por si. Penso exactamente assim. Naturalmente, haverá quem considere esta minha opinião como desalinhada, politicamente incorrecta ou algo congénere com que não estou nada, absolutamente nada preocupado. Não mudei absolutamente nada, sempre pensei assim, sabe quem me conhece que assim é.

Na realidade, lamento muito haver quem, não tendo feito o seu percurso individual de esclarecimento, escreva os horrores de primarismo com que deparamos nas redes sociais e que acabe por ir para a rua como «Maria vai com as outras». Na medida em que a intervenção cívica de tais pessoas – destas e não doutras – se limita a uma pobreza tão evidente, é que, em Portugal, a intervenção cívica é tão frágil e inconsequente. Como sabe, num país com os índices de escolaridade que o nosso evidencia, a montante destas atitudes, há escandalosas taxas de iliteracia e de analfabetismo, perfeitamente incomparáveis noutro qualquer país da UE.

Não poderia terminar melhor do que recorrendo ao comentário que Fernando Morais Gomes subscreveu, a propósito das minhas palavras, afinal, exactamente as mesmas que a Margarida considerou tão desconformes. Cito: “ Obrigado pelo seu comentário. Este e outros posts que tenho editado sobre a "reforma" administrativa têm uma intenção didáctica, e a de chamar à discussão de quem os leia, um tema que a todos devia interessar, para que se não tomem partidos só por maniqueísmo partidário e se analise o bom, o mau, o assim assim e a rasteira.”

Que ironia! De facto, nem de propósito. Em relação ao infeliz desentendimento que a minha mensagem suscitou à Margarida, o que o meu amigo Fernando Morais Gomes escreveu acabaria por assumir uma vertente profética que, de imediato se concretizou…
 


Sintra,
nos nossos cuidados


Chamo a vossa atenção para o comentário do meu amigo Fernando Castelo, publicado no facebook, na sequência do meu post “Heliodoro Salgado, ainda por resover, parte II” - artigo também aqui no sintradoavesso - já que a sua leitura é indispensável ao entendimento desta minha réplica. Eis a sua transcrição:

Fernando Castelo Meu caro, como tenho outras preocupações maiores do que a circulação de automóveis na Heliodoro Salgado, entre elas a ameaça de extinção de freguesias com inegáveis prejuízos para os seus habitantes e os mais de 22.560 desempregados para os quais a Câmara Municipal não responde com planos de desenvolvimento, vou colocar um ponto final nesta discussão, por ser estéril.
Essencialmente porque, sendo um inculto cidadão, não estou preparado para “contestar soluções propostas por qualquer pluridisciplinar e presumida equipa técnica”. Eles são técnicos, eu não. Tão pouco imagino que eles se expressassem assim a seu respeito.
Por outro lado, estranho a sua tendência para exagerar a importância da Heliodoro Salgado, inclusive posicioná-la como se tivesse influência relevante na circulação e acesso à Vila Velha.A Estefânia é um bairro lateral, como sabe, embora com passagens de acesso.
A Visconde de Monserrate tem algo a ver com a Estefânia? Nada. O mesmo se diz quanto à área do Lawrence’s.
Como sabe, também quem desce de Chão de Meninos a caminho do Centro Histórico passa ao lado. Quem vem dos lados de Colares e passa na Correnteza, passa ao lado e desvia-se para a esquerda ou direita como sempre. Quem vem de Mem Martins, sim, poderia seguir sempre em frente na Av. Das Forças Armadas em vez de andar às voltas. Mas também não passa pelo interior da Estefânia.
Se na Câmara Pestana, se invertesse o sentido do trânsito- descendo - seria uma excelente medida já que no final cortaria à direita e rapidamente chegaria ao IC16. Diminuiria o tráfego na Correnteza.
Pelo que escreve, o tema esteja a suscitar o interesse local (no caso de automobilistas, estou certo) e ainda bem. Talvez algum dos mentores saiba do fontanário neo-manuelino da Estefânia, de que há 5 anos se espera a recolocação. Um abraço,
 
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Sintra,
nos nossos cuidados

 
Meu Caro Fernando Castelo,

para sistematizar a resposta, permita que o faça por temas, respeitando a ordem da apresentação do seu comentário. Assim:

1.Se há coisa com a qual não estou minimamente preocupado, a circulação de automóveis na Heliodoro Salgado é de certeza porque, pura e simplesmente não existe. Seria uma discussão estéril, perda de tempo inequívoca. Posso estar e, de facto, estou preocupado, isso sim, com uma estratégia de remediação para o infernal e labiríntico circuito que foi imposto como alternativa ao encerramento da Heliodoro Salgado, coisa radicalmente diferente. Tal estratégia, muito naturalmente, pressupõe o debate que for conveniente concretizar;

2.Para que dúvida alguma subsista, vejo-me na obrigação de citar os dois parágrafos finais do texto que o meu amigo teve a gentileza de comentar:

“(…) A exemplo do que aconteceu na Primavera de 2004, parece impor-se a necessidade de a designada sociedade civil promover umas novas Jornadas de reflexão sobre problemas da Estefânea em que, para além do cidadão comum, se possa ouvir a opinião de urbanistas, arquitectos, sociólogos e outros peritos. Saibamos adquirir as mais correctas noções de equacionamento das alternativas, sempre na perspectiva de que a Heliodoro salgado faz parte de um puzzle compósito e complexo, nunca como caso isolado.
Certamente que, também por essa via, tanto os cidadãos como os próprios decisores políticos locais, ficarão mais bem preparados para contestar soluções propostas por qualquer pluridisciplinar e presumida equipa técnica que, ao conceber uma estratégia de remediação para a situação da Heliodoro Salgado e do labirinto subsequente, volte a invocar, como patrona, a Nossa Senhora da Asneira de Sintra...”

