[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Contenção de Natal




Nesta quadra tão sui generis, em que todos resolvem afivelar o melhor sorriso, na maior parte dos casos, sem a mínima sincertidade, para expressarem votos nada mais que circunstanciais, só apetece acabar, em definitivo, com aquela absolutamente mínima capa de boas maneiras que impede de devolver à procedência os cartões de Boas Festas de uma série de energúmenos que passam o ano a enfernizar-nos os dias...


Todavia, se assim fizéssemos, ainda pioraríamos a situação porquanto, rarissimamente, sabe a maioria das pessoas conviver com a clareza, a verdade, a inequívoca ausência de hipocrisia. Cortar a direito, para além de um certo limite, é procurar uma incomodidade inconsequente, porque ilegível, dentro dos quadros e práticas sociais vigentes. Daí que todos acolhamos, e bem convivamos, com uma certa dose de hipócrita condescendência que se convencionou designar como sentido das conveniências.



Lucidamente, engolamos em seco, e recebamos as manifestações que sabemos enquinadas, sem dar a entender às criancinhas - que, a seu tempo, farão a aprendizagem que mais lhes convier - como tais arremedos nos afectam mais ou menos. Pois é, as emoções obrigam a uma sofisticada gestão. E, na realidade, não há como o Natal, para pôr à prova o cabedal de investimentos de toda uma vida de aprendizagem, que nos leva à contenção, porque outros valores mais altos se levantam.
Sem a exigível pitada de contenção, impossível seria a Beleza, o verdadeiro Amor, a Caridade real da entrega ao outro, O Natal cristão que, afinal, todos andam a celebrar...



Como presente de Natal, bem ilustrativo do que, na realidade, vale a pena celebrar, gostaria de sugerir duas coisas, uma audição musical e uma leitura. Não fiquem com a ideia de que, em minha opinião, estas se posicionam nalguma hierarquia privada. Não senhor, são estas, podiam ser muitas, muitas outras as sugestões.
Então, ouçam a Oratória de Natal, BWV 248 de Johann Sebastian Bach, obra composta por seis Cantatas detentoras de diferentes dispositivos vocais e instrumentais, cada uma das quais destinada a ser executada num dia específico da quadra natalícia, e leiam Natal, de Miguel Torga, publicado em Novos Contos da Montanha. Verão como eu tenho razão. Mesmo que conheçam ambas as obras, insistam, aconselhem os miúdos, não deixem de dar lugar e de partilhar a Beleza da grande Arte nestes dias, em todos os dias.
Já sabem que votos são os meus. Sinceros.
NB:
Notas Diárias regressarão no dia 2 de Janeiro de 2008

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Nada de generalizações!

Ainda bem que só a esta hora me foi possível publicar a mensagem do dia. É que, deste modo, poderei partilhar convosco um episódio acabado de acontecer, bem evidente quanto ao conselho de não fazer generalizações, a partir dos casos menos positivos ou mesmo negativos que sucedem no âmbito dos contactos dos cidadãos com as repartições dos serviços públicos ou com os serviços administrativos das empresas privadas.
Há cerca de três meses, através de correio electrónico, enviei para sete entidades diferentes, um mesmo texto acerca de determinado assunto, cujo detalhe não interessa para o caso. Apenas uma das entidades era pública, precisamente a Câmara Municipal de Sintra. Ora bem, uma vez comunicada a matéria que me levara ao contacto daqueles destinatários, nunca mais pensei no caso que, em minha opinião, estava definitivamente arrumado.
Porém, inadvertidamente, desfiz-me da cópia do e-mail. E, para minha grande preocupação, vim a precisar do documento já na segunda semana de Dezembro. Naturalmente, fui eliminando, uma a uma, todas as entidades às quais ia solicitando o favor de me facilitarem um duplicado da mensagem que eu remetera e que me iam respondendo negativamente, invocando as razões mais plausíveis.
A última contactada foi a Câmara que, num prazo brevíssimo, facultou o documento que tanta falta me fazia. Não percebo como é que os serviços de expediente daquelas empresas privadas funcionarão para, num tão curto prazo, se libertarem de correspondência que determinaria algum cuidado de passagem pelo arquivo temporário. Atitude diferente, mais avisada e profissional tiveram os serviços administrativos da CMS.
Não tirarei qualqer conclusão mais ou menos maniqueísta. As boas e as más práticas acontecem em todos os enquadramentos, públicos ou privados. Bons, razoáveis e medíocres profissionais existem em ambos os sectores. No caso em apreço, maior peso apresenta o prato da balança desfavorável ao sector privado. Certamente que é fortuito, perfeitamente aleatório. Por isso não o diabolizarei.
Infelizmente, como todos sabemos, atitude bem diferente têm tido certos responsáveis políticos, que não hesitam em dar o seu nefasto contributo para a difusão da noção de que o funcionalismo público é a sede de todos os males que afligem este país. Cidadãos menos esclarecidos poderão tirar conclusões gerais a partir de casos isolados. O mesmo não poderá admitir-se a Directores-Gerais e membros do Governo. E isso tem acontecido.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Está de chuva...

Chove, chove razoavelmente em todo o país e é bom que assim seja. Só quem não tem a mínima ligação ao mundo rural pode regozijar, ao ouvir certos radialistas afirmarem que está mau tempo pela simples razão de estar a chover, de fazer frio ou de o vento soprar mais forte. Para tais emissores e receptores de urbanas mensagens, não convém aquilo que se considera a normal situação de invernia dum clima temperado.
Em Sintra, graças a Deus, também chove. Finalmente! Que falta, por exemplo, estava a fazer às hortaliças. No mercado, os nossos amigos da lavoura vizinha [ainda há, sim senhor...] bem se queixavam. E nós que, há tantos anos, acompanhamos as suas vidas, aqueles de nós que mantemos e sabemos como manter uma saudável relação com a ruralidade circundante, também compreendemos as suas ralações. Interagimos, gostamos de fazer parte da mesma realidade.
Mas tal falta fazia sentir-se noutros domínios igualmente importantes. Ora reparem. Recentemente, tendo andado em busca de musgos tenros, viçosos e frescos, tive grande dificuldade em encontrá-los nos locais onde tal colheita não é prejudicial. Quase ia comprometendo a montagem do presépio... Na realidade, a ausência de chuva e de humidade estava a fazer o seu pernicioso trabalho.
Com pouca água, sem a suficiente humidade, como podia apodrecer tudo quanto depois se revela naqueles fortes odores outonais de que já estávamos ávidos, tão característicos nesta Sintra-Sintra? Entre Oceano e Serra, em resultado deste auspicioso clima, destas indispensáveis chuvas e humidades, aí estão os líquenes, os musgos, os cheiros, a riquíssima paleta cromática, o manancial de satisfação para que apontam permanentes promessas de defesa e recuperação do património natural e edificado.
E onde é que vamos desaguar com esta chuva? Olhem, por mim, sempre à velha luta de que jamais desistirei. Cada vez mais animado, sabendo como sei que há por aí imensos cúmplices, todos comungando a esperança de, mais tarde ou mais cedo, podermos contribuir para cindir este monstruoso e gigantescoi concelho, pelo menos, em duas unidades, de tal modo que se torne operacional a separada gestão de ambas.
Neste penúltimo parágrafo, continuamos a desaguar no muito trabalho por fazer em Colares, São João das Lampas, São Martinho, Santa Maria e São Miguel, São Pedro, Almargem do Bispo que, na sua especificidade, nada tem a ver com o que deverá ser concretizado no triste betão de uma série de desengraçadas mas muito populosas freguesias cuja ligação administrativa a este nuclear concelho, prejudica tudo e todos.
Só corremos o risco de nos aplicarem o epíteto de elitistas militantes. Olhem, paciência. Com tanta ignorância militante por aí à solta, se não corrêssemos este risco é que muito me admiraria...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Muito Alta tensão



Com o recurso à Justiça, foi alcançado o objectivo dos fregueses de Monte Abraão, ou seja,
os cabos deverão ser instalados no subsolo e, até à conclusão dessa obra, a REN é obrigada a suspender o envio da energia. No entanto, não deixa de ser algo paradoxal estar por demonstrar que a solução em causa resolva os problemas de doença suscitados pela passagem da energia a céu aberto...


Enfim, o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, certamente desejoso de ver regularizada uma situação em que os cidadãos têm manifestado inflamadas posições de natural e justificado alarme, não esteve com demasias e avançou com a solução de o município arcar com as despesas da operação do enterro dos cabos. Enfim, paga o «funeral» e que seja tão rápido quanto possível.

Como eu o compreendo! Num país como o nosso, em que situações quejandas se arrastam anos e anos, em demanda de quem liquida a factura, com partes litigantes espaldadas em consultores jurídicos principescamente pagos, a manobrarem dilacções ad aeternum, ele que é homem de Direito e até sabe da poda, com a exactata noção do solo e do subsolo que pisa, lançou o isco à REN. É manobra de mestre cujo alcance estará a fugir a algumas mentes mais primárias.

