[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009


João Cachado - Sintra

A cultura cá no burgo

A reflexão que vos proponho parte de matéria recentemente tratada, cujo desenvolvimento subsequente pretendo não passe desapercebido. De qualquer modo, para enquadrar estas considerações, forçoso é que releiam o texto aqui publicado, no dia 30 do passado mês de Novembro, o qual, como terão oportunidade de verificar, se relacionava com um episódio de desrespeito do direito geral ao sossego durante o período nocturno, protegido pela lei vigente.

Através de um comentário, datado de 10 do corrente, sob o pseudónimo de Miss M, os promotores do desacato responderam, nos termos que, para conhecimento de todos os interessados, passo a transcrever:

"Boa tarde, quer-me cá parecer que estamos a exagerar um pouco nesta questão particular do Ginásio do Sintrense.A minha perspectiva, e não descorando do direito ao silêncio e do respeito pelo próximo, leva-me a ter a noção de que os ditos "prevaricadores" apenas pretenderam trazer cultura e arte a um local tão nobre de Sintra como a Estefânia e a um espaço lamentavelmente abandonado como o Ginásio Ernesto Neves.

As actividades culturais que ali decorreram durante 12 meses mensalmente deram a conhecer diversas artes e culturas, artesanato, produtos biológicos, teatro infantil e bandas locais, numa tentativa de repor alguma da vida cultural perdida neste canto de Sintra.

É de facto verdade que são inúmeros os casos de desrespeito, ultraje e manipulação dos direitos que assistem a eventos do género, mas parece-me importante sublinhar a sempre presente atenção e cuidado desta Associação em avisar os vizinhos e manter o diálogo com os mesmos.

Toda a burocracia necessária para a realização destes eventos foi condignamente concedida, sem meios caminhos ou corta matos, depois de detalhada análise por parte da direcção do Sport União Sintrense, da Junta de Freguesia local e da Câmara Municipal de Sintra.Os eventos desta Associação terminaram ali no passado mês de Novembro e é lamentável que fique esta má impressão depois de um esforço enorme dos responsáveis para que a cultura prevaleça e chegue a todos. 10/12/09 15:25"

Independentemente dos evidentes atropelos do discurso – certo é que nada adequados ao estatuto de quem se arroga a condição de agente cultural local – que logo me desmobilizaram quanto à necessidade de resposta subsequente, não havia dúvidas de que o texto previamente publicado no sintradoavesso, não atingira os objectivos que me propusera, razão pela qual me vi na circunstância de, mais e melhor, esclarecer para que não sobrassem quaisquer dúvidas.
Eis o que se me ofereceu sublinhar:

"Escrevi, confirmo e reafirmo: prevaricadores! Assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo.

Aqueles que, ao longo de doze meses, se permitiram incomodar dezenas e dezenas de pacatos cidadãos, vizinhos de uma zona inequivocamente residencial, através de inusitados manifestos de barulheira - agora atrevidamente qualificados como eventos culturais - são inequívocos perturbadores da ordem, prevaricadores cujas atitudes, actividades e actuações, a autoridade democrática não poderá deixar de controlar e sancionar devidamente.

Ao remeterem-me [-nos] um comentário tão a despropósito, tais indivíduos ou não estão bons da cabeça ou pretendem atirar com areia para os olhos de quem, como eu, ainda tem o topete de se mostrar incomodado... Mas será que alguém, no seu perfeito juízo, admitirá que um facto ou artefacto cultural seja suposto ofender, sequer beliscar, os direitos e interesses de terceiros para se afirmar como tal?

Pode, isso sim, ferir a susceptibilidade estética, desafiar e abalar ícones estabelecidos, contribuir para rasgar preconceitos, mas sempre acrescentando conhecimento e, eventualmente, até transmitindo novas perspectivas de abordagem de mais ou menos conhecidos fenómenos.

Todavia, cai imediatamente pela base o argumentário do promotor de um evento dito cultural, se e quando alguma das iniciativas afins incorrer no prejuízo de potenciais destinatários. Tal é, manifestamente, o caso dos residentes nas imediações do velho ginásio da Heliodoro Salgado que, impotentes, nada mais puderam fazer, já que a própria autoridade policial local seria ultrapassada pela autarquia que concedeu licença ao despautério.

