[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Antena Dois,
sinais dos tempos

(Continuação)


Não muito mais tarde, ao concluir que os destinatários das observações ou faziam ouvidos de mercador ou nem sequer tomavam conhecimento, passei a enviar mensagens por correio electrónico. Infelizmente, no entanto, o resultado não foi melhor. Resolvi contactar e recorrer ao amigo José Nuno Martins, meu contemporâneo da Faculdade de Letras e actual companheiro de outras lides que, até muito recentemente, desempenhou as funções de Provedor do Ouvinte.

Aqui, neste mesmo blogue, poderia convosco partilhar informações a partir de contactos particulares com outras fontes igualmente fidedignas, que me levam a acreditar que o maior número de reparos de sinal negativo à oferta da Antena Dois se reporta ao já citado Império dos Sentidos e a todos os programas em que, directamente, intervém o Sr. João Almeida, o próprio subdirector.

Porém, apenas me socorrerei daquilo a que todos os ouvintes puderam aceder, ou seja, ao trabalho do Provedor. Toda a gente conhece José Nuno Martins, nele apreciando o imenso profissionalismo, a coragem e desassombro, bem como a grande capacidade de comunicador de alguém que, caso raro, ainda é senhor de um Português absolutamente irrepreensível. Portanto, não recorro a uma qualquer e ordinária fancaria, antes a produto de primeira qualidade…

Por várias vezes, fazendo-se portador dos reparos de muitos ouvintes, confrontou o subdirector João Almeida com opiniões que lhe não eram nada favoráveis e até muito contundentes, concedendo-lhe oportunidade de defesa e tempo de antena para expor a pertinência das suas opções e opiniões que, tão radicalmente, desgostam ouvintes da estação, habituados a outros paradigma e gabarito.

Então, quando foi possível começar a ouvir o resultado da actividade do Provedor do Ouvinte, representando e fazendo eco de justíssimas críticas e de testemunhos que teve o cuidado de fazer gravar, para emitir em tempo precedente à defesa do atingido, apenas se confirmou a falta de categoria, a falta de preparação científica, académica e profissional, numa palavra, a sobranceria daquele radialista.

Já enquadrados pelo actual figurino ou pelos precedentes, por aquele programa da manhã passaram, por exemplo, Judith Lima, Luís Caetano, Gabriela Canavilhas, André Cunha Leal, Ana Paula Russo, apenas para citar pessoas que não podem confundir-se com o actual pivô, um tal Paulo Guerra que deve ter frequentado o mesmo curso que João Almeida, acabando por transformar o Império dos Sentidos - e por aqui me fico… - numa verdadeira ofensa ao bom senso.

É fundamentalmente este programa de três horas, entre as sete e as dez, que concita o maior número de críticas. Tornou-se um espaço palavroso, muito adjectivoso, onde se desfia e resgata imensa coisa, durante o qual o Sr. Guerra, ao apresentar qualquer tema musical – pelo meio das muitas, muitas, muitas notícias que repete até à exaustão – se limita à leitura das capas dos CD ou da página da Internet que deve consultar como muleta redentora no monitor à sua frente.

Por ali deixou de passar o filtro do verdadeiro melómano, pessoa culta e informada, eventualmente músico, com formação académica na área das Ciências Musicais, para residir e presidir a ignara vulgaridade de um locutor generalista que, tal como o seu subdirector, sem quaisquer anteriores créditos culturais, veio de um qualquer emissor, nada vocacionado para a Antena Dois, esta que é uma rádio outra, com a sua especificidade, exigindo uma mínima preparação que, desde o berço, de todo em todo lhes falta.


(continua)

sexta-feira, 27 de junho de 2008

RDP dois,
sinais dos tempos...

Há uns dias, uma boa amiga partilhava comigo o desgosto que, actualmente, muitos antigos e fiéis ouvintes da RDP 2 manifestam em relação à evidente falta de qualidade de alguns programas da designada rádio clássica. E, conhecendo-me tão bem como, aliás, se deve depreender dos escritos que costumo propor-vos, perguntava-me porque não escrevia eu acerca do assunto.

Como, de facto, a aludida falta de qualidade foi algo que logo se começou a notar – ainda no tempo do Acordar a dois, precisamente desde a altura em que se aposentou João Pereira Bastos, o anterior director da Antena Dois – o lapso de tempo é já tão longo que lembrei a essa minha amiga que, na realidade não podia ter deixado de expressar a minha opinião. E fi-lo, relativamente cedo, mal me apercebi da impreparação de quem substituiu aquele notável profissional e colaborador do canal cultural da rádio pública.

Várias horas de programação, três no começo da manhã e mais duas (depois reduzidas a uma) ao fim da tarde, passaram a estar cheias de imprecisões, de falta de rigor, fartas nas adjectivações em que são férteis todos os ignorantes que conhecemos. Foi um verdadeiro choque. E, para que não houvesse quaisquer dúvidas, imediatamente nos apercebemos de que não era coisa esporádica. A asneira instalava-se, nem mais nem menos, através da própria chefia…

Estávamos habituados a sintonizar uma estação onde sempre se cultivou o equilíbrio, uma certa elegância e sofisticação, a partilha de uma informação cultural actualizada, disponibilizada por colaboradores da mais alta craveira, dirigidos por pessoas do calibre de um Engº João Paes, por exemplo, com quem todos aprendemos ao longo de dezenas de anos de emissões. Pessoalmente, tenho dívidas enormes à RDP, à anterior EN, ao programa dois, desde criança, desde que me conheço.

É uma casa com um património de grande dignidade, à qual muitos de nós devem uma significativa parte da sua formação cultural e gozo da grande Arte, uma casa que, de um momento para o outro – sinais dos tempos… – ficou nas mãos de uma direcção ocupada por gente sem qualquer passado cultural, sem qualquer mérito, destituída de quaisquer créditos para o ouvinte tipo da Antena dois.

Primeiramente, recorri ao telefone. Estava habituado a essa prática. Durante anos, sempre foi por aquele meio que, por exemplo, contactei com a Judith Lima, ou Jorge Rodrigues, muito estimáveis pessoas e excelentes profissionais (que, entretanto, sintomaticamente, abandonaram a estação…) com quem trocava impressões, fazendo sugestões, dando o ânimo de que careciam, sempre que me apercebia de que algo não estava a correr tão bem como mereciam.

Mas, infelizmente, diferentes passaram a ser as razões que me levaram a procurar o contacto, em especial, relativamente ao referido período da manhã com o programa Império dos Sentidos e ao da tarde, Linha do horizonte, que substituira o Ritornello. Frequentes foram as vezes que marquei aquele conhecido número de telefone, para chamar a atenção e corrigir certos detalhes, sempre que me apercebia que, com a maior desfaçatez, com a maior ligeireza, o próprio subdirector incorria em menores ou maiores erros, em apreciações valorativas da maior vacuidade, sem qualquer substância.

(continuação)

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Seteais,
estratégias de comunicação

(conclusão)


Daí que, mais uma vez, tenha decidido abusar da vossa paciência. Faço-o, no entanto, na convicção de que não deixo de representar muitos munícipes que, não me tendo passado procuração, certo é que se sentem representados pelas minhas palavras.

Todos ficamos na expectativa de que a Câmara Municipal de Sintra sinta necessidade de se informar quanto ao que está a acontecer. Todos esperamos que, em defesa dos interesses dos cidadãos e munícipes sintrenses, a autarquia informe a comunidade relativamente às suas diligências sobre um bem patrimonial que, estando sob a tutela do poder central, constitui, ao longo de séculos, um marco altamente simbólico desta comunidade.

