Seteais,
que desassossego!... [II]
Então, continuemos. Não é necessário que, pela mesma estrada, muitos mais passos tenhamos que dar para deparar com muito mais volumosas razões de queixa. À esquerda, através da clareira que resultou da abertura que rasgaram no muro da quinta, é perfeitamente possível que nos apercebamos do reboliço no espaço. É vidente que o éden do Vale dos Anjos já foi. De facto, com o seu espírito empreendedor, Pais do Amaral conseguiu transformá-lo no desafortunado terreiro em que a casa está a erguer-se.
Como poderão verificar, logo somos confrontados com o Aviso do placar que reproduzo fotograficamente. Como podem verificar, nada, absolutamente nada se informa. Está tudo por preencher. Ainda se lembram que, em 2008, tive o cuidado de fotografar, acerca desta mesma obra, um aviso com duas versões diferentes? Agora, dois anos passados, o que significará esta mascarada? Concordarão que é muito feio…
Então, no maior desrespeito pelo que determina o no. 1 do artigo 78º do Decreto-Lei no. 555/99, de 16 de Dezembro, assim têm o arrojo de sonegar a informação a que tenho direito e que devia constar do aviso? O que se pretenderá esconder? Mas que diabo de brincadeira é esta? E não há um fiscal da Câmara, desses que se fazem transportar em belíssimos jeeps Land Rover brancos, que actue em conformidade?
Continuemos a olhar e, mesmo que pela enésima vez, como conformar-nos com a presença daquele imenso monte de terra – à superfície do qual, durante os passados dois anos, já cresceu luxuriante vegetação – que, nos termos da lei, não podia ter sido removida? Ninguém actuou, ninguém pôs em causa, nenhuma das entidades oficiais envolvidas, nenhum dos partidos da oposição na Assembleia Municipal sequer secundou a minha denúncia. Que tristeza!
Continuemos. Naturalmente, ainda que preocupados com o que continua a acontecer à esquerda da estrada, já estamos mesmo junto ao barracão, de oleado branco e transparente, que, à direita, foi recentemente instalado à cota mais baixa, em terrenos da quinta de Seteais, adjacentes ao terreiro fronteiro ao Palácio. Na realidade, cada cavadela, minhoca… Em linha recta, como facilmente se constata, estamos a escassas dezenas de metros da fachada principal do grande edifício classificado.
Todavia, aproximando-nos da curva, o branco barracão não permite que avistemos o palácio. Pura e simplesmente, interpõe-se. Trata-se de um picadeiro coberto, do novel Centro Equestre de Seteais, cuja sinalização, como igualmente se atesta, é profusa e sem qualquer respeito pelos suportes pétreos onde apuseram a publicidade que bem apeteceu. Cumpre perguntar se a concessão ao hoteleiro Espírito Santo contempla todas estas controversas atitudes.
O que não há dúvida é que, à volta do Palácio Hotel de Seteais, demasiados são os episódios geradores de polémica pública. Já vai sendo tempo de a comunidade sintrense conhecer os termos que permitem ao concessionário usar aquele espaço a seu bel-prazer. De facto, os desmandos têm ultrapassado os limites do suportável. Entre outros, desde a instalação de pesadas estruturas metálicas, durante mais de um mês, aquando do casamento da filha do banqueiro, há cinco anos, arrasando parcialmente o relvado, até ao intempestivo e desnecessário encerramento do terreiro durante o período de obras no interior do hotel e à destruição do tanque, a nada temos sido poupados.
Quer dizer, ao contrário do que sucedeu na altura do copo d´água da piquena, com a tal monumental barraca que, para todos os efeitos, mais não era do que construção efémera, a remover rapidamente, o actual barracão não só é impositivo como se apresenta com carácter permanente. Mas, como é possível? Naquele local, em zona de protecção? E, em termos do negócio em perspectiva, já pensaram no privilégio? Já se aperceberam da excepcionalidade daquela ímpar situação?
Nada me escandalizaria que, durante um fim de semana, por exemplo, no âmbito de uma exposição canina, se montasse um pavilhão daqueles que, dois ou três dias depois, seria desarmado. A título precário, enfim, embora criticável, admitir-se-ia. Porém, como é facilmente entendível, tal não é o caso em presença. Trata-se de um manifesto abuso, perfeitamente inadmissível, urgindo que actue quem de direito.
E, a propósito, tanto quanto tenho conhecimento, o representante do Estado Português que articula com o concessionário é a empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua cujo presidente do conselho de administração, o Professor António Ressano Garcia Lamas, estou certo, não se eximirá ao esclarecimento.
Tratando-se do lugar geométrico do desassossego, nada mais natural, neste recanto de Seteais, que estejamos apenas a meia dúzia de metros do tanque destruído. Foi um crime. Não há outra designação mais adequada. No entanto, para mais alguma coisa serve a infeliz construção, além de desleixada arrecadação que qualquer pessoa vê a partir do ponto em que nos encontramos.
