Sintra...quê?
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Na continuação do escrito anterior e, à guisa de sumário, lembremos que a SintraQuorum não é uma república autónoma, isolada do todo que é o contexto da comunidade em que se encontra indissociavelmente inserida. Pelo contrário, nos mais diferentes domínios, aquela que ainda é empresa municipal, articula-se com Sintra através de traços de união de tal ordem estreitos que constituem razões mais do que suficientes para resultarem numa enorme preocupação com o que se passa à sua volta.
O caos do estacionamento nas ruas perto do Centro Cultural Olga Cadaval é coisa que, como a água, a empresa não pode sacudir do capote. De facto, em termos da responsabilidade pela situação, a SintraQuorum é apenas conivente, uma dentre as entidades que, ao longo de anos e anos, nada fizeram contra a ausência de medidas afins de um estacionamento, sem qualquer problema, absolutamente legal, a escassos trezentos metros do auditório. Causa escândalo como, tão facilmente, poderiam os condutores, devida e civilizadamente orientados, não ser induzidos à prevaricação…
Saudoso Festival
Completamente diferente se manifesta o caso da quebra de qualidade do Festival de Sintra. Como é inegável, as culpas no cartório só têm um destinatário, ou seja, nem mais nem menos do que a própria empresa municipal. E tudo isto é tanto mais evidente quanto os seus directores artísticos, na vertente musical o Dr. Luís Pereira Leal e, na dança, Mestre Vasco Wellenkamp, são personalidades do mais alto gabarito que, apesar das restrições orçamentais, foram capazes de propor alternativas de inequívoca qualidade.
Como tenho tido oportunidade de largamente demonstrar, responsável pelo descalabro foi a introdução dos designados contrapontos [que, preciso é sublinhar, nada têm a ver com o figurino do Maestro Cláudio Abbado que, há uns anos, sugeri fosse adoptado (não adaptado, e, muito menos, desta maneira...) a partir dos Kontrapunkte do Festival da Páscoa de Salzburg]. Através de tão descabelada componente, a SintraQuorum transformou a programação do Festival de Sintra num saco de gatos à bulha onde, sem ponta de lógica, sem a mínima coerência nem consistência, tudo passou a caber.
Os leitores deste blogue – e, nomeadamente, aqueles que, antes do advento dos tais contrapontos, estavam habituados a uma superior qualidade-padrão das propostas do Festival de Sintra – têm contribuído, muito generosamente, com uma enorme quantidade de comentários acerca deste assunto. Vale a pena introduzir as palavras ‘Festival de Sintra’ no rectângulo superior esquerdo do painel para consultar o arquivo e verificar o bom nível das críticas ali registadas.
Quem pretender ficar ainda mais esclarecido há-de predispor-se a um exercício que, certo é, nem a todos será acessível. Refiro-me à comparação dos programas do festival, não só de antes e depois dos contrapontos mas também de antes e depois de a iniciativa deixar de ser da responsabilidade da Câmara Municipal de Sintra para passar à da empresa municipal. Muito interessante, ler nas linhas e entrelinhas das respectivas equipas técnicas, perceber quem é quem, quem deixou de ser, que créditos de competência têm sido malbaratados e a favor ou contra quem…
De facto, só assim, e, com maior propriedade, poderá concluir-se pela adequação, também a este caso, de tudo quanto aqui tenho escrito sobre a necessidade de extinção das empresas municipais. De facto, no que em especial se refere ao notável e saudoso Festival de Sintra, nada se ganhou e tudo está prestes a perder-se irremediavelmente.
Se há coisa com a qual não pode brincar-se é a reputação de um festival. É algo de muito precioso, custa imenso a conquistar. E toda a minha mágoa reside na circunstância de que o Festival de Sintra tinha uma reputação absolutamente irrepreensível que uma certa gentinha da novel empresa municipal deitou a perder. Sem que, até hoje, apesar das queixas, tivesse agido quem poderia e deveria obviar tal estado de coisas.