Estando as coisas neste pé, será de esperar que os cidadãos, até agora afectados pela situação que o Tribunal já dirimiu a seu favor, se mantenham serenamente felizes com o desfecho da causa, tenham passado uma Consoada tão bonita quanto têm direito, comecem o Novo Ano com a lucidez que for possível e, como soe dizer-se, não tenham maiores olhos que barriga.

Como poderão calcular, não aspiro ao estatuto de pequeno ou grande estratega. No entanto, com o rabo já um bocado pelado por algumas pelejas, seria levado a aconselhar que devam aguardar pelo desenrolar da novela, evitando servir de escadote a certa gente mais inquieta, que parece ter vantagem em continuá-la, a pensar nos dividendos que possa colher no futuro...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Muito alta tensão

Creio não haver quem não se sinta mobilizado a favor dos munícipes de Sintra, residentes na Freguesia de Monte Abraão, perto de cujas casas passam uns cabos de energia eléctrica que, tudo leva a crer, estarão induzindo nefastas consequências para a saúde. Como era de prever, por um lado a comunicação social e, por outro, os oportunistas políticos, têm feito o trabalho do costume, suscitando as habituais emotivas reacções.
Quem não se sente... Há sintomas, dores, incómodos e desconforto de toda a ordem. Há síndromes. Há estudos, uns mais outros menos credíveis. E, no meio de tudo isto, também deve haver muita ignorância à mistura. Enfim, uma explosiva mistura que, não só no nosso concelho, mas também, por exemplo, em São Bartolomeu de Messines, suscitou o movimento dos cidadãos, à porta da REN, ou no átrio do Tribunal.
Só alguém muito distraído se surpreenderia com o descontentamento, a luta na rua, que era perfeitamente previsível, bastando ter tomado atenção à evolução do estatuto da EDP até à constituição da REN, que acompanha e fielmente reproduz o evoluir da situação política nacional, para bem entender o que está a acontecer.
Se quisermos encontrar a responsabilidade última deste descontentamento, não deixaremos de concluir que o poder político democrático, umas vezes afecto ao PSD e outras ao PS, deixou que um serviço como o da distribuição da energia eléctrica, inequivocamente estratégico, tivesse caído na cega lógica dos interesses de mercado, ou seja, a lógica dos interesses dos investidores.
Hoje em dia, a REN é uma empresa, cada vez mais afastada dos interesses dos consumidores de energia eléctrica que, em última instância, são os seus clientes e razão da sua existência. Era inevitável que assim viesse a a contecer uma vez que, como todos sabemos, a coincidência dos interesses do mercado com os interesses dos cidadãos anónimos é coisa rara.
Em alternância, os decisores macro, vulgo PSD e PS, vão colocando no concelho de administração os gestores portadores dos respectivos cartões de acesso. Naturalmente, muito ingénuo é quem pensa que aqueles serventuários ocupam tais lugares para defesa dos interesses dos consumidores. Estão lá para esticar o cabo, o mais possível, até que uma cegonha cause um monstruoso apagão... Estão lá também para que, com baixa, alta ou muito alta tensão, e doa a quem doer, o cabo percorra o menor espaço possível desde a central até à lâmpada...
In loco, a cena é tão edificante quanto costuma dar origem o quadro de suburbanidade, mais ou menos clandestina ou recém legalizada, em que são pródigas estas zonas mais ou menos cimentadas, de prédios a fugir atrás ou à frente dos montes... Isto é, junto às casas dos suburbanos desgraçados por onde, despudorada e avidamente passam os tais cabos do desassossego, afadigam-se os peões do nível micro...
Com inusitada sede de protagonismo, manipulando o natural descontentamento dos cidadãos, capitalizando tal investimento para futuras oportunidades, insinuando-se como imprescindíveis actores - todavia não passando eles mesmos de títeres nas mãos dos efectivamente poderosos - os decisores micro deste jogo de interesses fazem o seu imprescindível trabalho de sapa.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Arte Moderna continua



Desde Outubro que o edifício onde está instalado o Museu de Arte Moderna de Sintra-Colecção Berardo tem estado encerrado para inadiáveis obras de beneficiação geral. Era tempo de as concretizar já que o degradado estado de conservação do antigo Casino assim o exigia. De facto, se as fachadas, mais visíveis, pediam intervenção de limpeza, muito mais grave eram as abundantes infiltrações de águas pluviais, a deficiente climatização, e outros preocupantes factores totalmente incompatíveis com o desempenho daquelas instalações.


Sintra decidiu ter um Museu de Arte Moderna. E decidiu muito bem na medida em que, inquestionavelmente, se colocou num circuito de referência, atraindo um específico tipo de público que não pode ignorar o que aqui se passa. Constitui, portanto, um importante factor de dinamização cultural local, um foco de atenção dos potenciais interessados, de muitos nacionais e estrangeiros.


Um museu, qualquer museu, é um lugar especialíssimo de elevação espiritual, de sofisticação, de cultivo do Belo. As questões de ordem estética afins do usufruto do público - muito para além das obras expostas e dos cuidados de preparação, a montante do espectáculo único que toda a exposição constitui - ficam decisivamente comprometidas se o espaço onde tudo isto acontece não estiver dotado de inequívocas condições de acolhimento.
Há uns anos que se atingira, se não um ponto de ruptura, pelo menos uma situação limite, em que se jogava uma já evidente cartada de dignidade, na compatibilização da necessidade de mostrar com o receio de danificar as obras que, pura e simplesmente, só podem aparecer aos nossos olhos se estiverem asseguradas todas as condições.
Acompanhei as notícias que vieram a público, por altura da renegociação do protocolo entre a Câmara Municipal de Sintra e o Comendador Joe Berardo, documento que, muito avisadamente, compreenderia a concretização das obras que refiro. Também li, a propósito, excertos das intervenções de alguns senhores Vereadores que, tendo sido registadas na Acta da respectiva reunião do executivo, vão ficar para a História como manifesto da preparação cultural de tais intervenientes...
Seja como for, decorreu uma campanha de obras cuja qualidade se espera tivesse sido devidamente controlada, no sentido de que não venham a verificar-se os nefastos efeitos posteriores às primeiras obras de adaptação do edifício, há cerca de dez anos. Houve um inequívoco empenho e investimento por parte da autarquia que não o podia adiar por força do protocolo e pela necessidade de preservar o bem patrimonial que Norte Júnior traçou. Aqui estou a saudá-lo.
O Comendador Berardo, por seu turno, evidencia exuberantemente o interesse na continuidade da parceria. Assinalando esta nova fase de colkaboração, fez implantar duas monumentais peças de escultura de Fernando Botero e Pablo Atchugarry que, enriquecendo o acervo permanente da colecção afecta a Sintra, constituirão mais dois polos de atenção em pleno coração da sede do concelho.
Foi oportunamente inaugurada e ficará patente, até final de Abril, a exposição Arte Latino-americana na Colecção Berardo. Mais uma vez, justo é destacar o incansável labor da directora do Museu, Dra. Maria Nobre Franco e da sua equipa, na montagem de mais esta oferta cultural.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

O Tratado e o comércio livreiro

Em dia de tanta Europa, em que o regozijo dos portugueses chegou ao ponto de franquearem as portas dos museus de Lisboa, dependentes do Instituto Português dos Museus - e, ousadia das ousadias, de promoverem o transporte gratuito na deficitária Carris e no Metro, assim se associando à assinatura do Tratado de Lisboa - mal ficaria se este humilíssimo blog apenas se ativesse à restritiva e comezinha matéria sintrense.
Como imaginam, o meu conhecimento das linhas e entrelinhas do Tratado de Lisboa, deve ser igual ao vosso e ao de noventa e nove vírgula noventa e oito por cento dos cidadãos europeus. Enfim, os zero vírgula dois deve chegar para abranger todos quantos, coitados, não têm outro remédio senão dominar um pouco mais do que os grandes chavões, ou seja, mais ou menos o que está ao alcance da restante imensa maioria.
Uma vez conversados acerca do Tratado e, em função da nossa manifesta e confessada ignorância, então, para além da humilde realidade da nossa querida terra sintrense, habitual objecto das nossas preocupações nestas Notas Diárias, que mais nos resta considerar em dia de tanto júbilo paneuropeu?
Pois então lhes direi: vamos hoje considerar, nem mais nem menos, do que a próxima atitude pública da inefável Ministra da Cultura do Governo que temos. Num canal da rádio pública, foi anunciado que, ao fim da tarde, Sua Excelência abrilhantará com a sua presença, a inauguração da cibernética Livraria Biblos, lá para os lados das Amoreiras, em Lisboa, pois claro, a nossa , a do sobredito Tratado.
Se, em tão assinalável data para o futuro da Europa, a Ministra da Cultura de Portugal dá este mote cultural, então estamos realmente muito mal. Reparem que esta é precisamente a mesma governante que se permitiu estar ausente, tanto da homenagem a Miguel Torga em Coimbra, como da inauguração da exposição que homenageia Saramago em Lanzarote.
Independentemente do maior ou menor apego afectivo que possamos sentir em relação a qualquer destes dois autores, não deixa é de ser inequívoco que são nomes grandes da Literatura Portuguesa contemporânea. Sua Excelência permitiu-se não honrar aquelas iniciativas culturais, através de uma presença que mais não constituiria do que a representação dos cidadãos portugueses mas, sintomaticamente, fá-lo-á por ocasião da abertura de uma loja.
Bem sei que é uma loja de livros. Comércio mais bonito não deve haver, bem sei. E se eu gosto de livrarias, de boas livrarias, onde me perco horas esquecidas. Mas é comércio, não esqueçam. E lembrem-se também que estou a articular esta actividade de negócio com uma atitude, por omissão, em relação a criadores de Literatura, de Arte que a livraria venderá...
Não é de ficar perplexo? Então, Sua Excelência, em data tão simbólica para o futuro da Europa, dá o flanco, através deste sinal tão comercial? Vendo bem as coisas, a perplexidade não é, mesmo nada, para aqui chamada. Sua Excelência, aliás, tem-nos habituado a bem mais nefastas atitudes como, por exemplo, a de ter patrocinado o fim da Festa da Música no CCB. Mas, respondam-me com toda a franqueza se, das bandas da Ajuda, estavam à espera de algo, mais substancialmente cultural...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007