A situação vertente, que não deixa de ser paradigmática, é perfeitamente entendível se tivermos em consideração o baixo nível de quem, nos serviços respectivos, tem de analisar, avaliar, provavelmente subsidiar e, finalmente, autorizar a pública concretização de propostas que, afinal, acabam por colidir com a tranquilidade da comunidade, em horário que a Lei vigente considera vedado a práticas que tais.

De facto, em Sintra, o prevaricador foi ao encontro do autarca cujo gabarito cultural correspondia ao baixo nível em que tudo se enquadrou, pelo que, com a maior facilidade, se terá obtido autorização bastante para a prevaricação que, repetidamente, se processou.

Há muitos anos, toda a gente me conhece como grande consumidor de bens culturais de toda a ordem, de todas as origens, mais ou menos selectos, eruditos ou populares, sejam quais forem as vertentes e suportes, desde a música à literatura, às artes plásticas, ao cinema, ao teatro, ao artesanato, etc.

No entanto, a minha avidez cultural, aliás como a de qualquer normal cidadão,* tem os contornos e limites dos direitos dos outros, razão pela qual não frequento e desconsidero qualquer programa que desrespeite a mínima conveniência de alguém.Naturalmente, pessoas como eu - e, felizmente, vão sendo cada vez mais - jamais frequentaram ou se permitirão colaborar nas investidas culturais (?!?) nocturnas do Bairro Alto e quejandos, que transformaram num inferno absolutamente insuportável a vida dos desgraçados residentes.

Para todos os efeitos, apesar de me ver contemplado com escritos deste calibre e destempero, ainda não desisti de me considerar a viver num país civilizado, razão pela qual, ao longo do ano, fui recorrendo à intervenção da Guarda Nacional Republicana que, cumpre assinalar, sempre correspondeu como seria de esperar."

Posteriormente, uma entidade cultural denominada Cyntia voando propôs-me um encontro pessoal para esclarecer ainda o que, em definitiva resposta, considerei não ter mais qualquer cabimento. Não previra eu que, finalmente, uma outra mensagem (cujo anonimato se justifica pelas considerações aduzidas pelo autor) ainda traria maior substância às minhas razões. Ora reparem:

"Eu também vivo com a poluição sonora provocada pelo dono do bar S'pontaneo - Diogo Pessoa Lopes, desde 1999, e que tem, sem dúvidas, boas relações na CMS (a começar pelo seu primo, o [ex-] Vereador Dr. João Lacerda Tavares) exactamente com o mesmo tipo de discurso de MissM a que João Cachado tão brilhantemente respondeu: - "(...)Alguém no seu perfeito juízo, admitirá que um facto ou artefacto cultural seja suposto ofender, sequer beliscar, os direitos e interesses de terceiros(...)"

Pois é! E acredito que muitos dos artistas participantes não tenham a menor ideia do prejuízo que provocaram a terceiros! (...) Escondo-me atrás do anonimato pois tenho medo, coisa que já percebi que João Cachado não tem. Houvesse mais como ele! Obrigada 11/12/09 16:02"

Conheço muito bem a situação até porque, infelizmente, tenho familiares que residem no local, também altamente prejudicados. Apesar da intervenção pessoal do próprio Presidente da Câmara, os moradores e comerciantes da Praceta Dr. Arnaldo Sampaio, nas traseiras do Centro Cultural Olga Cadaval, continuam a viver sem direito ao merecido sossego.

E tudo porque certos prevaricadores se arvoram em agentes culturais. Lamentável, isso sim, que os conceitos de Arte, Cultura e Beleza sejam conjugados nas linhas e entrelinhas de discursos argumentativos como os de Miss M e dos defensores do S’pontâneo. E ainda, tão ou mais lamentável é que, tal como lembra o comentário anterior, os intervenientes nos tais eventos culturais nem se apercebam das lesivas consequências do seu envolvimento.

E daqui não sairemos enquanto, na Câmara Municipal de Sintra, se persistir nos erros e enganos actuais. É que as licenças para a concretização de iniciativas como as de café-concerto ou atitudes de intervenção urbana citadas por Miss M têm diferente enquadramento mas sempre no respeito pelos direitos de terceiros.

* na acepção consagrada pelo dicionário Houaiss da língua portuguesa que, no verbete inerente ao conceito, propõe indivíduo que goza de direitos constitucionais e respeita as liberdades democráticas.

NB.
Os textos citados diferem, pontualmente, dos originais consultáveis no espaço destinado a comentários.


7 comentários:

Lurdes Teresa Silva disse...

