[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 3 de maio de 2009

Primeiro de Maio



Foi o primeiro de Maio de 2009 marcado por um incidente, durante a habitual comemoração da data pelos cidadãos da capital. Objectivamente, tratou-se de coisa absolutamente repudiável, concretizada através de agressão física ao cabeça de lista do PS às eleições para o Parlamento Europeu.

Em primeiro lugar, considero da maior imprudência a designação de Vital Moreira para se apresentar liderando aquela delegação na manifestação da CGTP. Como se já não tivesse bastado o erro flagrante da sua indigitação para encimar a série dos candidatos, está-se mesmo a ver que, com o seu perfil de trânsfuga, e, não sendo ele um pobre cordeirinho, acabaria por meter-se na boca do lobo…


Para além daquela extrema falta de cuidado e insensibilidade política, o PS também demonstrou incapacidade de avaliar – porque não quer nem lhe convém assumir – a enorme escala de dificuldades, de toda a ordem, por que estão passando muitos portugueses, em resultado das desadequadas políticas nacionais ao longo dos últimos anos e, coisa diferente, no turbilhão da crise global.

Desempregados recentes e de longa duração, metade dos quais não auferem subsídio de desemprego, jovens pais sem hipótese de acudir ao sustento das famílias, muita, muita gente descontente, a sofrer o inimaginável, à beira do desespero, eis muitos dos novos pobres que não hesitam em dar sinal público, na rua, da sua condição e da sua indignação.

Não tenho a mais pequena dúvida de que uma parte do que aconteceu na agressão verbal e nos encontrões a Vital Moreira, pressupunha tal enquadramento, e mais não é do que os primeiros passos da procissão que ainda vai no adro. Mário Soares, por exemplo, está farto de alertar para a possibilidade de o mínimo rastilho poder atear fogos perfeitamente indesejáveis, ainda que dificilmente evitáveis. De facto, há que evitar chegar a palha à chama, como aconteceu no Primeiro de Maio, na manifestação da Intersindical.

Oxalá que cena tão lamentável não seja pretexto para sábio aproveitamento, confundindo-se com um processo de vitimização cujos dividendos, em vésperas de eleições, rendem o que todos sabemos. Pelo que já assistimos, parece que a intenção era mesmo essa. Se assim for, constituirá pura perda de tempo e muito primária manobra de diversão, para desviar a atenção dos evidentes sintomas da fragilidade social que o país atravessa.



4 comentários:

Anónimo disse...

Prof. Cachado,

Tive de ir ao dicionário ver se trânsfuga era o que se entendia. De facto tem razão porque lá vem bem explicado: "pessoa ou entidade que abandona uma facção política ou religiosa, para aderir a outra adversa; traidor da causa, religião... pela qual se bateu até então, renegado". Os meus parabens porque o Dr. Cachado escreve muito bem.
As pessoas na manifestação chamaram "traidor" a Vital Moreira e com toda a razão. Eu estive lá, vi e ouvi tudo. Penso que teve o merecido. Se calhar esperava ser recebido com beijos e abraços por quem traíu. Vai-se a ver e até foi muito bem pensado para arranjarem uma vítima como o senhor diz.
Ainda não sei se vou votar nas europeias mas não tenho nenhuma vontade depois daquela lei que votaram na passad semana na AR sobre financiamentos dos partidos. Foi uma vergonha e um mau exemplo.
Cumprimentos

Artur Sá

Anónimo disse...