E, depois da citação, apenas confirmar que tudo se passa no futuro, aliás, como é fácil constatar. Repare, e, sublinho “(…) qualquer pluridisciplinar e presumida equipa técnica que, ao conceber uma estratégia de remediação para a situação da Heliodoro Salgado (…)”. Portanto, como ainda não há qualquer estratégia de remediação, eu só podia estar a pensar no futuro, ou seja, se e quando qualquer equipa conceber um qualquer plano afim. Nessa altura, depois de todo o esclarecimento que se impuser, todos estaremos mais aptos a contestar ou a sancionar positivamente a sua qualidade e pertinência. Portanto, que não subsista qualquer ideia de que me estaria a referir aos técnicos e aos decisores autárquicos que nos deixaram como herança este lindo estado de coisas. É que, relativamente a esses, já me pronunciei oportunamente;

3.Autorizará o meu amigo que, neste derradeiro ponto, me pronuncie quanto a todas as considerações subsequentes ao segundo parágrafo do seu texto, já que observam a mesma e única unidade temática. E faço-o, muito sucintamente, apenas confirmando que o meu artigo observa uma perspectiva integrada de análise. Pois bem, nesse contexto, se o encerramento da Heliodoro Salgado provocou efeitos no tráfego de pessoas e mercadorias, quer a montante quer a jusante, então a aludida estratégia de remediação não pode deixar de contemplar toda essa rede de consequências. Mais, é nesse contexto de integração que as soluções terão de contemplar as outras medidas pelas quais me bato há tanto tempo, i.e., instalação dos parques periféricos e rede de transportes «integrada», encerramento ao tráfego de outros segmentos como será o caso da Volta do Duche, regime de cargas e descargas escrupulosamente observado, tolerância zero à prevaricação.

É por tudo isto que temos lutado. Como há tanto que fazer, é por tudo isto que se impõe continuemos a lutar, significando isto uma intervenção cívica a favor do bem de Sintra e nunca contra seja quem for.

Um abraço cúmplice
 
 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Heliodoro Salgado,
ainda por resolver
[Parte II]

 


[Eis a Parte II do artigo publicado na edição de 23.11.12 do 'Jornal de Sintra'. De tal modo o assunto suscita o interesse local que já se pensa em organizar uma jornada de reflexão a exemplo do que aconteceu em 22 de Março de 2004. Não se pode perder mais tempo.]


"Ainda pior que o quadro precedente é o da Rua Capitão Mário Alberto Soares Pimentel que, para todos os efeitos, também faz parte da denominada zona pedonal da Estefânea. Trata-se de uma via tão inqualificável e já esquecida como afecta a peões, que nem vale a pena prosseguir com qualquer descrição a qual sempre ficaria aquém da dura realidade.

Entretanto, importa ter em consideração que, no âmbito da designada requalificação/reabilitação urbana da Estefânea (Projecto de 1999/2000) a outra parte intervencionada da Avenida Heliodoro Salgado não teve melhor sorte. Embora o paralelepípedo seja solução bem mais interessante que a dos mosaicos cinzentões, mais uma vez se verifica que, em termos técnicos, foi tão mal concretizada que, mesmo após uma tentativa de remediação, prevalece o perfil ondulante do pavimento, com as viaturas a baterem com o chassis na pedra…

Outro é o problema resultante da existência de um separador, entre as faixas ascendente e descendente, cujas dimensões suscitam dificuldades de circulação aos veículos pesados de transporte público. E a rotunda, com um jogo de água tão mal amado, que qualquer tentativa de o fazer funcionar resulta em inesgotável corrente de espuma gerada por detergente estrategicamente adicionado?
Não parece, mas foi possível que, no contexto da tal requalificação/reabilitação, não se tivesse aproveitado a oportunidade para: 1. equacionar a hipótese de operacionalizar a articulação do Centro Cultural Olga Cadaval e Casino com o parque de estacionamento adjacente ao edifício do Departamento de Urbanismo da CMS na Portela, a dois minutos de percurso a pé, solução esta que, com a anulação da ponte metálica, tudo comprometeu; 2.dotar o CC Olga Cadaval com o adequado dispositivo de cais de cargas e descargas em falta desde a alteração do edifício; 3. viabilizar um circuito expedito que permitisse o acesso dos veículos pesados transportando boas produções de ópera, bailado, circo, etc, que poderiam promover a viabilização económica do empreendimento.

Enfim, um encadeado de infelizes circunstâncias indissociáveis da análise do caso Heliodoro Salgado. É neste quadro, aliás, que cumpre perceber o que é feito dos veículos que transitavam pela artéria e que passaram a fazer os circuitos alternativos.
 

A montante e a jusante, onde anda ou pára o trânsito?

Para minha maior surpresa, ainda há quem consiga afirmar que, após o encerramento ao trânsito de viaturas, nunca mais houve as filas intermináveis desde Chão de Meninos até à Estefânea e a caminho da Vila, para aceder ao centro histórico. Mas, pergunto eu, será possível que a tais pessoas escape a evidência daquilo que, actualmente, de acordo com a sazonalidade dos afluxos, está a acontecer?

Abramos o compasso da análise e consideremos o que sucede a quem, vindo de Chão de Meninos, do IC 16 – via Lourel ou Tribunal – ou de Colares, pretenda aceder à Vila, durante os grandes feriados ibéricos, na Semana Santa, no Verão, nos fins de semana em geral e nos dias úteis, em hora de ponta. Comecemos por acompanhar os condutores que descem a estrada até ao Largo Afonso de Albuquerque e deixemo-los aí aguardando pelo nosso regresso, porque, tal como nós, neste exercício de análise que leva algum tempo, também eles vão ser obrigado a esperar.


Entretanto, vamos até à Portela onde, junto ao jardim, começou a acumular-se o trânsito, com o acréscimo do proveniente de Mem-Martins, exactamente porque, mais adiante, a rotunda fronteira ao apeadeiro da Portela, já está entupida de viaturas provenientes do IC16. Então, o que se passa? Neste local, a fila que, não raro, se inicia a meio da Av. General Firmino Miguel, vai subir a Av. Desidério Cambournac, descer até à rotunda da fonte cibernética, voltar a engrossar com o fluxo proveniente das estradas do Lourel e de Colares, chegando a deter-se na Rua Câmara Pestana, junto ao Centro Cultural Olga Cadaval.
A partir deste local, continua-se num pára e arranca, em fila que acrescenta os veículos provenientes da Rua António Medina Júnior, se prolonga pela Correnteza, mais engrossa no cruzamento com os provenientes de Chão de Meninos. Lembram-se de, há um par de parágrafos atrás, termos deixado uns desgraçados à espera? Pois é aqui que voltamos a encontrá-los, engrossando a fila que prossegue pela Alfredo da Costa, etc, etc.
Stresse institucionalizado

Até este ponto da Estefânea, já considerámos o que é habitual e comum, tanto nos dias de lazer como nos de trabalho. Daqui em diante, pensemos apenas nos forasteiros, turistas e nos condutores da volta dos tristes. Coitados!... Trânsito totalmente entupido no acesso à Vila, parado, paradíssimo, não conseguindo avançar na confluência da Visconde de Monserrate – onde quem provém de São Pedro e Santa Maria já desesperou - e, um pouco adiante do Lawrence's, incapaz de prosseguir à esquerda, quer para aceder à Pena, quer para continuar para São Pedro e Chão de Meninos, com os condutores e acompanhantes, nacionais e estrangeiros, suportando aquilo que não podem nem devem numa latitude civilizada.

