[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 27 de julho de 2011



Estefânea de Sintra,
três instantâneos


1.
Muito grávida, a jovem mamã empurrava um carrinho de bebé. Vinda da Segurança Social, ia pelo passeio da direita e estava prestes a entrar na zona da Correnteza, agora ocupada com a feira do livro. Acorri, quando, vendo-a hesitante quanto à decisão a tomar, me apercebi de que não haveria alternativa à ocupação da faixa de rodagem. Ajudei a atravessar a rua e a tomar o passeio do lado oposto, recomendando-lhe a melhor solução. Agradeceu e cada um seguiu o seu caminho.

Mais uns metros e, olhando eu para trás, verifiquei que, afinal, a senhora estava novamente em apuros. Desta vez, tive de correr porque circulavam muitos automóveis. Não havia nada a fazer. Deixámos passar os carros e tomámos a faixa de rodagem até poder atravessar e prosseguir através do corredor livre entre as barracas da feira.


Claro que a ninguém da organização do certame cultural ocorreu que estava a agravar as normais – já péssimas e perigosas – condições a que, em Sintra, estão sujeitos os cidadãos acompanhantes de crianças.

2.
Havia um problema de rotura de um cano de água no prédio da Rua Câmara Pestana onde está instalada a Conservatória do Registo Predial. Quando cheguei ao local, o desconchavo não podia ser mais sintomático. Duas viaturas dos SMAS estavam estacionadas sobre o passeio adjacente ao muro da antiga oficina e vivenda devoluta. Eram sete os funcionários à porta do prédio ainda que apenas dois estivessem mesmo a trabalhar.

Entretanto, proveniente do primeiro quarteirão da mesma rua, aproximara-se um cego com o seu cão guia. Muito naturalmente, pretendia prosseguir pelo passeio, precisamente o mesmo que, intempestivamente e, à trouxe-mouxe, fora ocupado pelos carros dos serviços municipais. Muito simpaticamente - já repararam como são simpáticos os lusos prevaricadores? - o oitavo funcionário dos SMAS ia tentando orientar o cego.


Claro que havia alternativa correcta e civilizada para o estacionamento selvagem protagonizado pelo pessoal da Câmara Municipal de Sintra. Claro que o cão guia, treinado em Bordéus e recém-chegado, só agora começou a perceber que fora exportado para uma latitude pouco recomendável…

3.
Rua Adriano Júlio Coelho, até há poucos dias, zona de estacionamento no sentido ascendente, contígua ao passeio de acesso à garagem da EPMES. Já não me lembro do número total dos automóveis bloqueados naquela tarde do dia 19 do corrente, em que a Polícia Municipal decidiu manifestar a quanto pode montar uma voraz razia.


Resido na zona há mais de quarenta anos e, portanto, há tempo bastante para saber como os portadores do respectivo cartão de residente, bem como os condutores em geral, munidos do bilhete liquidado no parquímetro instalado perto da escada da igreja de São Miguel, têm estacionado e continuam a estacionar os automóveis junto àquele passeio. [Atenção, cumpre referir que se trata de uma rua que começa junto ao Centro Cultural Olga Cadaval
para terminar, sem saída, ao fundo do Bairro das Flores. Repito, rua sem saída...].


Pois a verdade é que, sem qualquer sinalização adequada – quanto mais não fosse, pelo menos, análoga à do estacionamento proibido, visível logo acima, na mencionada Rua Câmara Pestana, no troço em que se circula nos dois sentidos – a Polícia Municipal decidiu protagonizar uma atitude que, de modo algum, posso aplaudir.

Não deve haver quem, como eu, tanto tenha incentivado a PM à actuação firme contra qualquer das formas de tolerância que tanto tem contribuído para o prejuízo da nossa qualidade de vida em Sintra. Claro que, desta vez, não posso fazê-lo. Claro que se impõe avisar e instalar a sinalização relativa à proibição que terá passado a vigorar. Assim não acontecendo, apenas se trata de uma reles operação de caça à multa.

PS:
Contudo, não me passa pela cabeça que, em nome dos munícipes, a autoridade cívica e democrática, também dependente do próprio Presidente da Câmara Municipal de Sintra, incorra em atitude tão controversa. Há que fazer as coisas bem feitinhas…





7 comentários:

Carlos Sousa disse...

Amigo Dr. Cachado,

Será mesmo que voltou às questões sintrenses? Já pensava que o nome sintradoavesso já não se justificava. Estes 3 flaches dão a entender que o Dr. Cachado volta ao seu melhor. Parabéns e obrigado. Abraço, Carlos Sousa

Lisete Marques disse...

Apostaria que a grávida, o cego e os condutores multados não protestaram pelas ofensas que foram vítimas. As pessoas estão fartas de serem desrespeitadas nos seus direitos e por isso desanimam. Estes episódios são constantes e uma vergonha que já
não tem remédio porque quem protesta ainda é objecto de ridículo.
Lisete Marques

L.P. Bastos disse...

