Nesta quadra tão sui generis, em que todos resolvem afivelar o melhor sorriso, na maior parte dos casos, sem a mínima sincertidade, para expressarem votos nada mais que circunstanciais, só apetece acabar, em definitivo, com aquela absolutamente mínima capa de boas maneiras que impede de devolver à procedência os cartões de Boas Festas de uma série de energúmenos que passam o ano a enfernizar-nos os dias...
Todavia, se assim fizéssemos, ainda pioraríamos a situação porquanto, rarissimamente, sabe a maioria das pessoas conviver com a clareza, a verdade, a inequívoca ausência de hipocrisia. Cortar a direito, para além de um certo limite, é procurar uma incomodidade inconsequente, porque ilegível, dentro dos quadros e práticas sociais vigentes. Daí que todos acolhamos, e bem convivamos, com uma certa dose de hipócrita condescendência que se convencionou designar como sentido das conveniências.
Lucidamente, engolamos em seco, e recebamos as manifestações que sabemos enquinadas, sem dar a entender às criancinhas - que, a seu tempo, farão a aprendizagem que mais lhes convier - como tais arremedos nos afectam mais ou menos. Pois é, as emoções obrigam a uma sofisticada gestão. E, na realidade, não há como o Natal, para pôr à prova o cabedal de investimentos de toda uma vida de aprendizagem, que nos leva à contenção, porque outros valores mais altos se levantam.
Sem a exigível pitada de contenção, impossível seria a Beleza, o verdadeiro Amor, a Caridade real da entrega ao outro, O Natal cristão que, afinal, todos andam a celebrar...
Como presente de Natal, bem ilustrativo do que, na realidade, vale a pena celebrar, gostaria de sugerir duas coisas, uma audição musical e uma leitura. Não fiquem com a ideia de que, em minha opinião, estas se posicionam nalguma hierarquia privada. Não senhor, são estas, podiam ser muitas, muitas outras as sugestões.
Então, ouçam a Oratória de Natal, BWV 248 de Johann Sebastian Bach, obra composta por seis Cantatas detentoras de diferentes dispositivos vocais e instrumentais, cada uma das quais destinada a ser executada num dia específico da quadra natalícia, e leiam Natal, de Miguel Torga, publicado em Novos Contos da Montanha. Verão como eu tenho razão. Mesmo que conheçam ambas as obras, insistam, aconselhem os miúdos, não deixem de dar lugar e de partilhar a Beleza da grande Arte nestes dias, em todos os dias.
Já sabem que votos são os meus. Sinceros.
NB:
Notas Diárias regressarão no dia 2 de Janeiro de 2008
2 comentários:
Meu caro João Cachado,
Talvez abusando deste espaço, é com a maior fraternidade que desejo, a quantos por estas paragens viajam, que passem bem esta quadra e em 2008 tenham a força indispensável para a defesa das suas posições e opções de vida, num quadro de participação colectiva onde o desenvolvimento tenha um lugar preferencial.
Penso que a boa leitura, tal como os sentimentos que a boa música desperta, é uma óptima sugestão.
E como seria tão belo que na nossa terra, em vez de onerosas iluminações, pudessemos disfrutar de algo que algumas vezes tem sido sugerido para o Largo do nosso Palácio Nacional: espectáculos de teatro devidamente ajustados, com Autos escolhidos de bons e históricos autores, com Arte, e que bons intérpretes nós temos.
Infelizmente fala-se de Arte só para consumo interno, faltando o passo inprescindível que é, antes de mais, sabermos montar os Palcos, das Artes por que esperamos hà tanto tempo.
Saloio, Caro amigo,
Só hoje, no início do Novo Ano, aqui estou a responder à sua mensagem. Simplesmente para concordar, como não podia deixar de ser.
Permita-me apenas um comentário para confirmasr como, cada vez mais, se me impõe a necessidade de sugerir a presença da Arte na vida de cada um, todos os dias, independentemente dos espectáculos que se apresentem por aí. Se dermos espaço à Arte, à Beleza no quotidiano, lendo boa Literatura ou ouvindo boa Música, certamente a nossa vida irá melhorar.
Um abraço e Bom Ano Novo do
João Cachado
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