Elise Hensler,
o restauro da memória
Certo é que, esporadicamente, se fala e escreve acerca da senhora. Também é certo que, a propósito do restauro e recentíssima reabertura do chalet na Pena, se mantém o pretexto para que, ao designar a casa e o espaço envolvente, tenhamos de a nomear. Todavia, ao longo de oitenta anos, desde que morreu em 1929 até aos dias de hoje, muito discretas, diria mesmo que demasiado discretas, têm sido as demonstrações de reconhecimento que a comunidade de Sintra dispensou à memória da Condessa d’Edla.
Por outro lado, até mesmo a biografia, Condessa d’Edla a cantora de ópera quasi rainha de Portugal e Espanha, escrita por Teresa Rebelo e publicada em 2006, não escapa a evitáveis imprecisões, particularmente nos aspectos mais atinentes ao mundo musical, solicitando a maior benevolência do leitor… Isto para não entrar no campo da falta de respeito, algo que me parece ter acontecido na atribuição do nome da Condessa d’Edla a uma paupérrima, tristíssima, incaracterística e nua rotunda, passe a publicidade, entre a Norauto, Decathlon e Leroy Merlin.
O mínimo que poderei confirmar, desde logo, para não afirmar, liminarmente, que um pesadíssimo anátema se abateu sobre a figura de Elise Hensler, é que a História não tem feito justiça a esta figura tão singular. Eventualmente de ascendência nobre, nascida no seio de família da burguesia alemã mas em território suiço, naturalizada americana, cantora lírica com carreira nos Estados Unidos e na Europa, é senhora de um percurso fascinante, com uma vida sentimental algo atribulada, mesmo antes do matrimónio morganático com Fernando de Sax Coburg Gotha, príncipe consorte e rei de Portugal.
A condessa faz parte de um património de memórias que se enquadram no panorama sociocultural do último quartel do século dezanove e primeiro do vinte, com especial relevo para o envolvimento da própria família real portuguesa, memórias essas que, indubitavelmente, se articulam com o seu contributo para o enriquecimento daquilo que, habitualmente, se designa como a romântica atmosfera sintrense.
Ora bem, na sequência do texto A visita a Elise, que aqui publiquei no passado dia 23 de Maio, eis que continuo com o ciclo temático suscitado pelo feliz desfecho da campanha de obras de recuperação de um edifício que, actualmente, é possível desfrutar ao mesmo tempo que se aprende uma espantosa lição de respeito por um património tão compósito no seu romântico eclectismo. Contudo, no contexto da linha de intervenção cultural afim da luta pela reabilitação da memória desta senhora, considero ser meu dever não descansar sobre este evento e, isso sim, aproveitar a oportunidade para continuar a propor uma iniciativa que, anteriormente, já me levou a alguns contactos com a Parques de Sintra Monte da Lua (PSML), ainda que me limitando a secundar todo um trabalho prévio de Emília Reis.
Um restauro especialA reflexão que vos trago relaciona-se com um trabalho levado a cabo pela Dra. Catarina Serpa, no âmbito de um estágio na Câmara Municipal de Sintra, subordinado ao título Elise Hensler, Condessa d’Edla – Estudo Biográfico e Projecto para uma Exposição*. Uma exposição! Nem mais nem menos, exposição que a autora projectou, com o maior detalhe, considerando-a organizada em dez módulos de referência temática – por exemplo, 1. As origens, 2.O início da carreira de Elise Hensler, 3.As apresentações em Portugal, 4.O casamento com D. fernando II e o título de Condessa d’Edla, etc – que contemplam um total de cento e sessenta e uma peças, material do maior interesse, extremamente diversificado, sob o lema geral Condessa d’Edla, Flores e Lágrimas.
Reparem que iniciei o parágrafo anterior convidando-vos a uma reflexão. Mantendo o propósito, apenas gostaria que considerassem o intrigante enigma de uma exposição que esteve para se realizar em 2004, por altura do 75º aniversário da morte da Condessa, objectivo contrariado por manifesta falta de local adequado na altura. No entanto, porque esse obstáculo há muito foi ultrapassado, parece nada subsistir que possa impedir a exposição de se concretizar.