Caro Prof. Cachado,

Coisas bem feitinhas, em Sintra? Valha-o Deus, não estamos em Mafra...
L. P. Bastos

Carmo Fonseca disse...

Exmo. Dr. Cachado
O seu texto leva-me a concluir que muitos destes casos podiam não suceder se os funcionários dos vários sectores e os próprios agentes da ordem tivessem a formação necessária. Oxalá os vereadores e o Presidente estejam atentos a essa necessidade.
Carmo Fonseca

JAC disse...

Todos estes problemas relatados tem haver com falta de civismo e planeamento da nossa Vila.
Tem de se criar estacionamento onde é possível. Sempre que implique problemas de circulação aos peões (todo o tipo de peões) ou aos veículos de emergência esse estacionamento não pode existir, tem de ser colocada sinalização correcta e fiscalizar.

O Turismo é das poucas coisas que o nosso país ainda tem de bom para vender. O Ministro da Economia fala de sermos a Florida da Europa. Seria bom mas o trabalho que há para fazer em termos de planeamento e civismo é monumental, absolutamente monumental.
De uma vez por todas temos de pensar que no que tem de funcionar para uma pessoa que se desloca de cadeira de rodas é bom para todos. Todos gostaríamos de levar um bebé ou criança a passear por Sintra, todos seremos um dia mais velhos…

Temos de investir em bons transportes públicos, cómodos para todos os tipos de públicos, acessíveis, com percursos e horários bem planeados.

Continuamos a querer meter o Rossio na Betesga.

Tem de se criar vários espaços de estacionamento fora da Vila e fazer ligações ao Centro Histórico apenas por transportes públicos. Os únicos veículos que poderiam circular no Centro Histórico seriam apenas os de moradores e comerciantes e mesmos esses já são muitos.

Se calhar os comerciantes acham que tal ideia os vai fazer perder clientes, estão tão errados, eu e muitas pessoas iriam muitas mais vezes à Vila de Sintra e aos seus monumentos se houvesse a possibilidade de se respirar ar puro (e não poluição provocada por veículos automóveis) de levar um carrinho de bebé, se não tivessem que se aborrecer com o transito e com as dificuldades de estacionar... Se fossem apenas usufruir de um bom passeio pela magnifica paisagem cultural sem terem de se chatear, gastar imenso dinheiro em gasolina e estacionamento, poderiam certamente ficar lá mais que 30 minutos e gastar dinheiro noutro tipo de artigos como por exemplo os que vendem os comerciantes nos Centros Históricos...?????

Anónimo disse...

Isto já não vai com formação dos funcionários mas com substituições e ao mais alto nível. Para bom entendedor...

Ricardo Duarte disse...

Caro Prof. João Cachado,

Pego no seu último ponto para dar uma achega àquilo que tem sido a actuação deplorável da Policia Municipal em Sintra nos últimos tempos, a qual acabo por presenciar diariamente. Num País que se encontra a “saque”, são esses senhores mais uns intérpretes dos roubos que constantemente são infligidos aos cidadãos.

Caso paradigmático dessa atitude é o que vem vindo a ocorrer na Rua Francisco dos Santos (rua que sobe do largo do Morais para São Pedro). Ora, descobriu a PM o filão que é o bloqueamento de veículos nessa artéria, não só porque os moradores aí estacionam a sua viatura há dezenas de anos, bem como os utentes da clínica de fisioterapia (na maioria idosos) e da delegação do ACT ali bem próximas. Sempre foi norma o estacionamento efectuar-se em cima do passeio, em virtude das características da artéria e também porque de “passeio” só existe o nome uma vez que a calçada se encontra ocupada pelas árvores e sempre esburacada o que obriga os peões a caminharem pelo alcatrão. Até a GNR já reconheceu que a melhor solução é mesmo o estacionamento no passeio, bem encostado ao muro da Quinta dos Lagos.

Como tal, é ver todos os dias por volta da mesma hora (11 da manhã) os agentes da PM, a bloquear e autuar diversas viaturas de uma só vez. De nada vale o argumento de que a GNR aconselha aquela prática, pois de outra forma as viaturas ficam no meio da faixa de rodagem, porque os rigorosos agentes “não são a GNR”…

Não só esta atitude confirma a total falta de sintonia entre autoridades como configura situação de má fé. Foi-me já confirmado por um agente da PM amigo que os próprios têm “valores diários de referência” para terem em mente no que toca a coimas. Uma maneira airosa de lhes chamar OBJECTIVOS.

Outras situações semelhantes se passam noutras artérias da Estefânia. Se por um lado a selvajaria existe e deve ser condenada, por outro a angariação de receita promove a multa gratuita em locais muitas das vezes escondidos e que pouco ou nada prejudicam o quotidiano sintrense.

Tudo isto com o beneplácito da Câmara que, apesar de já alertada por alguns comerciantes no que respeita a soluções, continua impávida e (bastante) serena. Compreensível se pensarmos que a receita “roubada” é dividida em três partes: uma para a entidade autuante, outra para o Estado e a última para o Município respectivo…