Diariamente? Quanto desconforto, quanta irritação, dinheiro e tempo perdido, quanta poluição acrescentada, quanta dificuldade para quem, proveniente de Cascais ou de Lisboa, pretenda chegar, por exemplo, ao Centro Cultural Olga Cadaval, à igreja de São Miguel, aceder a Monte Santos, ou à Escola D. Carlos I e Bombeiros, obrigado a atravessar este labirinto insano?! É tão enovelado o circuito que, aliás, se torna impossível verbalizá-lo em tempo útil, quando alguém precisa…

Em conclusão, as filas continuam, e de que maneira! E, já agora, ainda no contexto da aludida análise sistémica afim do diagnóstico da situação, não é difícil adiantar que uma das soluções a concretizar, em articulação com a requalificação das pequenas bolsas de parqueamento e da unidade pesada, prevista para o estacionamento de centenas e centenas de veículos, adjacente ao edifício do Departamento do Urbanismo, passará pela cada vez mais inadiável instalação dos parques periféricos.

Soluções

De acordo com aquilo que, durante tantos anos, tenho tido oportunidade de ventilar, urge implantá-los estrategicamente, junto às três entradas da sede do concelho, em Chão de Meninos, na Ribeira e no Lourel, dispositivos estes em íntima relação com os transportes públicos – que, no caso dos dois primeiros referidos, incluiriam funiculares com linhas complementares para acesso à Pena e regresso - dali saindo a caminho dos diversos destinos, transportes de tarifa integrada na verba a cobrar no momento do estacionamento. Sei que se trata de soluções já equacionadas cuja concretização, muito naturalmente, depende da disponibilidade financeira.

Lamento profundamente que, ao tempo em que tal disponibilidade se oferecia, os decisores políticos não tivessem estado à altura. Despenderam noutros domínios, porventura não tão estruturantes, as verbas que deveriam ter afectado a um projecto de contornos análogos, tão indutor de uma evidente melhoria da qualidade de vida dos residentes, facilitador dos acessos de visitantes e suscitando as consequentes mais-valias noutros contextos da actividade económica e cultural local. Agora, em tempo de vacas magras, bem pode opinar quem não soube dar resposta aos desafios do tempo.

Há alternativas? Claro que há. E sempre a favor dos peões. Basta conceber um projecto com todos os implícitos pressupostos, no qual, desejavelmente, todos possamos participar e intervir, nos termos do qual nos revejamos, como munícipes sintrenses e fregueses de Santa Maria e São Miguel, de São Pedro e de São Martinho.

A exemplo do que aconteceu na Primavera de 2004, parece impor-se a necessidade de a designada sociedade civil promover umas novas Jornadas de reflexão sobre problemas da Estefânea em que, para além do cidadão comum, se possa ouvir a opinião de urbanistas, arquitectos, sociólogos e outros peritos. Saibamos adquirir as mais correctas noções de equacionamento das alternativas, sempre na perspectiva de que a Heliodoro salgado faz parte de um puzzle compósito e complexo, nunca como caso isolado.
Certamente que, também por essa via, tanto os cidadãos como os próprios decisores políticos locais, ficarão mais bem preparados para contestar soluções propostas por qualquer pluridisciplinar e presumida equipa técnica que, ao conceber uma estratégia de remediação para a situação da Heliodoro Salgado e do labirinto subsequente, volte a invocar, como patrona, a Nossa Senhora da Asneira de Sintra...

 



Heliodoro Salgado,
ainda por resolver
[Parte I]



[Mais uma vez, um assunto que, só na aparência, pode ser entendido como restrito ao local. A exemplo do que tenho tentado evidenciar, a análise sistémica da questão faz-nos concluir que, muito naturalmente, o caso tem incidências a montante e a juzante. Eis a transcrição parcial do texto publicado na edição de 16.11.12 do 'Jornal de Sintra'.]



"(...) Naturalmente, recuso a ideia de, tão só, me deter no caso Heliodoro Salgado – cuja transformação em espaço pedonal não está em causa – na medida em que isso constituiria um afunilamento incompreensível em relação à metodologia de abordagem que tenho observado, que sempre privilegia uma análise sistémica.
(...) se bem se lembram, uma das questões focadas que, neste momento, mais me convém evidenciar, reportava-se à dificuldade com que se processam alguns fluxos de trânsito no coração da sede do concelho. Difícil seria deixar de replicar sem recorrer à estafada, mas eficaz, analogia entre a circulação sanguínea e os fluxos de pessoas e mercadorias nos circuitos urbanos.

De facto, como as avenidas, ruas e travessas obedecem à coerência e lógica do quadro fisiológico, claro está que a introdução na circulação de qualquer obstáculo – como foi o corte de uma artéria com a importância da Heliodoro Salgado – promoveu a mais significativa perturbação, induzindo uma lógica outra, com inevitáveis consequências ao nível da fluidez do trânsito das pessoas e mercadorias, quer a montante, quer a jusante.


Uma coisa é certa, ou seja, uma vez que tudo se modificou, preciso era encontrar uma solução que, sensivelmente, melhorasse as condições de operacionalidade do tráfego local. Ora bem, foi isso que, de modo algum aconteceu. Ao fechar a via, avançou-se para um labirinto de irracionalidades com efeitos nocivos a vários níveis.

Por isso, ao fazer um diagnóstico de situação, na perspectiva da análise sistémica, logo salta à vista que, ao tempo do encerramento da rua, as interdependências e as interacções seriam muito mais fortes e evidentes do que, em princípio, se terá concluído. Julgo que, com alguma precipitação, se fechou a Heliodoro Salgado, não cuidando das consequências de uma intervenção de tal escala, numa zona tão crítica da urbe. O resultado está à vista.
Pedonal mas sem peões...

