(conclusão)
Autoridade e Formação
“(…) Aulas más são as aulas que os rapazes não querem ouvir. Mas então – poderia eu defender-me – que culpa temos nós de os rapazes serem barulhentos, desinquietos e desatentos? É verdade que às vezes a culpa não é nossa: é toda deles, a quem mais apetecia estar na rua que estar na escola. Mas para isso justamente é que serve o bom professor – e o meu drama resulta de que a mim só interessa ser bom professor. Ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estar interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor. E foi o que eu ontem não consegui. (…)”
25 de Março de 1949
Sebastião da Gama, Diário
Depois de, tão resumidamente, ter referido algumas das questões que devem ser tidas em consideração – se não quisermos incorrer em precipitadas e grosseiras conclusões, quando nos deparamos com cenas análogas às que foram divulgadas no YouTube – gostaria de lembrar quão importante se revela a necessidade de, na Escola, os agentes educativos dominarem a possibilidade de resolução de comportamentos desviantes por parte dos jovens adolescentes que integram os grupos.
Formar para disciplinar
Para tanto, impõe-se que, também de uma vez por todas, os próprios professores, os seus representantes de classe, o Sistema Educativo, em geral, e os decisores políticos assumam a pertinência de concretizar um específico programa de formação, cuja importância nunca foi devidamente enfatizada e reivindicada, em especial – o que não deixa de revestir alguma gravidade – no quadro da aquisição de créditos para promoção na carreira, de acordo com o vigente estatuto da carreira docente.
Se, a respeito do que afirmo houvesse qualquer dúvida, o documento audiovisual que desencadeou estas e quantas mais notas de apreciação, bem atesta que aquela professora é um protótipo. Ela representa muitos milhares de professores – profissionais cuja inequívoca competência na gestão de grupos seria sempre supostamente inquestionável – mas que, provavelmente, jamais tiveram um minuto de competente formação em técnicas de dinâmica de grupos, gestão de conflitos, análise transaccional e outras disciplinas de capital importância para quem intervém diariamente com grupos.
Não, não vou afirmar que a senhora só fez asneiras, embora tivesse permitido que se misturassem estatutos e não conseguisse resolver um problema que não era apenas um problema com aquela aluna mas, isso sim, um problema de articulação com todo o grupo. Tal não significa, de modo algum, que a atitude da estudante tenha qualquer desculpa e, como tal, não devesse merecer a sanção apropriada.
Apenas uma achega, acerca das estratégias mais convenientes à condução de problemas habituais e inerentes à vida dos grupos, que podem desaguar em situações de conflito se não forem devidamente tratados, em tempo oportuno. Trata-se da necessidade de detecção das lideranças que, naquele caso, se evidenciava com particular acuidade.
Todo o trabalho no sentido de tal despiste é importantíssimo para que, em muitos casos, seja o próprio grupo, através da intervenção dos seus líderes informais, a resolver qualquer comportamento insólito, desviante, que não convém ao grupo deixar passar, libertando o professor para o exercício de uma autoridade, de acordo com o seu estatuto.
Mesmo sem aquilo que costuma designar-se como autoridade natural, mesmo desprovido da autoridade conferida pelo estatuto social de que gozou outrora, o professor só pode estar à altura do desempenho de uma profissão de inegável e ímpar peso social. E o próprio Sistema Educativo dispõe de recursos humanos e materiais que, apesar de não terem sido oportuna e devidamente aproveitados, podem acudir à resolução deste problema da formação dos docentes para uma actividade que, cada vez mais, se desenvolve num território de grande risco.
E, a terminar, não poderei deixar de, mais uma vez, chamar a vossa atenção para a epígrafe que precede este artigo, para a tocante sinceridade da confissão do professor que Sebastião da Gama também foi. E não deixem de ter em consideração as dezenas de milhar de horas de aulas que todos os dias acontecem, durante as quais professores e alunos trabalham, trabalham em bom entendimento, com rendimento.