Colega João Cachado,
Percebi que o post de hoje é de Fernando Castelo mas como vem no seguimento de suas posições anteriores, dirijo-me a si enquanto sua colega.
É muito oportuna a apresentação pública deste assunto. Eu também estou farta de ver a cultura (a sério...) confundida com essas iniciativas «bué da naices» a que os serviços culturais da Câmara de Sintra, sediados na Rua do Roseiral, concedem licença para nos incomodarem. Como sabe, não é só na Estefânia. Em todas as freguesias há coisas destas, muito pobres de alcance. A poesia, as artes plásticas, o bom teatro e o bom cinema, a essa cultura os nossos miúdos não têm acesso as crianças e os jovens, se não forem as escolas a promovê-la. A autarquia gasta as poucas verbas nestas misérias que são como um limão seco... Não contentes os tais "agentes culturais" ainda nos agridem com argumentos sem qualquer defesa mas que nos fazem perder tempo. A menos que os desmascaremos como o colega está a fazer no seu blogue.
L. T. Silva

Anónimo disse...

Percebi que o Sr. Castelo ironizou em relação ao actor Joaquim Almeida e às suas "obras literárias" de tanta qualidade que até foram distribuídas pelas criancinhas das escolas...
Este protegido do Sr. Seara não passa de um actor de segunda ou terceira classe. Foi condecorado, como o Rui Veloso e Ana Bola, sem qualquer mérito a favor de Sintra. Devem pertencer ao grupo dos tais "agentes culturais" que os serviços culturais da Câmara reconhecem.
O Caneira do Sporting parece que não se saíu muito bem da amizade com o presidente da Câmara mas o Castelbranco lá conseguiu fazer obras na casa.
Estamos muito mal Sr. Castelo mas como se vê há outros que estão muito bem.
Silveira da Horta

Luís Lopo disse...

A cultura cá no burgo é o que é entre outras coisas porque os vereadores há muitos anos são pouco mais que analfabetos. Assim não vamos a nenhum lado. Melhor, talvez vamos continuar a ser incomodados pelas Misses M e actividades culturais do Spontaneo...
Luís Lopo

Artur Sá disse...

Caro Dr. Cachado,

Fazendo parte da área metropolitana de Lisboa, Sintra deve propor eventos culturais como Cascais que são alternativas de muita qualidade à capital. Assim como Cascais tem o Teatro Experimental do Carlos Avilez, Sintra também deve ter algo do mesmo género e com o mesmo alto nível. Pelo contrário, em Sintra tudo é muito pobrezinho. Aqui a Câmara Municipal preocupa-se com a "Cintia voando" e deixa que o Festival de Sintra se degrade de ano para ano ao ponto de estar irreconhecível, como o João Cachado demonstrou tão bem no último Verão.
Aproveito para apresentar os votos de Boas Festas para si e para todos os frequentadores do seu blogue.

Artur Sá

Nuno Carlos disse...

Confundir Cultura com letra grande e eventos que são apenas de animação urbana não é honesto. E muito lamentável que se incomodem cidadãos que só têm o azar de viver por perto. Parabéns ao Cachado e ao Castelo por esta notável chamada de atenção.

Nuno Carlos

Pedro Rosa disse...

Corremos o risco de que nos chamem nomes desagradáveis. Mas se não temos coragem para dizer que cultura não é aquilo que a Miss M e o dono do Spontâneo querem então até merecemos que entrem pela nossa casa aos gritos...

Pedro Rosa

PS: sou jovem, gosto de sair e de me divertir mas também não consigo ir para o Bairro Alto incomodar os desgraçados que lá vivem.

Lina Aresta disse...

Conhecemos o sintradoavesso através do jornal "Destak" e lemos regularmente os seus artigos. Geralmente e neste particularmente estamos completamente de acordo. Estamos em tempo de ser corajosos e de deixar-nos do "politicamente correcto". Na realidade, Cultura não é a Cyntia a Voar. Os nossos voos devem ser com ordem e no respeito pela arte e pela poesia e beleza das coisas. Vivemos em vários pontos de Lisboa e decidimos comentar porque esta luta é de todos os lados. Por exemplo, o caso do Bairro Alto é uma vergonha. Também somos professores, estamos consigo e com Fernando Castelo contra a parvoice e a ignorância dessa gente mal preparada que anda a procura de estatuto e vai singrando porque nós deixamos. Esta é a verdade.

Lina Aresta

(e Pedro Terra, Célia Neves, Carla Reis, Catarina Dalva, Noémia Silva)