O caso do pilar inestético


Há cerca de duas semanas, falava eu com uma técnica da Câmara Municipal de Sintra acerca da necessidade de dotar determinada via com dispositivos dissuasores do estacionamento de viaturas em cima dos passeios. Colocando a possibilidade de aplicar certo modelo de pilares metálicos, fui confrontado com a impossibilidade de concretização devido a questões de segurança.

Pois, muito bem, em caso de incêndio, por exemplo, as viaturas de ataque ao sinistro poderiam ter de recorrer à utilização dos passeios para assegurarem o acesso ao local onde seria preciso actuar. Todavia, a instalação dos pilares em questão impediria tal recurso. Nestes termos, aconselha a prudência que sejam estudados meios de dissuasão que, em situação limite de desastre, não constituam obstáculo.

Seguidamente, ainda com o mesmo propósito, apresentava eu a alternativa dos pilares longitudinais que, normalmente pintados de amarelo, marcam eficaz presença em certas ruas de Sintra. Colocados a estratégica distância uns dos outros, constituem solução muito acessível, se comparada com a dos pilares cilíndricos que, no entanto, são incomparavelmente mais dispendiosos.

De baixa altura, conseguem dissuadir qualquer condutor de veículo ligeiro ao seu assalto mas, por outro lado, são facilmente transponíveis por um carro de bombeiros, cujas características permitem tal manobra, sem afectar qualquer componente mecânica. Aparentemente, ali estava a solução ideal, perfeitamente adequada.

Isso era o que eu julgava. Bem podia eu acrescentar que, inclusive, é algo que tenho visto um pouco por todo o lado, tanto em Portugal como no estrangeiro, que a referida técnica se mostraria irredutível. Mas, então, por que motivo? Tão somente, por uma questão de estética. São feios, percebem? Baratos, praticamente inócuos, eficazes, sim senhor, mas declaradamente feios.

Bem, uma lástima que a senhora alvitrava poder resolver através da instalação de floreiras, cujo volume, tanto quanto sou levado a concluir, não é nada compatível com as invocadas razões de segurança que, lembrem-se, não podem dificultar o recurso às expeditas medidas que mencionei...

Não há dúvida que, sendo caricato, não chega a constituir problema intransponível. Não deixa é de revelar uma atitude técnica que dá que pensar.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Heliodoro Salgado,
que remédio?

No artigo precedente, acerca do assunto que o título prenuncia, em Notas Diárias do passado dia 7, não especifiquei - e devia tê-lo feito - que a solução da abertura ao trânsito da Heliodoro Salgado, apenas num sentido, poderia funcionar com a ressalva dos condicionamentos habituais às vias que compatibilizam uma forte componente pedonal com a circulação de veículos.
Em primeiro lugar, a hipótese de, novamente, trazer o eléctrico àquela via, vindo das praias a caminho da estação dos comboios e Vila Velha, poderia constituir inquestionável mais-valia de animação e, em simultâneo, obra tão importante de recuperação do património de Sintra como as de outros bens que tanto prezamos. As memórias que, ainda hoje, temos coladas aos deslumbrados olhos dos meninos que fomos há mais de cinquenta anos, dão-nos razões de sobra para insistir nesta nota.
Espero bem que não conotem esta vertente daquilo que denominei como recuperação de património de Sintra com o patológico saudosismo de caquéctico senil... Aliás, são tantos e bem conhecidos os casos em que, por esse mundo fora, vigora esta solução que me dispenso de maior detença. O que não devo é deixar de continuar a explicitar como a circulação do eléctrico joga com um cenário complementar.
Assim sendo, prossigamos. Em simultâneo, tendo em consideração a viabilidade desta proposta que continuo a considerar muito aliciante, naturalmente se me impôs a articulação com outra medida pertinente e civilizada, qual seja a possibilidade de ali condicionar, apenas num sentido, o trânsito de determinados veículos ligeiros, normalmente autorizados nas tais situações alheias mas congéneres e afins.
Como será de prever, a exequibilidade desta proposta só se compatibiliza com a estrita observância de regras que os cidadãos estão longe de terem interiorizado. Restrições absolutamente determinantes para o sucesso de tal iniciativa como, por exemplo, a concretização de um rígido regime horário de cargas e descargas ou são assumidas para cumprir e fazer cumprir ou, então, nada mais suscitarão do que o agravamento do actual statu quo.
Aliás, a propósito de situação actual, continuo a não compreender como possa defender-se a manutenção de um cenário que, na Heliodoro Salgado, se apresenta totalmente à revelia de tudo quanto constitui a padronizada oferta de qualquer zona pedonal. Os veículos ligeiros particulares, os de aluguer, os ligeiros e alguns pesados de carga, circulam a qualquer hora, a insegurança é o que se sabe, a animação inexistente.
Se alguém considerar que estarei enganado, faça o favor de me indicar onde ali existe a possibilidade do usufruto desta área da Estefânea em que estética, segurança, animação, ócio e negócio andem de braço dado, para satisfação dos cidadãos que a procuram, antecipada e absolutamente certos de que não vão deparar com desconforto, incomodidade e fealdade...
Será que, por osmose, com as freguesias do cimento, estarão a instalar-se, bem no coração de Sintra, as soluções que nem esses subúrbios betonizados do concelho deveriam admitir? Sim, que a actual Heliodoro Salgado não passa disso mesmo, já que se transformou num desengraçado troço urbano, tão desqualificado como qualquer área clandestina ou a sair da situação de clandestinidade.
Continuo a pensar que a Heliodoro Salgado é o lugar geométrico da precipitação de decisores políticos inábeis, impreparados, pouco informados, afectados de provincianismo bacoco que ali deixaram a inequívoca marca de uma incapacidade que só precisava de mais aquele atestado. Porque não estiveram à altura das circunstâncias, ali está o resultado, bem patente, com todas as consequências adjacentes, já aludidas no texto anterior.
Como advogo soluções adquiridas a partir da análise sistémica, convirá reafirmar que as ideias afins de soluções para a Heliodoro Salgado são comuns e afins das que, inapelavelmente, devem ser equacionadas para toda a área urbana compreendida pela tríade Estefânea, Vila Velha e São Pedro. Se assim não for pensado, apenas resultarão medidas desgarradas, desarticuladas, alheias à perspectiva de actuação integrada que tudo isto pressupõe.
Naturalmente que, a propósito, convirá ter em consideração tudo quanto temos tido oportunidade de avançar para debate, em relação ao problema dos transportes particulares e colectivos, ao estacionamento, ao acesso aos lugares onde estão implantados bens patrimoniais naturais e edificados, enfim, um conjunto de ideias que, não constituindo a mínima novidade, não
têm feito parte da preocupação da edilidade nem dos deputados municipais que é suposto controlarem o exercício daquela.
Para terminar estas duas Notas Diárias sobre a Heliodoro Salgado, muito gostaria de propor um franco debate de ideias, por exemplo, no âmbito de um Círculo de Estudos sobre a questão, cujos resultado pudessem ser entregues à autarquia como contributo dos cidadãos. Bem sei que é coisa nada habitual entre nós mas, tendo em mente que as soluções dos países nórdicos tanto são do agrado geral, então avenham-se com esta do Círculo, tão comum na Suécia. O problema é que exige disponibilidade para o estudo, muita reunião, trabalho sistemático e disciplinado. Se estiverem para isso, inscrevam-se neste blogue.
Os contributos dos comentaristas de serviço têm sido preciosos. A propósito deste tema, permitam que, pela coincidência de opiniões, destaque o que escreveu Spirale. Como compreenderão, depois de acederem à sua mensagem, foi preciso muito atrvimento da minha parte para acrescentar os parágrafos que acabam de ler...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O Blogue em balanço


Foi em 10 de Janeiro deste ano prestes a terminar que decidi pôr a funcionar um blogue com as características que os visitantes e comentaristas se habituaram. No entanto, desse momento inicial, apenas subsiste aquilo que poderá considerar-se a carta de intenções relativa à linha editorial das mensagens que tencionava publicar.