Ao fim e ao cabo, num tempo em que a comunicação é tão fácil quanto exigente, venho solicitar à Câmara Municipal de Sintra que, para já, apenas acerca de Seteais, adopte uma eficaz estratégia de comunicação. Julgo que não é pedir demais já que me refiro a um direito fundamental.

Nota final

Nos últimos dias, como verificaram, estive exclusivamente voltado para Seteais. Com tanto assunto para trabalhar – numa terra que, infelizmente, é pródiga em matéria susceptível de ser notícia pelas piores razões – julgo ter feito o que se impõe. Seteais, repito, não é um fait divers. O que ali está acontecendo, apresenta duas vertentes muito preocupantes, ou seja, por um lado, o designado encerramento temporário e, por outro, a polémica construção do depósito de água.

Primeiramente, o encerramento não se justifica, não é razoável e, por mais que se afirme que são razões de segurança que o determinaram, a realidade contraria em absoluto argumento tão fraco e falacioso. E, de facto, se pretendem invocar razões e preocupações com a segurança de pessoas e bens, elas já estão a dar que falar mas, claramente, fora do recinto.

A propósito de segurança, vou estar muito atento, isso sim, aos resultados do acidente de que foi vítima o condutor do veículo de transporte de turistas (vd., neste blogue, Última hora de 20.06.08) que põe em causa os serviços da empresa que está envolvida com o grupo Espírito Santo na recuperação de Seteais.

Em segundo lugar, extremamente preocupante, a tal construção. Ontem mesmo fui à reunião pública do executivo municipal denunciar esta situação que também já foi objecto de pedido de esclarecimento ao IGESPAR, por parte da administração da Parques de Sintra Monte da Lua e de comunicação à UNESCO. O Senhor Presidente da Câmara mandou extrair cópia da Acta para fazer seguir um pedido de esclarecimento ao IGESPAR.

Afinal, como facilmente se conclui, há todas as razões para acompanhar e apoiar esta luta que a ALAGAMARES lidera, na sua qualidade de única e inequívoca associação preocupada, motivada e envolvida na defesa do património de Sintra, sem medos atávicos de ferir a susceptibilidade de quem quer que seja.

A defesa do património pressupõe correr riscos, inclusive o de ser acusado de procurar protagonismo… A ALAGAMARES, em digno trabalho de exemplar cidadania, expõe-se publicamente em defesa do nosso património e, por tudo isto – como se já não bastasse tudo o que tem feito nos últimos anos, em vários domínios da actividade da animação cultural – ganhou o inequívoco crédito e o lugar que os sintrenses preocupados com estes assuntos já desesperavam de atribuir a quem efectivamente merece. Naturalmente, também o seu Presidente, o Dr. Fernando Morais Gomes, está de parabéns.

quarta-feira, 25 de junho de 2008


Seteais,
estratégias de comunicação
(continuação)


A propósito

As obras são perfeitamente compatíveis com a continuação das visitas, desde que limitadas aos espaços onde, inequivocamente, em tão larga superfície, os visitantes não correm quaisquer riscos. Mas, a propósito, importaria perceber se a Câmara Municipal de Sintra tem conhecimento, de qualquer modo foi informada ou procurou informar-se acerca de todos os trabalhos em curso. De igual modo, cumpre entender se o IGESPAR, entidade à qual compete o acompanhamento técnico da obra, está efectivamente a acompanhar os trabalhos que, simultaneamente, decorrem no exterior.

Mas que razão me leva a levantar este problema? Pois, muito simplesmente, porque não suscita a mínima tranquilidade a obra que está a decorrer no antigo tanque, visível a partir da estrada. O que, naquela propriedade, era um local aprazível, fresco e calmo está a ser transformado numa zona descaracterizada, onde funcionará um grande depósito de água. A escala da construção inicial foi tão significativamente aumentada que já ali se aplicaram muitas toneladas de betão, através de melindrosas trasfegas a que tenho assistido.

Aliás, permitam-me um aparte para dar conta de que a última dessas operações, na passada sexta-feira, originou um lamentável acidente, registando-se um ferido com alguma gravidade, sinistro a propósito do qual será necessário apurar se a empresa de segurança, envolvida com o grupo Espírito Santo nestas obras de recuperação, esteve ou não à altura das circunstâncias, actuando como seria suposto e desejável.

Volto à questão que venho abordando para confirmar que as dúvidas que se me têm colocado são partilhadas pela Parques de Sintra Monte da Lua, entidade que, a partir da terceira semana de Agosto próximo, será responsável pela totalidade do espaço de Seteais. Tanto quanto consegui apurar, a administração daquela empresa já pediu explicações ao IGESPAR sobre tão polémica obra.

De facto, a intervenção em curso, para além de outros indesejáveis factores, como o tão evidente aumento da escala ou a aplicação de controversos materiais, pôs em causa, de modo inequívoco, a salvaguarda do espírito do lugar, circunstância a evitar a todo o transe, para além de contrária ao que determinam as cartas internacionais que Portugal subscreveu e que, para todos os efeitos, está obrigado a respeitar.

Por outro lado, adicionalmente, também me é possível informar que a própria UNESCO já foi posta ao corrente da situação. Afinal, esta questão de Seteais, não é bem aquilo que o senhor Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Sintra já classificou como teimosia de um grupo de cidadãos fundamentalistas. Afinal, para além do próprio encerramento temporário, há razão bastante para justas e iniludíveis preocupações quanto à preservação, defesa e recuperação do património em causa.


(continua)

terça-feira, 24 de junho de 2008

Seteais,
estratégias de comunicação

(Continuação)

Como lembrei, o texto está escrito sobre fundo negro. Mas, à esquerda, o painel tem uma faixa diagonal a branco. E, precisamente na zona em que branco e negro se encontram, aparece a afirmação inequívoca mas sui generis de uma certificação. Assume a forma de um carimbo circular onde, bilingue, surge a indicação do termo das obras, Reabertura prevista 2009 preview reopening. Apenas 2009.

Claro que é um recurso gráfico. No entanto, mesmo nessa qualidade, tratando-se de uma certificação tão institucional quanto possível a uma entidade particular, optaram por não atestar o tal compromisso com o primeiro trimestre… Ora bem, terão de concordar que nada disto é inócuo. Muito pelo contrário, ainda que pressionada pelas reacções públicas ao encerramento, revela uma saudável necessidade de comunicar.

Julgo não exagerar se afirmar que, inclusive, revela a adopção de uma estratégia que, sumariamente descodificada, até abona a favor do Grupo Espírito Santo… Aliás, no meio de tudo isto, se há entidade que, pelo clamoroso silêncio, revela uma nítida falta de estratégia comunicacional e geral é a Câmara Municipal de Sintra. Em todo este processo apagou-se, sumiu-se, envergonhou-se, como se nada disto lhe competisse.

A história das tentativas de encerramento de Seteais demonstra que, ao longo de duzentos anos, sempre que o problema se colocou, a Câmara Municipal de Sintra, esteve invariavelmente ao lado do povo que protestava. Desta vez, já em pleno século vinte e um, perante um consumado encerramento temporário, mascarado por falacioso argumento – a pretensa falta de segurança – a Câmara apenas evidencia uma cómoda estratégia de silêncio. De qualquer modo, está a dar à História o manifesto da sua capacidade. E, não estando ao lado do povo, percebe-se perfeitamente a companhia que prefere.