Não esqueçam que o mais habitual e comum é a normalidade, sem aspas, de aulas capazes, cujo detalhe não alimenta nem a selva do YouTube nem a mórbida avidez de certa comunicação social, escrita e audiovisual, em geral muito mal preparada para tratar assuntos tão complexos, que não se compadecem com artigos cheios de equívocos que mais confundem do que elucidam os cidadãos.
3 comentários:
Meu caro João Cachado,
Só agora, pelas razões que o meu amigo conhece, tive conhecimento do que se passou naquela escola.
Estando de acordo com o que aqui escreveu, permito-me acrescentar algo mais que não pode ser escamoteado e se relaciona com a base estrutural dos nossos jovens.
A escola apenas se pode assumir como parte da formação dos jovens, devendo as estruturas familiares garantir que eles sejam membros de uma sociedade onde há regras de convívio e de educação a respeitar.
Infelizmente, é dentro da família que muitas vezes os problemas começam, reflectindo-se um pouco nas várias fases da intervenção diária.
Quem se preocupa com a sociedade em degradação que vivemos? Pais e mães com trabalho precário ou sem ele, transportes desajustados, encargos familiares que atingem níveis incomportáveis para quem se aventurou numa casa para viver e, até, quantas vezes problemas alimentares. A quantos deles ainda resta a força de pretenderem educar os filhos?
O tendência para nos levarem a focalizar os problemas na escola é óptima para afastar dos políticos as responsabilidades que inequívocamente lhes cabem pela situação a que o nosso País chegou.
Receio, isso sim, que estejamos a caminhar para uma situação perigosa, onde o aumento das forças que se podem tornar repressivas parece passar ao lado da maioria dos cidadãos, que muitas vezes não meditam nos porquês de mascarados com G3 para ver se a carne está bem acondicionada nos talhos.
O caso da professora, aluna e telemóvel será 0,0X por cento de qualquer coisa, que não ocorre nos outros 99,0X por cento de estabelecimentos escolares, mas tem audiências garantidas nas TV's.
Um abraço e até um destes dias,
Fernando Castelo, caro amigo,
Ontem, inadvertidamente, respondi ao seu comentário poe e-mail que não lhe terá chegado na medida em que o regime é do noreply... Desculpe a ignorância que deu em atraso.
De qualquer modo também julgo ter entendido que o meu amigo não está por cá, não é verdade? Com viagens tão longínquas, quem fica por cá, de água na boca, até se perde nas coordenadas...
No que respeita à sua intervenção de ontem,que muito agradeço por enriquecer a abordagem, gostaria de lhe lembrar os três últimos parágrafos do meu texto publicado em 31.03, o terceiro parágrafo do de 28.03 e o penúltimo do de 26.03.
Um grande abraço e votos de boa estada, para si e sua mulher, do
João Cachado
Meu amigo,
Já estive e já não estou.
Fui ver a família e saber desta terra que nos envolve, num abraço triste que não conseguimos evitar.
É uma estranha nostalgia, misturada de um sofrimento que não merecemos. Nem nós, nem os nossos filhos...nem os nossos inimigos, veja bem.
Dei um salto breve até aos Paços do Concelho e logo me arrependi: dei com dois turistas a subir a Estrada de Chão de Meninos, olhando para um lado e para outro, pois queriam visitar o Centro Histórico.
Lá os levei, pedindo-lhes desculpa pelos autarcas que temos e que, apesar de desde Junho serem alertados para o facto, não indicam junto à estação da CP o respectivo caminho.
No local, alguém colocou uma placa artesanal que serve de gáudio a muitos turistas que logo a fotografam.
No átrio da estação, naquele cantinho totalmente oponível à grandeza turística de Sintra, um grupo de turistas olhavam para um cartão onde o funcionário prometia voltar em breve. Segundo julgo saber, apenas com uma pessoa para o atendimento, é preciso fechar o guiché para satisfazer as necessidades fisiológicas...
Como vê, meu amigo, é preciso amar-se muito a nossa terra para não abalar de vez.
Até um destes dias, com amizade,
Fernando Castelo
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