A zona pedonal da Heliodoro Salgado está muito afectada, talvez ferida de morte desde o início. Além de esteticamente polémico, o projecto terá sido concretizado com manifestas e lamentáveis deficiências técnicas, num cúmulo de circunstâncias tão negativas que, consequente e infelizmente, jamais se poderá comparar com os espaços análogos que conhecemos noutros contextos nacionais e lá por fora.

A propósito de comparações e, a título de mero exemplo, apenas um parêntesis para breve nota a lembrar que, dentre as zonas pedonais mais famosas e sofisticadas do mundo, a Getreidegasse de Salzburg, é uma simples rua, com passeios laterais e tudo, como qualquer outra, onde automóveis e camions podem aceder e circular nas horas autorizadas para cargas e descargas, em que nada, absolutamente nada, foi alterado em relação ao espaço inicial, sem qualquer mobiliário urbano. Haverá solução mais corriqueira e tão barata?

Findo o parêntesis, volto à Heliodoro Salgado. Aqui, a imagem que me ocorre é a do sarcófago– imagem a que o meu querido e saudoso amigo Bartolomeu Cid dos Santos ripostava com a sua de necrópole… – que, desgraçadamente, já ceifou alguns dos comerciantes locais ali instalados ao tempo da alteração, depois de terem sido condenados à mais lenta das mortes. E, paradoxo dos paradoxos, cumulativamente, lida-se com a bruta evidência da gritante falta de gente a circular na artéria. [Hoje, terça feira, pelas dez e meia da manhã, contei onze pessoas atravessando-a sem se deterem.].


Então, na via liberta de automóveis, os peões conversando, convivendo, não era, precisamente esse, o grande objectivo do projecto?... E, como não, se nada convida à permanência? E, como não, se o pavimento chega a ser perigoso, com um historial bem recheado de episódios de valentes trambolhões? E, como não, se, em dias de chuva, devido à indesejável mas perversamente conseguida impermeabilização do referido pavimento, se formam linhas de grossa água que encharcam os pés de quem, contrariando a enxurrada, se aventure a subir a rua? E, como não, se o espaço conquistado para os peões é nitidamente inóspito, desagradável, cinzentão, nada tendo a ver com quaisquer conotações com os paradigmas de Sintra?

(Continua)





O pantógrafo e as rendinhas


Como sabem, das habilidades de Joana Vasconcelos tenho dito aquilo que não diz Maomé do toucinho. Considero profundamente lamentável o crédito alcançado por alguém cujas propostas pseudo-artísticas se limitam, praticamente, a uma sábia utilização do pantógrafo e ao oportunístico aproveitamento dos artefactos de genuínos artistas maiúsculos, cobrindo-os de rendilhados ou crochet.

Comprometimentos mais que nebulosos têm impedido que, com a autoridade devida, alguém já tivesse evidenciado que o rei anda nu pelas joaninas investidas no mundo da Arte, que, na realidade, não é o seu. A menos que o mais genuíno kitsch já tenha adquirido o estatuto que, por alguma circunstância, me escapou.

Porém, de vez em quando, lá surge o archote da lucidez empunhado por quem sempre pautou as suas avaliações por padrões de razoabilidade inequívoca. Vem isto a propósito do que, acerca de JV, escreve Clara Ferreira Alves na sua crónica do 'Expresso' do passado sábado, dia 17 do corrente, subordinada ao título "Um país das Caldas".

Referindo-se ao tal video, a montante do qual Marcelo Rebelo de Sousa se posicionou como mentor e promotor, escreve ela: "(...) Para a eterna jubilação do "imaginário popular" e dos zés povinhos, corações de filigrana e barretes saloios, já temos a artista oficial Joana Vasconcelos que compõe o tema popular. E por encomenda nacional. (...)".

Ora bem, como no caso da JV, o rei continua nuzinho da Silva, não querem fazer o favor de aqui alinhar uns comentários afins, acrescentados à bem humorada referência de Clara Ferreira Alves?

Antecipadamente grato, JC.
 
 
 
Benjamin Britten,
aniversário com a Marquesa de Cadaval


No próximo ano, precisamente nesta data, iremos comemorar o centenário de Benjamin Britten (22 Novembro de 1913 – 4 de Dezembro de 1976). Por essa altura, muito gostaria eu que se pu
desse promover, quanto mais não fosse, uma versão concertante de “Curlew River – A Parable for Church Performance”, op. 71, que o compositor dedicou à sua particular amiga, Dona Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo, a nossa bem conhecida mecenas da música Senhora Marquesa de Cadaval.

Gostaria apenas de referir que Britten se inspirou numa peça Nô – forma clássica de teatro profissional japonês, que combina canto, pantomima, música e poesia – intitulada “Sumidagawa” (Rio Sumida), de Juro Motomasa (1395-1431). William Plomer, que seria o libretista, transferiu o cenário original para uma parábola cristã, no enquadramento fictício de Curlew River, nas Fenlands, região pantanosa do leste da Inglaterra.

Como tantas vezes acontece no universo de Britten, por exemplo, nas óperas “Peter Grimes”, “Billy Budd” ou “The Turn of ths Screw”, o enredo está centrado num ‘outsider’ que, neste caso, é Madwoman. Esta peça, que seria estreada em 13 de Junho de 1964, na igreja de St. Barholomew, em Orford, Suffolk, é de primordial importância para se entender como está a montante de uma série de obras que o compositor escreverá subsequentemente, tais como “Owen Wingrave”, “Death in Venice” ou o Terceiro Quarteto de Cordas.

Oxalá alguém aceite e possa concretizar a minha sugestão. Argumentos não faltam já que a senhora Marquesa de Cadaval está indissociavelmente ligada a Benjamin Britten, a peça reveste-se do maior interesse pelo que, no centenário do compositor, esta comemoração seria como ouro sobre azul.

Hoje, ainda a um ano de distância, proponho o visionamento de um excerto da produção da ópera de Birmingham, no âmbito dos BBC Proms de 2004 em que Mark Wilde protagoniza ‘Madwoman’. Terão oportunidade de verificar que se trata de um trablho extremamente cuidado e deveras sofisticado.

Bom visionamento. Boa audição!
 