Peças do maior interesse, desde documentos de identificação, escrituras, certificados (de casamento e de baptismo), testamento (D. Fernando), fotografias, desenhos, gravuras, óleos, jornais, recortes de imprensa, partituras e libretti de ópera, livros, objectos de uso pessoal, vestuário, pratas, caixas e caixinhas, até às porcelanas, móveis, rendas, vidros, etc, etc, esperam pela ocasião de se deixarem expor enquanto conjunto orgânico e sistemático.
Como acontece com tantas coisas neste país, é uma pena que, há tanto tempo, permaneça a iniciativa em banho-maria. Felizmente, trata-se de matéria que, apesar do atraso, não perde qualquer ponta de interesse. Porém, talvez possa começar a surgir um ou outro problema com certas peças de um espólio obviamente disperso por muitos proprietários, a maioria dos quais descendentes directos. Só para vos dar uma ideia acerca do que pretendo alertar, tenham em consideração que, nesta última meia dúzia de anos, faleceram três bisnetos.
Tenho enorme esperança quanto à possibilidade de concretizar este projecto no mais curto período. Confio imenso na boa vontade da PSML, em especial no alto sentido de oportunidade do Prof. António Lamas que tudo fará no sentido de que não faltem meios para o bom sucesso da exposição. Por outro lado, é imprescindível o envolvimento da Câmara Municipal de Sintra, onde a coisa nasceu, por sugestão e ordem do Presidente Fernando Seara, que incumbiu a então estagiária, Dra. Catarina Serpa, de suportar documentalmente o que não passava de mera intenção.
Ao tempo foi feito o que era suposto. Agora, melhorando o que se revelar necessário, importa estar à altura de honrar a memória de Elise – através desta exposição que também é uma sui generis forma de restauro – fazendo-a conhecer como jamais sucedeu. Convenhamos que vai sendo tempo…
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* data de Fevereiro de 2007, embora se reporte a um trabalho de estágio efectuado na CMS em 2004.
8 comentários:
O lema escolhido pela Dra. Catarina Serpa para este seu trabalho - “Condessa d’Edla, Flores e Lágrimas” - terá sido inspirado na dedicatória apensa às flores que a Condessa depositou junto de D.Fernando II, aquando da sua morte, no Palácio das Necessidade.
“LÁGRIMAS E FLORES” - numa coroa composta por heras, violetas e camélias colhidas no Parque da Pena.
ereis
Meu caro Dr. Cachado,
Isto mesmo só cá em Sintra. Então com tudo preparado há sete anos e não se faz nada depois de tanto trabalho...
Mas se Sintra não pega porque não se oferece a possibilidade de concretizar a exposição, por exemplo, em Cascais? A Condessa d'Edla teve uma casa na Parede e como a destruiram era uma maneira de a homenagear depois da ofensa,
não acha?
Abraço, Pedro Távares
O restauro do chalet é uma maravilha. Mas quando a Câmara de Sintra dá o nome da Condessa d'Edla aquela rotunda, está tudo dito...
Meu amigo,
Não parece possível a falta de local para a exposição com tantos palácios em Sintra. Se continuar a haver problema, posso dispôr de uma garagem grande... Valha-nos Deus!
Maria Olímpia
Colega João Cachado,
A condesa foi amada por D. Fernando mas muito desconsiderada por certa nobreza e pela "sociedade" bem pensante. A reabilitação da sua memória impõe-se mesmo como obrigaçãpo da História. A exposição monográfica é uma ideia brilhante. Ficamos todos à espera e concordo consigo em que O Prof. Lamas vai acabar por nos dar a satisfação de a concretizar. Parabens pelo seu
empenho, Maria Helena T. Pereira
A memória da condessa não é mais estimada porque não fez nada de muito especial. Talvez em Sintra tenham razões para a lembrar mas se merecesse a pena já alguma coisa se tinha feito.HJ
Não concordo de maneira alguma. A condessa foi uma pessoa excepcional, só se fala no D. Fernando como construtor do parque da Pena mas sabe-se que a senhora foi tão importante ou mais do que ele na composição dos jardins. Muito do ambiente de Sintra deve-se a ela. Nem concordo quando diz que "talvez" Sintra tenha razões. Tire a dúvida p+orque Sintra deve muito à condessa.
Maria F. Correia
Acho que relativamente à reabilitação da memória da Condessa vai havendo «flores e lágrimas»... e ao longo do tempo mais lágrimas do que flores.
Teresa
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