Na realidade, actualmente, aquela casa de máquinas, que resultou da ultra-polémica intervenção do concessionário Espírito Santo, autorizada e defendida pelo IGESPAR, nos termos que tive oportunidade de divulgar, transformou-se num símbolo da incompetência na gestão e preservação do património de Sintra. Aliás, disto mesmo, ou seja, das flagrantes contradições entre o discurso oficial do Presidente da Câmara sobre a defesa do património e a realidade do que, infelizmente, acontece em Sintra, se aperceberam os peritos que aqui estiveram em missão de avaliação da UNESCO.
Penso que, sendo suficientemente eloquentes, as fotos dispensam-me de considerações de reforço. Mas é impossível deixar de comparar este degradante mas bem visível testemunho de incompetência a todos os níveis com a situação anterior, em que o tanque fazia parte de um coerente dispositivo de lazer, que integrava todos os acessórios e pertences, ainda hoje bem distintos à sua volta.
O nojo inqualificável de uma zona que, presentemente, acumula detritos, à mistura com uma desarrumação de mangueiras, latas, cadeiras de plástico (onde, à hora do almoço, se refastelam os operários, numa cena ordinária, de perfeito subúrbio), é a prova acabada da indecência e do descuido – não só do concessionário, cujo perfil já deu para entender como resvala para as atitudes desqualificadas – mas, isso sim, a começar pela autarquia, das várias entidades cuja obrigação primordial seria evitar tal ocorrência.
Feios, porcos e maus. Hão-de concordar, estou certo, que não exagerei. Finalmente, só me resta recordar as palavras subscritas pelo Senhor Arquitecto Luís de Pinho Lopes, Assessor Principal do IGESPAR, actual Chefe do Gabinete de Sua Exª o Secretário de Estado da Cultura, na resposta que me dirigiu, subsequente à tomada de posição contra a destruição do tanque: “(…) A construção em curso será coberta por uma laje impermeabilizada, a qual servirá de fundo a um espelho de água, criando no final da obra a ilusão de um tanque cheio (…)”
Que topete! Que ignorância! Que lamentável exemplo de posição oficial! Fica na história das ofensas a Sintra, em benefício do concessionário, que soube contar com o servil apoio de quem deveria ter estado à altura da defesa do interesse geral da comunidade e do seu património local, em particular. Que falta de valores! Do provinciano e inqualificável espelho de água ilusionista, prenunciado pelo referido técnico superior do Ministério da Cultura, afinal saiu a trampa infecta deste que é o espelho da cultura do desleixo, a especialidade lusa por excelência.
8 comentários:
O que acontece em Seteais é consequência da falta de interesse e de amor pela terra. Há tempo demais que Sintra não tem à frente um filho da terra. Seteais está como está porque
Seteais e Sintra em geral só voltam ao sossego quando o Seara for substituído por alguém competente, verdadeiramente de Sintra,
que toda a gente saiba que põe Sintra acima de tudo.
Luís Gomes
Amigo e colega Cachado,
Fico muito admirada com a falta de cuidado da Monte da Lua ao permitir a instalação do picadeiro que já vi. Ainda bem que o João Cachado está atento. Obrigado.
Rosa Lima
Parece que a Monte da Lua
também deve impedir que o concessionário (Hotel Tivoli, Grupo Espírito Santo)
deixe chegar a zona do tanque a esta vergonha de
descuido.
Também agradeço ao Prof. João Cachado este alerta. A sua
preocupação com Sintra é um exemplo. Bem haja.
Gomes Nunes
Ok, isto é um atentado, mas terá a importância considerada relevante por "alguém" que "tutele" "algum" poder judicial ou outro travar tal atentado? Há situações bem mais graves cá por Sintra. Há uma série de canalhas por cá a encherem-se e a darem cabo do património sem serem chamados à responsabilidade do seus actos. A gestão danosa é uma realidade. Até quando este pseudo-edil vai permitir o intolerável? Sabemos todos reclamar mas não a quem queixar.
Se em Sintra houvesse uns bons serviços culturais e de turismo como há em Cascais, Seteais e outros sítios não sofriam estes males. Mas tanto os técnicos como os vereadores são muito fracos e Sintra é uma terra com muitas exigências para estar na mão destes incompetentes.
A qualidade da gestão do Seara é visível no que acontece em Seteais. Ele é culpado e a dobrar porque em primeiro lugar a Câmara também autorizou a construção do solar do Pais do Amaral e em segundo lugar quanto ao concessionário, a Monte da Lua que devia controlar o que se passa tem um administrador indicado pela
Câmara. A lei existe mas ninguém se preocupa em cumprir.
António Sobral
Entre a falta de cuidado com Seteais e as despesas escusadas com as iluminações de Natal, o Seara faz asneiras que a gente de Sintra nunca prestou atenção. Qualquer dia vai-se embora para o futebol e é mais um que vai à sua vidinha depois de nos ter lixado a vida. Espera-se que nas próximas eleições as pessoas saibam votar melhor. Basta de barbis e de carecas do Benfica.
José Pais
Colega e amigo,
Fui lá ao sítio. Quem não esteja muito motivado nem se apercebe daquilo que o Cachado classifica como ofensas ao lugar ou talvez fique chocado com o desarranjo e falta de limpeza junto ao tanque. Mas Sintra e Seteais merecem estes alertas referentes a situações que só os iniciados entendem plenamente.
Alberto S. Vicente
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