[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Na pasta das dúvidas


Foi hoje, cerca da uma da tarde, no café e pequeno restaurante da minha rua. Logo na primeira mesa, a pouca distância do balcão onde bebia o meu café, almoçava um casal com a filha, miúda dos seus doze anos. Conheço-os aqui da vizinhança, cumprimentamo-nos e pouco mais.

Na televisão, uma locutora debitava não sei o quê sobre o processo Face oculta. Agora, com um filão destes sob as garras, a comunicação social não larga a presa. E, não raro, até nos vemos envolvidos em diálogo com desconhecidos que emitem a sua opinião e pedem a de quem se encontra por perto. Foi o que aconteceu durante a cena que passo a partilhar convosco.

Manifestamente tentando que eu metesse a colherada, dizia a senhora que tudo isto já cheira mal. Tanta corrupção, tantos maus exemplos para a gente mais nova. Seguiu-se o marido, alto e bom som, arengando uma daquelas habituais sentenças em circunstâncias que tais. Segundo ele, isto é a vida dos políticos que estão lá para isso mesmo, para se encherem eles e aos partidos.

E continuou. Que o Sócrates e o Vara por um lado, que o Dias Loureiro e o Oliveira Costa por outro e esse Nunes qualquer coisa que até foi cá vereador com a Edite… Aqui parou. Então, ostensivamente para mim voltado e de garfo em riste, quis saber, na sequência de tão definitiva acusação, o que achava eu da sua razão.

Todavia, a minha opinião não era para aquele contexto. Perante tanto azedume, à mistura com tanta confusão, olhando eu a miúda que também esperava a minha resposta ao pai, consegui dizer que o melhor era pôr a questão na pasta das dúvidas. Tal era a frase com que o meu avô rematava cenas análogas, sempre que ouvia dizer mal de alguém ausente.

Ainda lembrei, quanto mais não fosse por respeito à criança, cuja presença pura e simplesmente ignoravam, que se impunha um certo cuidado. Falar acerca de corrupção, na presença de infantes, não é coisa proibida mas exige especial atenção.
E, muito especialmente, num momento em que urge que os corruptos sejam de facto acusados e punidos.

Felizmente, tinha dinheiro trocado. Não esperando pela réplica, acenei uma despedida estratégica e pus-me ao fresco.

5 comentários:

Ricardo Lopes disse...

Está bem «pôr na pasta dúvidas» mas só enquanto não há certezas. O povo precisa saber quem se esconde por trás das faces ocultas e ir até ao fundo porque acredito mesmo que não se pode ficar pela ponta do iceberg como disse o Dr Rodrigo Santiago (que é o advogado do Godinho).

Ricardo Lopes

Anónimo disse...

Hoje mesmo continua a farsa da justiça. Basta ler as parangonas dos jornais para uma pessoa ficar logo desanimada. Nem a Procuradoria nem o Supremo Tribunal de Justiça dão ao povo provas de sabedoria e de serenidade sendo incapazes de esclarecer se há hipótese de considerar o envolvimento eventual do Primeiro Ministro na rede de tráfico de influências ou outras práticas ilícitas. Estamos a bater no fundo. Nunca pensei passar por esta situação depois do 25 de Abril. Saber que se passa qualquer coisa não satisfaz nada a vida democrática. Enquanto não se esclarecer e actuar com rapidez os corruptos estão na maior tranquilidade. E todos nós sofremos, principalmente as crianças e jovens que têm o futuro totalmente comprometido porque a justiça não actua.
Ana Santos

Helena Passo disse...

Caro colega Cachado,

É preciso chamar a atenção para o modo como estas questões são abordadas na presença de crianças e de jovens. Todo o cuidado é pouco porque vivemos num dos países europeus com maior taxa de corrupção.
A história que contou é exemplar. A sua pasta das dúvidas vem dum tempo em que os prncípios e os valores tinham máxima importância. Os avós de hoje só respondem como o Cachado se tiveram um avô como o seu e o meu que também dizia coisas semelhantes.
É tudo uma questão de educação e, na verdade, esses corruptos da política e dos negócios não tiveram a nossa educação. É pena mas nem toda a gente nasce nos mesmos berços. Os berços até podem ser humildes e isso não tem importância nenhuma se os valores forem nobres.
As crianças e jovens devem perceber estas coisas desde a mais tenra idade, em casa, na escola e na igreja as que forem católicas como nós. Com amizade
Helena Passo

Anónimo disse...

Seja como for, com todo o cuidado com as crianças e não sei que mais, o que é preciso é falar verdade aos portugueses. Andamos a viver acima das nossas possibilidades, a justiça não funciona, a educação é uma vergonha, a corrupção atingiu uma escala sem precedentes, o poder local é o que a gente sabe cá em Sintra e por todo o país... Há excepções que confirmam a regra e a regra é a do escândalo como no tempo do Eça que deixou bem denunciado um país que parece que não tem remédio. Isto não é um país mas um local mal frequentado. Com um país assim só apetece ser espanhol.
Paulo S.

Carlos Távares disse...

O Cachado tenha santa paciência, mas esta coisa de ter um primeiro ministro cheio de rabos de palha,com processos de toda a espécie e feitio em não sei quantas comarcas, é uma coisa que já não está em nenhuma pasta das dúvidas. Em bom português a situação tem um nome que eu só não digo porque o nome que assino é mesmo o meu e como tenho cú... enfim, tenho medo das represálias.

Carlos Távares