Aliás, os partidos políticos representados na Assembleia Municipal também não ficam muito melhor no retrato… Reparem que, só dois meses depois das primeiras reacções públicas em que estive envolvido e de que dei conta, é que o Bloco de Esquerda apresentou uma moção contra a situação em Seteais, portanto, já a reboque da movimentação em curso. Enfim, do mal o menos. Mais vale tarde…

A terminar, julgo poder afirmar que, apesar do já consumado encerramento do Penedo da Saudade, cuja reabertura deveria ser reivindicada; embora, inopinadamente, o hoteleiro concessionário se tenha permitido impedir o acesso de viaturas não pertencentes a hóspedes do hotel; ainda que, no passado recente, por diversas vezes, o mesmo grupo Espírito Santo tenha fechado temporariamente o terreiro, a seu bel-prazer, sempre que nisso viu conveniência; pois, apesar de todo este currículo mais ou menos lamentável, jamais alguém pôs em dúvida que houvesse coragem para não reabrir.

O que está em causa é o encerramento temporário, determinado por razões de segurança que, manifestamente, não colhem. Tal encerramento causa escândalo porque não é racional, na medida em que foi determinado com falta de senso. Enfim, nem se pediu que o concessionário fosse suficientemente esclarecido para, inclusive, promover as visitas precisamente com o objectivo de que as obras fossem encaradas como um espectáculo em curso, como, felizmente, já se faz em tantos lugares, mesmo entre nós, e, proximamente, mesmo em Sintra, durante a recuperação do Chalet da Condessa.

(continua)

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Seteais,
estratégias de comunicação


[Depois de, na passada sexta-feira, ter interrompido para partilhar um episódio daquele dia, continuo com o assunto anteriormente iniciado].


(continuação)

Então, passando a privilegiar a formalidade institucional do preto e branco, em mensagem bilingue, português e inglês, o hoteleiro informava:

Acesso temporariamente indisponível. O Tivoli Palácio de Seteais está de momento em remodelação. Lamentamos informar que, por razões de segurança, o acesso ao palácio e jardins se encontra temporariamente indisponível. Pedimos desculpa pelo incómodo. À guisa de assinatura, aparecia um endereço electrónico http://www.tivolihotels.com/ e, quase no limite da superfície comunicante, no canto inferior esquerdo, uma identificação minúscula Espírito Santo ES Hotels.

Sintomas

Tão simpáticos, até lamentam e pedem desculpa… Mas, se ficaram impressionados – apesar da ignorância quanto às razões de segurança (?!) que impedirão o acesso ao recinto – preparem-se para o último dos cartazes com que nos brindaram. De dimensões significativamente mais avantajadas que o precedente, privilegiando a horizontalidade, ao contrário do anterior em que dominava a verticalidade, é também bilingue e, igualmente, formal e solene na utilização do preto e branco.

Ainda que o tratamento gráfico tenha sido ligeiramente alterado, o discurso é totalmente coincidente, desde o título Acesso temporariamente indisponível, até ao final do segundo período do texto em que, novamente, aparece a expressão temporariamente indisponível, repetição indesejável que não houve o cuidado de evitar, embora não faltassem alternativas perfeitamente eficazes.

Eis, então, a grande alteração. Sentiram necessidade de compensar a indisponibilidade do acesso que, unilateralmente, decidiram, invocando a boa causa: Estamos a trabalhar para melhorar este espaço. Depois, a rendição à necessidade de se comprometerem com um prazo, para além de sossegarem quanto a qualquer dúvida sobre uma interpretação de encerramento definitivo: Os jardins estarão novamente abertos ao público no primeiro trimestre de 2009. E, rematando, em caracteres de corpo maior, Pedimos desculpa pelo incómodo.

Confessem que estão sensibilizados, quase comovidos com tanta simpatia e consideração. Na realidade, que mudança! Ainda se lembram da primeira mensagem Proibida a entrada de pessoas estranhas à obra, frase eficassíssima mas tão económica que o próprio verbo é subentendido? Meu Deus! Que caminho fizeram!... Todavia, ainda falta chamar a vossa atenção para um detalhe deveras interessante.

(continua)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Seteais, última hora

Resolvi interromper a publicação, ontem iniciada, do texto subordinado ao título Seteais, estratégias de comunicação, no sentido de vos dar conta de um facto relacionado com as obras em curso em Seteais ocorrido esta manhã.

Primeiramente, no entanto, preciso é que contextualize a notícia. Como já tenho escrito, só quando não estou em Sintra é que não passo diariamente por Seteais. Daí que ninguém estranhe a circunstância de me aperceber quotidianamente do que é possível concluir a partir dos movimentos distinguíveis.

Já há algumas semanas que o antigo tanque, visível a partir da estrada que bordeja um dos limites da propriedade, está sendo objecto de grande intervenção. Tanto quanto me é possível saber, apenas por directas perguntas aos operários que ali trabalham, aquilo que era tosca construção está a transformar-se num grande depósito de água.

Para o efeito, na realidade, tenho assistido ao movimento que poderão imaginar. Hoje, por exemplo, estava a concretizar-se mais uma – julgo que a segunda – significativa trasfega de betão, com três betoneiras aguardando a vez. De facto, como hão-de calcular, tentei saber que autorização e pareceres do IGESPAR, que, como já estão ao corrente, faz o acompanhamento técnico da recuperação do palácio, estarão a montante desta específica obra.

Queria saber, andava em investigações e não pretendia escrever fosse o que fosse sem ter certezas. Contudo, ainda na ignorância, resolvi que hoje tinha de partilhar esta preocupação convosco porque a tal operação de fornecimento de betão deu origem a um acidente, infelizmente com um ferido cujo estado não estou em condições de poder informar.

Conhecem aquele veículo verde, tractor com um ou dois atrelados, que costuma fazer o circuito entre a sede do concelho e Monserrate? Hoje de manhã, cerca das dez horas, ao passar pelo local, no sentido Seteais-Monserrate, mesmo na curva à quota alta sobre o tanque, obrigado a tomar a faixa esquerda, porque a direita estava ocupada com a trasfegadora de betão, sentindo dificuldade em continuar o percurso, já que o tejadilho do atrelado batia no tronco de uma árvore, o seu condutor saiu do lugar, provavelmente para estudar melhor a manobra mas, parece, com o veículo mal travado que, descaindo, o empurrou contra o muro.

Tanto quanto me apercebi, terá havido falha de segurança. Reparem que, em lugar tão difícil, vencendo assinalável desnível, a manobra de várias betoneiras é uma operação crítica e sofisticada. Mas há uma empresa à qual compete concretizar as obrigações decorrentes de situações que tais. Desconheço se tudo se terá processado de acordo com as regras. Desconheço, por exemplo, se era necessário que a autoridade policial estivesse presente para dirigir o trânsito tão alterado. Fica no ar, portanto, a questão de apurar se terão sido mobilizados todos os meios materiais e humanos adequados.

Quando eu próprio passei, apenas verifiquei que o homem estava estendido no pavimento e havia alguém que lhe aplicava um pacho com qualquer produto. O que não consegui, foi aperceber-me se algum elemento da tal empresa de segurança, envolvida com o Grupo Espírito Santo na recuperação do Palácio, estaria presente antes do acidente e, se afirmativo, terá feito o que lhe competia para que o motorista não tivesse incorrido em manobra que lhe podia ter sido fatal.


