Sokolov em Sintra
Espero bem que muitos de vós tenham presenciado o recital do fabuloso pianista russo Grigory Sokolov, na passada sexta-feira no Centro Cultural Olga Cadaval. No meu caso pessoal, contava há meses com uma noite que se adivinhava excepcional, aliás como sempre acontece com este homem que, com grande antecedência, esgota a lotação dos maiores auditórios em todo o mundo. No Festival de Sintra, enfim, também como seria de esperar, não foi o caso. Melhor que há alguns anos - por exemplo, em 2004, quando Sokolov tocou para menos de meia casa!... - desta vez, só havia algumas clareiras na sala.
Em relação a artistas como Sokolov, não podemos esquecer que os adjectivos já soam gastos e redundantes. Inegável que ele é grande, extraordinário, portentoso, fabuloso. No entanto, dizê-los e escrevê-los sem a preocupação de os justificar, apenas poderá surtir efeito seguro, junto de um público que, sem preparação musical, desconhecendo a arte do visado, conjuga aqueles termos com a expectativa de uma prestação superlativa, ainda que, por vezes, as contas saiam trocadas sem que disso se aperceba porque não sabe como distinguir o que correu bem, do que foi menos bem ou daquilo que terá sido excepcional.
No caso em apreço, depois de assistir a tão especial manifesto de Arte, provavelmente ainda sob o efeito da publicidade prévia, sensibilizado pelos ecos de determinada crítica musical, mesmo que não percebesse nada de piano, ignorando inclusive como distinguir a interpretação da mesma obra musical por dois diferentes pianistas, o vulgar espectador daquele recital - no CCOC, que também não é um auditório especializado em música erudita - rendeu-se ao produto que lhe chegou pelas mãos de tal intermediário, nem calculando como se adequam os adjectivos...
Há cerca de quarenta anos, mais precisamente desde 1966, que Sokolov tem deslumbrado quem o ouve e vê. Tenho tido o enorme privilégio de acompanhar a sua carreira, os recitais e concertos, não só em Portugal, com frequência praticamente anual na Fundação Gulbenkian, em Mafra, na Casa da Música, mas também no estrangeiro, em especial na Alemanha e nos festivais austríacos. Julgo conhecê-lo relativamente bem.
É um artista de uma generosidade inesgotável, que igualmente se revela na quantidade de extras que concede. Todavia, no âmbito da Mozartwoche de 2005 em Salzburg, assisti a um episódio de desentendimento entre Sokolov e o Maestro Trevor Pinock que dirigia a Mahler Chamber Orchestra, durante a interpretação do Concerto para Piano Kv. 488 de Mozart, cujo resultado se reflectiu precisamente na ausência de concessão de qualquer extra, apesar da comovente insistência do público.
(continua)
2 comentários:
Amigo Dr. Cachado,
Lembra-se que nos cumprimentamos no intervalo. No entanto, não conversamos acerca do recital. Costumo esperar a conclusão dos seus posts para dar opinião e vou fazer o mesmo. Mas agora só queria tratar da questão daquilo que o Dr. designa por «clareiras» na sala.
Quando comprei os meus bilhetes disseram-me que a sala estava quase esgotada obrigando-me a ficar em lugares impróprios. Depois foi o que o Dr. Cachado viu, bastantes lugares por vender na plateia. Mas que trabalho é aquele não sei. Em anos anteriores também tive um ou outro problema no Festival de Sintra, única altura que ali vou, tentando comprar bilhetes na Fnac. Não acha que é falta de profissionalismo?
Cumprimentos do
Heitor
É verdade, gostaria de lhe dizer que me fez falta a leitura diária dos seus textos. Espero que a avaria esteja completamente resolvida.
Mais um abraço do
Heitor
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