[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 30 de outubro de 2011



Para mudar de vida…

É bom não esquecer. Porque a memória é curta e a tendência para tudo confundir é uma constante, cumpre ter muito presente que, a montante da situação de penúria que se vive entre nós, há um quadro de referências nada simpático, mesmo muito pouco honroso, por vezes, pavoroso, bem diferente do que se passou noutras latitudes e que não é possível deixar de ter em consideração.


Entre outras pinceladas de tal quadro, recorde-se que Portugal se fartou de chafurdar na gamela europeia de iniquidades mal cheirosas, pelo que não podia deixar de integrar o grupo dos PIGS. É horrível, ninguém gosta da conotação com o animal – afinal, um bicho porreiro, bonacheirão, algo desconfiado, é certo – mas quem não quer ser porco não lhe veste a pele…

Sem pretender ser exaustivo, outra das referências do mesmo quadro tem a ver com a gestão errática, incompetente, indutora de não poucos e bem conhecidos crimes e casos de polícia, protagonizada por políticos do mais baixo calibre, aldrabões, ignorantes arrogantes.


O resultado de décadas do profícuo labor desta desqualificada gente ultrapassa o da generalizada mediocridade da classe política europeia. Não surpreende, nestes termos, que se evidencie a mais absoluta fragilidade da economia e finanças nacionais, bem espelhada na tremenda borrasca que sobre nós se abateu.


É um horror. Tem sido um horror, que os mais lúcidos de nós, temos vindo a tentar denunciar, clamando num deserto de cegos e surdos. E ainda mal acordámos do pesadelo. Contudo, se pretendemos que o nosso despertar constitua ponto de partida para a mudança, não haja a menor dúvida – e já o tenho escrito em várias ocasiões – é imprescindível que a comunidade nacional entenda a responsabilidade dos muitos autores do descalabro, a partir de que momento, durante quanto tempo e de que modo actuaram.


Avançar? Sem perceber?...

Estão indignados os cidadãos? Ou seja, sentem os cidadãos que uma cambada de energúmenos feriram a sua dignidade? Sentem os cidadãos que, no entanto, há que continuar a ser Portugal, mas sem cometer erros idênticos? Então urge perceber muito bem o que aconteceu. Alguém, neste caso, muita gente, fez alguma coisa muito errada, em determinados lugares, durante um certo período de tempo, com objectivos mais ou menos claros ou obscuros que resultaram no desastre que vivemos.

O horror tem, formas, caras, contornos definidos. É absolutamente crucial esclarecê-los para que, uma vez satisfeita essa necessidade de verdade, possa acontecer toda uma participação cívica que nunca foi vivida em Portugal. Só acontecerá a mobilização dos cidadãos para a mudança que importa concretizar, a caminho de outro paradigma, de outros modelos de vida mais verdadeira e consentânea com os recursos disponíveis e gerados, só acontecerá essa mobilização, repito, se soubermos ir tão longe quanto necessário à descoberta desses miasmas do horror.

Não se trata de procura mórbida dos culpados. Trata-se, isso sim, também como já tenho afirmado, de uma questão de dignidade, que se confunde com a inevitável resultante de pedagogia social de que todos os cidadãos lucrarão, em especial, as crianças e jovens. Não há outra solução ou, melhor, até haverá mas desperdiçar a oportunidade também seria a confissão de não ter estado à altura do momento.

De facto, aos mais novos, é preciso deixar a mensagem de que errámos mas soubemos despistar os erros e com eles aprender a ser melhores, para evitar a corrupção, o compadrio, a ignomínia, a fraude, a economia informal, a fuga aos impostos e todas essas chagas que temos agarradas à pele de um corpo social que, aparentemente, até muito bem com elas tem convivido…


3 comentários:

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Desgraçadamente a fase da moral pública já foi totalmente ultrapassada por uma clique dominante sem moral, sem estofo patriótico, apenas ao seu serviço e contando com serventuários a todos os níveis que lhes garante a impunidade.

Permita que recorde o que escrevi no meu blogue http://retalhos-de-sintra.blogspot.com/2011/07/exigencia-nacional-julgar-os-culpados.html defendendo que os culpados sejam apurados.

Onde pára o nosso dinheiro e que deveria ter servido para o desenvolvimento do país? Parece que ninguém sabe...até os que o andaram a gastar, a distribuir, a comprar votos.

Como se chegou a isto, meu caro? Porque a crápula de políticos que temos, apesar de maus actores, conseguiram fazer-nos acreditar que eram pessoas de bem.

Pensámos que eram pessoas incapazes de funcionar nos terrenos obscuros, nas influências e comprometimentos de grupo, comandar as notícias, iludirem-nos até ao extremo a que chegámos.

Hoje, o nojo nantém-se mas deve aliar-se à indignação, ao desprezo, à denúncia permanente dessas figuras asquerosas que colocando os seus interesses e ambições em primeiro lugar, ainda passam sorridentes pelo meio dos que desgraçaram.

Esta luta não pode parar.

Responsabilizar os culpados é uma exigência nacional, para termos um futuro mais limpo, sem lixo, sem gente desta para varrer.

Um abraço,

Fernando Castelo

Sintra do avesso disse...

Meu Amigo,

Acerca deste assunto já escrevi tantas considerações que me arrisco a ser repetitivo. Faz hoje precisamente 15 dias que publiquei "Banco dos réus", através do qual partilhei com os meus leitores mensagem idêntica. Estou tão convencido - e, pelos vistos, o meu amigo também - da razão que nos assiste que, à modestíssima medida das minhas possibilidades, vou continuar a lutar no sentido de que aconteça a dignificação que advogo.

Um abraço grande,

João Cachado

Sintra do avesso disse...

Passo a transcrever a parte útil de uma mensagem que, a propósito deste texto, recebi via e-mail:

"(...) Tiveste uma excelente lembrança.
Pensamentos lúcidos sabem àquela oportuna gota de água no oásis.
Há tantos anos que assistimos ao delapidar impune da res publica.
Ouvi há dias a entrevista de Torgal Ferreira, o bispo das Forças Armadas.
Será que ele também viu a luz?
Que livre discorrer.
Sabedoria, beleza, força

Rescrevo algumas das suas palavras:

"...Afirmo as coisas com veemência...
...As pessoas que votaram este governo devem estar felicíssimas...
...A desgraça em que caímos...
...A razão é sempre crítica...
...Não pode ser ou vai ou racha...
...Vai haver mártires...
...Coro de escravos....
...Dissonância entre o Presidente da República e o 1º Ministro...
...O que me interessa são as coisas de fundo. O que me interessa são os dramas humanos...
...Sem retórica...
...Jogada política. Estratégias.O que eu queria era uma táctica que desse resultado...
...Não sei se estaremos a caminhar para o Apocalipse Now da Grécia, a meta..."

Este Senhor que é bispo da Igreja Católica Apostólica Romana surpreendeu-me pela positiva.
Recordou-me o bom papa João.

(...)

Com pensadores como os que temos tido à frente nos últimos anos, ainda estaríamos no absolutismo real. Não existiria esta desacreditada república.

Amanhã de novo o sol se levantará no Oriente

(...)"