Inacreditável que haja pessoas que pensem assim, para as quais o facto de se ter mudado de opinião, relativamente a uma filosofia política, é um crime tal que pode e deve ser punido ao murro e à bofetada;é esta a democracia que se prega naquele partido?É esta a educação cívica dos militantezinhos que nunca passaram pela opressão e violência fascista?Que diria Álvaro Cunhal se ainda estivesse por cá?Lamento Dr João, não posso estar de acordo consigo nem com estes comentários:que eu saiba, o Dr Vital Moreira foi convidado, não se fez convidado para aquela manifestação e não se entende o súbito receio de algumas pessoas sobre a possível vitimização ,à volta deste caso...afinal de que é que têm medo?
É esta a democracia que aprendem os jovens militantes comunistas e que praticam alguns revanchistas mais velhos?
Infelizmente, este tipo de actuação não é um caso virgem, por isso, lamento-o profundamente;na minha assembleia de freguesia, o Sr Castelo, assistindo como freguês, foi ameaçado pelo militante comunista, Tesoureiro da Junta e convidado a ir lá para fora resolver diferendos «ao murro»;o mesmo personagem, noutra sessão da assembleia, dirigiu convite idêntico a um vogal da minha bancada.É assim que reagem quando confrontados mas neste caso,só a presença de um convidado serviu para atear o rastilho.Lamentável...Mas não haja receio,ninguém transformará a vítima em herói, a menos que estas manifestações de intolerância democrática assim o queiram.
Margarida Paulos

Sintra do avesso disse...

Caro Artur Sá,

Primeiramente, agradeço as suas palavras acerca da correcção do português. Na verdade, é minha preocupação que, neste blogue, onde não há imagens, o discurso tenha a qualidade que, feliz e geralmente, se lhe vai reconhecendo.

Em segundo lugar, lamento mas não posso estar de acordo consigo quanto a considerar que o Prof. Vital Moreira "(...) teve o merecido(...)" Por amor de Deus, Artur Sá, em democracia, dispomos de todos os argumentos mas recusamos o da violência física. Não há motivo que o justifique e, muito menos, no caso vertente.

De facto, Vital Moreira é um trânsfuga. Entendo este termo e, no sentido de explicar em que acepção, socorro-me do verbete do dicionário que o senhor consultou e citou para acolher a primeira parte, i.e., a de 'pessoa ou entidade que abandona uma facção política ou religiosa, para aderir a outra adversa'.

Esta definição corresponde ao percurso político de VM, é inequívoca, afectada ou não pela conotação pejorativa. Aliás, só quem o pretenda, poderá colar ao termo o sentido mais negativo.

Daí a aceitar que qualquer trânsfuga, catedrático ou analfabeto, mereça uma carga de porrada porque, em determinada altura da sua vida, decidiu inflectir por outro caminho, é coisa que, de modo algum, poderei acolher. Para atestar esta posição, bastaria confirmar o que escrevi, logo no segundo período do primeiro parágrafo: "(...) Objectivamente, tratou-se de coisa absolutamente repudiável, concretizada através de agressão física (...)".

Se alguma parte substancial contém o texto «Primeiro de Maio», essa estará nos outros considerandos, ou seja, desde a primeira hora, a péssima escolha do secretário-geral do PS daquela pessoa para cabeça de lista às europeias [manifestamente, é muito fraco, não tem o arcaboiço exigível para os previsíveis embates durante a campanha eleitoral], a imprudência de o apontar para liderar a delegação do PS à manifestação e a circunstância de o PS não perceber a escala do descontentamento popular que vai por esse país.

É, em suma, neste contexto, que considero ser desejável a análise do que aconteceu.

As melhores saudações

João Cachado

Sintra do avesso disse...

Cara Dra. Margarida,

No momento em que publiquei o seu comentário, imediatamente, me pareceu importante responder a Artur Sá no sentido de, sem margem para equívocos, me demarcar de um conjunto de considerações [dele, Artur Sá, e suas, Margarida] que, implícita e explicitamente, se afastaram da interpretação «de bona fide» que o meu texto inicial mereceria da vossa parte.

Nestes termos, compreenderá que lhe peça a leitura da minha resposta ao comentário de Artur Sá, uma vez que inclui quase tudo quanto pretendia escrever à Margarida.

Faltava apenas a referência ao processo de vitimização. Não me parece que deva corrigir a sugestão que propus. Infelizmente.
Até agora, nada faz supor que eu estivesse errado.

O recurso a tal processo ainda mais apouca Vital Moreira e não dignifica os mentores do estratagema. Enfim, cada um saberá as linhas com que se cose...

Continuo muito grato pela sua participação.

João Cachado