[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 7 de junho de 2010

2001 – 2010,
esquecer ou aprender


[transcrição do artigo publicado no nº 7 do Correio de Sintra, de 2 de Junho de 2010]


Certamente, já terão dado conta de que, em Sintra, a primeira década do século vinte e um, coincide com os sucessivos mandatos do executivo autárquico liderado pelo Presidente Fernando Seara e ainda com a entrada nos ciclos de esperança suscitados pelo início de um novo século e dealbar de um novo milénio.

O meu calendário acusa a necessidade de balanço. É indiscutível tratar-se de um período suficientemente dilatado para que, em termos globais, se consiga destacar não só o que foi feito mas também o que continua por fazer e, grosso modo, seja inteligível o tipo de gestão que se processou, sem cuidar de abordar a questão das razões que determinam o actual statu quo.

Este decénio sintrense abriu com um tempo de expectativa. Certos sinais, francamente positivos, deixavam-no antever. A título de exemplo, apenas dois casos sintomáticos. Primeiramente, o da Volta do Duche em que, cumprindo mediática promessa eleitoral, se impediu a construção do polémico parque de estacionamento subterrâneo, bem como o projecto Sintralândia cuja continuação teria suscitado irreparáveis consequências para o concelho.

Tais projectos constituíam apostas decisivas do executivo anterior. Já tinham sido assinados contratos e protocolos de entendimento, havia compromissos de toda a ordem envolvendo entidades públicas e privadas, pelo que, já em fase crítica da sua pré-concretização, foi muito difícil sustê-los. Este, na minha opinião, o maior crédito do Presidente. De facto, não tivesse sido esta a sua atitude e hoje estaríamos a braços com gravíssimos problemas.

Realidade virtual…

Entradas de leão? Tudo leva a crer que sim. Reparem que, não tendo construído o referido e tão controverso estacionamento – cuja suspensão pressupunha a implantação de parques dissuasores na periferia das três freguesias da sede do concelho e a montagem simultânea de um sistema integrado de transportes – nada, absolutamente nada fez naquele ou noutro sentido, só agravando a situação e transformando Sintra numa vila armadilhada, altamente insegura.

Não deixando que Sintralândia fosse avante, prometia a Cidade do Cinema com previsível e inusitado impacte ecológico. Prometia também a Casa das Selecções, ambas na freguesia de Almargem. Com o desporto sempre na mira, não faltaria o interesse pelo futebol – sempre o futebol, tudo pelo futebol! – enquanto não sei quantos quilómetros de ciclovias e ondas de piscinas, tantas quantas uma por freguesia, eram relegadas para a realidade virtual, a meter água por todos os orifícios de bem engendradas inverdades

E o eléctrico, atravessando a Heliodoro Salgado, a caminho da Vila Velha? Pois eu vi as fotografias do prodígio, em realidade virtual, pois claro. E o funicular que, sob a ignorante designação de teleférico, a caminho de nenhures, foi anunciado não pela Câmara mas pelo autarca de São Pedro?… E o pólo da Universidade Católica? E o Hospital de Sintra? Santo Deus, tanta esperança e tanta convicção na promessa do hospital…


Defesa do património

Quanto à defesa e preservação do património natural e edificado, ainda recentemente houve oportunidade de mostrar a peritos da Unesco como, no tocante ao que depende da Câmara, tão mal vão as coisas entre nós. São ruas e ruas de edifícios degradados, incluindo alguns municipais; é o centro histórico em estado de calamidade, sem rede de esgotos capaz, com o Netto a desfazer-se, o Gandarinha desventrado, o edifício do Café Paris, abarracado de plástico nas janelas partidas e telhado cai-que-não-cai, como ex-libris; são as casas do Rio do Porto, naquela ruína envolta em disfarce de painel de intervenção artística, ora rasgado e debotado; são os caminhos mais emblemáticos, entre quintas, escandalosamente abandonados, enquanto continua a bacoca campanha Sintra, capital do romantismo; é a poda das árvores, fora de época, mostrando quanto vale a incompetência reinante, naquele bárbaro espectáculo de troncos desesperados…

Ainda neste domínio, sem definido plano de intervenção cultural, reina o desinteresse, um não saber estar à altura, como no multifacetado desmando perpetrado em Seteais que, não só resultou no escusado encerramento do famoso terreiro, durante um ano, mas também na destruição do tanque e na co-autoria do licenciamento da construção da mansão, do outro lado da estrada, deixando o Palácio, irremediavelmente prejudicado. É, noutra vertente patrimonial, o descalabro do Festival de Sintra que, desde 2005, se descaracteriza, numa embrulhada de propostas cuja lógica não se descortina…

Como se não bastasse, mais recentemente, vem o executivo autárquico solicitar à comunidade o seu aval à compra da Quinta do Relógio, por quase sete milhões de Euros, sem conseguir justificar cabalmente a que programa, cultural ou outro, obedece o sacrifício de tal investimento e sem indicação do valor a que montam as subsequentes obras de recuperação do edifício. Não será isto o protótipo do desaforo, numa altura de crise financeira, em que, nestas condições, o recurso ao crédito se revela proibitivo?