 

Mozart,
Sinfonias Nos. 27, 28, 29, 30, 31 e 32

 
Tinha decidido não voltar a publicar neste blogue matéria musical que não se relacionasse com algum evento integrado ou relacionado com a vida de Sintra, especialmente no domínio cultural. Naturalmente, no contexto desta premissa, suspendi a muito sucinta abordagem da obra sinfónica de Mozart, que aqui vinha reproduzindo a partir de textos publicados no meu mural do facebook. 

Acontece, porém, que não tendo eu anunciado aquele meu propósito, alguns leitores me contactaram solicitando a continuação da série, já que a vinham registando no seu arquivo e, na maior parte dos casos, até nem tinham acesso ao fb. Pois bem, correspondendo ao seu pedido, retomarei a referida publicação, a partir da Sinfonia No. 27 já que a precedente foi a última aqui proposta.

Nesta altura, faltam 9 sinfonias. Nas próximas semanas, até ao Fim do Ano, espero completar este trabalho que, como sempre tive o cuidado de referir, não passa de uma atitude de mera divulgação já que, em termos do que me foi solicitado inicialmente, não conviria entrar em detalhas de maior profundidade musicológica.

 
Eis, portanto, a última das peças anunciadas. As restantes são as que precedem este post.

 

Mozart,
Sinfonia No. 32


Estamos em presença da Sinfonia em Sol Maior, KV. 318 que o compositor escreveu em 1779, depois do regresso de Paris, obra de grande contenção, obedecendo a uma estrutura de três breves andamentos – 1.Allegro spiritoso, 2.Andante, 3.Primo Tempo – sem qualquer interrupção, resultando em menos de nove minutos de música, com uma grande secção de sopros, em tudo semelhante ao figurino das primeiras sinfonias de Beethoven.
Cumpre esclarecer, quanto à forma, que não se trata de uma ‘abertura italiana’ ou abertura ‘da capo’. O primeiro andamento desdobra-se como na forma sonata, sem repetição da exposição. Ainda de salientar que, no andamento lento, na forma rondo, quando o ouvinte espera o regresso do refrão, a música evolui para o andamento final que, para todos os efeitos, prossegue o desenvolvimento do primeiro tema do primeiro andamento, antes de uma recapitulação nos termos da qual os dois temas do primeiro andamento se apresentam na ordem inversa.

Houve um tempo em que se pensou servir esta sinfonia de Abertura das óperas de Mozart “Thamos, Rei do Egipto” ou “Zaide” mas, na realidade as datas dessas obras não coincidem com a do manuscrito. Foi utilizada, pelo próprio Mozart, isso sim, em 28 de Novembro de 1785, como uma Abertura para a representação  no Burgtheater de Viena da ópera de de Francesco Bianchi  (1752-1810) “La villanella rapita”,  juntamente com duas peças vocais, o terzetto ‘Mandina amabile’, KV. 480 e o quarteto ‘Dite almeno in che mancai’, KV. 479. E, ainda a propósito, uma curiosidade muito especial já que esta ópera seria representada em Lisboa, em 1796, sob o título “Le gelosie di Pippo”.

Como proposta de acesso à Sinfonia No. 32, em Sol Maior, KV. 318 de Mozart, continuo a preferir manter-vos com Jaap Ter Linden, dirigindo a Mozart Akademie Amsterdam.

Boa audição!

http://youtu.be/0-UwP5qyDiI


 

Mozart,
Sinfonia No. 31

 

Entre 1774 não compôs qualquer sinfonia. No entanto, naquele último ano, já instalado em Paris, para onde tinha seguido e 1778, Mozart com sua mãe – que, como é sabido, ali faleceria – recebeu uma encomenda de Joseph Le Gros, director dos famosos ‘Concerts Spirituels’, para a escrita de uma sinfonia comemorativa das festas de Corpo de Deus e, de acordo com o figurino parisiense, uma peça para grande orquestra.

A KV. 297, em Ré Maior, é a primeira sinfonia em que Mozart decide incluir clarinetes e, além destes, flautas, fagotes, oboés, trompas, trompetes e um grande conjunto dos vários naipes de cordas. Paris tinha o maior orgulho na sua orquestra e, na realidade, o compositor não se apresentava impreparado já que tinha trabalhado com a grande orquestra de Mannheim,  pronto a ser desafiado de acordo com o figurino da capital francesa, ao estilo das obras de Stamitz e Gossec.

Através das cartas entre Wolfgang e o pai Leopold, sabemos da preocupação deste relativamente à capacidade de o filho estar à altura. Mozart demonstraria como conseguia aliar a ‘grandeur’ francesa a um estilo Mozartiano já afirmado. A designada Sinfonia “Paris” é uma peça em três andamentos e, provavelmente a mais grandiosa, com tudo o que está implícito neste conceito, embora, aqui e ali, possamos  deparar com algum segmento« supérfluo». A propósito, não deixa de ser  deveras significativo que o compositor estivesse insatisfeito com o andamento lento original, circunstância que o levaria a compor uma segunda versão, bem como a alterar a orquestração nos outros andamentos.

Seja qual for a opinião que, actualmente, possamos formular, a verdade é que, ao tempo, Le Gros ficou tão satisfeito que proclamou aos quatro ventos tratar-se da melhor das sinfonias que, até à data, tinham sido compostas para sua orquestra.

Desta vez, a minha proposta de partilha convosco desta obra vai para uma interpretação da Orquestra Filarmónica de Viena, dirigida por mestre  Nikolaus Harnoncourt, fidelíssimo na leitura desta e doutras obras de Amadé.

Boa audição!
http://youtu.be/iYmdIrtWt0U

http://youtu.be/0p47F-3MyfI



Mozart,
Sinfonia No. 30

 
Na nossa abordagem à obra sinfónica de Mozart, chegamos à trigésima peça do estupendo conjunto, uma das mais significativas componentes do legado mozartiano.

Trata-se de uma obra na tonalidade de Ré Maior, KV. 202/186b, que o compositor terminou em 5 de Maio de 1774, tendo-a orquestrado para dois oboés, fagote, duas trompas, dois trompetes, timbales e as habituais cordas, obedecendo à estrutura de quatro andamentos, a saber, 1. Molto allegro, 3/4, 2.Andantino con moto (em Lá Maior), 2/4, 3.Menuetto/ Trio (trio em Sol Maior),3/4 e 4.Presto.

