[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 3 de novembro de 2009

João Cachado - Sintra

Uma aventura

com Isabel Alçada

Hoje, para falar de Isabel Alçada, tenho de recuar cerca de vinte anos, lembrando que, no âmbito das minhas atribuições como Técnico Superior do Ministério da Educação, estava afecto aos Serviços de Ensino de Português no Estrangeiro onde, entre outras tarefas, também me competia a concepção de materiais didácticos e a formação dos professores em actividade junto das comunidades portuguesas emigradas por esse mundo fora.

Não é fácil imaginar como, naquela altura, eram escassos os materiais disponíveis de suporte à actividade pedagógica em questão. Se, actualmente, a situação não é brilhante, então era de quase indigência. Na maior parte dos casos, acrescia a dificuldade de comunicação e, tantas vezes, a resposta dos serviços era lenta e burocratizada.

Nestes termos, o preenchimento de tal lacuna evidenciava-se, não só como o cumprimento de um assumido objectivo institucional mas também, para quem como eu tinha o privilégio de trabalhar em tal enquadramento, um desafio pessoal que procurava corresponder o melhor possível.

Um dos projectos que consegui concretizar, radicava na utilização de alguns livros da Colecção Uma Aventura, cujas bem conhecidas autoras, Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, me concediam a rara oportunidade de trabalhar tais obras, com objectivos muito específicos, pela circunstância de proporem conhecidos lugares de Portugal como cenário dos enredos das suas histórias.

De facto, para além do inequívoco sucesso de uma obra que conta com várias dezenas de títulos, as referidas autoras, que também são professoras, produziram um enorme manancial de situações de ficção, sempre em lugares do maior interesse, cujos protagonistas, sabiamente caracterizados, tomam conta do leitor alvo através de uma cumplicidade fácil, que sintoniza na idade, no espírito de aventura, na necessidade de alcançar a autonomia possível.

Reparem, no entanto, que os destinatários do trabalho que me propus concretizar eram, em primeira instância, os professores de um universo especial alunos-leitores que constituem um grupo extremamente heterogéneo. Os miúdos com quem trabalham estão longe, muitos já não nasceram em Portugal, fazem parte de segunda e terceira gerações de portugueses instalados em determinadas comunidades estrangeiras, em diferentes continentes. Alguns desses potenciais e reais leitores são bilingues, para outros o Português é ensinado como língua estrangeira ou ainda como língua segunda.

Pensemos num exemplo muito concreto. Para eles, a Sintra e o Palácio da Pena de Uma Aventura no Palácio da Pena são coisa bem diferente daquela que conhecem (ou não) os miúdos portugueses que estão e permanecem em Portugal. Portanto, havia que ajudar os professores a facilitar um diferente acesso a Sintra por parte dos seus alunos.

O que se me impunha – se a essa gente eu queria chegar – era aproveitar a oportunidade da existência daquela obra bem concreta e, para além da componente lúdica suscitada pela sua leitura, propô-la aos referidos docentes numa mala pedagógica cujo conteúdo incluiria, não só o próprio livro mas também um diversificado conjunto de materiais conotados com o lugar. Mas, cumpre esclarecer, foram trabalhados outros títulos da mesma colecção.

Era suposto que, longe de Portugal, pudessem trabalhar o lugar Sintra em termos pedagógicos. Para tanto, concebi um kit de materiais que iam desde folhetos originais de índole turística à fotocópia de notícias de jornal acerca de concretos e preocupantes problemas de Sintra, também sobre projectos relativos ao Palácio e Parque da Pena que se perspectivavam na altura, plantas e mapas, receitas de doçaria regional, um videograma da autoria da Editorial Caminho de promoção de Uma Aventura no Palácio da Pena, um vasto conjunto de diapositivos sobre Sintra, cassete áudio com várias hipóteses de música de fundo, etc.

Naturalmente, pedi às autoras que subscrevessem uma carta, muito informal, dirigida a todos os colegas que iriam receber as tais malas pedagógicas, de estímulo à actividade tão desgastante em que estavam empenhados. Pois a carta veio praticamente na volta do correio, sob a forma de manuscrito, qual diálogo entre gente do mesmo ofício que, como calculam, constituía um forte elemento afim do sucesso de utilização daquele dispositivo de animação da leitura, pretexto para a abordagem de um lugar em termos relativamente abrangentes.

Sob os auspícios da amizade

Sei que Isabel Alçada me considera seu amigo. E não se engana, eu retribuo. De facto, temos em comum o mais intenso desejo de aplicar todas as nossas capacidades ao serviço das crianças e jovens deste país, com particular destaque para a promoção do gosto pela leitura, eu de forma muito modesta como Técnico de Educação, actualmente aposentado, ela não só como autora mas também no desempenho de funções tão importantes como as de Comissária do auspicioso Plano Nacional de Leitura.

A música leva-nos quer à Gulbenkian quer ao Grosses Festspielhaus de Salzburg, à volta da obra dos grandes compositores, sempre interpretada pelos melhores entre os melhores do mundo. É uma grande mulher, determinada, competente, discreta e – factor absolutamente determinante nesta avaliação de amigo – sempre de uma irrepreensível elegância.