Conclusão

Tudo isto se passa à volta de uma obra que, minimamente, é algo controversa. Sei que a própria Parques de Sintra Monte da Lua já terá manifestado preocupação com a natureza e características destes trabalhos em curso, com toneladas de betão à mistura, executados num bem patrimonial que lhe passará a estar totalmente afecto a partir de Agosto próximo.

Afinal, infelizmente, a controvérsia não se limita ao encerramento dos portões. Sempre quero ver que explicações nos poderão ser facultadas. Vamos lá a ver se, quem de direito, passa a encarar o caso de Seteais não como uma teima de um grupo de munícipes fundamentalistas mas como uma questão séria, altamente significativa e simbólica e não um qualquer fait divers

quinta-feira, 19 de junho de 2008


Seteais,
estratégias de comunicação

Se, na sequência da intempestiva decisão de encerramento do terreiro de Seteais, necessário fosse prova bastante do manifesto desconforto do Grupo Espírito Santo, encontrá-la-íamos nos sucessivos cartazes que, junto aos portões, tem vindo a colocar desde os primeiros dias da ofensa, evidenciando o modo como a questão foi objecto de alteração da sua estratégia de comunicação pública.

Numa primeira fase, talvez não prevendo que o encerramento daquele espaço fosse susceptível de desencadear a reacção que tive a honra de iniciar logo na primeira semana de Março, o hoteleiro concessionário pendurou dois avisos, cuja secura não podia ser mais patente, através dos quais apenas informava não ser permitido o acesso de pessoas estranhas à obra.

Seguidamente, apareceu um painel informativo das entidades envolvidas no processo de reabilitação em curso, cuja natureza e características são as habituais em circunstâncias idênticas. Ainda hoje, sensivelmente no mesmo local, permanece a uma tal distância do gradeamento que a compreensão da mensagem é impossível a olho nu. Portanto, como calculam, tive de recorrer ao binóculo…

Tomar nota

Apenas nos deteremos na leitura, já que a interpretação deste dispositivo, embora apetecível, poderia tornar-se fastidiosa e exigiria um espaço inusitado. E, na verdade, não estamos numa aula de semiótica... Passemos ao mínimo dos mínimos. Ocupando a faixa superior, à esquerda, sobre fundo negro e com caracteres brancos, portanto, com solenidade q.b., aparece o cartão de identidade da unidade hoteleira objecto da intervenção em curso (cada /significa mudança de linha):


Tivoli/Collection/Palácio de Seteais/Sintra/Heritage Hotel/cinco estrelas da ordem. À direita, o reforço do retrato local, directo e a cores. Sintomáticas, as designações em língua inglesa, primeiramente, collection e, três linhas abaixo, heritage. Estão a perceber como não se desperdiça a oportunidade de dar a entender aos anglófonos o privilégio de possuir (nós ou o concessionário?) tal património?...

A meio do painel, sobre verde fundo, articulando com o cromatismo do relvado, a identificação do dono da obra, Tivoli/Hotels & Resorts. Nessa mesma média faixa, à esquerda, a identificação da entidade a quem compete a Coordenação/e Fiscalização, ou seja, a Series/ES/Serviços Imobiliários Espírito Santo, S.A. Do lado oposto, portanto, à direita, ficamos a conhecer o logotipo do Empreiteiro Geral/HCI Construções e, também de acordo com a lei vigente, a indicação HCI – Construções, S.A./Alvará de Construção nº 1401.

Na faixa inferior, também dividida em três zonas, identifica-se a Coordenação de Segurança e Ambiente/Tabique/Wellive ao nosso lado esquerdo; na central, os Projectistas PV, Arquitectura, Lda., Procaf/CPF Engenharia, Carlos Lisboa, Lda.,Consultoria de Engenharia; finalmente, no canto inferior direito, a indicação do Acompanhamento Técnico/Igespar, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, a primeira entidade oficial mencionada.

Significado e significante

Como inequivocamente fica documentado, em parte alguma do painel se deduz a real condição do dono da obra que, na realidade, não passa de um mero concessionário. Não é dono das instalações, não é dono daquele património imobiliário nem, tampouco, da zona de jardins que o envolvem em tão singular enquadramento paisagístico. E haveria algum inconveniente em que tal condição fosse anunciada? Assim como não ficaria mal ao Grupo Espírito Santo a demonstração do privilégio de tal concessão, não acham que também o Estado deveria ter o cuidado de pôr os pontos nos ii?

O que aquele painel comunica à saciedade, é a exuberância de um poderoso grupo económico que, de armas e bagagens, está instalado em Seteais, procedendo a uma grande intervenção que, em termos técnicos, podia ser mas não é supervisionada, podia ser mas não é coordenada, podia ser mas não é fiscalizada por um pobre mas digno Instituto público que, afinal e para todos os efeitos, está reduzido à atitude (ou à actividade?) de um tolerado acompanhamento.

Continuemos. Umas semanas depois, apareceu um outro painel. Corresponde este a uma diferente necessidade de informação, a partir da qual o emissor considerou conveniente abrandar uma postura inicialmente demasiado telegráfica, seca, nada preocupada com a reacção do receptor.


(continua)

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Campo de Seteais,
tentativas de encerramento
(conclusão)


Todavia, continuando com José Alfredo, “ (…) nada disto consta das Actas, o que é muito curioso. (…) um professor primário que usava o pseudónimo de «Madoro» (…) foi o primeiro a saltar à liça (…) defendendo o pretendido ajardinamento e aceitando um horário que o Sr Conde de Sucena desejava estabelecer para «abertura e encerramento» dos portões (...)".

Ora bem, José Alfredo e um grupo de sintrenses não estão com demasias. Resolvem tocar o sino a rebate, simplesmente, reparem, porque constara que estava vedado o acesso ao Penedo da Saudade. [Que diferença com o que hoje se passa!...] O Comandante dos Bombeiros, Joaquim Cunha, dissuadiu-os à desistência do propósito, convencendo o grupo de que a «coisa» talvez não fosse por diante.E, efectivamente, dispondo de bons amigos na vereação, mexeu cordelinhos no sentido de que o objectivo do Conde de Sucena não avançasse.


Conclusão

Então, agora nós. Pois é, nós estamos de pé atrás e, pelos vistos, muito boas razões temos para isso. O actual e eufemisticamente designado encerramento temporário do recinto de Seteais, baseado em esfarrapados argumentos de preocupação com a segurança dos visitantes, não augura nada de bom. Está encerrado com base numa descarada mentira pelo que, mantê-lo de portões fechados, até meados de 2009 constitui ofensa a toda a população que o demanda. Por outro lado, a posição da Câmara Municipal de Sinta, sintomática e manifestamente ao lado do concessionário do hotel, nada nos tranquiliza.

Aos quase duzentos anos da tríade de tentativas perpetradas pelos aristocratas Marquês de Marialva, Conde de Azambuja e Conde de Sucena, que não tiveram outro remédio senão encolher o rabinho, perante a vontade do povo de Sintra, pretende agora juntar-se o plebeu Espírito Santo. Pretenderá o quê? Esperemos que apenas incluir-se numa inglória tetralogia...

Está nas nossas mãos afirmar se estamos ou não à altura das posições de quem nos antecedeu na tomada de atitudes de defesa do estatuto de livre e público acesso a um lugar que, para os sintrenses, não só é emblemático como também altamente simbólico.




