Volta do Duche
volta a dar que falar
Subordinado ao título Volta do Duche volta a dar que falar e, a propósito de umas obras naquela conhecida artéria, publicava o Jornal de Sintra um artigo de minha responsabilidade, em 5 de Agosto de 2005 – reparem, portanto, há dois anos e meio – reelacionando-se os trabalhos, como já terão compreendido, com a instalação dos candeeiros que, passado todo este tempo, recentemente se concretizou.
Será conveniente referir que aquele escrito, a cinco colunas, era ilustrado por 12 (doze) pequenas mas sugestivas fotografias das quais, apenas uma, se reportava às obras propriamente ditas, porquanto as outras onze reproduziam fielmente os modelos de candeeiros que encontrei no percurso entre a Heliodoro Salgado e a Quinta da Regaleira.
Passarei a citar as minhas próprias palavras que, no caso vertente, infelizmente, seriam totalmente premonitórias:
“(…) Tenham em consideração as fotografias desta página – que atestam a vertiginosa e perfeitamente ilógica diversidade de suportes de iluminação, inadmissível em qualquer centro histórico, (…) para todos os gostos, inclusive terceiro mundista – e confirmem se tenho ou não razão para tanta apreensão… Santo Deus, que desorientação, que confusão!
Igualmente, não deixem de reparar como a iluminação pública desta zona de Sintra, na sua dimensão de componente de mobiliário urbano, é tão sintomática do modo vulgar, ordinário e incompetente como estes espaços têm sido tratados de há uns anos a esta parte.
E, sem pretender condicionar a vossa avaliação, certamente que me acompanharão na conclusão de que tais práticas constituem flagrantes ofensas à unidade serena que deve estruturar as propostas de intervenção em lugares congéneres, onde qualquer alteração é crítica, exigente de todas as cautelas.
(…) tudo se prepara para que, mais uma vez, venhamos a confrontar-nos com factos consumados. Agora [at. Artigo datado de Agosto de 2005!...] qual será o próximo modelo de candeeiro? A armar ao modernaço como junto à estação terminal dos comboios, ou no Rio do Porto e Heliodoro Salgado, nos seus diferentes cambiantes, ou tradicional-lanternaço como nos restantes lugares?
Os suportes e todas as diferentes componentes metálicas, serão pintados de verde, preto, cinzento, já existentes, ou sangue de boi, ainda não experimentado? E quanto ao cromatismo da iluminação, prevê-se luz branca, amarela, alaranjada ou assim-assim? É que, se ainda não repararam, já temos todos estes matizes a poucos metros de distância uns dos outros… (…)”
Acabando de fazer esta longa citação e, passado todo este tempo, mais de trinta meses, depois de mais não sei quantas centenas de páginas escritas acerca de desagradáveis situações sintrenses, sempre na perspectiva do alerta, da crítica construtiva, tantas e tantas vezes apresentando sugestões alternativas, a primeira coisa que me ocorre é um brado contra esta minha santa ingenuidade, projectando-me para estas fainas condenadas ao insucesso…
Na realidade, só há poucos dias, regressado de Salzburg (ditosa terra esta, a par de Bayreuth, Bregenz, Essen, Eisenstadt, Halle, Lugano, Luzern, Leipzig, Schwarzenberg, só para citar pequenas cidades com famosíssimos festivais de música) onde tanto autarcas eleitos como cidadãos eleitores, jamais consentiriam sequer na hipótese de concretização de tais desmandos, fui confrontado com os trinta e dois candeeiros, afinal a atirar para o tradicional-lanternaço, com que a Câmara agora dotou aquela via emblemática de Sintra.
Desculpem, não consigo deixar de citar mais um parágrafo do tal artigo:
“(…) A questão não é de lana-caprina, ao contrário do que as senhoras e senhores do Gabinete do Centro Histórico estão dando a entender com este tipo de atitudes. Tinham agora excelente oportunidade para exibir uma outra cultura dos serviços, preocupada com o dar satisfações aos cidadãos, interessada no envolvimento da população para resolução de problemas pertinentes como o da iluminação da zona (…)”
Pois não. Os cidadãos que aguentem! Contudo, aquilo que ali está, não podia, não devia acontecer. É mais um negativo contributo para a salgalhada, a falta de unidade afim da preservação de uma imagem que, para todos os efeitos, não pode alterar-se do pé para a mão. Isto não é um apelo ao imobilismo. É, isso sim, um alerta quanto aos cuidados a que estão sujeitos lugares que tais, carentes de permanente coerência.
Naturalmente, estas palavras não encontram eco junto de quem apenas fica muito contente, «porque até passou a haver muito mais iluminação». Pois é, a percepção estética ao serviço da preservação de uma envolvência que o lugar vem herdando, ah isso é outra coisa, que pressupõe outros filtros culturais, nada que possa acontecer antes de que passem uns bons anos…
Porque continuam completamente pertinentes, nada acrescentarei às razões aduzidas no meu artigo de há dois anos e meio. Espero que nenhum técnico(?!) tenha o topete de me replicar que, por todo o lado, tanto em Portugal como no estrangeiro, em pleno casco histórico das comunidades, se registam intervenções no mobiliário urbano, servidas por estética actual, interpretativas e inspiradas em modelos vizinhos, no outro lado da rua ou da praça, com os quais passam a conviver em perfeita harmonia…
Efectivamente, conheço uma série de excelentes casos de boa convivência mas não em Sintra. Sabem? Estou farto destes argumentos, proferidos por técnicos(?!) que podem estar à altura de tudo o que quiserem mas não estão à altura de Sintra, gente que se permite intervir, num espaço com as características de Sintra, como nem sequer é suposto fazer em subúrbios mais ou menos ordinários, saídos de processos de clandestinidade e mais ou menos incaracterísticos. O resultado está à vista, com inadmissíveis e rebarbativas misturas de artefactos incompatíveis com a dignidade e espírito do local.
Técnicos? Na Câmara há de tudo. Como em todo o lado. Muito bom, bom, medíocre e mesmo mau. E há os discretos, que até subscreveriam estas palavras, ao lado de oportunistas que, a qualquer preço, pretendem deixar o seu nome ligado a determinados trabalhos, à custa de tropelias, aparadas por autarcas pouco identificados com processos sofisticados de intervenção em centros históricos, zonas-tampão, territórios classificados ao mais alto nível, por instâncias internacionais como a Unesco que, um dia destes, volta aqui ao burgo, escreve mais um relatório que, habilidosamente, é remetido para a pasta das dúvidas...
Olhem, sabem que mais? Estou farto! Este, dos candeeiros, é mais um episódio a contribuir para um desânimo acumulado cujas dimensões eu próprio me surpreendo. Sintra já é um desgosto desmesurado. Por vezes, o que apetece é desistir. Partir para outro lado, onde não funcione a sistemática agressão perpetrada pelos pacóvios, provincianos, ignorantes encartados. Só não o faço porque tenho família, amigos e alunos a quem não quero passar tal testemunho de desistência.
E também porque, afinal, esses oportunistas detêm um poder efémero, sempre questionável e sujeito à indignação de quem não a cala.
PS:
É escusado lamentarem a falta de fotografias. Como sabem, por opção editorial, este blogue não publica imagens.
1 comentário:
Caro Dr. Cachado,
Acabei de escrever um pequeno comentário ao seu post de hoje em que não concordei consigo. Mas acerca dos candeeiros, sim senhor tem total razão. Se calhar quem escolheu este modelo foi a mesma pessoa da história do pilar inestético que eu também comentei, não sei se lembra.
Continuo a ler o seu blog com muito interesse.
Cumprimentos,
Rosário Peres
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