Estamos perante a última sinfonia que Mozart escreveu antes da sua infausta deslocação a Paris. Nítida é a influência directa de Joseph Haydn, cumprindo confirmar que, apesar de algumas passagens interessantes, o primeiro andamento baseia-se em ideias que já conhecemos de peças anteriores, o Andantino apenas contempla as cordas e, na realidade, o Menuetto não apresenta qualquer argumento de originalidade evidente, o mesmo acontecendo, aliás, com o andamento final.

De realçar que a KV. 202 tem a particularidade de encerrar a parte derradeira da série das Sinfonias de Salzburg que, ao terminar em 1774, nos remete para Amadé, nos seus dezoito anos, dominando todos os ingredientes de uma oficina em que já germinavam os magníficos produtos que conheceríamos logo de seguida.

Jaap Ter Linden dirige a Mozart Akademie Amsterdam.

 
http://youtu.be/IxzPuKVKC4k


 

Mozart,
Sinfonia No. 29

 

Esta Sinfonia KV. 201 em Lá Maior apresenta-nos um Mozart na expressão mais económica em termos de orquestração uma vez que apenas temos as habituais cordas, oboés e trompas. É uma peça em que Mozart mostra ter aprendido as lições da música de câmara, intensificando o argumento e abrindo o seu primeiro andamento, na forma sonata, com uma passagem só para cordas que, seguidamente, é repetida por toda a orquestra.

Não há dúvida de que há aqui evidência de um novo espírito, com os instrumentos sendo trabalhados de acordo com todas as suas potencialidades. O ‘Andante’ central aparenta-se muito com um quarteto de cordas ao qual se juntou dois pares de instrumentos de sopro. O ‘Menuetto’ seguinte faz gala da graciosidade da dança contra uma violência que não voltaria a aparecer senão no Beethoven inicial e o ‘Allegro com spirito’ derradeiro contém uma das mais originais secções de desenvolvimento que Mozart tinha ousado escrever por esta altura.

 De facto, com esta sinfonia, é lícito poder afirmar que o compositor acabara de percorrer o longo caminho desde a designada Abertura italiana para, declaradamente, entrar na autêntica sinfonia clássica.

E, assim, nos mantemos, nós também, no já longo caminho de acesso a toda a obra sinfónica de
Amadé, socorrendo-nos, mais uma vez, das competentes gravações da Mozart Akademie Amsterdam sob a direcção de Jaap Ter Linden.

Boa audição!
 

 
 
Mozart,
Sinfonia No. 28


E cá continuamos o nosso percurso pela obra sinfónica de Amadé. Para hoje, temos a Sinfonia em Dó Maior, KV 200, que pertence àquele grupo de três sinfonias em que Mozart evidencia o seu domínio da forma durante o período, ou seja, juntamente com as KV 183 – a No. 25, já aqui analisada – e a KV. 201, em Lá Maior, No. 29, que nos ocupará proximamente.

Foi composta em 1774, provavelmente a 17 ou 12 de Novembro mas, como a datação é muito problemática, o ano também poderá ter sido o anterior, sinfonia que será a sua última composição da designada “série de Salzburg”.

Quanto à estrutura foi escrita para quatro andamentos, 1.Allegro spiritoso, 2.Andante em Fá Maior, 3.Menuetto/Trio e 4.Presto. Cumpre fazer especial referência ao andamento inicial, particularmente notável pelo recorte rigoroso da introdução. Na simplicidade da sua tonalidade em Dó Maior, hão-de reparar como as melodias e temas se desenvolvem-se contra os ‘arpeggios’.

Nos momentos finais, o compositor dá particular ênfase aos metais, como que sugerindo o que acontecerá na sua última sinfonia, a No. 41, KV 551.

Volto às gravações da Mozart Akademie Amsterdam e, portanto, a uma muito competente interpretação da orquestra sob a direcção de Jaap Ter Linden que, como já se terão dado conta, gravou a integral da obra sinfónica de Mozart.

 
Boa audição!

http://youtu.be/fo4YzaixT3E

 
Mozart
Sinfonia No. 27
 

Continuamos a série referente à obra sinfónica de Mozart. A Sinfonia em Sol Maior KV. 199/161b pertence ao conjunto das que aqui tenho recentemente abordado. É indiscutível que o compositor está a entrar numa nova e poderosa fase de escrita musical.

Esta obra, que data de 10 ou 16 de Abril de 1773, é mais um exemplar das peças de Mozart ao estilo italiano, de Abertura, uma prova do envolvimento do autor na encomenda de óperas, que surpreende por poder emparceirar com as sinfonias do período de maior maturidade. Tem os mesmos três andamentos das suas congéneres, 1.Allegro, 2.Andantino grazioso e 3.Presto.

Como quase sempre tem acontecido nesta série, a Mozart Akademie Amsterdam é dirigida por Jaap Ter Linden.

 
Boa audição!

 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012



João de Mello Alvim

É daqui a pouco, pelas seis e meia da tarde, na sua Casa do Teatro, à Rua Veiga da Cunha, que a Câmara Municipal de Sintra vai distinguir formalmente João de Mello Alvim com a Medalha do Concelho, Grau Ouro, Cultura. Mais certeira não podia ter sido esta atribuição.

O João é meu amigo. Por estarem gastas as palavras que se dizem e escrevem em circunstâncias que tais, limito-me a confirmar o que Sintra deve ao meu amigo. Muito, muito, a Escola, o Teatro, a Cultura. Lá estarei com tudo o que puder dizer o meu abraço.

sábado, 10 de novembro de 2012



 

Barto, o de boa memória*


No que respeita a atitudes que, inequivocamente, possam contribuir para fazer perdurar a memória dos artistas que amaram Sintra, aqui viveram e, de modo especial, se relacionaram com esta terra, sabemos que, não raro, se fica muito aquém do que seria de esperar.

No entanto, neste ano, temos sido beneficiados com algumas alegrias, animando os dias mais sombrios e compensando-nos dos efeitos mais nefastos desta época tão difícil. Só de figuras de âmbito nacional, tivemos, no Verão, o caso de João Bénard da Costa e, como já terão percebido, neste contexto, venho ao vosso encontro com Bartolomeu Cid dos Santos, Barto, como era conhecido lá por fora. Não, não estava esquecido e a prová-lo, o modo lapidar como a Câmara Municipal de Sintra honrou a sua memória.