E nada mais dei à estampa. Aquele texto, que intitulei Quase um manifesto, foi ficando suspenso no tempo, para introduzir, já em 12 de Setembro, as Notas Diárias cuja periodicidade deu origem a um conjunto de sessenta e cinco artigos, que contam com a fidelização de muitos leitores, num total de quase quatro mil visitas, ultrapassando as minhas expectativas mais optimistas.

É lamentável que, hoje em dia, pelo simples facto de protestar, o cidadão se sujeita a incómodos que pouco diferem do que se passa nos regimes não democraticos. Assim sendo, numa conjuntura que não é mesmo nada propícia à intervenção cívica, também não deixa de ser significativo que o referido total das mensagens publicadas tenha recebido quase duas centenas de comentários. Alguns desses textos de retorno são de tal qualidade, tão interessantes, que acalentam a minha disposição de prosseguir.

A título de exemplo do que acabo de afirmar, acerca da qualidade dos comentários, permito-me chamar a atenção para o teor do texto (assinado por Saloio), subsequente ao meu do passado dia 7, subordinado ao título Heliodoro Salgado, remédio qb. Por me parecer que merece maior visibilidade, amanhã darei continuidade à abordagem do assunto como mensagem principal.









sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Heliodoro Salgado, remédio qb


A transformação da Avenida Heliodoro Salgado em via pedonal é o exemplo acabado de um projecto que, entre outros factores muito negativos, foi concretizado à revelia dos cidadãos. Efectivamente, a fase de diagnóstico daquele e de qualquer projecto, sempre tão especialmente eficaz no sentido de receber o contributo da massa crítica, através de sugestões, de recomendações - fruto de sessões de debate devidamente publicitadas, em adequada representação de munícipes e fregueses e das associações de interesses cívicos - na realidade, não foi assegurada com a expressão que o caso merecia.
Em princípio, era inegavelmente interessante e de apoiar, a ideia de fomentar e promover a mudança estrutural de uma artéria estrategicamente vocacionada para o comércio tradicional na sede do concelho. Tratava-se, igualmente, de aproveitar a oportunidade para afectar e dotar de infraestruturas actuais uma zona de importância decisiva para Sintra, na confluência de actividades económicas, sociais e culturais bem evidentes no tecido urbano.
De algum modo, precipitadamente, considerou-se que a pedonalização concitava todas as virtudes. Foi, então, concretizada uma intervenção que, a nível estético, não assegurou uma articulação com as memórias do local, tendo aplicado materiais discutíveis a todos os níveis. E, neste domínio, apenas uma referência à obra de construção civil que, tecnicamente, muito mal conduzida, impermeabilizou a via, transformando-a numa ribeira em dias de alguma chuva.
Asneiras de alto preço
No domínio técnico, tendo em consideração que não foram devidamente equacionadas, as consequências têm-se revelado altamente nefastas para a qualidade de vida de todos, desde os residentes na Estefânea, aos comerciantes e aos visitantes. Um dos principais objectivos da operação, que passava pela animação do comércio local, na presunção de que mais pessoas acederiam a um local liberto da circulação automóvel, foi torpedeado por factores cuja análise não foi sistemicamente perspectivada.
É que, entretanto, se autorizava a implantação de várias grandes superfícies comerciais, num tão curto raio de alcance que, em simultâneo, aniquilava o propósito de animar aquela zona comercial. Por outro lado, a falta de actualização dos próprios comerciantes, a inexistência de estacionamento apropriado - através do aproveitamento de pequenas bolsas locais e a articulação com parques periféricos, conjugados com transportes públicos eficientes - a própria natureza do comércio instalado e a inadequação dos horários praticados, entre outras razões, acabaram por arrasar um projecto que nasceu torto e nunca se endireitou.
Os técnicos apresentaram cenários com evidentes deficiências de concepção. Os cidadãos não se envolveram no projecto, na justa defesa dos pontos de interesse da comunidade. Os decisores políticos não entenderam como, a montante da sua decisão, estes dois decisivos factores comprometiam totalmente os objectivos. Em suma, ninguém esteve à altura do que era suposto fazer em circunstâncias que tais.
Dar a volta
Na minha opinião que, na altura, tive oportunidade de dar pública expressão, a Avenida Heliodoro Salgado não precisava da transformação em zona pedonal. Para todos os efeitos, mantenho totalmente a ideia, que voltei a expressar em ocasiões mais recentes, por exemplo, na qualidade de um dos promotores do debate, em Março de 2004, sobre problemas da Estefânea. E mais afirmo, estando muito bem acompanhado, que deve ser reaberta ao trânsito.
O que aconteceu à Heliodoro Salgado, a transformação naquele lamentável sarcôfago, também é indissociável do labiríntico circuito, decorrente do seu encerramento, com todo um rol de queixas, como o aumento da poluição e o stresse dos condutores ou os engarrafamentos na Portela.
É altura de, também, acabar com o perigoso separador no segmento entre o Largo Nunes Carvalho e a Av. Desidério Camburnac. É altura de abrir a via, apenas no sentido ascendente. É altura de concretizar o projecto de por ali fazer circular o carro eléctico com destino à estação terminal dos comboios e Vila Velha. É altura de estarmos todos à altura da situação.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Os Jardins de Queluz

Com a devida vénia, recorro ao artigo assinado por Francisco Lourenço, publicado pelo último número do Jornal da Região, reportando-se ao seminário subordinado ao tema Património Edificado: Gestão, Conservação e Uso que decorreu, nos dias 28 e 29 do passado mês de Novembro, no Centro Cultural de Cascais.
Entre outos pontos de interesse, a peça jornalística faz merecido destaque à intervenção da Dra. Ana Flores, Conservadora do Palácio Nacional de Queluz, acerca da recuperação dos jardins que está em curso e decorrerá a bom ritmo. Para além das escassíssimas verbas decorrentes do orçamento nacional dos últimos anos que, para o sector da Cultura, não podia ser mais exíguo, a recuperação dos jardins, das estátuas em pedra e em chumbo conta com o mecenato do World Monumental Found.
Já há anos que sabemos ser assim. E, há anos, que a campanha de trabalhos vai vencendo as vicissitudes do costume, num país em que obras deste vulto são festejadíssimas quando terminam mas pouco acarinhadas enquanto duram. Para evitar tal atitude de desinteresse, sou daqueles que advogam a estratégia de, tanto quanto possível, envolver a comunidade enquanto acontece a intervenção, tornando-a parte indissociavelmente interessada.

O espectáculo das intervenções

Sendo esta a minha opinião, ela encontra boa espalda em atitudes que tenho observado como prática comum em alguns países europeus. Para não ir mais longe, em Espanha, por exemplo, no claustro da Catedral de León, durante uma importante campanha de recuperação de pintura a fresco, os visitantes eram convidados a acompanhar os trabalhos em curso, com todas as condições de segurança.
Já há mais de trinta anos, visitando o Rijksmuseum de Amsterdam, acedi aos trabalhos de recuperação do célebre Ronda da Noite de Rembrandt que, pouco tempo antes tinha sido alvo de tresloucado atentado à facada. Tal como no caso precedente - e já lá vão tantos anos - tinha sido montada uma explícita estratégia de animação que, simultâneamente, servia o objectivo da publicidade, da divulgação.
Normalmente, os trabalhos de recuperação do património, são de tal modo interessantes que constituem verdadeiro espectáculo. Por outro lado, em geral, estão envolvidas tais verbas, recursos humanos e materiais que os contribuintes têm o direito de aceder a todas as satisfações que, a título de informação lhes possam ser facultadas. Então, porque não promover o contacto directo com essas interessantes cenas?