Quando, recentemente, se começou a falar no seu nome para substituir Maria de Lurdes Rodrigues, achei perfeitamente natural. A competência e dignidade que têm pautado o seu percurso continuarão a prevalecer no desempenho destas funções de Ministra da Educação. Mas entendam que, igualmente, fiquei apreensivo e com imensa preocupação por ela. Aquilo não é coisa que se deseje a ninguém e, muito menos, a um amigo…

Vão deixar que faça um parêntesis para lembrar que, há precisamente trinta anos, fiz parte do Gabinete do Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário de uma outra grande mulher da Educação deste país, Maria Alice Gouveia, também uma amiga, infelizmente já falecida, a quem o Sistema Educativo ficou a dever serviços inestimáveis em períodos críticos, antes, durante e na sequência do 25 de Abril. Pude aperceber-me da violência quotidiana que é estar naquele lugar do poder executivo, da exigência ética de fazer política àquele nível. Fecho o parêntesis.

Como, à minha limitada medida, sei o que é, o que já estará a viver e o que espera esta amiga, maior não pode ser a expressão da estima e consideração que aqui registo. Por isso mesmo, recebo muito mal os sinais que certa imprensa não se coibiu de manifestar sobre Isabel Alçada, desde o Público ao Expresso que, enfim, não sendo uns quaisquer pasquins, por vezes, até parecem…

Como se mais nada de interessante houvesse para dar notícia, mesmo num registo ligeiro, já se entretiveram na investigação e subsequente publicação dos seus rendimentos, destacando os cinquenta mil euros de direitos de autor, com comentários de duvidoso nível ou interesse sobre os proventos do casal Vilar. Noutra oportunidade, o destaque para a caneta Montblanc com que assinou o termo de posse…

Que indigência, meu Deus! Será que tão doutos jornalistas (??) conseguirão perceber que, por muito significativos que possam ser os valores em questão, não há qualquer interesse jornalístico na sua divulgação porquanto se referem a rendimentos de inequívoco trabalho? Será que tal espécie de escrevinhadores terá feito coisa idêntica quando, por exemplo, o tão célebre quanto lamentável Dr (?) Armando Vara tomou posse e deixou os cargos de Secretário de Estado e de Ministro?

Quanto às Monblanc, o que dizer? Como eu a compreendo. Adoro. Porque são óptimas, refinadíssimas e fazem a diferença. Não por se terem transformado em ícones de prestígio mas, isso sim, porque até permitem distinguir quem as merece dos ordinários que, desde locutores a comentadores, políticos, etc, não perdem a oportunidade de as exibirem, rolando-as entre os dedos, perante as câmaras… De facto, um piroso será sempre um piroso, mesmo armado de Montblanc.

Não. Jamais verão Isabel Alçada em cenas que tais. E não a macem para além do que é suposto aguentar. Senão acaba por se fartar deixando o lugar a uma qualquer Lurdinhas, que para aí ande à espera de uma oportunidade para atacar na 5 de Outubro…

4 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns por mais esta peça de bom gosto e elevado sentido de oportunidade e expressão de amizade sincera,contra o oportunismo desta pseudo-comunicação social, pseudo jornalistas que mais não fazem do que se assumir como arautos da desgraçae do baixo nível,ao serviço de determinados e «ocultos» interesses.
Que haja alguém que consiga ver para lá do que é especulação e maldade.Obrigada,João!
À Srª Ministra,como funcionária do Ministério da Educação, desejo o maior sucesso e, sobretudo que use a sua sabedoria, para devolver alguma paz,ao seio dos docentes deste país.
Margarida Mota

Salvador Rito disse...

Os jornalistas que temos deviam ser melhores que os políticos que temos. Mas não são. E já foram. Há décadas, no tempo do fascismo, com falta de liberdade, o bom jornalismo mantinha a esperança na mudança. Era preciso escrever nas entrelinhas mas escrevia-se bem. Hoje os jornalistas são licenciados mas não distinguem o-há- do verbo haver e o -à-. Hoje os jornalistas obedecem aos chefes das redacções e para vender papel vão fazer notícia sobre a marca da caneta dos ministros. É uma pobreza que mete dó.
Salvador Rito

Artur Sá disse...

Amigo Dr. Cachado,

Estive fora uns dias razão da minha ausència de comentários ao seu blogue. Foi uma surpresa este artigo sobre a Dra. Isabel Alçada. Veremos se tem o mesmo sucesso como ministra. Desconfio que não se aguenta lá muito tempo e volta às suas aventuras com a outra autora amiga. Custa perceber como é que aceitou trabalhar com o grande amigo do Vara. Só por grande espírito de serviço...
Artur Sá

Fernanda Carvalho disse...

Caro colega J. Cachado,

Já tinha lido este texto na semana passada mas só hoje comento depois de ter visto a entrevista que a nova ministra ontem deu à RTP. Quem se lembra ainda da outra senhora que virou o país contra o ME e agora percebe como é possível ser tão diferente para bem das crianças e jovens alunos, das famílias e das escolas, só pode congratular-se. Será bom para todos que a Dra. Isabel Alçada se mantenha no lugar e restitua a paz à Educação.
Como o Cachado tem dito e escrito, de facto a imprensa está cheia de escrevinhadores e falha de jornalistas, bons chefes de redacção e directores. Para vender papel são capazes de devassar a marca da lingerie, quanto mais da caneta. É um nojo. Não gosto de generalizar mas é muito aflitivo porque está a desaparecer a geração dos grandes e bons jornalistas não se vendo os seus substitutos.Volto à educação e a Isabel Alçada, uma colega quase última esperança.
Com muita estima
Fernanda Carvalho