Antes, porém, de me reportar a tal ocasião, gostaria de lembrar que, em 2008, eu próprio apresentei à Assembleia Municipal de Sintra uma proposta no sentido de atribuir o nome do grande artista à Casa de Cultura de Mira Sintra que, ao tempo, estava prestes a ser inaugurada e, curiosamente, na mesma oportunidade que, também a CDU, aproveitaria para o efeito. Por razões que desconheço, a iniciativa não foi avante.

Entre nós, sintrenses, Bartolomeu Cid dos Santos deixou amigos indefectíveis, avultando o caso do Vereador Pedro Ventura, que merece o reconhecimento geral e o meu maior destaque. De perto, conheço  as suas diligências no sentido de que a memória do homenageado perdure nesta terra que, discreta mas profundamente, ele tanto tinha no coração. Foi neste contexto que, no passado dia 5 de Outubro seria descerrada uma placa toponímica nas Escadinhas Fonte da Pipa, n.º 1, casa onde, nalgumas ocasiões, tive o gosto de privar com quem recordo com tanta saudade. Naturalmente, até porque não pude estar presente, a atitude da Câmara Municipal de Sintra sensibilizou-me sobremaneira.

Sintra, constantemente

Ao contrário do que se poderia concluir, não foi a melomania, em especial o gosto pelos dramas líricos wagnerianos, que tanto nos unia, o  que mais nos fez aproximar. Deu ele o primeiro passo, precisamente por intermédio do Jornal de Sintra, através de um artigo que subscreveu, em simultâneo com  uma carta que me dirigiu, a propósito do estado lamentável do centro histórico, algo que, na sua condição de residente na zona, ele muito lamentava.


Nestoutra minha singela evocação, a quarta desde que faleceu, gostaria de lembrar que Barto era homem de esquerda, senhor de fortes convicções políticas. Uma das causas que mais o mobilizava era a da defesa do património, questão bem real e concreta que, sendo perspectivada numa actuação integrada e abrangente, como ele também acreditava, pode contribuir para a mudança e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. E bem demonstrativa do seu empenho neste domínio, se alguma prova necessária fosse, bastaria recordar o apoio pessoal à iniciativa da discussão dos problemas do bairro da Estefânea em que o tive, exactamente ao meu lado, na mesa que conduziu o aceso debate daquele no dia 22 de Março de 2004.

Sua Eminência Artística

Era um grande senhor da Cultura Portuguesa contemporânea. Mesmo em termos internacionais, é um nome incontornável da gravura, tão grande e significativo que os ingleses lhe souberam reconhecer o enorme mérito, admitindo-o como professor da célebre Slade School of Fine Arts de Londres, já no princípio dos anos sessenta. Ali se manteria até noventa e seis, altura em que se aposentou. Altamente honrosa foi a sua nomeação como professor emérito de Arte da Universidade de Londres e membro da Real Sociedade Britânica de Pintores e Gráficos. Não tenham dúvida de que, ao mais alto nível, só Paula Rego, estará à sua altura.

Detentor de um currículo espantoso, foi professor convidado e consultor de várias universidades europeias, fez inúmeras exposições por esse mundo. Sempre atenta, em diferentes oportunidades, a fundação Gulbenkian abriu as salas à sua obra. Em 2010, o Palácio Anjos, em Algés, onde está sediado o Centro de Arte Manuel de Brito, promoveu a exposição de um belíssimo conjunto de peças de Barto pertencentes à colecção do saudoso galerista. Fui lá várias vezes, em romagem de saudade. Confessara-me ele que, precisamente naquela grande casa, tinha passado a infância e ali  aprendera a desenhar.

 
Não calculam como lá senti a sua presença. Que saudade eu sinto da sua companhia, da sua cumplicidade, de quando falávamos de projectos para Sintra. A propósito, julgo que a Câmara pode e deve continuar a lembrá-lo. Se assim o pretender, entre outros projectos, tem a hipótese de cumprir um sonho de Bartolomeu, ele mo confidenciou igualmente, ou seja, promover a recuperação da casa de Mily Possoz (1888-1967), sua querida e esquecida amiga. Tanto quanto sei, o Hotel Tivoli é o maior detentor de obras de Possoz. Pois bem, neste final de prosa, sem pretender ensinar o Padre Nosso ao vigário, que tal a ideia de cativar o Grupo Espírito Santo (Hotéis Tivoli-Sintra e Seteais), para o protagonismo de uma atitude mecenática em relação à casa de Mily Possoz?

* Texto publicado na edição de 9 de Novembro de 2012 do Jornal de Sintra

segunda-feira, 5 de novembro de 2012


Casino de Sintra


De acordo com o título "CASINO, CASINO E PONTO FINAL!" ao qual subordinei o meu artigo publicado na última edição de 2 do corrente do 'Jornal de Sintra', a douta Vereação da Câmara Municipal de Sintra, na sua reunião de hoje, decidiu atribuir ao edifício da Heliodoro Salgado a designação que, afinal, andava na boca dos sintrenses há quase noventa anos.


Creio que não haverá sintrense que não se sinta representado pela decisão. E até nem foi necessário esperar muito tempo para que o bom senso prevalecesse e, por unanimidade, todos os membros do executivo municipal tivessem concordado com a Proposta que, em boa hora, o Presidente Fernando Seara apresentou à consideração do executivo municipal.


Deus queira que as iniciativas que já estão programadas para o próximo ano, bem como o definitivo figurino nos termos do qual se vai enquadrar o Casino, estejam à altura deste estupendo dispositivo cultural que, nas actuais circunstâncias, ganha novo fôlego.

Finalmente, vai acontecer a sistemática articulação entre os dois edifícios do Arq. Norte Júnior, o Casino e o actual Centro Cultural Olga Cadaval. Isto mesmo o afirmo com o dever da obediência à verdade da situação já que, até hoje, só muito esporadicamente, houve alguma relação entre os dois espaços. Estamos todos de parabéns!




sexta-feira, 2 de novembro de 2012



DIIS MANIBUS,
Rituais da Morte durante a Romanidade


Datas: 2 de Novembro a 30 de Dezembro
Local: CASINO DE SINTRA

 
“Tendo como ponto de partida as atitudes do Homem perante a Morte, a exposição dá a conhecer um importante conjunto de materiais arqueológicos descobertos na região de Sintra, com especial destaque para aqueles que testemunham as várias práticas aqui utilizadas, naquele domínio, durante o largo período que se estende desde os inícios do Império até aos finais da Antiguidade Tardia.