Cenas silvestres

No Verão de 2004* tive oportunidade de divulgar, através de artigos ilustrados com inequívocas fotografias, a situação de escandaloso desleixo a que tinham chegado os Jardins do Palácio de Queluz. Convém lembrar que me refiro a Jardins Históricos que fui encontrar em estado silvestre, com coelhos saltando ao meu caminho...
O que mais me indignou - e, parece-me, tê-lo-ei explicado razoavelmente bem - para além do desleixo, foi a desfaçatez dos responsáveis, capazes de conviver com a degradação galopante de um bem patrimonial inestimável, sob sua custódia, continuando a receber o seu vencimento mensal, silenciando durante anos aquilo que melhor fora divulgarem publicamente para que a comunidade interviesse.
Na altura, a Dra. Ana Flores sentiu-se atingida e entrou em polémica comigo. Inadvertidamente, autovitimizou-se quando a denúncia abrangia tanta gente como aqueles cidadãos que, podendo e sabendo, não se interessam por estes assuntos, os autarcas, os técnicos, todos os que calam e consentem. Mas a razão assistia-me. A denúncia era inequívoca, flagrante, indesmentíveis as minhas palavras e eloquentes as fotografias.

O costume

De parte a parte se esclareceu o que havia para esclarecer. Na altura, dei a entender o que hoje partilhei convosco, ou seja, como sentia a necessidade de ser concretizada a tal atitude de publicitação. Fiquei à espera. Hoje, tenho uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Quem dera estar enganado mas, infelizmente, julgo que tenho andado razoavelmente atento.
Apenas uma pequena nota final, pessoal. Se há coisa por que anseio é a recuperação das comportas que permitem represar as águas da ribeira passante pelo canal, possibilitando o usufruto das cenas descritas por aqueles azulejos tão interessantes, em cinético visionamento. Como eu gostava que todos pudéssemos acompanhar a recuperação deste património! Ainda se fosse impossível...
A campanha de recuperação vai entrar no quarto ano e estará prestes a concluir, já em 2008, de acordo com as previsões da Dra. Ana Flores. Permitam-me os leitores uma pergunta:
- No contexto destas reflexões consideram ter lucrado alguma coisa, ignorando o que, entretanto, se passou e está sucedendo nos Jardins Históricos de Queluz? Enfim, aguardemos o desenlace.
...............................................................................................
* Jornal de Sintra, 30.07, 10.09, 24.09, 01.10.2004

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Pena, Regaleira, Acessos & civilidade

Independentemente da maior ou menor brevidade com que serão concretizadas as medidas tendentes à solução dos problemas de estacionamento caótico junto à Quinta da Regaleira e do acesso automóvel ao Parque e Palácio da Pena, impõe-se que os cidadãos assumam como indissociáveis duas atitudes que, de algum modo, já aqui foram aludidas em recentes oportunidades.

A primeira decorre do princípio de que o modo como se acede, faz parte do acto cultural que constitui a visita a um bem patrimonial, como o conjunto monumental do Castelo dos Mouros, o Palácio e Jardins de Monserrate ou o Museu de Arte Moderna de Sintra-Colecção Berardo, apenas referindo, para além dos dois anteriores, mais três dos muitos exemplos do património cultural nacional sediados em Sintra.

Como tantas vezes tenho escrito e publicamente afirmado, não há ponta de originalidade em qualquer das soluções que urge pôr a funcionar. São perfeitamente conhecidas e estão exaustivamente testadas várias estratégias de acesso ao património edificado em locais que merecem particular atenção, soluções que, invariavelmente, privilegiam o transporte público e a deslocação a pé.

Aliás, em pequeno parêntesis, lembraria como, mesmo nos casos em que, por mera hipótese, seria possível a continuação do estacionamento de viaturas próximo de determinado monumento - lembre-se o caso de Alcobaça e a belíssima solução do Arq. Gonçalo Byrne - questões de ordem ambiental, de gestão urbana, do domínio da estética, determinam que a civilizada atitude seja outra, por mais conveniente à comunidade em geral.

Pena e Regaleira

Tanto no caso da Regaleira como no da Pena, os veículos particulares serão obrigatoriamente estacionados em parques mais ou menos periféricos - interface da Portela, Ramalhão, edifício do Departamento do Urbanismo, por exemplo - a partir dos quais funcionarão transportes colectivos, gratuitos nuns casos e noutros pressupondo uma tarifa em que está incluída a do estacionamento - de dimensão e características adequadas aos trajectos em questão.

Tal não significa que o transporte chegue mesmo junto dos destinos referidos. No caso da Pena, tal será mesmo impossível já que, naturalmente, serão desactivados os parques de estacionamento, escandalosamente instalados durante a controversa gestão do biólogo Serra Lopes. Tal como tantos de nós gostamos de evocar, o caso do castelo de Neuschwanstein, na Baviera, terá de constituir o modelo mais apropriado quanto às soluções de acesso.

A maioria dos visitantes acederá por caminho pedestre, o que não significa subir a asfaltada rampa da Pena mas seguir pelo caminho muito mais curto, que certos sintrenses bem conhecem o qual já estará sendo limpo para ser dotado dos necessários apoios. Outros visitantes tomarão o mini autocarro ou, certamente, mais tarde, também a expedita galera de tracção animal que, como sabem, não é uma charrete mas uma grande carroça que pode transportar uma boa quantidade de passageiros.
Quanto à Regaleira poder-se-á contar com um vaivém contínuo, desde o parqueamento até determinado ponto do percurso, a partir do qual ou se vai a pé ou se toma a carreira, que prevejo com maior vantagem se, em vez de terminar na Quinta, puder continuar até Seteais, Monserrate, Eugaria e Colares, com a possibilidade do passageiro descer em qualquer das paragens para, mais tarde, com o mesmo bilhete, retomar o trajecto.
Publicidade à grande
A segunda atitude a concretizar, entre as que anunciei no primeiro parágrafo, passa por uma estratégia muito incisiva e eficaz de divulgação destas soluções. Tenho a certeza de que não haverá gabinete de publicidade que não gostasse de se envolver numa tal tarefa. As soluções por mais perfeitas, adequadas e urgentíssimas se não forem muito bem vendidas suscitarão as reacções mais indesejáveis.
Naturalmente, haverá que contar, como em qualquer latitude civilizada, com os bloqueios decorrentes do fenómeno da mudança. Porém, como estamos em Portugal, país onde impera a falta de civismo e a cultura do desleixo, consequentes dos baixos níveis de escolaridade, do analfabetismo ainda tão significativo e dos baixíssimos níveis de literacia, os cuidados com as campanhas de publicidade deverão redobrar.
É neste domínio da divulgação que considero da maior vantagem que o poder local interviesse no sentido de envolver na campanha conhecidas figuras mediáticas e populares residentes em Sintra que, também tenho a certeza, muito gostariam de participar numa iniciativa cujo sucesso é indispensável para a melhoria de qualidade de vida de todos os sintrenses.
(muito) A propósito...
A propósito, julgo que, cada vez mais e, quanto mais depressa melhor, todos nos devemos capacitar e, definitivamente assumir que, sim senhor, Portugal pertence ao clube de ricos da União Europeia mas, infelizmente, muito longe de poder ser objecto de uma gestão política, urbana, cultural e educacional semelhante ou sequer próxima da que é levada a cabo na Europa central, nórdica e mesmo mediterrânica.
A péssima classe política que, perversamente, em nome da democracia, tem acedido e permanecido no poder, parte do erradíssimo pressuposto de que «isto» vai, sem o permanente exercício de uma autoridade democrática, permanente e declaradamente disciplinadora, eliminadora de hábitos e costumes egoístas, fruto da ignorância em que permanece uma percentagem enorme dos cidadãos. A verdade é que não vai. E, como imaginam, por aqui não perpassa qualquer resquício de paternalismo ditatorial ou quejando...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O novo ex libris de Sintra




Há quem afirme o Palácio da Vila, com as suas duas grandes chaminés, como ex-libris de Sintra. Outros dirão ser o Palácio da Pena. Aqueloutros contradirão, apostando no Castelo dos Mouros. Bem, tão pródiga é esta terra em património natural e edificado que não faltam extraordinárias peças, reclamáveis a título de emblema, que poderiam identificar, simbolizar Sintra e os sintrenses como marca inequívoca.

Como sabem, o ex libris é isso mesmo, uma marca única que indica uma posse e, eventualmente, até uma maneira de pensar. Trata-se de uma vinheta desenhada ou gravada que os bibliófilos colam, geralmente, na contracapa de um livro, da qual consta o nome deles ou a sua divisa, e que serve para indicar posse. Por extensão do significado, também se entende como representação simbólica, podendo afirmar-se, por exemplo, que o Palácio da Pena é o ex libris de Sintra.
Detenhamo-nos na acepção de representação simbólica, a que mais nos convém para efeitos desta pequena peça. Para que se estabeleça, sem equívocos, a correspondência entre o símbolo e a coisa simbolizada, necessário se revela que um e outra permaneçam intocáveis nas suas características e contornos definidores. Por exemplo, quando se diz que o Palácio da Pena é o ex libris de Sintra, temos em consideração a inteireza substancial, por um lado, do monumento e o seu enquadramento e, por outro, não todo o concelho, note-se bem mas, isso sim, a da sede do concelho, com toda uma carga patrimonial, real e virtual que lhe está colada, desde tempos imemoriais até à actualidade.
Ora bem, os tempos actuais mostram uma inteireza substancial de Sintra, de tal modo desvirtuada e alterada, que as relações estabelecidas com as suas representações simbólicas, os tais ex libris, deixaram de funcionar. Tão simples como isto, não servem, desadequaram-se, passaram a ser mentira e a causar desprazer quando, antigamente, acontecia precisamente o contrário.