Qualidade de vida em causa

Baixa a qualidade de vida? Natural e nada surpreendentemente. Nos termos de insuspeito estudo, levado a efeito pela Universidade da Beira Interior, o tombo é tão flagrante que, em meia dúzia de anos, se passou do honroso 5º para o desprestigiante 42º lugar na escala dos municípios portugueses. Está bem à vista como tais números reflectem a realidade da falta de qualidade na vida quotidiana. Entretanto, Cascais, aqui ao lado, parece outro país…

Não é difícil concluir que muitos destes índices e indícios, umas vezes traduzíveis na crueza dos números, noutras em consequências nefastas senão dramáticas – como no caso das mortes em Belas, aquando das inundações de 2008 ou, há uns dias, no das crianças na lagoa do Cacém – resultam de uma insidiosa e horrível cultura de desleixo perante a qual o executivo autárquico não consegue opor as estratégias de remediação que se impõem, exercendo a autoridade democrática de que está eleitoralmente investido.

Em Sintra, a década que coincide com o começo do século e início do milénio conheceu entradas de leão e está a abrir a porta para saídas de sendeiro… Não cometerei a injustiça de tudo descarregar às costas do primeiro e último responsável. Há, aqui pelo meio, uma equipa de yes people, à volta do chefe, que só o tem tramado e tudo tem tramado.


Onde é que já vimos mais disto? Década perdida, tempo para esquecer? Nunca o será se, após a inevitável avaliação, soubermos actuar em conformidade, partindo para um tempo mais decente.



5 comentários:

R. Silva Tovar disse...

Como é que o João Cachado continua a pôr uma mão por baixo deste homem? Não tem defesa possível.
Ele não tem a seu favor nenhum crédito e só tem feito promessas. Bem se podia dizer à Edite
Estrela para voltar que está perdoada.
O Dr. Seara é o maior atraso de vida que já tivemos em Sintra. Nem o Justino.
É o maior fracasso de sempre. Cascais tem muito mais sorte com o Capucho.
Não faz nada por Sintra. O caso do estacionamento é gravíssimo.
Em dez anos não fez nada e por isso estamos muito pior do que quando ele começou o mandato.
Este seu artigo esclarece o que se tem passado mas peca por defeito.
Já tinha lido no «Correio de Sintra» (onde me parece que há um erro sobre o Festival de Sintra em relação à data em que começou a perder qualidade.
Faz bem em trazer para o blogue porque assim podemos logo comentar. Obrigado

Silva Tovar

Anónimo disse...

Fazer o exercício de ler o texto anterior deste blog "Doces ou Quinta da Regaleira" para perceber o tipo de pessoa que nos governa com os resultados que o Cachado denuncia. Está tudo dito. Como a democracia é assim, ainda temos de aguentar mais não sei quantos anos.

Luís Mendes disse...

Pois eu acho que é mesmo tempo perdido e para esquecer. A avaliação só pode levar a esta conclusão.
Luís Mendes

Anónimo disse...

Já tinha lido no Correio de Sintra, parabéns, meu amigo João,belíssima análise esta, se bem que, mesmo assim ainda consiga vislumbrar-se nas entrelinhas, alguma tolerância e até «desculpa»,pelo que este senhor tem feito,ou melhor, não tem feito,por Sintra.
Bem haja aos meus dois amigos, que tanto prezo, pelo seu olhar permanente e espírito crítico, atento e acutilante.Bem haja por não desistirem...

Anónimo disse...

"São ruas e ruas de edifícios degradados, incluindo alguns municipais; é o centro histórico em estado de calamidade, sem rede de esgotos capaz, com o Netto a desfazer-se, o Gandarinha desventrado, o edifício do Café Paris, abarracado de plástico nas janelas partidas e telhado cai-que-não-cai, como ex-libris; são as casas do Rio do Porto, naquela ruína envolta em disfarce de painel de intervenção artística, ora rasgado e desbotado; são os caminhos mais emblemáticos, entre quintas, escandalosamente abandonados, enquanto continua a bacoca campanha Sintra, capital do romantismo;"
O Seara não entende a importância ECONÓMICA do património cultural e natural,nem ele nem maior parte dos portugueses, talvez percebam quando surgirem dados sobre a evolução do do turismo em Portugal e do dinheiro que os turistas cá deixam e compará-lo com outros anos e outros países... talvez...