Ao longo de um tempo tão dilatado, de cerca de sete séculos, assistimos a uma inevitável evolução – e mesmo alteração – de alguns dos aspectos inerentes à matéria abordada, reflectindo as dinâmicas e  transformações culturais verificadas no decorrer da Romanidade, mudanças essas que se detectam também nas várias necrópoles representadas nesta exposição.  De facto, as mais antigas sepulturas expostas remontam ainda ao tempo de Augusto, na transição da Era, sendo as mais tardias do século VIII d.c., altura em que a Romanidade se caracteriza já pela sua completa e assumida cristianização. (…)”

Citei palavras do desdobrável de apresentação desta estupenda exposição.  A proposta em apreço é constante de um percurso através da qual todos aprendemos algo mais, acerca de uma dimensão importantíssima do conhecimento de nós próprios, como comunidade residente há milénios numa região riquíssima de vestígios que não pára de nos surpreender.

Concebida com evidentíssimas preocupações didácticas e manifestos objectivos pedagógicos, quem vier até ao ‘Casino’ vai encontrar sucessivas pistas para o entendimento da Romanização e da Romanidade na região de Sintra, acedendo a específicos domínios, como a diversidade das estruturas funerárias, os rituais funerários ou a nova concepção da morte com o cristianismo.

Naturalmente, estão programadas visitas guiadas. De qualquer modo, posso garantir-vos que é absolutamente esclarecedora e da máxima competência a informação disponibilizada para explicitação de todas as peças com que deparam.

 Como terão compreendido, a inauguração da exposição, num dia com a carga cultural daquele que hoje celebramos, tem tudo a ver com o cerne das questões em presença. Finalmente, gostaria de sublinhar que tudo quanto irão encontrar obedece a uma procura de inteligibilidade que nunca será demais sublinhar, preocupação de toda uma equipa de gente habituada a estas lides, sob a direcção dos queridos amigos, historiadores e arqueólogos José Cardim Ribeiro e Teresa Simões.

Já repararam que vos convidei para virem até ao ‘Casino’. Fi-lo porque sei não haver, em Sintra, quem não saiba o que é o ‘Casino’ e não esteja familiarizado com a designação. E toda a gente também sabe que, neste casino, jamais houve concessão de jogos de azar. O casino que ali funcionou era um espaço altamente sofisticado, totalmente propício às manifestações culturais mais diversas, vocação essa inicial que o Presidente da Câmara pretende evidenciar com a recentíssima apresentação de uma proposta que, precisamente, pretende oficializar e formalizar a designação que, desde há quase noventa anos, anda na boca do mundo sintrense.

Uma recomendação final, especialmente dirigida aos pais e avós. Venham ao Casino ver esta iniciativa cultural tão oportuna da Câmara Municipal de Sintra e, naturalmente, façam-se acompanhar das criancinhas lá de casa. Surpreendam-se, vejam  como a miudagem adora esta temática. Garanto eu!


 


Casino, casino e ponto final

Para a reunião do executivo municipal do passado dia 24 de Outubro, constava a Proposta nº 620-P/2012, subscrita pelo Presidente, para aprovação da designação“Casino de Sintra” ao edifício onde tem estado instalado o Museu de Arte Moderna. Porém, ao consultar o resultado das deliberações, verifica-se que “(…)A Câmara adiou esta proposta. (…)”.
Afigurando-se-me tão linearmente pacífica a proposta, fiquei naturalmente espantado pelo adiamento e sem um vislumbre de indício quanto às razões que terão levado a douta vereação àquela decisão. Ainda que não viesse a despropósito invocar a minha condição de filólogo, para quem estes problemas da onomástica, toponímia e toponomástica constituem motivo de estudo sempre tão interessante, neste caso, nada há que investir neste domínio.

Quanto muito, apenas se imporá a vantagem de invocar o designado ‘uso corrente’. Na realidade, tão simples como isso. Em Sintra não há quem, oralmente, designe aquele edifício senão como o casino e, também frequentemente, no registo escrito, como o antigo casino ou o edifício do antigo casino. Ninguém diz o edifício do Museu de Arte Moderna ou, simplesmente, Museu de Arte Moderna quando, coloquialmente, tem de se referir àquele espaço imponente da Heliodoro salgado. Ninguém, pura e simplesmente, ninguém! É o casino e ponto final.

Acerca do edifício, também já escrevi alguns textos avulso, publicados quer no Jornal de Sintra quer no Boletim da Junta de Freguesia de Santa Maria e São Miguel. Mas não querendo advogar em causa própria, não tenho a mínima dúvida em aconselhar “História do Casino ou os Equívocos de um Tempo Sintrense”, da autoria de José Sarmento de Matos, um óptimo opúsculo de vinte e seis páginas, com ilustrações do maior interesse, publicação de 1997 da própria Câmara Municipal de Sintra que, certamente, o Presidente terá lido antes de apresentar a mencionada proposta.
Citando a edição de 27 de Julho de 1924 do diário ‘O Século’ acede-se a leitura do maior proveito para, passados quase 90 anos sobre a data da inauguração, se perceber porque, nunca tendo tido qualquer conotação com jogos de azar, esta designação continua a preponderar, relacionada, isso sim, com um projecto de animação cultural de grande alcance, em articulação com um programa de preocupações sociais em que o Casino pontificava como a estrela no firmamento do projecto utópico de Adriano Coelho.

Com uma existência plena de vicissitudes, inicialmente, funcionou como espaço propício às artes performativas, cenário de exposições as mais diferentes e restaurante de alta qualidade. Tendo sido votado a longa inactividade da qual ressurgiu depois de adquirido pela Câmara Municipal na década de cinquenta, para acolher biblioteca, escola, secção de finanças e Museu de Arte Moderna, o Casino acumula um incrível património de sucessivas experiências relacionadas com a vida de milhares de sintrenses.

Com a manifesta promessa de voltar ao assunto, por agora, apenas deixaria registada a convicção de muita gente que só vê vantagens numa designação que é profundamente autêntica e entranhada no viver da comunidade. O que mais será preciso para radicar a justificada atribuição de um nome?