Alterou-se como, essa coisa que Sintra tinha, que tão harmoniosamente se articulava com determinadas páginas de arte literária, de música, de pintura, em suma com a Beleza na sua mais evidente expressão? O que aconteceu, e de tão evidente, para que os discursos metafóricos e alegóricos deixassem de ser possíveis, pelo menos, nos termos em que nos habituou o convívio com a realidade envolvente?


A cupidez, o provincianismo pacóvio, leis ultrapassadas, a falta do exercício da autoridade democrática, a institucionalizada cultura do desleixo, ah não tenham dúvida, têm desempenhado o seu papel, tão eficazmente quanto seria de esperar de mistura tão explosiva. Sintra, como não podia deixar de acontecer, devolve-nos uma imagem directamente proporcional a investimento tão negativo.
Naturalmente. Com um centro histórico degradado, descuidado, sujo; sem estacionamento devidamente organizado; com um trânsito labiríntico, fruto de soluções mal equacionadas e concretizadas à trouxe-mouxe; sem um regime de cargas e descargas operacional e civilizado; dotada de rede de transportes deficiente e desarticulada dos serviços que é suposto prestar a uma comunidade do século vinte e um e, na ignorância das políticas de gestão urbana vigentes nos locais congéneres, estava-se à espera de quê?


Tudo isto é tão real, verdadeiro e pertinente que o gigantismo do concelho se encarregou de completar o sinistro quadro. E aí estão, para quem quiser dar uma volta de domingo, dedicada ao ciclo dos horrores, algumas fregusias betonadas, desumanas, descaracterizadas, com incríveis manchas de clandestinidade e uma tal identidade sintrense que podiam pertencer aos concelhos de Vila Franca, do Barreiro, de Torres Vedras que ninguém dava por isso...
Queiram ou não os decisores políticos, os promotores imobiliários e todos os publicitários a quem dá jeito vender uma imagem de Sintra que, de modo algum, corresponde à realidade, rebentaram os símbolos, os tradicionais ex libris são mesmo coisa do passado. Sabem? Apesar de uma luta e vontade inquebrantáveis, de um constante remar contra a maré, permanece-me o amargo de boca de alguma culpa, por não ter concretizado ou ter mal direccionado os escassos meios.


Todavia, de todo em todo, se houver quem sinta uma grande necessidade de símbolos de Sintra que, sem margem para quaisquer dúvidas, funcionem em perfeita sintonia com a realidade, então, entre muitas outras, eu poderei apresentar uma imediata alternativa. Basta passear pela Volta do Duche, passar a zona reentrante de estacionamento, em frente à fonte romântica de inspiração mourisca e, à cota baixa, olhar o Rio do Porto.


Ali está, se quiserem, o novo ex libris de Sintra: uma casa pombalina arruinada, parcialmente embrulhada nos painéis já rasgados duma farsa performativa de pseudo intervenção urbana, painéis comidos pela própria lógica de máscara, de uma Sintra do esconde-esconde, do tapa o Sol com a peneira. Apesar de lhe terem retirado o ferro velho de um automóvel que conferia certo toque afavelado, é bem o símbolo do que está a acontecer em Sintra, o quase perfeito (ou mais-que-perfeito?) ex libris.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Seteais, usos impróprios

Na sexta-feira passada, 30 de Novembro, houve um espectáculo musical em Seteais com os cantores Rui Veloso e Marisa, ao que tudo leva a crer promovido pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra, pois assim o dão a entender os anúncios suspensos à entrada do recinto.

Uns dias antes, começaram os preparativos afins da montagem de um pavilhão de estrutura metálica coberta por película branca, espaço onde foi erguido o palco e montadas as cadeiras, operação rápida que não deve ter sido particularmente barata em função dos meios logísticos em presença. Quando, a meio da tarde daquele dia, por ali passei e colhi estas informações, dois funcionários preparavam-se para fechar os portões.

Há dois anos

Aparato semelhante houve, por ocasião do casamento da filha do banqueiro Ricardo Espírito Santo Salgado, em fins de Outubro de 2005. Na altura também foi erguida estrutura análoga, a qual só acabou por ser totalmente removida ao fim de três semanas, tendo deixado destruído o emblemático tapete relvado.

Denunciei aquela situação nas edições de 11 e 18 de Novembro de 2005 em artigos que subscrevi no Jornal de Sintra, fui à reunião pública da Câmara manifestar o desagrado de muitos munícipes que iam sabendo da situação que também foi relatada por outros órgãos da imprensa regional. Em simultâneo, através de carta, dei conta do sucedido a todas as entidades oficiais que podiam ter alguma interferência.

Há um ano

Em meados de Maio do ano seguinte, na sequência de novo desacato, voltei a contactar os mesmos e vários serviços oficiais. Em ofício de 3 de Julho de 2006, a Direcção Geral do Turismo informava-me de que “(…) Relativamente à reclamação e após análise da mesma, verificou-se haver indícios da prática de contra-ordenações (…)”, acrescentando que o processo tinha sido enviado à ASAE, para procedimento em conformidade.

Infelizmente, até agora – este é o país em que vivemos!… – ano e meio depois de inúmeras diligências junto da ASAE, não consegui obter a mínima satisfação sobre o andamento e/ou conclusão do caso. Pois, a gente sabe e está acostumada… Não é fácil fazer frente ao Grupo Espírito Santo, ao qual pertence a empresa que explora o hotel. [O que dá um certo jeito é fazer-se acompanhar das câmaras da televisão, nas feiras e mercados de levante, contra uns desgraçados quaisquer, actuando a referida Autoridade com o auxílio de agentes policiais encapuzados, armados, intimidando tudo e todos].

Tudo em nome da Cultura

Entretanto, havendo indícios da prática de contra-ordenações, resta-me lamentar que as dúvidas que se me colocaram quanto à utilização do terreiro de Seteais, com a instalação das referidas estruturas - que prejudicam a leitura e o usufruto público de um inestimável bem do património cultural local e nacional – nem sequer tenham feito hesitar ou pestanejar a Câmara Municipal de Sintra (uma das tais entidades também por mim próprio posta ao corrente dos casos supra mencionados) assim incorrendo em tão criticável prática, por ocasião do tal espectáculo do dia 30.
Disseram-me que houve sérios problemas de trânsito. Era absolutamente previsível. Ora bem, foi mais uma oportunidade perdida para que a edilidade desse um sinal de que está atenta ao problema. Precisamente, poderia ter posto a funcionar o esquema de acesso que, futuramente, não poderá deixar de contemplar a Regaleira, ou seja, obrigatoriedade de estacionamento das viaturas particulares no parque junto ao edifício do Departamento do Urbanismo em articulação com transporte público até ao destino.
Tudo quanto não seja algo de coincidente com esta solução apenas reproduzirá as cenas de terceiro mundo que toda a gente aceita por hábito entranhado da cultura de desleixo em que continuamos mergulhados.
O programa segue dentro de momentos...
Repare-se que, há ciquenta anos, nestas mesmas páginas do JS, em 18 de Agosto de 1957, António Medina Júnior dava conta de um engarrafamento monstruoso por ocasião do primeiro evento das Jornadas Musicais de Sintra (primeira designação do Festival de Sintra), espectáculo de bailado pelo Círculo de Iniciação Coreográfica de Margarida d´Abreu, no terreiro de Seteais. Andava eu pelos meus dez anos, lembro-me perfeitamente.
Meio século passado, continuamos não na mesma mas muito pior porque, entretanto, o parque automóvel aumentou exponencialmente. Era tempo de ter aprendido qualquer coisa. Era tempo de ter remediado e, definitivamente, solucionado o problema de acesso aquelas bandas. Mas não. Então, como agora, sempre em nome da Cultura, a Câmara Municipal de Sintra apenas nos deixa a alternativa de invocar São judas Tadeu, o advogado dos impossíveis...

