Museu de Portimão [2]
Na realidade, o pai foi o último proprietário privado da fábrica de conservas de peixe que, sob a mítica marca La Rose, funcionou nas instalações industriais onde, após as mencionadas obras de adaptação, hoje está instalado o Museu de Portimão. Entretanto, já no princípio dos anos oitenta do século passado, conversara ele algumas vezes com o então Presidente da Câmara de Portimão, Arq. Martim Gracias, acerca da possibilidade de converter em museu o magnífico espaço da fábrica.
Mas «o projecto do pai» era manter uma parte da fábrica a laborar nos mesmos moldes e de acordo com o figurino histórico que dera fama e proveito à marca La Rose. Se assim fosse, através de uma galeria panorâmica isolada, num plano superior, assistiriam os visitantes ao fabrico, em concreto, transformando em espectáculo o que era trabalho duro, em série, naquela cadeia de produção tão sui generis.
Também não era de difícil realização e poderia constituir fonte de financiamento muito significativa - com venda de produtos no fim do circuito - aliás a exemplo do que, propriedade de uns nossos amigos nórdicos, ele e eu tínhamos visto a funcionar na Dinamarca, meia dúzia de anos antes.
Não foi isso que veio a acontecer mas, meu Deus, o projecto que hoje em dia se visita é magnífico, nada tem que se lhe aponte e, muito menos, a falta daquela componente que o pai sonhara. Aliás, como se depreende, a viabilização de tal alternativa pressupunha a continuação da laboração da empresa, isto é, algo que foi considerado inoportuno ou, melhor, menos conveniente do que o encerramento.
Ainda um pouco mais de história. Acontece que, no fim da década de setenta, durante algum tempo, tanto eu com uma das minhas irmãs, pertencemos ao Conselho de Administração da empresa. Nessa altura, o outro sócio do pai, o Instituto de Participações do Estado (IPE) era representado naquele orgão de gestão pelo saudoso Comandante Gomes Mota – falecido em 2002 – militar de Abril, tão afecto aos valores da Democracia em construção, cuja memória igualmente homenageio neste despretensioso texto.
Trabalhar e com ele conviver, tanto em Lisboa como nas nossas estadas no Sul, foi de grande proveito para mim. Aprendia-se imenso com alguém do seu calibre, e, certo é que laterais, mas interessantíssimas, acrescentei ao meu património pessoal, algumas das suas histórias. Por exemplo, uma ou outra relativas ao seu sogro, Almirante Sarmento Rodrigues, uma das mais gradas e notáveis figuras do regime, então, recentemente deposto. Mas isso, enfim, já faz parte de um rosário com outras contas…
Comer e passear atento
Como calculam, conheço bem Portimão e arredores. Desde miúdo, terei assistido a todo o seu processo de descaracterização, resultante da descontrolada actividade turística, totalmente à trouxe-mouxe, muito especialmente depois de fins dos anos sessenta, através do surto de uma construção civil gananciosa e sem escrúpulos, vis-à-vis da falta de preparação de certos autarcas, nem sempre tão bem intencionados quanto seria de esperar…
(continua)
NB:
Na próxima terceira e última parte publicarei algumas fotos sobre esta matéria.
2 comentários:
Caro João Cachado,
Você é uma caixa de surpresas. Percebi que ao mesmo tempo que era técnico do Ministério da Educação, tinha uma actividade particular ligada aos negócios da sua família.
Ainda muito surpreendido, falei hoje com um amigo professor que o conhece há muitos anos. Disse-me ele que essa sua actividade era muito alargada no campo industrial das carnes, até aqui perto de Sintra em Manique, conservas de peixe, comércio internacional alimentar de produtos congelados, agro-pecuária (bovinos de leite e de carne, suinos) em que estavam envolvidos os seus irmãos e também em Espanha onde a vossa empresa tinha escritório em Madrid.
Só não entendo como é que optou pelo serviço público. Deve ter uma experiência muito rica. Acho que devia contar e partilhar as contas desse rosário (como escreveu a propósito do Comte. Gomes Mota).Abraço,
Pedro Soares
Ainda bem que lembrou o Comandante Gomes Mota. Tal como a outros militares de Abril, a maioria dos portugueses nem imagina o que lhes deve. Perde-se a memória desta gente e toda a gente perde, ninguém ganha com esse esquecimento. Penso que o João Cachado e todas as pessoas que tiveram a possibilidade de se relacionarem com eles e especialmente os que já morreram, deviam contar episódios que ajudem a conhecer melhor o que se passou neste país nos primeiros anos a seguir ao 25 de Abril.
Carlos Fernandes
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