(1) da Costa Azevedo, JOSÉ ALFREDO, Velharias de Sintra, Vol. I, Câmara Municipal de Sintra ed., Sintra, 1980.
(2) Expressão que corresponde a uma das condições exigidas pela Augusta Ordem Maçónica para a Iniciação. José Alfredo foi Mestre Maçon.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Campo de Seteais,
tentativas de encerramento

(continuação)

Tentativa segunda

Foi o 3º Conde de Azambuja, D. Augusto Pedro de Mendonça Rolim de Moura Barreto quem também tentou encerrar o campo, tal como o Marquês de Marialva, seu antecessor. Em 6 de Outubro de 1897, a Acta da reunião da Câmara de Sintra regista:

“(…) que tendo no dia 3 do corrente mês de Outubro chegado ao conhecimento dos habitantes desta Villa, que o Conde de Azambuja tentava transformar a natureza e fins do Campo de Seteais, tornando-o, de passeio publico para uso e gozo do publico, n’um campo cultivado em proveito próprio, com manifesto desprezo das clausulas de aforamento, como o indicava a sorriba que em parte do mesmo campo mandou fazer, sem duvida destinada a sementeiras ou plantações, ali se apresentou no mesmo dia grande numero de pessoas, protestando contra esse facto, e por elles tinha sido nomeada a comissão que vinha à Camara pedir que desse as necessárias providencias para que o publico não fosse esbulhado nos seus direitos, fazendo cumprir integralmente todas as condições do primeiro contrato. (…)”

Anotada por António Cunha, lê-se na Cintra Pinturesca, a páginas setenta e seis, que a vereação “(…) a que presidia o Sr. Visconde da Idanha deu imediatas providencias, e no tribunal judicial por largos mezes se debateu um processo instaurado pelo Sr. Conde de Azambuja , em que nada mais conseguiu do que ficarem ratificadas as condições do primordial aforamento. (…)”

Tentativa terceira

Os herdeiros do Conde de Azambuja venderam a propriedade a José Rodrigues de Sucena, Conde de Sucena que, em 3 de Fevereiro de 1934 apresentou à Câmara um requerimento, pedindo para embelezar o campo e, ao mesmo tempo, que lhe fosse concedida a remissão do foro.
De acordo com notícia do Jornal de Sintra de 22 de Abril daquele ano, a Câmara teria despachado favoravelmente o pedido do Sr. Conde de Sucena, sob reserva de determinadas garantias para a população.

(continua)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Campo de Seteais,
tentativas de encerramento




Nota: o texto que se segue é o constante da folha de suporte à iniciativa pública desta semana na Quinta da Regaleira)


Ao longo de quase cento e cinquenta anos, entre 1801, ano do aforamento a favor do quinto Marquês de Marialva e 1946, aquando da passagem a património de Estado, o terreiro de Seteais foi objecto de três bem conhecidas e documentadas tentativas de encerramento.

Mais uma vez, com o propósito de as lembrarmos, vamos socorrer-nos do incansável labor de José Alfredo da Costa Azevedo, que todos continuamos a lembrar como um dos mais ilustres defensores das coisas de Sintra. Como não podia deixar de ser, o autor de As Velharias de Sintra (1) dedicou ao assunto o interesse que merece um dos mais emblemáticos e simbólicos lugares desta terra.

José Alfredo escreveu algumas páginas exemplares, subordinadas ao título O Campo de Seteais, através das quais transparece, não só o recorte de fino cronista que era o grande colaborador de cinco décadas do Jornal de Sintra, mas também os inequívocos traços da pessoa excelente, do cidadão exemplar e «homem livre e de bons costumes» (2) que foi. Nesta despretensiosa folhinha, mais não nos é possível do que respeitar os passos da sua investigação.

Tentativa primeira

Foi D. Diogo José Vito de Menezes Noronha Coutinho, 5º Marquês de Marialva e também 7º Conde de Cantanhede, estribeiro-mor de Sua Majestade a Rainha de D. Maria I, um grande do reino, quem, primeiramente tentou que aquele recinto da sua propriedade se fechasse ao acesso livre do povo.

Após uma série de interessantes peripécias, de que José Alfredo dá exaustiva conta, o Senhor Marquês de Marialva viu-se compelido ao respeito do seguinte rol de obrigações constantes da escritura de aforamento de 19 de Maio de 1801 que transcrevemos, obedecendo à ortografia de origem:


(…)
1ª - Que elle Exmo. Enfiteuta e seus sucessores e herdeiro, não poderão fazer outro uso algum do mesmo Campo de Seteais que não a de o paceio publico.


2ª - Que elle Emo. Enfiteuta seus sucessores e herdeiros serão a conservar as sobreditas arvores e vestígios antigos do mesmo Campo de Seteais e aumentalo com novas plantações e arbustos mandando gradar o seu circuito pelo lado do sul confinante com a soberdita estrada real que vai desta vila para a de Colasres para o defender dos gados.


3ª - …serão obrigados a deixar no campo pelo menos duas portas francas e publicas para por ellas poderem entrarem e sahirem livremente sem impedimento algum e sempre todas e quais quer pessoas…


4ª - Que as sobreditas portas francas e publicas do referido gradeamento do mesmo campo que derem serventia para a entrada e saída do dito paceio publico serão construídas de tal forma que sem dependência alguma possam entrar e sahir por ellas todas as pessoas que delle se quizeram servir e utilizar, sem nunca em tempo algum estarem fechadas com chave, ferrolho, cadeado ou outro fecho semelhante. (…)

A quinta obrigação refere a necessidade de deixar o campo livre para exercício da tropa que costumava acompanhar Sua Alteza Real e a sexta as sanções a que o fidalgo ficava sujeito se não cumprisse as obrigações estipuladas.


(continuação)

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Centro histórico:
tratar do lixo

(conclusão)

O que hoje acontece em Monte Santos, sucederá amanhã noutro qualquer privilegiado e apetecível lugar de Sintra. Deverá redobrar a atenção para que tais manobras não passem do papel, como tem acontecido com o Vale da Raposa. Em simultâneo, contudo, urge acudir à desgraça da degradação que por aí grassa. Por outro lado, isto também «não vai lá» com rebarbativas e panfletárias palavras de ordem, à laia de um qualquer comício, como aquela do tal anel de betão prestes a cercar não sei o quê…


De facto, aquilo que há a fazer é incompatível com a descaracterização do lugar e deve concretizar-se, concertadamente, procurando abranger e envolver todos os interessados, auscultando a comunidade, ao encontro do parecer das associações representativas dos vários interesses em presença. E, com todo o sentido de realismo e não menor generosidade, apresentando o mais aliciante conjunto de incentivos. É preciso tratar do lixo sem mais adiamentos, sem mais uma fuga para a frente.


Se assim não for, continuaremos a viver a oportunidade perdida. Ora bem, não acham que já vai sendo tempo de fazer agulha noutra direcção? Não acham que já vivemos demasiada dose de lixo ? Não acham que já basta de cultura do desleixo?

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Centro histórico:
tratar do lixo

(continuação)

Salvo melhor opinião, a necessidade de construir um hotel e moradias em Monte Santos nem sequer se coloca. E equacionar a hipótese? Enfim, talvez, mas apenas se estivessem resolvidos casos como o da recuperação do Netto, em São Martinho, no coração do centro histórico, e de tantas dezenas de moradias e quintinhas, tanto na freguesia de Santa Maria como na de São Pedro Penaferrim, só para mencionar estas três, enquanto núcleo duro da sede do concelho.