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cívica denúncia



Na passada quarta-feira, dia 28, houve reunião pública mensal da Câmara Municipal de Sintra. Resolvi ir e intervir acerca de um problema de estacionamento que muito me tem ocupado. Quem acompanha estes textos já terá percebido que me refiro ao caso da Quinta da Regaleira. Depois de, acerca do assunto, tanto ter escrito na imprensa local e neste blogue, sem qualquer eco a nível da autarquia, considerei útil fazer mais esta diligência.
Entre outras razões, assim decidi actuar porque, de acordo com o regimento vigente, a minha participação na reunião do executivo foi devidamente registada em Acta, passando a constituir inequívoca prova da chamada de atenção para uma situação extremamente problemática, que já podia ter sido solucionada. Portanto, no lugar preciso onde coisas que tais devem ser expressas, limitei-me a fazer uma pública denúncia de incapacidade.
No momento em que intervim, portanto, na actualidade, a comunidade sintrense foi oficialmente informada acerca da incapacidade de intervenção do poder local num caso específico. No futuro, tal denúncia passará à qualidade de elemento de trabalho, um entre inúmeros manifestos de incapacidade, que o escrutínio da História não deixará de observar para os efeitos que tiver por convenientes.
Muitas vezes acontece que aquele tipo de participação cívica, decorrente da crença na efectiva operacionalidade dos mecanismos da democracia, não atinge os resultados esperados. É absolutamente natural num país como o nosso em que, tanto a administração central como local, apesar de tanto computador, não conseguem admitir que, em pleno século vinte e um, ainda permanecem no modelo napoleónico...
Um conhecido caso...



E volto ao caso da Regaleira. Mais tarde do que cedo, a situação vai resolver-se, inevitavelmente, de acordo com a solução que, há tanto tempo, tenho vindo a apontar, sem ponta de originalidade nem qualquer alternativa. Mesmo com uma perspectiva de análise sistémica e de acordo com uma estratégia integrada de resolução - avessa ao enquadramento de casos isolados - a questão da Regaleira já podia ter sido resolvida e bem resolvida.
Os carros serão estacionados, mais ou menos longe do complexo monumental, em local a partir do qual funcionarão transportes públicos, devidamente adequados ao trajecto que deverão percorrer, no âmbito de uma carreira regular, que por ali passará ou terminará, com uma tarifa que há-de incluir o preço do parque. E tanto, tanto tempo, para pôr a funcionar o que todos sabem ser inevitável! Mas convém adiar, sempre vão escorrendo mais uns cobres em consequência da cómoda insanidade do estacionamento em cima dos passeios...
Entretanto, o que não acredito é que, como deveria acontecer, por um lado, a autarquia e, por outro, a força policial, exerçam a autoridade democrática de que estão investidas. Ou seja, nem a Câmara Municipal de Sintra instalará imediatamente os pilares que será forçada a colocar, para impedir o acesso das viaturas aos passeios daquele segmento da Rua Barbosa du Bocage, nem a Guarda Nacional Republicana impedirá os prevaricadores de tão lesivo como ilegal comportamento.
Aquelas são competências inequívocas e inalienáveis, independentes da solução. Em qualquer lugar civilizado, nem o poder local nem a polícia se demitiriam mas, entre nós, com a instalada e institucionalizada cultura do desleixo, vamos ter de esperar e continuar a assistir ao caos do costume, porque somos uns tipos porreiros pá, condescendentes e tolerantes à brava...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Luminárias hipócritas

Mais uma vez, venho abordar o tema das luminárias natalícias cujos objectivos de animação do espaço urbano me permito duvidar. Reparem que recorri ao verbo duvidar porque, apesar de se tratar de domínio tão luminoso, prevalece a penumbra da incerteza em relação a hipotéticos benefícios. Assim sendo, prefiro ser comedido e deixar para os autarcas as positivas avaliações do costume, a eles que, mesmo à noite, observam o que lhes convém com óculos cor de rosa.
Embora, em Notas Diárias da passada segunda-feira, já me tenha pronunciado com uma ou outra consideração de ordem estética, manifestando a minha perplexidade quanto à ligeireza como os responsáveis camarários autorizam a instalação de dispositivos decorativos luminosos de tão baixo nível, ainda gostaria de chamar a atenção para o que acontece à luz do dia.
É que, para além de não ter alternativa e, mal o Sol se põe, ser obrigado a tolerar a exibição de tão duvidosa, mas flagrante, falta de gosto, assisto à sistemática hostilidade diurna de estruturas metálicas impositivas, invasoras, agrestes, extremamente desagradáveis. Aço, metal brilhante, apontando ao alto mas bem à altura dos olhos, não há como escapar-lhes na Heliodoro Salgado. Como não tenho qualquer motivo para autopunição ou penitência, apenas conheço o que se passa na Estefânea e Vila Velha. Pela amostra, imagino o resto...


Por outro lado, também gostaria que me acompanhassem em brevíssima observação da prática decorativa que consiste no sublinhar das linhas dos monumentos com milhares de lâmpadas. Enquanto testemunhos de um património que importa respeitar e saber mostrar, devem eles suportar esta performance? A dignidade monumental joga com tal manifesto de provinciano exibicionismo? Ou não será que preferem atitudes de sábia e sofisticada iluminação, a que nos habituaram os casos dos Jerónimos e Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, só para citar dois dos mais conhecidos?


Quem terá convencido certos decisores de que os objectos assim sublinhados ganham alguma coisa com tal prática? Bem sei que algumas destas soluções são importadas. Mas isso, o facto de ser prática no estrangeiro, continua a ser argumento? Ou será que tanta luz ofusca o discernimento?
Pó debaixo do tapete...
Em terra onde tanto há que fazer no sentido de a limpar das horríveis mazelas que escancara todos os dias para nosso desgosto e vergonha, estas luminárias têm o condão de reforçar a ofensa. As tais centenas de milhar de lâmpadas funcionam como perfeito simulacro de que tudo, à superfície, está aparentemente bem, mais não fazendo que, afinal, reproduzir a táctica da dona de casa porca e relaxada que atira para debaixo do tapete a sujidade que por lá abunda...
Só no que se refere à questão da iluminação, na sede do concelho, nem sequer faltam à Câmara Municipal de Sintra motivos de preocupação. Para além de a edilidade jamais ter decidido manter a unidade do modelo de candeeiro que mais convém,* a evidente falta de iluminação pública constitui inquestionável factor de insegurança em determinadas zonas. O que se passa entre a Regaleira e Seteais é flagrante exemplo do que não deveria acontecer. Infelizmente, são inúmeros os casos em São Martinho, São Pedro, Santa Maria e São Miguel.
Como se tudo isto já não constituísse um ramalhete bem recheado, acresce o recentíssimo facto de, dia sim, dia sim, ocorrerem inoportunos, desagradáveis e sistemáticos cortes de corrente na Estefânea, por causas atribuíveis à sobrecarga das luminárias e/ou incorrecta manipulação das linhas eléctricas pelo pessoal que as instalou. Já no ano passado se verificou a mesma situação e, como de costume, ninguém vem a público dar a mínima satisfação.


Ah como tresanda a hipocrisia a mensagem que Sintra (qual Sintra?) pendurou nas rotundas!
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* Em 5 de Agosto de 2005, o Jornal de Sintra publicava um artigo que subscrevi subordinado ao título Volta do Duche volta a dar que falar no qual identifiquei, sem pretender ser exaustivo, dez diferentes modelos de candeeiros de iluminação pública, só entre a Estefânea e a Regaleira!... É admissível a existência de várias tipologias, todavia coerentes com as características da zona, do bairro. Ou não passará tudo de bizantinice do escrevente?

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Programas do CCOC



Se bem se lembram, o texto de ontem referia-se ao Festival de Sintra cuja guarda avançada logística compete à equipa da SintraQuorum, residente no Centro Cultural Olga Cadaval. Ora bem, pretendo hoje continuar a falar desta boa gente por dois motivos, ou seja, primeiramente, porque se me impõe a rectificar um comentário que subscrevi e, em seguida, para abordar a hipótese de nova iniciativa.
Vamos, então, à rectificação. O último parágrafo do texto do Notas Diárias de 22 do corrente, subordinado ao título Festa para Dona Olga, suscita uma interpretação que escapou ao meu propósito. Aquele advérbio de modo - finalmente - induz o leitor à conclusão de que - agora sim - vamos lá a ver se temos uma festa com a participação das crianças...
Se bem que, a partir do que escrevi, esta leitura seja absolutamente natural, ela foge à verdade dos factos já que, pelo menos, de há três anos a esta parte, a comemoração do aniversário da Senhora Marquesa, no Grande Auditório, tem tido a massiva participação da miudagem das escolas.


A Directora do Centro Cultural, Arq. Isabel Worm, a quem as crianças de Sintra tanto devem, pelo cuidado que coloca na programação de iniciativas para o público infantil - por vezes lutando como autêntico Don Quixote de saias - tem tido o particular cuidado de articular a celebração da memória da Senhora Marquesa com esta marca, tão concreta como simbólica que a presença da criança constitui como promessa de um futuro melhor.
Nova iniciativa

Enfim, está feita a justiça a quem de direito e, acreditem, nada podia ter-me dado maior prazer.
Programação musical de bom nível, o reconhecimento da capacidade directiva de uma excelente agente cultural, a criança como destinatária e a memória de Dona Olga como núcleo de preocupação, eis os ingredientes para a satisfação a que também tem direito este humilde escrevente...


