[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 2 de julho de 2010



Bolonha, sinais dos tempos

No passado sábado, dia 26 de Junho, o jornal Público trazia um anúncio que deve ter chamado a atenção a muita gente. Passo a reproduzir o que, na economia deste meu texto, é a parte útil daquela mensagem:


“Admissão de Administrativo(a) / RP / Associação Pública Profissional pretende seleccionar colaborador(a) para as áreas de administração e de relações com o exterior / Habilitações requeridas: Licenciatura pré-processo de Bolonha (cinco anos) ou Mestrado pós-processo de Bolonha em áreas de Administração e de Relações Públicas (…)”

Atestando análoga atitude, traria à colação o litígio entre o Dr. Marinho Pinto e os candidatos ao estágio na Ordem dos Advogados, agora obrigados a submeterem-se a um exame de acesso depois de o Bastonário ter verificado quão deficiente é a preparação académica dos pretendentes, bem patente, aliás, nos resultados da prova em apreço, traduzidos em apenas 10% de notas positivas…


Não há dúvida de que estes são sinais dos tempos. E sinais demasiado preocupantes para que não nos detenhamos, embora muito sumariamente, na reflexão que merecem. Para quem tivesse andado algo distraído, aí estão os indícios de que, não só os potenciais empregadores mas também as próprias associações profissionais, desconfiam dos cursos superiores e consideram-nos incapazes de proporcionarem os conhecimentos que é suposto serem adquiridos pelos jovens que os frequentam no sentido de se candidatarem ao mercado de trabalho.


Uma certa dose de desleixo e de falta de exigência, bem como quantum satis de facilitismo institucionalizado, constituem a explosiva mistura que, já há muitos anos, vem armadilhando a granada. Desde o ensino secundário – isto para mais não recuarmos… – até ao superior, geralmente anquilosado e reprodutor de modelos perfeitamente ultrapassados, que recebe os jovens já com imensas deficiências, eis o quadro que, grosso modo, está na origem da impreparação da geração recém-licenciada de acordo com o modelo Bolonha.

Todavia, o problema é muito mais compósito e complexo do que, até ao momento, estes simples e despretensiosos parágrafos indiciam. Como não pretendo meter a foice em seara alheia, apenas me circunscreverei aos cursos superiores de Letras, nomeadamente os de Línguas e Literaturas Modernas, mais curtos do que os das Licenciaturas de antigamente, nas diferentes áreas filológicas (clássicas, românicas, germânicas) que bem conheço por se reportarem ao meu modelo académico de origem.


Para não me alongar para além do desejável, apenas me detenho num aspecto da questão, lembrando que, portanto, muito antes do modelo de Bolonha, já havia professores de Português que jamais aprenderam uma palavra de Latim. Afirmo, sob palavra de honra, sem qualquer ponta de hipérbole ou de ironia, desconhecer como é possível ensinar Língua Portuguesa, em qualquer dos níveis e ramos de ensino, sejam quais forem os destinatários, sem ter aprendido Latim…*
Vem este caso à baila, tão somente, no sentido de estranhar que, de momento, tal como já aconteceu com os empregadores e associações profissionais acima mencionados, ainda não tivessem surgido associações de pais e de encarregados de educação preocupadas com a bagagem científica dos professores de português dos seus filhos e educandos.

Ou muito me engano ou muito não faltará para que, em tempo oportuno, assistamos a manifestações nesse sentido… Ah, se tais cidadãos contribuintes soubessem alguns detalhes, menos convenientes ou politicamente incorrectos, do cabedal científico e académico de alguns dos pseudo mestres a quem entregam os miúdos para que estes aprendam o que eles, pais, julgam que, na realidade, é ensinado competentemente!...

Entretanto, uma das poucas coisas que podem fazer, será aceder à informação disponível. Recentemente, por exemplo, a Dra. Maria do Carmo Vieira publicou O Ensino do Português, em edição da Fundação Francisco Manuel dos Santos, obra perfeitamente acessível e esclarecedora da situação enunciada no título. Leiam e, depois, tirem as conclusões. Certamente, não se afastarão daquelas a que chegaram, tanto o redactor do anúncio como o Dr. Marinho Pinto…

* A propósito, ler no sintradoavesso O desconcerrto da citação, 18.04.08 e Acordo ortográfico, 04.04.08

3 comentários:

Clara Rodrigues disse...

Colega Cachado,
Este assunto também se relaciona com dezenas de milhar de jovens licenciados que não têm emprego.
Fizeram licenciaturas para nada
e estão a emigrar. É uma geração
completamente frustrada.
Clara Rodrigues

Anónimo disse...

A verdade vem sempre acima... Andaram a brincar aos cursos superiores, queriam ter um dr atrás do nome e agora não vale de nada.
BJ

Pedro Soares disse...

Caro Dr. Cachado,
A Dra Maria do Carmo Vieira (hoje no Jornal Público), o Dr. Medina Carreira, o Dr. Nuno Crato, o Dr. João Duque são perniciosos pessimistas militantes...
O Dr. João Cachado
que apontou o exemplo daquela autora do livro "O Ensino do Português" também não se safa pois é um perigoso desmotivador do optimismo que é preciso manter mesmo quando
o barco já está a afundar-se.
Não tem uns óculos côr de rosa lá por casa?

Pedro Soares