É imperdoável! Tenham paciência, não posso nem devo calar-me enquanto a situação se mantiver, para prejuízo da Cultura em geral e da Cultura em Sintra, em particular. Relaciono-me ou sou mesmo amigo de certas pessoas – algumas bem conhecidas no meio musical, outras ligadas à própria realização do Festival durante muitos anos – que, estando em silêncio, partilham totalmente desta minha indignação.
Mesmo antes da extinção da empresa municipal importa acudir ao festival. E, para já, se o figurino é assim tão bom, privatizem-no! Os seus mentores que vão com ele para outro lado. E, se pretenderem manter o actual modelo, com a inclusão dos contrapontos, sigam a estratégia que aplicaram àquela coisa que aconteceu há quinze dias, ao apropriarem-se do adjectivo inglês misty.
Ao actual descalabro chamem mix. Mix qualquer coisa, ou qualquer coisa mix. Talvez counterpoints mix, que aquelas cabecinhas pequeninas, para fugirem aos pontapés na gramática do português, devem ser incapazes de sobreviver sem uma coisita em inglês. Mas, por favor, sem referência ao nome da nossa querida Sintra. É que, para o efeito da ofensa à terra, até temos uma provinciana e bacoca campanha Sintra Romântica que já pede meças à noção de disparate…
Basta de ofensas! E, em especial, de ofensas à inteligência dos munícipes. Para que fique bem claro, repito que me permito subscrever estas considerações na medida em que tudo isto se passa no contexto de uma empresa que vive e sobrevive à custa de dinheiros públicos. Directa e indirectamente, nesta e, a nível nacional, noutras 343 (é verdade, trezentas e quarenta e três!) quejandas empresas municipais, o dinheiro que circula é proveniente de impostos e de derramas que liquidamos na presunção de que o destino de tais verbas é o melhor possível…
Manifestamente, não é isto que se passa!
6 comentários:
Caro João Cachado,
Só posso dizer: Bravo. E agradecer pela sua coragem porque escrever o que escreve deve dar-lhe dissabores com muitas pessoas em Sintra. Portanto, muito obrigado e fazendo votos para que estas empresas acabem o mais rápido possível.
Já aqui vi referido a posição de vários presidentes de câmaras favoráveis ao encerramento. Se eles próprios pensam assim só falta actuar e rápido.
Vitor
Sei de dependentes da Sintraquorum que preferiam despachar directamente
com o presidente da Câmara
dizendo que a "empresa" é
só mais um empecilho.
Faço parte dos que decidi não saír da CMS quando
insistiram para eu mudar.
Obrigado pelo seu trabalho.
A empresa do Olga Cadaval tem muito mais para denunciar dantes do vigarista que fez o desfalque. Espero por saber mais coisas que constam.
Se vamos falar de vigarices o melhor é chamar a Dra. Cândida de Almeida do DCIAP que até é cá de Sintra pois deve ter muito que investigar nas empresas municipais todas para além do que se soube recentemente.
Céu Torres
É tempo de correr com os oportunistas que abundam nestas empresas e que não podem confundir-se com os que eram trabalhadores da Câmara. Tenho visto aqui neste blogue uma confusão que não tem razão para existir. Os que eram da Câmara voltam para a Câmara. Os que não eram da Câmara mas são bons devem ir agora também para a Câmara. Os filhos e afilhados e dos cartões dos partidos vão para onde estavam...
Dr. Cachado,
Diz-se na minha terra: - quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem. Isto vem a propósito dos boys e girls dos partidos que chegam a estas empresas como pés rapados e
logo começam a ter sinais
exteriores de viver à fartazana.
Há muitos Ruis Pedros Soares
pequeninos que sonham com
a vida do modelo que imitam.
às vezes não se aguentam e são apanhados nas operações da Judiciária como ontem
ou como o contabilista do Olga
Cadaval. Mas são todos
muito boas pesoas e muito
simpatizantes dos 2 grandes clubes de Lisboa...
A. Gomes
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