Sem sinais de melhoria, preocupantemente pior, Sintra continua um concelho gigantesco e ingovernável, uma comunidade perfeitamente desorientada e à deriva, incapaz de defender o seu património civil, sempre na mira de negociatas, à espreita de mais outra manobra dilatória, como a novel SRU, que adia e mascara a proverbial incapacidade de resolução atempada de questões perfeitamente resolúveis.

Reabilitação, uma estratégia

É indesmentível a existência de um grave problema de alojamento na sede do concelho. Porém, não menos certa é a inevitabilidade de concretização de projectos nesse domínio de actividade, mas perspectivados no mundo da reabilitação do património degradado, onde cabem, não só o caso do Netto mas também o de tantas casas que, devidamente recuperadas, podem constituir alternativa muito interessante de oferta de hospedagem.

Hoje em dia, há cada vez mais viajantes, não turistas, se bem me faço entender, que procuram alojamentos de qualidade inequívoca, na casa dos trinta/quarenta Euros por dormida e bom pequeno almoço, frequentíssimos por essa Europa fora mas inexistentes em Sintra. No entanto, com adequadas medidas de incentivo à reabilitação de imóveis, é perfeitamente possível aumentar a oferta de emprego no sector e responder a muitas solicitações de alojamento, fazendo permanecer os visitantes, durante vários dias.

(Continua)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A propósito do projecto para Monte Santos

Centro histórico: tratar do lixo

(continuação)

Há dezenas de anos que o Netto ruína agravada cada dia que passa. De vez em quando vamos tendo notícia de que determinada entidade estaria interessada num negócio cujos contornos se ignora. Sabe-se, isso sim, tratar-se de um edifício que goza da mais privilegiada implantação, certo é que com alguns problemas por resolver no sentido de se tornar em mais uma moderna unidade hoteleira que Sintra não pode dispensar.

Vale a pena uma pessoa acercar-se e tentar perceber o que ali ainda está. Se, a partir da frontaria, subir a rampa a caminho das instalações ocupadas pela GNR, chegará a um elevado patamar onde, assomando ao muro, entenderá os limites do edifício, que terreno disponível ainda existe e o importante desnível que vence aquela triste e desprezada construção.

Voltando ao ponto inicial e fazendo o percurso inverso, em sentido descendente, à medida que vai dando fugaz espreitadela aos tectos de um salão onde ainda são visíveis interessantes estuques, adquire uma melhor noção das proporções, nomeadamente daquele inesperado volume de cinco andares, debruçados sobre a pacata Rua Conselheiro Segurado.

Imagino o desafio que possa constituir para bons arquitectos. Todavia, há coisas que não consigo imaginar. Por exemplo, que letargia terá perdurado ou, vá lá, que iniciativas terá desenvolvido a edilidade sintrense, ao longo de tantos anos, no sentido de cativar o interesse de promotores turísticos e hoteleiros para este espaço. Que estudo, que diagnóstico de situação, que projectos, que incentivos, que contrapartidas terão estado em jogo?

Monte Santos

Com particular acuidade se colocam estas e muitas outras interrogações, numa altura em que o actual executivo autárquico indicia preocupante afinidade com o projecto de construção do hotel e umas dezenas de moradias em Monte Santos. E é o próprio Presidente da Câmara que, preocupado com a falta de alojamento em Sintra, dá a entender a inevitabilidade de aquele reduto e quedo santuário da freguesia de Santa Maria e São Miguel se render à natural cupidez dos promotores de tão fácil empreendimento…

Porque ceder a um tal projecto? Porque aceitar a perturbação e o desassossego num ambiente de encanto que pode continuar intocável? A propósito, aposto que muitos leitores não conhecem o lugar. Aconselho o passeio. Subam, aproximem-se do notável miradouro, beneficiem da calma, da placidez e fascínio do lugar que o meu saudoso amigo Pinto Vasques tanto tinha no coração.

(continua)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A propósito do projecto para Monte Santos

Centro histórico: tratar do lixo

É tempo de concluir a pequena série de textos aqui publicada no mês passado. Não que o assunto se tenha esgotado mas, tão somente, porque considero os casos assinalados como exemplares de um estado de coisas, tão bem tipificado e conhecido da maioria dos leitores que escusado seria continuar a evidenciá-los.

Enquanto área urbana tão característica, julgo valer a pena lembrar que o centro histórico deveria ser mostrada como um conjunto, em todas as suas vertentes culturais dominantes, atravessando sucessivos e bem marcados períodos. Porém, não está devidamente assinalado e, muito menos, como exemplar peça ibérica onde, tão favoravelmente, conviviam as três religiões cristã, judaica e muçulmana.

Três religiões e três distintas culturas correspondiam a três zonas facilmente identificáveis, numa sã vizinhança, inequivocamente demonstrativa de um peculiar modo de estar e de sentir o outro, não aquilo que alguns têm interpretado como tolerância – termo que sempre conterá conotação pejorativa, denunciadora de alguma sobranceria por parte daquele que tolera e de subalternidade de quem é tolerado – mas de perfeita equidade que, fatalmente, se desfez.

Património abandonado

O desconhecimento, a ignorância destes e doutros factos, relativos às nossas judiaria e mouraria, a escassos metros do nobre terreiro, junto ao mais famoso bem patrimonial desta terra, estão a montante das causas que justificam a melhor compreensão do alcance destas despretensiosas notas. Quem não conhece bem, como pode amar um património cuja defesa e preservação se impõem a todo o transe?

Percorrer as mais conhecidas ruas do centro histórico constitui, como não pode deixar de ser, um exercício muito desagradável. Permanecem e, com o correr do tempo, agravam-se as mazelas. O quadro não podia ser de maior desalento. Por um lado, os proprietários dos edifícios que nada fazem que sustenha a degradação e, por outro, a autarquia que, pura e simplesmente, se demitiu do papel que lhe compete.

Tal como se apresenta, tão nefasta «união de interesses» traduz-se pelo consabido conluio contra natura, disseminado por esse país fora que, em Sintra, atinge as raias do inadmissível. Apesar de tudo, seria de esperar um mínimo de decoro, uma certa vergonha em expor, tão às escâncaras, as fachadas e entranhas desfiguradas, sujas, degradadas de tantas casas, os pavimentos de ruas, os passeios e os muros desta histórica área da sede do concelho.

Infelizmente, inegável e bem patente, a situação também corresponde à perda do sentido do pudor que convive com as flagrantes provas de falta de higiene que tive oportunidade de denunciar, ainda que apenas parcialmente. Assim acontecendo, não espanta que a mais nobre zona de Sintra, nas cercanias do Palácio Nacional, se tenha transformado num inominável manifesto de cultura de desleixo.

Hotel Neto e Monte Santos

É neste contexto que permanecem certas provas de uma geracional incapacidade de resolução de questões inadiáveis que, noutras mais civilizadas latitudes, teriam conhecido o adequado desfecho em tempo útil. O Neto, por exemplo, é o paradigma da desgraçada incúria a que tem estado votada esta zona. Aliás, é um caso absolutamente flagrante porquanto, tê-lo recuperado e devolvido à sua inicial vocação de unidade hoteleira, poderia ter contribuído para a resolução de vários problemas.

(continua)

quinta-feira, 5 de junho de 2008

e quem a vê...
(conclusão)


A concluão do texto ontem aqui publicado é muito breve. Na verdade, costumando ser tão prolixo, até eu próprio me surpreendo com a contenção. Todavia, a acrescentar, apenas uma pergunta cuja resposta tarda.