E passo à nova iniciativa, com uma pequena introdução. Não estou naquilo que costuma designar-se como segredo dos deuses mas, animado por esta latente e permanente curiosidade com que Deus Nosso Senhor me dotou, lá vou conseguindo apanhar, nalgumas conversas com amigos bem colocados, os indícios suficientes que me permitirão partilhar convosco, sem quebra de confidência, a hipótese de concretização de determinadas iniciativas culturais.
Trago-vos novas sobre cinema. Muitas vezes se tem colocado a hipótese de promover ciclos de cinema no Pequeno Auditório do CCOC. Na realidade, com aquela disponibilidade, é uma pena que, até agora, as várias diligências de que tenho conhecimento não tenham surtido o efeito desejado. Entretanto, sei que está em curso nova tentativa. Ainda é tão embrionária que, para noticiar, só há a intenção.


Como é uma boa intenção, não me venham já com o aforismo do costume porque, se assim fosse, o Inferno seria um lugar muito melhor... Se quiserem, aceitem o convite e acompanhem-me na expectativa de ciclos temáticos de filmes em articulação com o Festival de Sintra, com as exposições do Museu de Arte Moderna-Colecção Berardo, com iniciativas da Biblioteca Municipal, ciclos do próprio CCOC, através de protocolos com a Cinemateca e outras entidades, ciclos de cinema que, naturalmente, jamais concorreriam com os circuitos comerciais.
Então não era uma boa? Até pode ser que não venha a contecer. Mas lá que se está a trabalhar para isso, não tenham dúvida. Por mim, vou fazendo figas, para afastar o mau olhado...

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Festival de Sintra

O Centro Cultural Olga Cadaval é uma casa cujos dispositivos, ao mesmo tempo que constituem um enorme privilégio para a comunidade, também desafiam permanentemente administradores e directores no sentido de os rendibilizarem em toda a sua dimensão e possibilidade de oferta de programas interessantes e diversificados.

A concretização anual do Festival de Sintra, que põe à prova toda a capacidade de organização de uma equipa tão limitada como polivalente, absorve e mobiliza um trabalho que nunca termina porquanto, para que as coisas corram bem, pressupõe compromissos de agenda de um, dois e, por vezes, mais anos de antecedência.

Trata-se uma grande máquina que funciona sobre rodas, bem oleada, discreta. Tal não equivale à afirmação de que, por outro lado, não haja muito que fazer, por exemplo, no domínio da divulgação dos eventos, o que não significa contratar e pôr a funcionar uma campanha publicitária mas, isso sim, a capacidade de comunicação com as potenciais audiências, passando pela adopção de uma estratégia de aproveitamento dos media que, infelizmente, ainda está por acontecer.
Brilho que não ofusca
Não tenho a mínima dúvida em continuar afirmando, como há anos o faço, que o Festival é o grande e mais sofisticado produto cultural de Sintra. O seu passado, brilhantíssimo em qualquer latitude, em especial pelos intérpretes que a ele ligaram o nome durante cinco décadas, constitui mais uma componente do património virtual desta terra, indissociável, aliás das suas belezas naturais, paisagísticas e monumentais.
Às pessoas que, desde o início e actualmente, mais intimamente têm estado relacionadas com o Festival de Sintra, é devida uma palavra de reconhecimento. Quanto mais me tenho interessado pelo estudo desta iniciativa cultural, mais se me evidencia como tutelar, a personalidade e a figura do Senhor António José Pereira Forjaz que, como todos sabem, foi Presidente da Câmara Municipal de Sintra durante toda a primeira fase da história do Festival. Homem informado e culto, elegante, sempre empenhado no Festival até ao mais ínfimo pormenor, era um caso sério de relações públicas, a ele se devendo uma grande parte da implantação e do sucesso subsequente.

A Senhora Marquesa de Cadaval, o pianista Sequeira Costa como primeiro director artístico, a operacional Dra. Ana Alcântara, o Presidente Távares de Carvalho e, mais recentemente, Dr. Luís Pereira Leal e Mestre Vasco Wellenkamp, respectivamente, directores das vertentes musical e de dança, o Dr. Mário João Machado - o mais antigo elemento de sucessivas equipas, desde 1969 - e a Arq. Isabel Worm, da Administração e Direcção da SintraQuorum, foram e são alguns dos mais empenhados obreiros do Festival de Sintra.

Talvez um dia...

Comecei a vir ao Festival de Sintra, de calções, há cinquenta anos. Também desde miúdo que tenho a felicidade de frequentar e, nalguns casos de me ter tornado membro de associações que patrocinam os mais distintos Festivais internacionais como os de Salzburg, Viena, Bayreuth, Lucerna, Glyndbourne, Aix en Provence. Tenho obrigação de saber acerca do que escrevo quando me permito comparar e distinguir iniciativas culturais tão prestimosas.

É por isso que sonho com uma época futura em que o enquadramento da oferta hoteleira e o cuidado com a manutenção de todo o espaço urbano deixem de ser o que são e, minimamente, venham a coincidir com o que acontece lá por fora, para que os melómanos de todas as origens e disponibilidades financeiras se possam instalar em Sintra, disfrutando daquilo a que têm direito, numa tera que está classificada como Paisagem Cultural da Humanidade.

Na realidade, por enquanto, com a dominante cultura do desleixo, o quadro não é nada favorável. Bem podem o Centro Cultural Olga Cadaval e a SintraQuorum continuar fazendo o bom trabalho a que nos acostumaram que a insatisfação permanece, impedindo que o Festival de Sintra produza as mais-valias que acontecem nos locais que referi.

Ao contrário do que para aí se diz, não há ilhas de excelência. Há gente, grupos, equipas de pessoas empenhadas que funcionam bem e o resto que não funciona tão bem ou opera mesmo mal. A excelência é outra coisa que existe, sim senhor, mas não coexiste com o desleixo e a pouca vergonha. É só por isso que me recuso a escrever que, ali defronte, no Olga Cadaval, há uma ilha de excelência...

segunda-feira, 26 de novembro de 2007



Luminárias


Quando chega esta altura do ano, já que não temos outro remédio senão aguentar com as iluminações natalícias, muito gostaríamos de ver uma decoração discreta, adequada às características desta terra, com um mínimo de sofisticação e de bom gosto. Infelizmente, mais uma vez, assim não acontece.

Desde já vos diria que, muito dificilmente poderei aceitar que sejam desperdiçadas verbas de um orçamento, cada vez mais mitigado, em efémeras luminárias que nem às ingénuas criancinhas de colo conseguem agradar. Naturalmente, preferiria ver a autarquia declaradamente preocupada, por exemplo, com a instalação de iluminação permanente, no designado parque de estacionamento do edifício do Urbanismo que, nas noites de eventos no Centro Cultural Olga Cadaval, permitiria arrumar muito automóvel. Enfim, outra seriedade…

Quem conhece lugares congéneres onde, sazonalmente, os enfeites urbanos constituem indispensável motivo de atracção, percebe perfeitamente que me refiro à necessidade de não abastardar ou, sequer, prejudicar locais particularmente interessantes das aldeias, vilas ou cidades e, pelo contrário, tudo fazer no sentido de melhorar o aspecto habitual.

Estes propósitos costumam andar de braço dado com o objectivo de animação comercial, numa altura do ano em que se prevê uma maior disponibilidade das famílias. Assim sendo, seria de esperar que, neste domínio das decorações natalícias, se actuasse com particular cuidado já que ninguém pretenderá obter o efeito perverso de desagradar e afugentar seja quem for.

Quem será o artista?

No ano corrente, é bem menor a quantidade das iluminações de Natal, na Estefânea e, em especial, no eixo da Heliodoro Salgado. E fico-me por aqui para não me incomodar demasiado. Em termos estéticos, portanto, quanto à qualidade, pode falar-se num inqualificável ciclo de horrores que nenhum detestável lugar mereceria, nem mesmo aquela artéria que se tornou no pavor a que ainda não nos habituámos.

Comecemos com a fonte cibernética, junto a Nunes Carvalho que, há semanas, ostenta aquela armação desconforme, que só podia articular-se com a horrorosa grelha das festas felizes… Que cinismo! Mas, continuando, então o que dizer da zona pedestre onde, para além dos pendurados adornos, cujas formas e cromatismo não têm gosto nem desgosto, colocaram no pavimento outra armação metálica, qual foguete helicoidal que parece pretender simbolizar uma árvore de Natal?

Muito gostaríamos de saber quem é, nos competentes serviços camarários, o artista que encomenda e despacha favoravelmente a instalação destas luminárias, transformando certas zonas de Sintra numa espécie de inconcebível arraial minhoto. No meio de tudo isto, quem fica a rir-se são os tais Irmãos Castro, que lá vão fazendo o seu negócio. Se lhes encomendassem coisa de jeito, certamente que saberiam produzi-la… Toda a gente vê a capacidade de concretização, a logística e a eficácia da empresa. Só lhes falta é interlocutor à altura...