Ao longo dos anos da controversa gestão do biólogo Serra Lopes, tantas razões de queixa, tanto desgosto...

Valeu a pena denunciar? Sem dúvida. Todavia, como tem direito à informação, a comunidade continua à espera do resultado das investigações judiciais. Não, de facto, ninguém esqueceu, embora talvez haja quem pretenda passar uma esponja sobre a questão…



E, mais uma vez, a pergunta da ordem:


- não vai sendo tempo de a Câmara Municipal de Sintra nos dar uma satisfação a este respeito?

quarta-feira, 4 de junho de 2008

e quem a vê!...

No último sábado de Maio participei no lançamento do novo projecto da Quintinha Pedagógica de Monserrate, promovido pela Parques de Sintra Monte da Lua, um dia de intervenção do maior alcance cívico, nos domínios da responsabilidade social e ambiental, que se traduziu numa atitude de voluntariado activo de cerca de uma centena e meia de pessoas, crianças, jovens e adultos.

Dividido o grande grupo em equipas de intervenção, lá seguiram estas para os seus destinos. Uma tinha de construir talhões/caminhos e plantação de ervas aromáticas, tarefas afins daquilo que passa a ser designado como Jardim dos Aromas. Outro grupo ficou afecto à construção dos caminhos pedestres, limites e bordaduras. Mais voluntários para a que vai ser conhecida como Mata dos Castanheiros, na limpeza do terreno, corte das acácias, plantação de castanheiros, carvalhos-roble, aveleiras, loureiros e medronheiros.

Tenham ainda em consideração que era imprescindível a instalação de um cercado, delimitando a zona onde vão ficar instalados burros e outros animais. Igualmente se impunha a limpeza e recuperação da linha de água, dela se encarregando uma equipa que também procederia à plantação de salgueiros, freixos, sabugueiros e pilriteiros. Outra gente esteve às voltas com a construção de uma ponte, não sei quantos mais na recuperação do celeiro e outros tantos no arranjo paisagístico do parque das merendas e, em obras de recuperação, um grupo que procedeu ao arranjo e limpeza do tanque.

À cota mais alta, depois de ter enterrado o sapato direito na fresca lama, olhei aqueles dois hectares de dulcíssimo declive, transformado em fervilhante estaleiro. Lá em baixo, do outro lado da estrada, sobre o tranquilo espelho de água, um casal de pato real imperava magnífico, imperturbável, na manhã cinzenta e chuvosa, saudando todo aquele afã de dedicados obreiros.

Quando, no passado Outono, por ali passava nas minhas habituais caminhadas, cheguei a escrever que o cantar das moto serras era melopeia para os meus ouvidos de inveterado melómano. Finalmente, descansava porque assistia às manobras de limpeza e desbaste da floresta que durante dezenas de anos fora criminosamente abandonada. A Parques de Sintra Monte da Lua estava a fazer o que lhe compete. E, agora, mais isto, uma quinta pedagógica, que não podia ter parto mais propício.

Lá fui encontrar os membros do Conselho de Administração, o Professor António Lamas, o Dr. João Lacerda Tavares, o Engº Manuel Baptista, alguns técnicos como a Arq. Luísa Cortesão, o Engº Jaime Ferreira, o Sr. Miguel, Mestre Jardineiro. Fui testemunha deste momento emocionante e muito bonito da vida da empresa, que todos viviam empenhadamente, preparando uma minúscula parcela deste território – a jóia mais preciosa de Sintra que lhes entregámos nas mãos – para ser gozada por milhares de crianças, já a partir deste Verão.

A finalizar, e aproveitando esta deixa, ainda vale a pena chamar a atenção para um conjunto de benfeitorias, já terminadas ou em fase terminal de beneficiação: estufa quente no Parque da Pena, estufa fria no Parque de Monserrate, Casa dos Cantoneiros, Casa da lenha junto à entrada de Santa Eufémia, Casa do Pombal junto à entrada principal do Parque da Pena, cinco caminhos pedestres (entre os quais o de Santa Maria-Castelo), reposição da Cruz Alta, a ETAR de Monserrate e, pois claro, o caso do Chalé da Condessa e envolvente cuja recuperação já está a acontecer.

PSML, quem viu e quem a vê…? Presentemente, com uma média anual de quatro mil visitantes por dia, aquele que já foi ingovernável e vergonhoso sorvedouro de dinheiros públicos, passa a encarar o futuro como empresa de sucesso que até vai apresentar lucros de exploração.

(continua)

terça-feira, 3 de junho de 2008

Quarenta e três

(conclusão)

Embora o chapéu do Romantismo seja de tal modo abrangente que nele quase tudo cabe, ainda se percebia que a vertente musical do nosso festival se relacionasse com um tempo e uma estética cujas marcas indeléveis ficaram por Sintra, nestes montes, veredas, caminhos e fontes, parques, jardins e monumentos com os quais, de facto, nos relacionamos nem sempre tão bem quanto seria de esperar…

Durante uma boa série de anos, a conotação romântica funcionou relativamente bem. Até a componente de dança, privilegiando um repertório muito afim do designado ballet clássico, se articulava harmoniosamente com a da música, integrando uma oferta global cujos contornos e perfil não punham em questão a tal temática abrangente do Romantismo.

Na realidade, muito mais fácil seria manter aquela marca se, a partir do momento em que passou a residir, não em Seteais mas no CCOC, a componente da dança se tivesse tornado independente, dando origem a uma temporada desfasada do Festival, obedecendo a outros contextos de figurino e calendário, portanto, mais liberta para assumir o perfil programático que, tão positivamente, Mestre Vasco Wellenkamp lhe tem imprimido nos últimos anos.

Como assim não sucedeu, cada vez mais problemática se revela a concretização de uma iniciativa, o Festival de Sintra, que obedeça à geral temática do Romantismo. Por outro lado, sem problema de maior, vai-se admitindo e, praticamente é já facto consumado, que a vertente de dança não tem qualquer conotação com a sua parceira da música, pelo que aparece no programa sem relações de afinidade, por conotação ou denotação.

O caso dos contrapontos

Então, no que se refere aos designados Contrapontos, me parece que a confusão é evidente. Proponho-vos um pequeno exercício de lógica. Primeiramente, tenhamos em consideração que a noção de contraponto, no contexto de um festival de música, tem uma inequívoca conotação com a linha dominante do tema a que obedece a programação geral.

Em segundo lugar, pelas razões aduzidas, não nos preocupemos com a vertente da dança do Festival de Sintra e admitamos que, tal como parece, em 2008 haveria uma linha dominante na programação, obedecendo ao tema Piano em Russo. Ora bem, assim acontecendo, então os eventos enquadrados pela designação Contrapontos –ocupando locais outros, à conquista de públicos outros, revestindo um carácter não formal ou de maior informalidade – deveriam revestir contornos e perfil inequivocamente relacionados, por denotação, com a temática Piano em Russo.

Naturalmente, não é muito fácil encontrar contrapontos a uma tal temática… Mas não é impossível. Todavia, por muita elucubração que o nosso exercício pressupusesse, dificilmente fariam parte do nosso rol o Requiem de Mozart, O Menino e o Mar, com base num texto de Sophia ou a ópera La Traviata de G. Verdi. Da nossa lista, no entanto, poderiam perfeitamente constar outras obras de Mozart, de Verdi, textos de Sophia, ou o programa a apresentar pelo Ensemble de Sopros Juvenil de Massachussetts, desde que devidamente negociado para o efeito... Ou uma peça pelo Teatrosfera. Claro que sim, sem equívocos, respeitando a definição implícita nestas considerações.

Tal como a entendo, importei e divulguei, esta invenção do Maestro Claudio Abbado, concretizada a partir do momento em que foi Director Artístico do Festival da Páscoa de Salzburg, com a feliz designação de contrapontos, não se traduz apenas numa proposta musical, que funcione por contraste com o restante festival, simplesmente por ser menos formal ou informal, ou por ir à conquista de um público outro, como julgo ter sido única intenção no caso de Sintra.

Atenção, também é isso… Mas a subtil articulação com um tema principal é indispensável. Volto a lembrar a designação contraponto que, como sabemos, tem tudo a ver com o mundo da música. A proposta de Abbado, o seu modelo, é que se me evidencia como efectivamente estimulante e desafiante para o ouvinte, assistente e participante.

Vale a pena ter em consideração que, em termos muito gerais, o contraponto é a arte de sobrepor uma melodia a outra e, em sentido mais restrito, de acordo com um conjunto de técnicas composicionais da polifonia. Também se pode entender como uma composição que obedece às regras da simultaneidade melódica. Etimologicamente, tem a ver com um tempo medieval em que a escrita musical se produzia não através de notas mas, isso sim, por ‘pontos’. A expressão cantus contra punctus, i.e., canto, música em contraponto, refere-se à sobreposição de punctus, portanto, ‘nota contra nota’ e, por extensão, ’melodia contra melodia’, ilustra muito bem o que pretendemos defender.

Entre outras coisas, as palavras também nos servem para expressar determinadas ideias e realidades... Num festival que tem uma tão forte vertente musical, a designação contrapontos não é despicienda e, portanto, não pode, não deve aplicar-se fora de um contexto que, sendo muito afim desta arte, é suficientemente abrangente mas não ao ponto de poder acolher tudo e mais alguma coisa, de qualquer maneira

Tudo, tudo é bem possível acontecer, enquanto evento musical, abrigado à designação de contraponto, inclusive tocar com instrumentos construídos com legumes que, no fim da função, são utilizados para confeccionar uma excelente sopa. Eu assisti a coisas destas na Áustria. Mas a relação temática, a necessidade de referência a um tema principal é indissociável…

Conclusões

Só na aparência será esta uma reflexão para iniciados. Todo o público beneficiará de uma concepção programática que observe os pontos focados. Mas nada disto significa que a presente seja uma edição que não valha a pena. Estas considerações não constituem uma avaliação. Em 2008, o Festival tem todo o mérito. Eu vou lá estar sempre ou quase sempre.

Em suma e em conclusão, estou em crer que se impõe proceder a uma cuidada reflexão acerca destas questões cuja pertinência me parece relevante. Revela-se imprescindível ir ao encontro, descobrir e apresentar um Leitmotiv de grande abrangência, conceber o Festival de Sintra como lugar geométrico de confluências culturais, presentes e articuláveis em vários suportes das Artes e Letras, procurando sincronias, fazendo cortes diacrónicos, não rejeitando anacronismos.

Eis um desafio que é preciso estar à altura.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Quarenta e três

(cont.)


Um Senhor…

Ninguém porá em dívida que, em Portugal, a Fundação Gulbenkian é a entidade que melhor promove e sabe promover uma coerente e consequente programação de eventos musicais. Verdadeira Ilha de Cultura no todo nacional, a Gulbenkian apenas encontra parceiros da sua envergadura em mais algumas grandes instituições mundiais que podem dar-se ao luxo de apresentar propostas musicais só do mais alto nível.

Tal se deve, não só a um incomparável poder financeiro mas também à altíssima competência do seu Director Musical, Dr. Luís Pereira Leal que, ao longo de décadas, tem demonstrado como, igualmente a nível mundial, é uma das pessoas que mais sabe do meio em que se move.

O Dr. Luís Pereira Leal é um director de tal modo proeminente que, prestes a retirar-se para a aposentação, obriga a Gulbenkian a abrir concurso internacional cujo resultado possa assegurar a substituição por alguém que não ponha em causa a sua excepcional competência de colaborador com méritos tão reconhecidos.

Dou-me ao cuidado de isto mesmo escrever porquanto, em Sintra, mesmo habitué do Festival de Sintra, muito raro será quem sabe quanto vale este discretíssimo senhor dos meios culturais portugueses, um dos mais conhecidos directores mundiais de uma grande casa de música, ele que faz parte de uma rede de pares que se pautam por altíssimos padrões em cada um dos parâmetros de avaliação artística.

Pois é, toda a gente sabe que o Dr. Luís Pereira Leal é o Director Artístico da vertente musical do Festival de Sintra. Mas é preciso pôr os pontos nos ii e eu faço-o com o maior prazer. Ora bem, se me dão licença, uma vez terminada a merecidíssima referência, volto agora à citação com que vos deixei no parágrafo final do texto aqui publicado na passada sexta-feira. E repito:

“(…) cada concerto constitui uma proposta que vale por si mesma e uma experiência estética autónoma (…) uma estratégia de coerência que passa por construir associações temáticas entre concertos isolados, convidando o público a percursos de descoberta que encadeiam vários programas em ciclos que lhes dão sentido (…)”.

Programação do quarenta e três

Aquelas são palavras que devem nortear, sem margem para qualquer dúvida, qualquer iniciativa cultural, mais ou menos compósita, tanto se aplicando à temporada da Gulbenkian como aos Festivais de Óbidos, de Mafra, de Sintra, de Luzern ou de Salzburg. Hoje em dia, são princípios de inequívoca aceitação. E tanto assim é que a sua obediência e observância evita a promoção de eventos sem interna lógica e coerência programática.

Na primeira parte do artigo, em 30 de Maio, sublinhei quanto me parece de considerar uma quase façanha o facto de, nesta quadragésima terceira edição do Festival de Sintra, se ter conseguido não fazer concessões à qualidade, apesar do momento tão grave das restrições orçamentais que nos afectam, a nível local e nacional, em todos os domínios.

Tendo sido possível fazer a quadratura do círculo, não baixando a qualidade, seria de esperar que, de modo idêntico, a proposta geral do Festival de Sintra obedecesse a critérios de lógica e coerência inscritos nas preocupações evidentes da citação que vos propus. Tal não significa que esta edição seja um patchwork... Todavia, enquanto oferta compósita de três vertentes - musical, dança e contrapontos - não é perceptível a coerência das associações temáticas.

Esse desejável objectivo me parece não ter sido alcançado – repito, em termos da proposta global – apesar das evidentes conotações presentes à vertente musical, subordinada ao «título» Piano em Russo, que interpreto como afins de uma escola pianística que perdura no tempo, interpretação esta que também acolhe o facto de todos os pianistas nela se inserirem.

E, para que não restem dúvidas quanto ao sentido a atribuir àquelas aspas, desde já esclareço que se referem à minha hesitação quanto ao entendimento de que tal título abranja um homónimo «tema». Se o tema é aquele, deverei conjugá-lo com a ideia da pianística do Romantismo, ideia que ainda não terá sido abandonada pelo Festival de Sintra? Então, e se assim for, como entender, por exemplo, nos recitais de Lugansky, Igoshina e Sokolov, a presença de peças não incluídas naquele período, mesmo aceitando um romantismo lato sensu?

(Continua)